sábado, 10 de dezembro de 2011
Harry Potter e o Cálice de fogo (3/7)
CAPÍTULO ONZE
A bordo do Expresso de Hogwarts
Havia no ar uma inquestionável tristeza de fim de férias quando Harry acordou na manhã seguinte. A chuva forte continuava a fustigar a janela enquanto ele vestia um jeans e uma camiseta, trocaria pelas vestes de escola no Expresso de Hogwarts.
Ele, Rony, Fred e Jorge tinham acabado de chegar ao patamar do primeiro andar, a caminho de tomar o café da manhã, quando a Sra. Weasley apareceu ao pé da escada, parecendo aflita.
— Arthur! — gritou ela para cima. — Arthur! Mensagem urgente do Ministério!
Harry se achatou contra a parede quando o Sr. Weasley passou correndo, com as vestes de trás para frente e desapareceu de vista. Quando Harry e os outros entraram na cozinha, viram a Sra. Weasley remexendo, ansiosamente, nas gavetas do guarda-louça.
— Tenho uma pena em algum lugar aqui! — dizia ela, enquanto o Sr. Weasley se curvava para a lareira falando com...
Harry fechou os olhos com força e reabriu-os para ter certeza de que estava vendo direito.
A cabeça de Amos Diggory estava parada no meio das chamas como um grande ovo barbudo. Ele falava muito depressa, completamente indiferente às fagulhas que voavam ao seu redor e às chamas que lambiam suas orelhas.
—... Os vizinhos trouxas ouviram estampidos e gritos, então foram e chamaram a... Como é mesmo o nome?... Polícia. Arthur, você tem que ir lá...
— Tome! — disse a Sra. Weasley sem fôlego, empurrando um pedaço de pergaminho, um tinteiro e uma pena amassada nas mãos do marido.
— ... Foi pura sorte eu ter sabido — continuou a cabeça do Sr. Diggory -precisei vir ao escritório mais cedo para despachar umas corujas, e encontrei o pessoal do Uso Indevido da Magia de saída... Se a Rita Skeeter souber dessa, Arthur...
— Que é que Olho-Tonto diz que aconteceu? — perguntou o Sr. Weasley, ao mesmo tempo que desenroscava a tampa do tinteiro, molhava a pena e se preparava para escrever.
Os olhos do Sr. Diggory reviraram nas órbitas.
— Disse que ouviu intrusos no jardim. Disse que se aproximavam sorrateiramente da casa, mas que foram atacados pelas latas de lixo.
— Que foi que as latas de lixo fizeram? — perguntou o Sr. Weasley, escrevendo freneticamente.
— Fizeram um estardalhaço e dispararam lixo para todo lado, pelo que sei — falou o Sr. Diggory. — Aparentemente uma delas ainda estava voando a esmo quando a polícia apareceu...
O Sr. Weasley gemeu.
— E o que aconteceu com os intrusos?
— Arthur, você conhece Olho-Tonto — disse a cabeça tornando a revirar os olhos. — Alguém andando pelo jardim dele na calada da noite? Mais provavelmente era algum gato com neurose de guerra vagando por ali, coberto de cascas de batatas. Mas se o pessoal do Uso Indevido da Magia puser as mãos em Olho-Tonto, ele está perdido, pense na ficha dele, temos que livrá-lo com uma acusação menos séria, alguma coisa no seu departamento, qual é a penalidade para explosão de latas de lixo?
— Talvez uma advertência — respondeu o Sr. Weasley, ainda escrevendo muito depressa, a testa vincada. — Olho-Tonto não usou a varinha? Não chegou a atacar ninguém?
— Aposto que ele pulou da cama e começou a enfeitiçar tudo que conseguiu alcançar pela janela, mas daria muito trabalho provar isso, não houve nenhuma vítima.
— Tudo bem, estou de saída — disse o Sr. Weasley e, enfiando o pergaminho com as anotações no bolso, saiu correndo da cozinha.
A cabeça do Sr. Diggory olhou para os lados e se fixou na Sra. Weasley.
— Desculpe o mau jeito, Molly — disse, mais calmamente —, incomodar vocês tão cedo... Mas Arthur é a única pessoa que pode livrar Olho-Tonto, e Olho-Tonto ia começar um novo emprego hoje. Por que é que tinha que escolher logo ontem à noite...
— Tudo bem, Amos. Tem certeza de que não quer comer uma torrada ou qualquer outra coisa antes de ir?
— Ah, então quero.
A Sra. Weasley apanhou uma torrada amanteigada em uma pilha sobre a mesa da cozinha, prendeu-a nas tenazes da lareira e a levou à boca do Sr. Diggory.
— Obrigado — disse ele com a voz abafada e, em seguida, com um estalido, desapareceu.
Harry ouviu o Sr. Weasley gritar tchau apressado para Gui, Carlinhos, Percy e as garotas. Em cinco minutos, ele estava de volta à cozinha, as vestes agora do lado certo, passando um pente nos cabelos.
— É melhor eu me apressar... Um bom ano letivo para vocês, meninos — disse o Sr. Weasley para Harry, Rony e os gêmeos, puxando uma capa por cima dos ombros e se preparando para desaparatar. — Molly, você acha que dá conta de levar os meninos até King’s Cross?
— Claro que sim. Se preocupe com Olho-Tonto que nós cuidamos do resto.
Quando o Sr. Weasley desapareceu, Gui e Carlinhos entraram na cozinha.
— Alguém falou em Olho-Tonto? — perguntou Gui. — Que é que ele andou fazendo agora?
— Diz que alguém tentou entrar na casa dele à noite passada — respondeu a Sra. Weasley.
— Olho-Tonto Moody? — Indagou Jorge pensativo, passando geléia na torrada.
— Não é aquele biruta...
— Seu pai tem uma excelente opinião sobre Olho-Tonto Moody — disse a Sra. Weasley severamente.
— É, tudo bem, papai coleciona tomadas, não é mesmo? — disse Fred baixinho quando a mãe saiu da cozinha. — Cada qual com o seu igual...
— Moody já foi um grande bruxo — disse Gui.
— Ele é um velho amigo do Dumbledore, não é? — perguntou Carlinhos.
— Mas o Dumbledore não é bem o que a gente chamaria de normal, não é — comentou Fred. — Quero dizer, eu sei que ele é um gênio e tudo o mais...
— Quem é Olho-Tonto? — perguntou Harry.
— Está aposentado, mas costumava trabalhar no Ministério — falou Carlinhos. — O vi uma vez quando papai me levou ao trabalho. Ele foi Auror... Um dos melhores... Um cara que captura bruxos das trevas — acrescentou, vendo o olhar atônito de Harry. — Encheu metade das celas de Azkaban. Mas fez uma pá de inimigos... Principalmente as famílias das pessoas que ele prendeu... E ouvi falar que Moody está ficando realmente paranóico na velhice. Não confia mais em ninguém. Vê bruxos das trevas por todo lado.
Gui e Carlinhos resolveram acompanhar os garotos ao embarque na estação de King"s Cross, mas Percy se desculpou profusamente e disse que precisava de fato ir trabalhar.
— Não posso pedir mais licenças no momento. O Sr. Crouch está realmente começando a confiar em mim.
— Ah é, sabe de uma coisa, Percy? — disse Jorge sério. — Acho que não demora muito, ele vai aprender o seu nome.
A Sra. Weasley tinha se aventurado a telefonar para a agência de correio do povoado para pedir três táxis de trouxas para levá-los a Londres.
— Arthur tentou pedir emprestado uns carros do Ministério para nós -sussurrou a Sra. Weasley a Harry, enquanto aguardavam parados no pátio lavado de chuva os motoristas dos táxis carregarem os pesados malões de Hogwarts nos carros. — Mas não havia nenhum disponível... Ah, meu Deus, a cara deles não está nada feliz, não é?
Harry não quis comentar com a Sra. Weasley que motoristas de táxi trouxas raramente transportavam corujas excitadas, e Pichitinho estava fazendo um estardalhaço tremendo. E tampouco ajudou o fato de alguns fogos Dr. Filibusteiro, que não aquecem e acendem molhados, terem explodido inesperadamente quando o malão de Fred se abriu, fazendo o motorista que o carregava berrar de susto e dor, pois Bichento enterrou as garras na perna do homem.
A viagem foi desconfortável, porque eles viajaram espremidos no banco traseiro dos táxis com os malões. Bichento levou algum tempo para se recuperar do susto com os fogos e, até entrarem em Londres, Harry, Rony e Hermione acabaram seriamente arranhados. Sentiram um grande alívio ao desembarcar na estação, embora a chuva caísse mais forte que nunca e eles tivessem se encharcado para atravessar a rua movimentada para entrar na estação com os malões.
A essa altura, Harry já estava se acostumando a embarcar na plataforma
9 e ½. Era apenas uma questão de rumar diretamente para a barreira, aparentemente sólida, que dividia as plataformas nove e dez. A única parte difícil era fazer isso discretamente de modo a não chamar a atenção dos trouxas.
Fizeram isso em grupos, hoje; Harry, Rony e Hermione (os mais visíveis, pois iam levando Pichitinho e Bichento) foram os primeiros, eles se encostaram descontraidamente na barreira, conversando despreocupados e deslizaram de lado por ela... E, ao fazerem isso, a plataforma 9 e ½ se materializou diante deles.
O Expresso de Hogwarts, uma reluzente locomotiva vermelha, já estava aguardando, soltando nuvens repolhudas de fumaça, através das quais os muitos alunos de Hogwarts e seus pais parados na plataforma pareciam fantasmas escuros.
Pichitinho fez mais barulho que nunca em resposta ao pio das outras corujas escondidas na névoa. Harry, Rony e Hermione saíram em busca de lugares e logo estavam guardando a bagagem em uma cabine mais ou menos na metade do trem. Depois, eles tornaram a saltar para se despedir da Sra. Weasley, de Gui e Carlinhos.
— Talvez eu volte a ver vocês mais cedo do que pensam — disse Carlinhos, rindo, ao dar um abraço de despedida em Gina.
— Por quê? — perguntou Fred interessado.
— Você verá — respondeu Carlinhos. — Só não diga a Percy que eu falei isso... porque afinal é informação privilegiada, até o Ministério resolver divulgá-la.
— É, eu até sinto vontade de estar estudando em Hogwarts este ano — disse Gui, as mãos enfiadas nos bolsos, contemplando com um ar quase saudoso o trem.
— Por quê?— perguntou Jorge impaciente.
— Vocês vão ter um ano interessante — comentou Gui, com os olhos cintilando. — Talvez eu até peça licença para ir dar uma espiada...
— Uma espiada em quê? — perguntou Rony.
Mas nessa hora ouviram o apito e a Sra. Weasley conduziu-os impaciente às portas do trem.
— Obrigada por nos convidar, Sra. Weasley — disse Hermione, depois que embarcaram, fecharam a porta e se debruçaram na janela do corredor para falar com ela.
— É, obrigado por tudo, Sra. Weasley — disse Harry.
— Ah, o prazer foi meu, queridos — respondeu ela. — Eu os convidaria para o Natal, mas... Bem, imagino que vocês vão querer ficar em Hogwarts, por causa... De uma coisa ou outra.
— Mamãe! — exclamou Rony irritado. — Que é que vocês três sabem que nós não sabemos?
— Vocês vão descobrir hoje à noite — disse a Sra. Weasley sorrindo. — Vai ser muito excitante, estou muito contente que tenham mudado as regras...
— Que regras? — perguntaram Harry, Rony, Fred e Jorge juntos.
— Tenho certeza de que o Professor Dumbledore vai contar a vocês... Agora, comportem-se? Ouviu bem Fred? E você Jorge!
Os pistões assobiaram e o trem começou a andar.
— Conta para a gente o que vai acontecer em Hogwarts! — berrou Fred pela janela, quando a Sra. Weasley, Gui e Carlinhos foram se distanciando rapidamente. — Que regras é que vão mudar?
Mas a Sra. Weasley apenas sorriu e acenou. Antes que o trem tivesse virado a primeira curva, ela, Gui e Carlinhos tinham desaparatado.
Harry, Rony e Hermione voltaram à cabine. A chuva grossa que batia nas janelas tornava difícil ver o lado de fora. Rony abriu o malão, tirou as vestes a rigor marrons e atirou-as por cima da gaiola de Pichitinho para abafar os seus pios.
— Bagman queria nos dizer o que ia acontecer em Hogwarts — disse ele mal-humorado, sentando-se ao lado de Harry. — Na Copa Mundial, lembra? Mas nem a minha própria mãe quer contar. Que será...
— Psiu! — sussurrou Hermione de repente, levando o indicador aos lábios e apontando para a cabine ao lado. Harry e Rony prestaram atenção e ouviram uma voz arrastada já sua conhecida que entrava pela porta aberta.
—... Papai, na realidade, pensou em me mandar para Durmstrang em lugar de Hogwarts, sabem. Ele conhece o diretor lá, entendem. Bom, vocês sabem qual é a opinião dele sobre Dumbledore... O cara gosta muito de sangues-ruins e Durmstrang não admite esse tipo de ralé. Mas mamãe não gostou da idéia de eu ir para uma escola tão longe. Durmstrang tem uma política muito mais certa que Hogwarts com relação às Artes das Trevas. Os alunos de lá até aprendem essa matéria, não é só essas bobagens de defesa que a gente aprende...
Hermione se levantou, foi pé ante pé até a porta da cabine e fechou-a para abafar a voz de Malfoy.
— Então ele acha que Durmstrang teria sido melhor para ele, é? — disse ela zangada. — Eu gostaria que ele tivesse ido para lá, ai não teríamos que aturá-lo.
— Durmstrang é outra escola de bruxaria? — perguntou Harry.
— É — respondeu Hermione fungando —, e tem uma péssima reputação. Segundo aquele livro uma Avaliação da Educação em Magia na Europa, a escola enfatiza as Artes das Trevas.
— Acho que já ouvi falar nisso — disse Rony vagamente. — Onde fica? Em que país?
— Ora, ninguém sabe, não é mesmo? — respondeu Hermione, erguendo as sobrancelhas.
— Hum... Por que não? — quis saber Harry.
— Tradicionalmente há uma forte rivalidade entre as escolas de magia. Durmstrang e Beauxbatons gostam de esconder onde ficam para ninguém poder roubar os segredos delas — disse Hermione simplesmente.
— Corta essa! — exclamou Rony, começando a rir. — Durmstrang tem que ser mais ou menos do tamanho de Hogwarts, como é que alguém vai esconder um castelão encardido?
— Mas Hogwarts é escondida — retrucou Hermione, surpresa —, todo mundo sabe disso... Bom pelo menos todo mundo que leu Hogwarts: uma história.
— Então é só você — falou Rony. — Por isso pode continuar, como é que se esconde um lugar como Hogwarts?
— Encantando ele — respondeu Hermione. — Se um trouxa olhar, só o que vai ver é uma velha ruína embolorada com um letreiro na entrada “PERIGO, NÃO ENTRE, ARRISCADO”.
— Então Durmstrang também vai parecer uma ruína a um estranho?
— Talvez — disse Hermione, encolhendo os ombros —, ou talvez tenha feitiços antitrouxas, como o estádio da Copa Mundial. E para impedir bruxos estrangeiros de encontrá-lo, devem ter tornado ele impossível de mapear...
— Como é?
— Bom, a gente pode enfeitiçar um prédio para tornar impossível a pessoa o localizar em um mapa, não pode?
— Hum... Se você diz que pode — falou Harry.
— Mas eu acho que Durmstrang deve ficar em algum lugar bem ao norte –disse Hermione pensativa. — Algum lugar muito frio, porque as capas de peles fazem parte dos uniformes de lá.
— Ah, pensem só nas possibilidades — disse Rony sonhando. — Teria sido muito mais fácil empurrar Malfoy de uma geleira e fazer parecer acidente... Pena que a mãe goste dele...
A chuva foi ficando mais pesada, à medida que o trem seguia mais para o norte. O céu estava tão escuro e as janelas tão embaçadas que as lanternas foram acesas antes do meio-dia. O carrinho dos lanches surgiu sacudindo pelo corredor, e Harry comprou uma montanha de bolos de caldeirão para os três dividirem.
Muitos amigos apareceram durante a tarde, inclusive Simas Finnigan, Dino Thomas e Neville Longbottom, um menino de rosto redondo e extremamente esquecido que fora criado pela bruxa formidável que era sua avó. Simas ainda usava a roseta da Irlanda. Parte da mágica parecia estar se esgotando agora, ela ainda gritava esganiçada "Troy! Muilet! Moran!", mas de um jeito muito fraco e cansado. Passada meia hora mais ou menos, Hermione, cansando-se da interminável discussão sobre Quadribol, enterrou-se mais uma vez no Livro Padrão de Feitiços, 4ª série e começou a tentar aprender a fazer um Feitiço Convocatório.
Neville escutava, invejoso, a conversa dos colegas que reviviam a partida de Quadribol.
— Vovó não quis ir — disse ele, infeliz. — Não quis comprar as entradas. Mas parecia fantástico.
— Foi — disse Rony. — Olhe só para isso, Neville... — Ele meteu a mão no malão guardado no bagageiro e puxou a miniatura de Vítor Krum.
— Uau!— exclamou Neville, invejoso, quando Rony equilibrou Krum na mão gorducha.
— E vimos ele de perto, também — continuou Rony. — Ficamos no camarote de honra...
— Pela primeira e última vez na vida, Weasley.
Draco Malfoy aparecera à porta. Atrás dele vinham Crabbe e Goyle, seus enormes sequazes agressivos, que pareciam ter crescido no mínimo trinta centímetros durante o verão. Evidentemente tinham ouvido a conversa pela porta da cabine, que Dino e Simas deixaram entreaberta.
— Não me lembro de ter convidado você para a nossa cabine, Malfoy — disse Harry friamente.
— Weasley... Que é isso? — perguntou Malfoy, apontando para a gaiola de Pichitinho. Uma das mangas das vestes de Rony estava pendurada, e balançava com o movimento do trem, deixando o punho de renda mofada muito visível.
Rony fez menção de esconder as vestes, mas Malfoy foi rápido demais para ele; agarrou a manga e puxou.
— Olhem só para isso! — disse o garoto em êxtase, segurando as vestes de Rony e mostrando-as a Crabbe e Goyle. — Weasley, você não andou pensando em usar isso, andou? Quero dizer, isso esteve em moda aí por 1890...
— Vai lamber sabão, Malfoy! — xingou Rony, da mesma cor que as vestes ao puxá-las das mãos de Malfoy. O garoto uivava, rindo de desdém, Crabbe e Goyle gargalhavam estupidamente.
— Então... Vai entrar, Weasley? Vai tentar trazer alguma glória para o nome da sua família? E tem dinheiro também, sabe... Você vai poder comprar umas vestes decentes se ganhar...
— Do que é que você está falando? — retorquiu Rony.
— Você vai entrar? — repetiu Malfoy. — Suponho que você vá, Potter? Você nunca perde uma chance de se exibir, não é?
— Ou você explica a que está se referindo ou vai embora, Malfoy — disse Hermione, impaciente, por cima da borda do Livro Padrão de Feitiços, 4ª série.
Um sorriso satisfeito se espalhou pelo rosto pálido de Malfoy.
— Não me diga que você não sabe? Você tem um pai e um irmão no Ministério e nem ao menos sabe? Nossa, meu pai me contou há séculos... Soube pelo Cornélio Fudge. Mas papai sempre convive com o primeiro escalão do Ministério... Talvez seu pai seja insignificante demais para ter sabido, Weasley... É... Provavelmente não falam coisas importantes na frente dele...
Rindo mais uma vez, Malfoy fez sinal para Crabbe e Goyle e os três desapareceram. Rony se levantou e bateu a porta de correr da cabine com tanta força atrás deles que o vidro se espatifou.
— Rony! — exclamou Hermione em tom de censura, e puxando a varinha, murmurou a palavra Reparo! E os estilhaços do vidro tornaram a formar uma vidraça inteira e a se reencaixar na porta.
— Ora... Tirando onda que ele é bem informado e nós não... — rosnou Rony. –Papai sempre convive com o primeiro escalão do Ministério... Papai poderia ter recebido uma promoção a qualquer tempo... Mas ele gosta do cargo que ocupa...
— Claro que gosta — disse Hermione baixinho. — Não deixe o Malfoy chatear você, Rony...
— Ele! Me chatear! Como se pudesse! — retrucou Rony, apanhando um dos bolos de caldeirão que sobravam e amassando-o todo. O mau humor de Rony continuou pelo resto da viagem. Ele não falou muito quando vestiram os uniformes da escola, e continuou de cara amarrada quando o Expresso de Hogwarts começou finalmente a reduzir a velocidade até parar de todo na escuridão de breu da estação de Hogsmeade.
Quando as portas do trem se abriram, ouviu-se uma trovoada no alto.
Hermione agasalhou Bichento na capa e Rony deixou as vestes a rigor por cima da gaiola de Pichitinho ao desembarcarem, as cabeças abaixadas e os olhos apertados para impedir que o temporal os molhasse. A chuva caía em tal volume e rapidez que até parecia que alguém estava esvaziando baldes e mais baldes de água gelada na cabeça dos garotos.
— Oi, Hagrid! — berrou Harry, ao ver a silhueta gigantesca na extremidade da plataforma.
— Tudo bem? — gritou Hagrid em resposta, acenando. — Vejo vocês na festa, se não nos afogarmos no caminho!
Os alunos de primeiro ano tradicionalmente chegavam ao castelo de barco, atravessando o lago com Hagrid.
— Oooh, eu não gostaria de atravessar o lago com esse tempo — exclamou Hermione com veemência, tremendo durante a caminhada lenta pela plataforma escura com os outros colegas. Cem carruagens sem cavalos os aguardavam à saída da estação. Harry, Rony, Hermione e Neville embarcaram agradecidos em uma delas, a porta se fechou com um estalo e momentos depois, com um grande ímpeto, a longa procissão de carruagens saiu roncando e espalhando água trilha acima em direção ao castelo de Hogwarts.
CAPÍTULO DOZE
O Torneio Tribruxo
Os garotos passaram pelos portões, ladeados por estátuas de javalis alados, e as carruagens subiram o imponente caminho oscilando perigosamente sob uma chuva que parecia estar virando tromba d'água. Curvando-se para a janela, Harry pôde ver Hogwarts se aproximando, suas numerosas janelas borradas e iluminadas por trás da cortina de chuva. Os relâmpagos riscaram o céu no momento em que a carruagem parou diante das enormes portas de entrada de carvalho, a que se chegava por um lance de degraus de pedra. As pessoas que tinham tomado as carruagens anteriores já subiam correndo os degraus para entrar no castelo; Harry, Rony, Hermione e Neville saltaram da carruagem e correram escada acima, também, só erguendo a cabeça quando já estavam seguros, no cavernoso saguão de entrada iluminado por archotes, com sua magnífica escadaria de mármore.
— Caracoles — exclamou Rony, sacudindo a cabeça e espalhando água para todos os lados —, se isso continuar assim, o lago vai transbordar. Estou todo molhado!
Um grande balão vermelho e cheio de água caíra do teto na cabeça de Rony e estourara. Encharcado e resmungando, Rony cambaleou para o lado e esbarrou em Harry na hora em que uma segunda bomba de água caiu errando Hermione por um triz, ele estourou aos pés de Harry, espirrando água gelada por cima dos tênis e das meias do garoto. As pessoas em volta soltaram gritinhos e começaram a se empurrar procurando sair da linha de tiro. Harry olhou para o alto e viu, flutuando seis metros acima, Pirraça, o poltergeist, um homenzinho de chapéu em forma de sino e gravata borboleta cor de laranja, o rosto largo e malicioso contorcendo-se de concentração para tornar a fazer mira.
— PIRRAÇA! — berrou uma voz zangada. — Pirraça, desça já aqui, AGORA!
A Professora Minerva McGonagall, subdiretora da escola e diretora da Grifinória, saiu correndo do Salão Principal, a professora escorregou no chão molhado e agarrou Hermione pelo pescoço para evitar cair.
— Ai... Desculpe, Srta. Granger...
— Tudo bem, professora! — ofegou Hermione, massageando a garganta.
— Pirraça, desça aqui AGORA! — bradou ela, ajeitando o chapéu cônico e olhando feio pelos óculos de aros quadrados.
— Não tô fazendo nada! — gargalhou Pirraça, disparando uma bomba de água contra várias garotas do quinto ano, que gritaram e mergulharam no Salão Principal. — Já molharam as calças, foi? Que inconvenientes! Ihhhhhhhhhh! — E mirou mais uma bomba em um grupo de alunos do segundo ano que tinha acabado de chegar.
— Vou chamar o diretor! — ameaçou a Professora Minerva. — Estou lhe avisando, Pirraça...
Pirraça estirou a língua, jogou a última de suas bombas de água para o alto e disparou pela escada de mármore acima, gargalhando feito um louco.
— Bom, vamos andando, então! — disse a professora em tom eficiente para os alunos molhados. — Para o Salão Principal, vamos!
Harry, Rony e Hermione escorregaram pelo saguão de entrada e pelas portas de folhas duplas à direita, Rony, furioso, resmungando entre dentes ao afastar os cabelos, que escorriam água, para longe do rosto.
O Salão Principal tinha o aspecto esplêndido de sempre, decorado para a festa de abertura do ano letivo. Pratos e taças de ouro refulgiam à luz de centenas e centenas de velas que flutuavam no ar sobre as mesas. As quatro mesas longas das Casas estavam cheias de alunos que falavam sem parar; no fundo do salão, os professores e outros funcionários sentavam-se a uma quinta mesa, de frente para os estudantes.
Estava muito mais quente ali. Harry, Rony e Hermione passaram pela mesa dos alunos da Sonserina, Corvinal e Lufa-Lufa, e se sentaram com os colegas da Grifinória no extremo do salão, ao lado de Nick Quase Sem Cabeça, o fantasma de sua Casa. Branco-pérola e semitransparente, Nick estava vestido esta noite com o gibão de sempre e uma gola de rufos particularmente grande, que servia o duplo propósito de parecer bem festiva e garantir que sua cabeça não balançasse demais no pescoço parcialmente decepado.
— Boa noite — disse ele aos garotos.
— Para quem? — perguntou Harry, descalçando os tênis e despejando a água que se acumulara dentro. — Espero que andem depressa com a seleção. Estou faminto.
A seleção dos novos alunos por Casas era realizada no início de cada ano letivo, mas por uma infeliz combinação de circunstâncias, Harry não estivera presente a nenhuma desde a dele mesmo. Estava ansioso para assisti-la. Nesse instante, uma voz excitada e ofegante chamou-o mais adiante à mesa:
— Oi, Harry!
Era Colin Creevey, um aluno do terceiro ano para quem Harry era uma espécie de herói.
— Oi, Colin — cumprimentou Harry cauteloso.
— Harry, adivinha só! Adivinha só, Harry! Meu irmão está começando! Meu irmão Dênis!
— Hum... Que bom! — disse Harry.
— Ele está realmente excitado! — continuou Colin, praticamente dando pulos na cadeira. — Espero que ele fique na Grifinória! Cruze os dedos, hein, Harry?
— Hum... Claro — disse Harry. E tornou a se virar para Hermione, Rony e Nick Quase Sem Cabeça.
— Irmãos e irmãs geralmente vão para a mesma Casa, não é? Estava pensando nos Weasley, todos os sete alunos da Grifinória.
— Ah, não, não obrigatoriamente — disse Hermione. — A gêmea de Parvati Patil está em Corvinal e elas são idênticas, a gente podia até pensar que fossem ficar juntas, não é mesmo?
Harry olhou para a mesa dos professores. Parecia haver mais lugares vazios do que habitualmente. Hagrid, é claro, ainda estava lutando para atravessar o lago com os alunos do primeiro ano, a Professora McGonagall provavelmente estava supervisionando a secagem do piso do saguão de entrada, mas havia ainda outra cadeira desocupada e ele não conseguia atinar quem mais estava faltando.
— Onde é que está o novo professor de Defesa contra as Artes das Trevas? — perguntou Hermione, que também estava olhando para os professores .
Os garotos ainda não tinham tido nenhum professor de Defesa contra as Artes das Trevas que durasse mais de três trimestres. O favorito de Harry fora, de longe. o Professor Lupin, que se demitira no ano anterior. Seu olhar percorreu a mesa dos professores. Decididamente não havia nenhuma cara nova.
— Quem sabe não conseguiram ninguém! — sugeriu Hermione, parecendo ansiosa.
Harry examinou os ocupantes da mesa com mais atenção. O minúsculo Professor Flitwick, professor de Feitiços, estava sentado em uma alta pilha de almofadas ao lado da Professora Sprout, a mestra de Herbologia, usando um chapéu enviesado sobre os cabelos grisalhos e esvoaçantes. Conversava com a Professora Sinistra, do Departamento de Astronomia. Do outro lado de Sinistra estava o mestre de Poções, de rosto macilento, nariz de gancho e cabelos oleosos, Snape a pessoa de quem Harry menos gostava em Hogwarts. A repulsa de Harry por Snape só igualava o ódio que o professor sentia por ele, um ódio que tinha, se é que isso era possível, se intensificado no ano anterior, quando o garoto ajudara Sirius a fugir bem debaixo do nariz exageradamente grande de Snape — ele e Sirius eram inimigos desde os tempos de escola.
Do outro lado de Snape, havia um lugar vago, que Harry achou que devia ser o da Professora McGonagall. Ao lado, e bem no centro da mesa, sentava-se o Professor Dumbledore, o diretor, seus cabelos e barbas prateados e ondulantes brilhando à luz das velas, suas magníficas vestes verde-escuras bordadas com luas e estrelas. Dumbledore tinha as pontas dos dedos longos e finos e ele apoiava nelas o queixo, contemplando o teto através de oclinhos de meia-lua, como se estivesse perdido em pensamentos.
Harry olhou para o teto também. Era encantado para parecer o céu lá fora e nunca tivera um aspecto tão tempestuoso. Nuvens roxas e negras giravam por ele e quando se ouvia uma nova trovoada, corria um relâmpago pelo teto.
— Ah, anda logo — gemeu Rony, ao lado de Harry. — Eu seria capaz de devorar um hipogrifo.
As palavras mal tinham saído de sua boca e as portas do Salão Principal se abriram e fez-se silêncio. A Professora Minerva encabeçava uma longa fila de alunos do primeiro ano até o centro do salão. Se Harry, Rony e Hermione estavam molhados, seu estado nem se comparava ao desses garotos. Eles pareciam ter feito a travessia do lago a nado em lugar de fazê-la de barco. Todos estavam tomados por tremores, em que se misturavam o frio e o nervosismo, ao passarem pela mesa dos professores e pararem em fila diante do resto da escola — todos exceto o menorzinho, um menino com cabelos castanho-baços, que vinha embrulhado em um agasalho que Harry reconheceu ser o casaco de pele de toupeira de Hagrid.
O casaco era tão grande que o garoto parecia coberto por um toldo escuro e peludo. Seu rosto miúdo aparecia por cima da gola, quase dolorosamente excitado. Quando ele se alinhou com os colegas aterrorizados, viu que Colin Creevey o olhava, ergueu os polegares e falou:
— Caí no lago! — Parecia decididamente encantado com o ocorrido.
A Professora Minerva agora colocava um banquinho de três pernas diante dos novos alunos e, em cima, um chapéu de bruxo, extremamente velho, sujo e remendado. Os garotos arregalaram os olhos. E todo o resto da escola também.
Por um instante, fez-se silêncio. Em seguida um rasgo junto à aba se escancarou como uma boca, e o chapéu começou a cantar:
Há mil anos ou pouco mais,
Eu era recém-feito,
Viviam quatro bruxos de fama,
Cujos nomes todos ainda conhecem:
O valente Gryffindor das charnecas,
O bonito Ravenclaw das ravinas,
O meigo Hufflepuff das planícies,
O astuto Slytherin dos brejais.
Compartiam um desejo, um sonho,
Uma esperança, um plano ousado
De juntos, educar jovens bruxos.
Assim começou a Escola de Hogwarts.
Cada um desses quatro fundadores
Formou sua própria casa, pois cada um
Valorizava várias virtudes
Nos jovens que pretendiam formar.
Para Gryffindor os valentes eram
Prezados acima de todo o resto;
Para Ravenclaw os mais inteligentes
Seriam sempre os superiores;
Para Hufflepuff os aplicados eram
Os merecedores de admissão;
E Slytherin, mais sedento de poder,
Amava aqueles de grande ambição.
Enquanto vivos eles separaram
Do conjunto os seus favoritos
Mas como selecionar os melhores,
Quando um dia tivessem partido?
Foi Gryffindor que encontrou a solução
Tirando-me da própria cabeça
Depois me dotaram de cérebro
Para que por eles eu pudesse escolher!
Coloque-me entre suas orelhas,
Até hoje ainda não me enganei.
Darei uma olhada em sua cabeça
E direi qual a casa do seu coração!
Os aplausos ecoaram pelo Salão Principal quando o Chapéu Seletor terminou.
— Não foi essa a música que ele cantou quando fomos selecionados — disse Harry, fazendo coro aos aplausos gerais.
— Cada ano ele canta uma diferente — disse Rony. — Deve ser uma vida bem chata, não é, a de um chapéu? Vai ver ele passa o ano compondo a nova canção.
A Professora Minerva agora desenrolava um grande pergaminho.
— Quando eu chamar seu nome, ponha o Chapéu e se sente no banquinho -explicou ela aos alunos do primeiro ano. — Quando o chapéu anunciar sua casa, vá se sentar à mesa correspondente.
— Ackerley, Stuart!
Um menino se adiantou, tremendo visivelmente da cabeça aos pés, apanhou o Chapéu, colocou-o e se sentou no banquinho.
— Corvinal!— anunciou o chapéu.
Stuart Ackerley tirou o chapéu e correu para uma cadeira à mesa de Corvinal, na qual todos o aplaudiam. Harry viu, de relance, Cho, a apanhadora do time da Corvinal, aplaudindo Stuart Ackerley quando o garoto se sentou. Por um segundo fugaz, Harry teve um estranho desejo de se reunir à mesa da Corvinal também.
— Baddock, Malcolm!
— Sonserina
A mesa do outro lado do salão prorrompeu em vivas. Harry viu Malfoy aplaudindo quando Baddock se juntou aos alunos de Sonserina. Harry se perguntou se Baddock saberia que a casa de Sonserina formara um número maior de bruxos das trevas do que qualquer outra. Fred e Jorge vaiaram Malcolm Baddock quando ele se sentou.
— Branstone, Eleanora!
— Lufa-Lufa!
— Cauldwell, Owen!
— Lufa-Lufa!
— Creevey, Dênis!
O miudinho Dênis Creevey adiantou-se com passos incertos, tropeçando no casaco de Hagrid, que nesta hora entrou discretamente no salão por uma porta atrás da mesa dos professores. Umas duas vezes mais alto do que um homem normal e pelo menos três vezes mais largo, Hagrid, com seus cabelos e barbas negros, longos, desgrenhados e embaraçados, parecia um tanto assustador — uma impressão enganosa, porque Harry, Rony e Hermione sabiam que o amigo possuía uma natureza muito bondosa. Ele deu uma piscadela para os três garotos, ao se sentar à ponta da mesa dos professores e viu Denis Creevey experimentar o Chapéu Seletor. O rasgo junto à aba se escancarou...
— Grifinória!— gritou o chapéu.
Hagrid aplaudiu com os demais alunos da Casa, quando Denis Creevey, abrindo um sorriso de lado a lado do rosto, tirou o chapéu, recolocou-o no banquinho e correu para se juntar ao irmão.
— Colin, eu caí na água! — disse ele com a voz aguda, atirando-se no assento de uma cadeira vazia. — Foi genial! E uma coisa na água me agarrou e me empurrou de volta pro barco!
— Legal! — disse Colin, no mesmo tom excitado. — Provavelmente foi a lula gigante, Dênis!
— Uau! — exclamou Dênis, como se ninguém, nem no sonho mais delirante, pudesse esperar coisa melhor do que ser atirado em um lago revolto e profundo e ser empurrado de volta por um gigantesco monstro marinho.
— Dênis! Dênis! Está vendo aquele garoto lá? Aquele de cabelos pretos e óculos? Está vendo ele? Sabe quem é, Dênis?
Harry olhou para o outro lado, fixando toda a atenção no Chapéu Seletor, que agora selecionava Ema Dobbs.
A seleção prosseguiu, garotos e garotas expressando no rosto variados graus de medo se adiantavam, um a um, até o banquinho de três pernas, e a fila foi diminuindo à medida que a Professora Minerva ultrapassava a letra "L".
— Ah, anda logo — gemeu Rony, massageando o estômago.
— Ora, Rony, a seleção é muito mais importante do que a comida — disse Nick Quase Sem Cabeça, na hora em que "Madley, Laura!" tornava-se aluna da Lufa-Lufa.
— Claro que é, se a pessoa já está morta — retrucou Rony.
— Espero que os selecionados para a Grifinória este ano estejam à altura do time — disse o fantasma, aplaudindo, quando "McDonald, Natália!" reuniu-se à mesa deles. — Não queremos interromper a nossa maré de vitórias, não é mesmo?
Grifinória tinha ganhado o Campeonato Inter-casas nos três últimos anos.
— Pritchard, Grão!
— Sonserina!
— Quirke, Orla!
— Corvinal!
E, finalmente, com "Whirby, Kevin!" (Lufa-Lufa.") encerrou-se a seleção. A Professora Minerva apanhou o chapéu e o banquinho e levou-os embora.
— Já não era sem tempo — exclamou Rony, apanhando os talheres e olhando esperançoso para seu prato de ouro.
O Professor Dumbledore se levantara. Sorria para os estudantes, os braços abertos num gesto de boas-vindas.
— Só tenho duas palavras para lhes dizer — começou ele, sua voz grave ecoando pelo salão. — Bom apetite!
— Apoiado! Apoiado! — disseram Harry e Rony em voz alta, enquanto as travessas vazias se enchiam magicamente diante dos seus olhos. Nick Quase Sem Cabeça ficou observando tristemente Harry, Rony e Hermione encherem os pratos.
— Aaah, agora sim! — disse Rony, com a boca cheia de purê de batatas.
— Vocês têm sorte de que haja uma festa esta noite, sabem — disse Nick Quase Sem Cabeça. — Hoje cedo tivemos problemas na cozinha.
— Por quê? O que aconteceu? — perguntou Harry com a boca cheia de carne.
— Pirraça, é claro — disse Nick sacudindo a cabeça, que se desequilibrou perigosamente. O fantasma puxou mais para cima um rufo da gola. — A história de sempre, sabem. Ele queria vir à festa, bom, isto está fora de questão, vocês sabem como ele é, absolutamente selvagem, não pode ver um prato de comida sem querer atirá-lo longe. Reunimos um conselho de fantasmas, frei Gorducho foi a favor de dar uma chance a Pirraça, mas muito prudentemente, na minha opinião, o barão Sangrento fez pé firme.
O barão Sangrento era o fantasma da Sonserina, um espectro extremamente magro e silencioso, coberto de manchas de sangue prateado. Era a única pessoa de Hogwarts que conseguia realmente controlar Pirraça.
— E, achamos que Pirraça estava invocado com alguma coisa — disse Rony sombriamente. — Então, que foi que ele aprontou na cozinha?
— Ah, o de sempre — respondeu Nick Quase Sem Cabeça, sacudindo os ombros —, causou prejuízos e confusão. Tachos e panelas por toda parte. Sopa para todo lado. Deixou os elfos domésticos loucos de terror...
Blém.
Hermione derrubara sua taça de vinho. O suco de abóbora escorreu pela mesa, manchando de laranja mais de um metro de linho branco, mas nem se importou.
— Tem elfos domésticos aqui? — perguntou, encarando Nick Quase Sem Cabeça com uma expressão de horror. — Aqui em Hogwarts?
— Claro que sim — disse o fantasma, parecendo surpreso com a reação da garota. — O maior número que existe em uma habitação na Grã-Bretanha, acho. Mais de cem.
— Eu nunca vi nenhum! — exclamou Hermione.
— Bom, eles raramente deixam a cozinha durante o dia, não é? Saem à noite para fazer limpeza... Abastecer as lareiras e coisas assim... Quero dizer, não é esperado que fiquem à vista. Essa é a marca de um bom elfo doméstico, não é, que não se saiba que ele existe.
Hermione ficou olhando o fantasma.
— Mas eles recebem salário? — perguntou ela. — Têm férias, não têm? Licença médica, aposentadoria e todo o resto?
Nick Quase Sem Cabeça deu gargalhadas tão gostosas que sua gola de tufos escorregou, e a cabeça despencou para o lado e ficou balançando nos poucos centímetros de pele e músculo fantasmais que ainda a ligavam ao pescoço.
— Licença para tratamento médico e aposentadoria? — repetiu ele, puxando a cabeça de volta aos ombros e prendendo-a mais uma vez com a gola. — Elfos domésticos não querem licenças nem aposentadorias.
Hermione olhou para o prato de comida em que mal tocara, juntou os talheres e afastou-o.
— Ora, vamos, Mione — disse Rony, cuspindo, sem querer, fragmentos de pudim de carne em Harry. — Opa... Desculpe, Harry... — E engoliu. — Você não vai arranjar licenças para eles deixando de comer!
— Trabalho escravo — disse a garota, respirando com força pelo nariz. — Foi isso que preparou este jantar. Trabalho escravo.
E recusou-se a continuar comendo.
A chuva ainda batucava com força nas janelas altas e escuras. Mais uma trovoada sacudiu as vidraças e o céu tempestuoso relampejou, iluminando os pratos de ouro quando os restos do primeiro prato desapareceram e foram substituídos instantaneamente por sobremesas.
— Torta de caramelo, Mione! — exclamou Rony, abanando intencionalmente o cheiro da sobremesa para os lados da amiga. — Pudim de groselhas, olha! Bolo de chocolate recheado!
Mas Hermione lhe lançou um olhar tão parecido com o que a Professora Minerva costumava dar que o garoto desistiu. Quando as sobremesas também tinham sido destruídas, e as últimas migalhas desaparecidas dos pratos, deixando-os limpos e brilhantes, Alvo Dumbledore tornou a se levantar. O burburinho das conversas que enchiam o salão cessou quase imediatamente, de modo que somente se ouviam o uivo do vento e o batuque da chuva.
— Então! — exclamou Dumbledore, sorrindo para todos. — Agora que já comemos e molhamos também a garganta ("Hum!", fez Hermione), preciso mais uma vez pedir sua atenção, para alguns avisos. O Sr. Filch, o zelador, me pediu para avisá-los de que a lista dos objetos proibidos no interior do castelo este ano cresceu, passando a incluir Ioiôs berrantes, Frisbees dentados e Bumerangues de repetição. A lista inteira tem uns quatrocentos e trinta e sete itens, creio eu, e pode ser examinada na sala do Sr. Filch, se alguém quiser lê-la.
Os cantos da boca de Dumbledore tremeram ligeiramente. Ele continuou:
— Como sempre, eu gostaria de lembrar a todos que a floresta que faz parte da nossa propriedade é proibida a todos os alunos, e o povoado de Hogsmeade, àqueles que ainda não chegaram à terceira série.
— Tenho ainda o doloroso dever de informar que este ano não realizaremos a Copa de Quadribol entre as casas.
— Quê? — exclamou Harry. Ele olhou para Fred e Jorge, seus companheiros no time de Quadribol.
Xingaram Dumbledore em silêncio, aparentemente espantados demais para falar. Dumbledore continuou:
— Isto se deve a um evento que começará em outubro e irá prosseguir durante todo o ano letivo, mobilizando muita energia e muito tempo dos professores, mas eu tenho certeza de que vocês irão apreciá-lo imensamente. Tenho o grande prazer de anunciar que este ano em Hogwarts...
Mas neste momento, ouviu-se uma trovoada ensurdecedora e as portas do Salão Principal se escancararam.
Apareceu um homem parado à porta, apoiado em um longo cajado e coberto por uma capa de viagem preta. Todas as cabeças no Salão Principal se viraram para o estranho, repentinamente iluminado por um relâmpago que cortou o teto. Ele baixou o capuz, sacudiu uma longa juba de cabelos grisalhos ainda escuros e começou a caminhar em direção à mesa dos professores.
Um ruído metálico e abafado ecoava pelo salão a cada passo que ele dava. Quando alcançou a ponta da mesa, virou à direita e mancou pesadamente até Dumbledore.
Mais um relâmpago cruzou o teto. Hermione prendeu a respiração. O relâmpago revelou nitidamente as feições do homem e seu rosto era diferente de qualquer outro que Harry já vira. Parecia ter sido talhado em madeira exposta ao tempo, por alguém que tinha uma vaguíssima idéia do aspecto que um rosto humano deveria ter, e não fora muito habilidoso com o formão.
Cada centímetro da pele do estranho parecia ter cicatrizes. A boca lembrava um rasgo diagonal e faltava um bom pedaço do nariz. Mas eram os seus olhos que o tornavam assustador.
Um deles era miúdo, escuro e penetrante. O outro era grande, redondo como uma moeda e azul elétrico vivo, O olho azul se movia continuamente sem piscar, e revirava para cima, para baixo, e de um lado para o outro, independentemente do olho normal, depois virava de trás para diante, apontando para o interior da cabeça do homem, de modo que só o que as pessoas viam era o branco da córnea.
O estranho chegou-se a Dumbledore. Estendeu a mão direita, que era tão cheia de cicatrizes quanto o rosto, e o diretor a apertou, murmurando palavras que Harry não pôde ouvir. Parecia estar fazendo perguntas ao estranho, que abanava negativamente a cabeça, sem sorrir, e respondia em voz baixa. Dumbledore assentiu com a cabeça e indicou ao homem o lugar vazio à sua direita.
O estranho se sentou, sacudiu a juba grisalha para afastá-la do rosto, puxou um prato de salsichas para si, levou-o ao que restara do nariz e cheirou-o.
Tirou então uma faquinha do bolso, espetou a salsicha e começou a comer.
Seu olho normal fixava as salsichas, mas o olho azul continuava a dar voltas na órbita registrando o salão e os estudantes.
— Gostaria de apresentar o nosso novo professor de Defesa contra as Artes das Trevas — disse Dumbledore, animado, em meio ao silêncio. — Professor Moody.
Era normal os novos membros do corpo docente serem recebidos com aplausos, mas nem os colegas nem os estudantes bateram palmas, exceto Dumbledore e Hagrid. Os dois juntaram as mãos e bateram palmas, mas o som ecoou tristemente no silêncio e eles bem depressa pararam. Todos pareciam demasiado hipnotizados pela aparência grotesca de Moody para ter qualquer reação exceto encarar o homem.
— Moody? — murmurou Harry para Rony. — Olho-Tonto Moody? O que o seu pai foi ajudar hoje de manhã?
— Deve ser — disse Rony baixo, em tom de assombro.
— Que aconteceu com ele? — cochichou Hermione. — Que aconteceu com a cara dele?
— Não sei — cochichou Rony em resposta, mirando Moody, fascinado.
Moody parecia totalmente indiferente à recepção quase fria que tivera. Ignorando a jarra de suco de abóbora à sua frente, o homem tornou a enfiar a mão no interior da capa, puxou um frasco de bolso e bebeu um longo gole. Quando levantou o braço para beber, sua capa se elevou alguns centímetros do chão e Harry viu, por baixo da mesa, um bom pedaço de uma perna de pau, que terminava em um pé com garras.
Dumbledore pigarreou outra vez.
— Como eu ia dizendo — recomeçou ele, sorrindo para o mar de alunos à sua frente, todos ainda mirando Olho-Tonto Moody, paralisados —, teremos a honra de sediar um evento muito excitante nos próximos meses, um evento que não é realizado há um século. Tenho o enorme prazer de informar que, este ano, realizaremos um Torneio Tribruxo em Hogwarts.
— O senhor está BRINCANDO! — exclamou em voz alta Fred Weasley.
A tensão que invadira o salão desde a chegada de Moody repentinamente se desfez. Quase todos riram e Dumbledore deu risadinhas de prazer.
— Não estou brincando, Sr. Weasley — disse ele —, embora, agora que o senhor menciona, ouvi uma excelente piada durante o verão sobre um trasgo, uma bruxa má e um Leprechaun que entram num bar...
A Professora Minerva pigarreou alto.
— Hum... Mas talvez não seja hora... Não... Onde é mesmo que eu estava? Ah, sim, no Torneio Tribruxo... Bom, alguns de vocês talvez não saibam o que é esse torneio, de modo que espero que aqueles que já sabem me perdoem por dar uma breve explicação, e deixem sua atenção vagar livremente.
— O Torneio Tribruxo foi criado há uns setecentos anos, como uma competição amistosa entre as três maiores escolas européias de bruxaria -Hogwarts, Beauxbatons e Durmstrang. Um campeão foi eleito para representar cada escola e os três campeões competiram em três tarefas mágicas. As escolas se revezaram para sediar o torneio a cada cinco anos, e todos concordaram que era uma excelente maneira de estabelecer laços entre os jovens bruxos e bruxas de diferentes nacionalidades, até que a taxa de mortalidade se tornou tão alta que o torneio foi interrompido.
— Taxa de mortalidade? — sussurrou Hermione, parecendo assustada. Mas, aparentemente, sua ansiedade não foi compartilhada pela maioria dos alunos no salão, muitos murmuravam entre si, excitados, e o próprio Harry estava bem mais interessado em saber mais sobre o torneio do que em se preocupar com o que acontecera centenas de anos atrás.
— Durante séculos houve várias tentativas de reiniciar o torneio — continuou Dumbledore —, nenhuma das quais foi bem-sucedida. No entanto, os nossos Departamentos de Cooperação Internacional em Magia e de Jogos e Esportes Mágicos decidiram que já era hora de fazer uma nova tentativa. Trabalhamos muito durante o verão para garantir que, desta vez, nenhum campeão seja exposto a um perigo mortal.
— Os diretores de Beauxbatons e Durmstrang chegarão com a lista final dos competidores de suas escolas em outubro e a seleção dos três campeões será realizada no Dia das Bruxas. Um juiz imparcial decidirá que alunos terão mérito para disputar a Taça Tribruxo, a glória de sua escola e o prêmio individual de mil galeões.
— Estou nessa! — sibilou Fred Weasley para os colegas de mesa, o rosto iluminado de entusiasmo ante a perspectiva de tal glória e riqueza. Aparentemente ele não era o único que estava se vendo como campeão de Hogwarts. Em cada mesa Harry viu gente olhando arrebatada para Dumbledore ou então cochichando ardentemente com os vizinhos. Mas, então, Dumbledore recomeçou a falar, e o salão se aquietou.
— Ansiosos como eu sei que estarão para ganhar a Taça para Hogwarts — disse ele —, os diretores das escolas participantes, bem como o Ministério da Magia, concordaram em impor este ano uma restrição à idade dos contendores. Somente os alunos que forem maiores, isto é, tiverem mais de dezessete anos, terão permissão de apresentar seus nomes à seleção. Isto — Dumbledore elevou ligeiramente a voz, pois várias pessoas haviam protestado indignadas ao ouvir suas palavras, e os gêmeos Weasley, de repente, pareciam furiosos — é uma medida que julgamos necessária, pois as tarefas do torneio continuarão a ser difíceis e perigosas, por mais precauções que tomemos, e é muito pouco provável que os alunos abaixo da sexta e sétima séries sejam capazes de dar conta delas. Cuidarei pessoalmente para que nenhum aluno menor de idade engane o nosso juiz imparcial e seja escolhido campeão de Hogwarts. — Seus olhos azul-claros cintilaram ao perpassar os rostos rebelados de Fred e Jorge. — Portanto peço que não percam tempo apresentando suas candidaturas se ainda não tiverem completado dezessete anos.
— As delegações de Beauxbatons e de Durmstrang chegarão em outubro e permanecerão conosco a maior parte deste ano letivo. Sei que estenderão as suas boas maneiras aos nossos visitantes estrangeiros enquanto estiverem conosco, e que darão o seu generoso apoio ao campeão de Hogwarts quando ele for escolhido. E agora já está ficando tarde e sei como é importante estarem acordados e descansados para começar as aulas amanhã de manhã. Hora de dormir! Vamos andando!
Dumbledore tornou a se sentar e virou-se para falar com Olho-Tonto Moody. Ouviu-se um estardalhaço de cadeiras batendo e se arrastando quando os alunos se levantaram para sair como um enxame em direção às portas de entrada do Salão Principal.
— Não podem fazer isso com a gente! — reclamou Jorge Weasley, que não se reunira aos colegas que se dirigiam às portas, mas continuara parado olhando de cara emburrada para Dumbledore. — Vamos fazer dezessete anos em abril, por que não podemos tentar?
— Não vão me impedir de me inscrever — disse Fred, teimoso, também amarrando a cara para a mesa principal. — Os campeões vão fazer todo o tipo de coisa que normalmente nunca podemos fazer. E mil galeões de prêmio!
— É — disse Rony, um olhar distante no rosto. — É, mil galeões...
— Vamos — disse Hermione —, vamos ser os únicos a ficar aqui se você não se mexer.
Harry, Rony, Hermione, Fred e Jorge saíram para o saguão de entrada, os gêmeos discutindo as maneiras pelas quais Dumbledore poderia impedir os menores de dezessete anos de se inscreverem no torneio.
— Quem é esse juiz imparcial que vai decidir quem são os campeões? — perguntou Harry.
— Sei lá — disse Fred — mas é ele a quem temos de enganar. Acho que umas gotas de Poção para Envelhecer talvez resolvam, Jorge...
— Mas Dumbledore sabe que vocês são menores — ponderou Rony.
— É, mas não é ele que decide quem é o campeão, é? — perguntou Fred, astutamente. — Estou achando que quando esse juiz souber quem quer entrar, ele vai escolher o melhor de cada escola, sem se importar com a idade do campeão. Dumbledore está tentando impedir a gente de se inscrever.
— Mas teve pessoas que morreram! — disse Hermione com a voz preocupada, enquanto passavam por uma porta escondida atrás de uma tapeçaria para subir outra escada ainda mais estreita.
— É — disse Fred levianamente —, mas isso foi há muitos anos, não é? Em todo o caso onde é que está a graça se não houver um pouco de risco? Ei, Rony, e se descobrirmos como contornar Dumbledore? Já imaginou a gente se inscrevendo?
— Que é que você acha? — perguntou Rony a Harry. — Seria legal, não seria? Mas suponha que eles queiram alguém mais velho?... Não sei se já aprendemos o suficiente...
— Eu decididamente não aprendi — ouviu-se a voz tristonha de Neville às costas de Fred e Jorge. — Mas imagino que a minha avó vai querer que eu experimente, ela está sempre falando que eu devia lutar pela honra da família. Eu terei que... Opa...
O pé de Neville afundara direto por um degrau no meio da escada. Havia muitos desses degraus bichados em Hogwarts, já era uma segunda natureza na maioria dos alunos antigos saltar esse determinado degrau, mas a memória de Neville era notoriamente fraca. Harry e Rony o agarraram pelas axilas e o puxaram para cima, enquanto uma armadura no alto das escadas rangia e retinia, rindo-se asmaticamente.
— Quieta aí — disse Rony, baixando o visor da armadura com estrépito, ao passarem. Os garotos se dirigiram à entrada da Torre da Grifinória, que ficava escondida atrás de uma grande pintura a óleo de uma mulher gorda com um vestido de seda rosa.
— Senha? — perguntou ela quando os garotos se aproximaram.
— Asnice — disse Jorge —, um monitor me informou lá embaixo.
O retrato girou para frente, expondo um buraco na parede, pelo qual todos passaram. Um fogo crepitante aquecia a sala comunal circular, mobiliada com fofas poltronas e mesas.
Hermione lançou às chamas dançantes um olhar mal-humorado e Harry a ouviu dizer distintamente "trabalho escravo!", antes de dar boa-noite aos amigos e desaparecer pelo portal que dava acesso ao dormitório das meninas.
Harry, Rony e Neville subiram a última escada em espiral para chegar ao próprio dormitório, que ficava situado no alto da Torre. As camas de colunas com cortinados vermelho escuro estavam encostadas às paredes, cada uma com o malão do dono aos pés. Dino e Simas já estavam se deitando, Simas pregara sua roseta da Irlanda na cabeceira da cama e Dino afixara um pôster de Vítor Krum em cima da mesa-de-cabeceira. Seu velho pôster do time de futebol de West Ham estava pendurado ao lado do novo.
— Biruta — suspirou Rony, sacudindo a cabeça para os jogadores de futebol completamente imóveis.
Harry, Rony e Neville vestiram os pijamas e se enfiaram em suas camas.
Alguém — um elfo doméstico, com certeza — colocara esquentadores entre os lençóis. Era extremamente confortável, ficar ali deitado na cama escutando a tempestade rugir lá fora.
— Eu tentaria, sabe — disse Rony, sonolento, no escuro — se Fred e Jorge descobrirem como... O torneio... Nunca se sabe, não é?
— Imagino que não... — Harry se virou na cama, uma série de imagens novas e fascinantes se formando em sua cabeça... Ele enganara o juiz imparcial fazendo-o acreditar que tinha dezessete anos... Tornara-se campeão de Hogwarts... Estava em pé nos jardins, os braços erguidos em triunfo diante de toda a escola, que o aplaudia e gritava... Ele acabara de ganhar o Torneio Tribruxo... O rosto de Cho se destacava claramente na multidão difusa, o rosto radioso de admiração... Harry sorriu para o travesseiro, excepcionalmente contente de que Rony não pudesse ver o que ele via.
CAPÍTULO TREZE
Olho-Tonto Moody
O temporal já se esgotara quando o dia seguinte amanheceu, embora o teto no Salão Principal continuasse ameaçador; pesadas nuvens cinza-chumbo se espiralavam no alto quando Harry, Rony e Hermione examinaram seus novos horários ao café da manhã. A poucas cadeiras de distância, Fred, Jorge e Lino Jordan discutiam métodos mágicos de se tornarem velhos e, com esse truque, participar do Torneio Tribruxo.
— Hoje não é ruim... Lá fora a manhã inteira — disse Rony, que corria o dedo pela coluna intitulada segunda-feira no seu horário —, Herbologia com a Lufa-Lufa e Trato das Criaturas Mágicas... Droga, continuamos com a Sonserina...
— Dois tempos de Adivinhação hoje à tarde — gemeu Harry, baixando os olhos.
Adivinhação era a matéria de que ele menos gostava, depois de Poções. A Professora Sibila Trelawney não parava de predizer a morte de Harry, coisa que ele achava muitíssimo aborrecida.
— Você devia ter desistido como eu fiz, não é? — disse Hermione decidida, passando manteiga na torrada. — Então poderia fazer alguma coisa sensata como Aritmancia.
— Você voltou a comer, pelo que estou vendo — comentou Rony, observando Hermione acrescentar generosas quantidades de geléia à torrada amanteigada.
— Já resolvi que há maneiras melhores de marcar posição no caso dos direitos dos elfos — disse Hermione com altivez.
— E... E pelo visto está com fome — disse Rony, sorrindo.
Houve um repentino rumorejo acima deles e cem corujas entraram pelas janelas abertas, trazendo o correio da manhã. Instintivamente, Harry olhou para o alto, mas não viu nada branco na mancha compacta de castanhos e cinza. As corujas circularam sobre as mesas, procurando as pessoas a quem as cartas e pacotes eram endereçados. Uma corujona âmbar desceu até Neville Longbottom e depositou um embrulho em seu colo, o garoto quase sempre se esquecia de guardar na mala alguma coisa. Do outro lado do salão, a coruja de Draco Malfoy pousara no ombro dele trazendo sua habitual remessa de doces e bolos de casa.
Tentando ignorar a profunda sensação de desapontamento no meio do estômago, Harry voltou sua atenção para o mingau de aveia. Será que alguma coisa tinha acontecido a Edwiges e que Sirius sequer recebera sua carta?
Sua preocupação se prolongou por todo o caminho pela horta enlameada até chegarem à estufa número três, mas ali ele se distraiu com a Professora Sprout que mostrava à turma as plantas mais feias que Harry já vira. De fato, elas se pareciam mais com enormes lesmas gordas e pretas que brotavam verticalmente do solo do que com plantas. Cada uma delas se contorcia ligeiramente e tinha vários inchaços brilhantes no corpo que pareciam cheios de líquido.
— Bubotúberas — disse a Professora Sprout brevemente. — Precisam ser espremidas. Recolhe-se o pus...
— O quê? — exclamou Simas Finnigan, expressando sua repugnância.
— Pus, Finnigan — respondeu a professora —, e é extremamente precioso, por isso não o desperdice. Recolhe-se o pus, como eu ia dizendo, nessas garrafas. Usem as luvas de couro de dragão, podem acontecer reações engraçadas na pele quando o pus das bubotúberas não está diluído.
Espremer as bubotúberas era nojento, mas dava um estranho prazer. Á medida que estouravam cada tumor, saía dele uma grande quantidade de líquido verde-amarelado, que cheirava fortemente a gasolina. Os alunos o recolheram em garrafas, conforme a professora orientara e, no fim da aula, haviam obtido vários litros.
— Isto vai deixar Madame Pomfrey feliz — disse a Professora Sprout arrolhando a última garrafa. — Um remédio excelente para as formas mais renitentes de acne. Pode fazer os alunos pararem de recorrer a medidas desesperadas para se livrarem das espinhas.
— Como a coitada da Heloisa Midgen — disse Ana Abbott, aluna da Lufa-Lufa, em voz baixa. — Ela tentou acabar com as dela lançando um feitiço.
— Que menina tola! — disse a professora, balançando a cabeça.
— Mas, no fim, Madame Pomfrey fez o nariz dela voltar à forma anterior.
Uma sineta ressonante sinalizou o fim da aula e a turma se separou; os da Lufa-Lufa subiram a escada de pedra rumo à aula de Transformação e os da Grifinória tomaram outro rumo, descendo o jardim em direção à pequena cabana de madeira de Hagrid, que ficava na orla da Floresta Proibida.
Hagrid estava parado à frente da cabana, uma das mãos na coleira do seu enorme cão de caçar javalis, Canino. Havia vários caixotes abertos no chão a seus pés, e Canino choramingava e retesava a coleira, aparentemente tentando investigar o conteúdo dos caixotes mais de perto. Quando os garotos se aproximaram, um estranho som de chocalho chegou aos seus ouvidos pontuado, aparentemente, por pequenas explosões.
— Bom Dia! — cumprimentou Hagrid, sorrindo para Harry, Rony e Hermione. –Melhor esperar pelos alunos da Sonserina, eles não vão querer perder isso... Explosivins!
— Como é? — perguntou Rony.
Hagrid apontou para os caixotes.
— Arrrrrre! — exclamou Lilá Brown num gritinho agudo, saltando para trás.
"Arrrrrre" resumia o que eram os explosívíns, na opinião de Harry. Pareciam lagostas sem casca, deformadas, terrivelmente pálidas e de aspecto pegajoso, as pernas saindo dos lugares mais estranhos e sem cabeça visível. Havia uns cem deles em cada caixote, cada um com uns quinze centímetros de comprimento, rastejando uns sobre os outros, batendo às cegas contra as paredes das caixas. Desprendiam um cheiro forte de peixe podre. De vez em quando, soltavam faíscas da cauda e, com um leve pum, se deslocavam alguns centímetros à frente.
— Acabaram de sair da casca — informou Hagrid orgulhoso —, por isso vocês vão poder criar os bichinhos pessoalmente! Achei que podíamos fazer uma pesquisa sobre eles!
— E por que nós íamos querer criar esses bichos? — perguntou uma voz fria.
Os alunos da Sonserina haviam chegado. Quem falava era Draco Malfoy. Crabbe e Goyle davam risadinhas de prazer ao ouvir suas palavras. Hagrid pareceu embatucar com a pergunta.
— Quero dizer, o que é que eles fazem? — perguntou Malfoy. — Para que servem?
Hagrid abriu a boca, aparentemente fazendo um esforço para responder, houve uma pausa de alguns segundos, depois ele disse com aspereza:
— Isto é na próxima aula, Malfoy. Hoje você só vai alimentar os bichos. Agora vamos ter que experimentar diferentes alimentos... Nunca os criei antes, não tenho certeza do que gostariam... Tenho ovos de formiga, fígados de sapo e um pedaço de cobra, experimentem um pedacinho de cada.
— Primeiro pus e agora isso — resmungou Simas.
Nada, exceto a profunda afeição que tinham por Hagrid, poderia ter feito Harry, Rony e Hermione apanhar mãos cheias de fígados de sapo melados e baixá-las aos caixotes para tentar os explosivins. Harry não conseguiu refrear a suspeita de que aquilo tudo não tinha finalidade alguma, porque os bichos não pareciam ter bocas.
— Ai!— gritou Dino Thomas, passados uns dez minutos. — Ele me pegou!
Hagrid correu para o garoto, com uma expressão ansiosa no rosto.
— A cauda dele explodiu! — disse Dino zangado, mostrando a Hagrid uma queimadura na mão.
— Ah, é, isso pode acontecer quando eles disparam — disse Hagrid, confirmando o que dizia com a cabeça.
— Arre! — exclamou Lilá Brown outra vez. — Arre, Hagrid, que é essa coisinha pontuda neles?
— Ah, alguns têm espinhos — disse Hagrid entusiasmado (Lilá retirou depressa a mão da caixa). — Acho que são os machos... As fêmeas têm uma espécie de sugador na barriga... Acho que talvez seja para sugar sangue.
— Bom, sem a menor dúvida eu entendo por que estamos tentando manter esses bichos vivos — disse Malfoy sarcasticamente. — Quem não iria querer animalzinhos de estimação que podem queimar, picar e morder, tudo ao mesmo tempo?
— Só porque eles não são muito bonitos, não significa que não sejam úteis –retorquiu Hermione. — Sangue de dragão é uma coisa assombrosamente mágica, mas você não iria querer um dragão como bicho de estimação, não é mesmo?
Harry e Rony sorriram para Hagrid, que retribuiu com um sorriso furtivo por trás da barba espessa. Nada o teria agradado mais do que um filhote de dragão, como Harry, Rony e Hermione sabiam mais do que bem — ele criara um, por um breve período, durante o primeiro ano deles na escola, um agressivo dragão norueguês que recebera o nome de Norberto. Hagrid simplesmente amava monstros — quanto mais letal, melhor.
— Bom, pelo menos os explosivins são pequenos — disse Rony, quando voltavam uma hora depois ao castelo para almoçar.
— São agora — disse Hermione, com uma voz exasperada —, mas depois que o Hagrid descobrir o que eles comem, imagino que vão atingir um metro e meio de comprimento.
— Bom, isso não vai fazer diferença se descobrirem que eles curam enjôo ou outra coisa qualquer, não é? — disse Rony, sorrindo sonsamente para a amiga.
— Você sabe perfeitamente bem que eu só disse aquilo para calar a boca de Malfoy — retrucou Hermione. — Aliás acho que ele tem razão. O melhor que podíamos fazer era acabar com os bichos antes que eles comecem a nos atacar.
Os garotos se sentaram à mesa da Grifinória e se serviram de costeletas de cordeiro com batatas. Hermione começou a comer tão rápido que Harry e Rony ficaram olhando para ela.
— Hum, essa é a sua nova posição em favor dos direitos dos elfos? — perguntou Rony. — Em vez de não comer, comer depressa para vomitar?
— Não — respondeu Hermione com toda a dignidade que conseguiu reunir tendo a boca cheia de couves-de-bruxelas. — Só quero chegar à biblioteca.
— Quê?— exclamou Rony incrédulo. — Mione, é o primeiro dia de aulas! Ainda nem passaram dever de casa pra gente!
Hermione sacudiu os ombros e continuou a devorar a comida como se não comesse há dias. Em seguida se levantou e disse:
— Vejo vocês no jantar! — e saiu apressadissima.
Quando a sineta tocou para anunciar o inicio das aulas da tarde, Harry e Rony se dirigiram à Torre Norte, onde, no alto de uma estreita escada em caracol, uma escada de mão prateada levava a um alçapão no teto e à sala em que morava a Professora Sibila Trelawney.
O já conhecido perfume doce que saía da lareira veio ao encontro das narinas dos garotos quando eles chegaram ao topo da escada. Como sempre, as cortinas estavam fechadas; e a sala circular, banhada por uma fraca luz avermelhada projetada por várias lâmpadas cobertas por lenços e xales. Harry e Rony caminharam entre as cadeiras e pufes forrados de chintz, já ocupados, e se sentaram a mesma mesinha redonda.
— Bom-dia! — disse a etérea voz da professora às costas de Harry, causando-lhe um sobressalto.
Uma mulher magra com enormes óculos que faziam seus olhos parecerem demasiado grandes para o rosto, a professora mirava Harry com a expressão trágica que fazia sempre que o via. Os numerosos colares e pulseiras habituais faiscavam em seu corpo às chamas da lareira.
— Você está preocupado, meu querido — disse ela tristemente a Harry. — Minha Visão Interior transpõe o seu rosto corajoso e chega dentro de sua alma perturbada. E lamento dizer que suas preocupações têm fundamento. Vejo tempos difíceis em seu futuro, ai de você... Dificílimos... Receio que a coisa que você teme realmente venha a acontecer... E talvez mais cedo do que pensa...
Sua voz foi baixando até virar quase um sussurro. Rony revirou os olhos para Harry, que lhe retribuiu com um olhar impassível. A Professora Sibila deixou os garotos, com um movimento ondulante, e se sentou na grande bergere diante da lareira, de frente para a turma. Lilá Brown e Parvati Patil, que a admiravam profundamente, estavam sentadas em pufes muito próximos à professora.
— Meus queridos, está na hora de estudarmos as estrelas — disse ela. — Os movimentos dos planetas e os misteriosos portentos que eles revelam somente àqueles que compreendem os passos da coreografia celestial. O destino humano pode ser decifrado pelos raios planetários que se fundem...
Mas os pensamentos de Harry tinham se afastado. As chamas perfumadas sempre o deixavam sonolento e embotado, e os discursos desconexos da professora sobre adivinhação nunca conseguiam mantê-lo exatamente fascinado — embora não pudesse deixar de refletir sobre o que ela acabara de dizer: "Receio que a coisa que você teme realmente venha a acontecer...”
Mas Hermione tinha razão, pensou Harry irritado, Sibila era realmente uma velha charlatã. Ele não estava com medo de absolutamente nada naquele momento... Bom, a não ser talvez o medo de que Sirius tivesse sido apanhado... Mas o que sabia a professora?
Harry já chegara à conclusão, havia muito tempo, de que a adivinhação dela não passava de palpites ocasionalmente certos e um jeito misterioso de apresentá-los. Exceto, naturalmente, aquela vez no fim do último trimestre, quando predissera o retorno de Voldemort ao poder... E o próprio Dumbledore era de opinião que o transe de Sibila fora genuíno, quando Harry lhe contara...
— Harry! — murmurou Rony.
— Quê?
Harry olhou para os lados, a turma inteira o observava. Ele se sentou direito, estivera quase cochilando, perdido em meio ao calor e aos seus pensamentos.
— Eu estava dizendo, meu querido, que você sem dúvida nasceu sob a influência nefasta de Saturno — disse a Professora Sibila, com um leve quê de mágoa na voz pelo fato de que o garoto obviamente não estivera pendurado em suas palavras.
— Nasci sob o quê... Perdão? — disse Harry.
— Saturno, querido, o planeta Saturno! — disse a professora, parecendo irritada que ele não tivesse prestado atenção à informação. — Eu estava dizendo que Saturno com certeza estava numa posição dominante no céu na hora em que você nasceu... Seus cabelos escuros... Sua baixa estatura... Suas perdas trágicas na infância... Acho que estou certa ao afirmar, meu querido, que você nasceu em pleno inverno?
— Não — respondeu Harry. — Nasci no verão.
Rony se apressou em transformar uma risada em um forte acesso de tosse.
Meia hora depois, cada um dos alunos recebeu um mapa circular e tentou desenhar a posição dos planetas na hora do seu nascimento. Era um trabalho enjoado, que exigia muitas consultas a tabelas horárias e cálculos de ângulos.
— Eu tenho dois Netunos aqui — disse Harry, depois de algum tempo, olhando insatisfeito o seu pergaminho —, isso não pode estar certo, pode?
— Aaaaah — exclamou Rony, imitando o sussurro místico da professora -quando dois Netunos aparecem no céu é um sinal seguro de que um anão de óculos está nascendo, Harry...
Simas e Dino, que estavam sentados próximos, riram alto, embora não tão alto a ponto de abafar os gritinhos excitados de Lilá Brown:
— Ah, Professora Sibila, olhe! Acho que tenho um planeta oculto! Aaaah, qual é esse, professora?
— É Urano, minha querida — disse a professora examinando o mapa.
— Posso dar uma olhada no seu Urano, também, Lilá? — perguntou Rony.
Por infelicidade, a professora o ouviu e talvez tenha sido por isso que no fim da aula passou para a turma tanto dever de casa.
— Quero uma análise detalhada do modo com que os movimentos dos planetas vão afetá-los no próximo mês, tendo em vista o seu mapa pessoal — disse ela secamente, parecendo mais a Professora Minerva do que a fada etérea de sempre. — Para entrega na próxima segunda-feira, e não aceito desculpas!
— Diabo de morcega velha — exclamou Rony com amargura, quando eles se reuniram aos alunos que desciam as escadas para jantar no Salão Principal. — Isso vai nos tomar todo o fim de semana, ah vai...
— Muito dever de casa? — indagou Hermione animada, alcançando-os. — A Professora Vector não passou nada para nós.
— Palmas para a Professora Vector — retrucou Rony mal-humorado.
Os três chegaram ao saguão de entrada, que estava lotado de gente fazendo fila para o jantar. Tinham acabado de entrar no fim da fila, quando uma voz alta soou às costas deles.
— Weasley! Ei, Weasley!
Harry, Rony e Hermione se viraram. Malfoy, Crabbe e Goyle estavam parados ali, cada qual parecendo mais satisfeito.
— Que é? — perguntou Rony rispidamente.
— Seu pai está no jornal, Weasley! — disse Malfoy brandindo um exemplar do Profeta Diário, e isso bem alto para que todas as pessoas aglomeradas no saguão pudessem ouvir. — Escuta só isso!
NOVOS ERROS NO MINISTÉRIO DA MAGIA
Pelo visto os problemas no Ministério da Magia ainda não chegaram ao fim, informa nossa correspondente especial Rita Skeeter. Recentemente censurado por sua incapacidade de controlar multidões durante a Copa Mundial de Quadribol, e ainda devendo à opinião pública uma explicação para o desaparecimento de uma de suas bruxas, ontem o Ministério enfrentou novo constrangimento com as extravagâncias de Arnold Weasley, da Seção de Controle do Mau Uso dos Artefatos dos Trouxas.
Malfoy ergueu os olhos.
— Imagina, nem escreveram direito o nome dele, Weasley, é quase como se ele não existisse, não é?
Todos no saguão agora prestavam atenção. Malfoy esticou o jornal com um gesto largo e continuou a ler:
Arnold Weasley acusado de possuir um carro voador há dois anos, envolveu-se ontem numa briga com guardiões trouxas da lei (policiais) por causa de latas de lixo extremamente agressivas. O Sr. Weasley parece ter ido socorrer "Olho-Tonto" Moody, um ex-auror idoso, que se aposentou do Ministério ao se tornar incapaz de distinguir um aperto de mão de uma tentativa de homicídio. Ao chegar à casa do ex-auror, fortemente guardada por um funcionário verificou, sem surpresa, que, mais uma vez, o Sr. Moody dera um alarme falso. Em conseqüência, o Sr. Weasley foi obrigado a alterar muitas memórias para poder escapar dos policiais, mas se recusou a responder às perguntas do Profeta Diário sobre as razões que o levaram a envolver o Ministério nesse episódio pouco digno e potencialmente embaraçoso.
— E tem uma foto, Weasley! — acrescentou Malfoy, virando o jornal e mostrando-a. — Uma foto de seus pais à porta de casa, se é que se pode chamar isso de casa! Sua mãe bem que podia perder uns quilinhos, não acha?
Rony tremia de fúria. Todos o encaravam.
— Se manda, Malfoy — disse Harry. — Vamos Rony...
— Ah, você esteve visitando a família no verão, não foi, Potter? — caçoou Malfoy. — Então me conta, a mãe dele parece uma barrica ou é efeito da foto?
— Você já olhou bem para sua mãe, Malfoy? — respondeu Harry, ele e Hermione seguravam Rony pelas costas das vestes para impedi-lo de partir para cima do outro. — Aquela expressão na cara dela, de quem tem bosta debaixo do nariz? Ela sempre teve aquela cara ou foi só porque você estava perto dela?
O rosto pálido de Malfoy corou levemente.
— Não se atreva a ofender minha mãe, Potter.
— Então vê se cala essa boca — disse Harry dando as costas ao colega.
BANGUE!
Várias pessoas gritaram — Harry sentiu uma coisa branca e quente arranhar o lado do rosto — mergulhou a mão nas vestes para apanhar a varinha, mas antes que chegasse sequer a tocá-la, ouviu um segundo estampido e um berro que ecoou pelo saguão de entrada.
— AH, NÃO VAI NÃO, GAROTO!
Harry se virou. O Professor Moody descia mancando a escadaria de mármore. Tinha a varinha na mão e apontava diretamente para uma doninha muito alva, que tremia no piso de lajotas, exatamente no lugar em que Malfoy estivera. Fez-se um silêncio aterrorizado no saguão. Ninguém exceto Moody mexia um só músculo.
Ele se virou para olhar Harry — pelo menos, o olho normal estava olhando para Harry; o outro estava apontando para dentro da cabeça.
— Ele o mordeu? — rosnou o professor. Sua voz era baixa e áspera.
— Não — respondeu Harry —, por pouco.
— DEIXE-O! — berrou Moody.
— Deixe... O quê? — perguntou Harry espantado.
— Não você, ele! — vociferou Moody, apontando o polegar por cima do ombro para Crabbe, que acabara de congelar em meio a um gesto para recolher a doninha branca. Parecia que o olho giratório de Moody era mágico e enxergava através da nuca do professor.
Moody começou a mancar em direção a Crabbe, Goyle e a doninha, que soltou um guincho aterrorizado e fugiu em direção às masmorras.
— Acho que não! — rugiu Moody, tornando a apontar a varinha para a doninha, ela subiu uns três metros no ar, caiu com um baque úmido no chão e quicou de novo para cima.
— Não gosto de gente que ataca um adversário pelas costas — rosnou Moody, enquanto a doninha quicava cada vez mais alto, guinchando de dor. — Um ato nojento, covarde, reles...
A doninha voava pelo ar, as pernas e a cauda sacudiam descontroladas.
— Nunca... Mais... Torne... A... Fazer... Isso — continuou o professor, destacando cada palavra para a doninha que batia no piso de pedra e tornava a subir.
— Professor Moody! — chamou uma voz chocada.
A Professora Minerva vinha descendo a escadaria com os braços carregados de livros.
— Olá, Professora McGonagall — cumprimentou Moody calmamente, fazendo a doninha quicar ainda mais alto.
— Que... Que é que o senhor está fazendo? — perguntou a professora seguindo com o olhar a subida da doninha no ar.
— Ensinando — respondeu ele.
— Ensinan... Moody, isso é um aluno? — gritou a professora, os livros despencando dos seus braços.
— É.
— Não! — exclamou ela, descendo a escada correndo e puxando a própria varinha, um momento depois, com um estampido, Draco Malfoy reapareceu, caído embolado no chão, os cabelos lisos e louros sobre o rosto agora muito vermelho.
Ele se levantou, fazendo uma careta.
— Moody, nunca usamos transformação em castigos! — disse a professora com a voz fraca. — Certamente o Professor Dumbledore deve ter lhe dito isso?
— É, talvez ele tenha mencionado — respondeu Moody, coçando o queixo displicentemente —, mas achei que um bom choque...
— Damos detenções, Moody! Ou falamos com o diretor da casa do faltoso!
— Vou fazer isso, então — disse Moody, encarando Malfoy com intenso desagrado.
O garoto, cujos olhos claros ainda lacrimejavam de dor e humilhação, ergueu o rosto maldosamente para Moody e murmurou alguma coisa em que se distinguiam as palavras "meu pai”
— Ah, é? — disse Moody em voz baixa, aproximando-se alguns passos, a pancada surda de sua perna de pau ecoando pelo saguão.
— Bom, conheço seu pai de outras eras, moleque... Diga a ele que Moody está de olho no filho dele... Diga-lhe isso por mim... Agora imagino que o diretor de sua casa seja o Snape, não?
— É — respondeu Malfoy cheio de rancor.
— Outro velho amigo — rosnou Moody. — Estou querendo mesmo conversar com o velho Snape... Vamos, seu... — E segurando o garoto pelo antebraço saiu com ele em direção às masmorras.
A Professora Minerva acompanhou-os com um olhar ansioso por alguns momentos, depois apontou a varinha para os livros fazendo-os subir no ar e voltar aos seus braços.
— Não falem comigo — disse Rony em voz baixa para Harry e Hermione, quando se sentaram à mesa da Grifinória alguns minutos mais tarde, cercados por alunos excitados por todos os lados que comentavam o que acabara de acontecer.
— Por que não? — perguntou Hermione surpresa.
— Porque quero gravar isso na memória para sempre — disse Rony, com os olhos fechados e uma expressão de enlevo no rosto.
— Draco Malfoy, a fantástica doninha quicante...
Harry e Hermione riram, e a garota começou a servir bife de caçarola no prato dos dois.
— Ele poderia ter realmente machucado Malfoy — comentou ela. — Foi bom a Professora Minerva ter feito ele parar...
— Mione! — exclamou Rony furioso, os olhos se abrindo repentinamente. — Você está estragando o melhor momento da minha vida!
Hermione soltou uma exclamação de impaciência e começou a comer outra vez em alta velocidade.
— Não me diga que vai voltar à biblioteca hoje à noite? — perguntou Harry, observando-a.
— Preciso — respondeu Mione indistintamente. — Muito que fazer.
— Mas você nos disse que a Professora Vector...
— Não é dever de escola. — Em cinco minutos ela limpara o prato e fora embora.
Nem bem a garota tinha saído e sua cadeira foi ocupada por Fred Weasley.
— Moody! — disse ele. — Ele é legal?
— Pra lá de legal — disse Jorge, sentando-se defronte a Fred.
— Superlegal — disse o melhor amigo dos gêmeos, Lino Jordan, escorregando para o lugar ao lado de Jorge. — Tivemos ele hoje à tarde — disse Lino a Harry e Rony.
— Como foi a aula? — perguntou Harry ansioso.
Fred, Jorge e Lino trocaram olhares cheios de significação.
— Nunca tive uma aula igual — disse Fred.
— Ele sabe das coisas, cara — disse Lino.
— Do quê? — perguntou Rony, curvando-se para frente.
— Sabe o que é estar lá fora fazendo as coisas — disse Jorge cheio de importância.
— Que coisas? — perguntou Harry.
— Combatendo as Artes das Trevas — disse Fred.
— Ele já viu de tudo — disse Jorge.
— Fantástico — exclamou Lino.
Rony enfiara a cabeça na mochila à procura do seu horário.
— Não vamos ter aula com ele até quinta-feira! — disse desapontado.
CAPÍTULO CATORZE
As Maldições Imperdoáveis
Os dois dias seguintes transcorreram sem grandes incidentes, a não ser que se levasse em conta o sexto caldeirão derretido por Neville na aula de Poções. O Professor Snape, que, durante as férias, parecia ter alcançado novos níveis em sua gana de se vingar do garoto, deu-lhe uma detenção, da qual Neville voltou com um colapso nervoso, pois teve que destripar uma barrica de iguanas.
— Você sabe por que Snape está nesse mau humor tão grande, não sabe? -perguntou Rony a Harry, enquanto observavam Hermione ensinar a Neville um Feitiço de Limpeza para remover as tripas de iguanas presas sob suas unhas.
— Hum-hum — disse Harry. — Moody.
Era do conhecimento de todos que Snape queria realmente o lugar de professor de Artes das Trevas, e acabara de perdê-lo pelo quarto ano seguido.
Snape detestara todos os professores anteriores dessa matéria e demonstrara isso — mas parecia ter extrema cautela para esconder sua animosidade contra Olho-Tonto Moody. De fato, sempre que Harry via os dois professores juntos — na hora das refeições ou quando passavam pelos corredores — tinha a nítida impressão de que Snape evitava os olhos de Moody, fosse o mágico fosse o normal.
— Acho que Snape tem medo dele, sabe — disse Harry pensativo.
— Imagine se Moody transformasse Snape em iguana — disse Rony, seus olhos se toldando — e fizesse ele ficar saltando pela masmorra...
Os alunos da quarta série da Grifinória estavam tão ansiosos para ter a primeira aula com Moody que, na quinta-feira, chegaram logo depois do almoço e fizeram fila à porta da sala, antes mesmo da sineta tocar. A única pessoa ausente foi Hermione, que chegou no último instante para a aula.
— Estava na...
— ... Biblioteca — Harry terminou a frase da amiga. Anda logo senão não vamos arranjar lugares decentes.
Eles correram para pegar três cadeiras bem diante da escrivaninha do professor, apanharam seus exemplares de As Forças das Trevas: Um Guia Para Sua Proteção, e esperaram anormalmente quietos. Não tardaram a ouvir os passos sincopados de Moody que vinha pelo corredor e que, ao entrar na sala, parecia mais estranho e amedrontador que nunca. Seu pé de madeira em garra aparecia ligeiramente por baixo das vestes.
— Podem guardar isso — rosnou ele, apoiando-se na escrivaninha para se sentar —, esses livros. Não vão precisar deles.
Os alunos tornaram a guardar os livros nas mochilas, Rony tinha um ar excitado. Moody apanhou a folha de chamada, sacudiu sua longa juba de cabelos grisalhos para afastá-los do rosto contorcido e marcado, e começou a chamar os nomes, seu olho normal percorrendo a lista e o olho mágico girando, fixando-se em cada aluno quando ele respondia.
— Certo, então — concluiu ele, quando a última pessoa confirmara presença.
— Tenho uma carta do Professor Lupin sobre esta turma. Parece que vocês receberam um bom embasamento para enfrentar criaturas das trevas, estudaram bichos-papões, barretes vermelhos, hinkypunks, grindylows, kappas e lobisomens, correto?
Houve um murmúrio geral de concordância.
— Mas estão atrasados, muito atrasados, em maldições — disse Moody. -Então, estou aqui para pôr vocês em dia com o que os bruxos podem fazer uns aos outros. Tenho um ano para lhes ensinar a lidar com as forças das...
— Quê, o senhor não vai ficar? — deixou escapar Rony.
O olho mágico de Moody girou para se fixar em Rony, o garoto ficou extremamente apreensivo, mas, passado um instante, o professor sorriu — a primeira vez que Harry o via fazer isso. O efeito foi entortar mais que nunca o seu rosto muito marcado, mas de qualquer forma foi um alívio saber que ele era capaz de um gesto amigável como sorrir. Rony pareceu profundamente aliviado.
— Você deve ser filho do Arthur Weasley? — disse Moody. — Seu pai me tirou de uma enrascada há alguns dias... É, vou ficar apenas este ano. Um favor especial a Dumbledore... Um ano e depois volto ao sossego da minha aposentadoria.
Ele deu uma risada áspera e então juntou as palmas das mãos nodosas.
— Então... Vamos direto ao assunto. Maldições. Elas têm variados graus de força e forma. Agora, segundo o Ministério da Magia, eu devo ensinar a vocês as contra-maldições e parar por aí. Não devo lhes mostrar que cara têm as maldições ilegais até vocês chegarem ao sexto ano. Até lá, o Ministério acha que vocês não têm idade para lidar com elas. Mas o Professor Dumbledore tem uma opinião mais favorável dos seus nervos e acha que vocês podem aprendê-las, e eu digo que quanto mais cedo souberem o que vão precisar enfrentar, melhor. Como vão se defender de uma coisa que nunca viram? Um bruxo que pretenda lançar uma maldição ilegal sobre vocês não vai avisar o que pretende. Não vai lançá-la de forma suave e educada bem na sua cara. Vocês precisam estar preparados. Precisam estar alertas e vigilantes. A senhorita deve guardar isso, Srta. Brown, enquanto eu estiver falando.
Lilá levou um susto e corou. Estivera mostrando a Parvati o horóscopo que aprontara por baixo da carteira. Aparentemente o olho mágico de Moody podia ver através da madeira, tão bem quanto pela nuca.
— Então... Algum de vocês sabe que maldições são mais severamente punidas pelas leis da magia?
Vários braços se ergueram hesitantes, inclusive os de Rony e Hermione.
Moody apontou para Rony, embora seu olho mágico continuasse mirando Lilá.
— Hum — disse Rony sem muita certeza —, meu pai me falou de uma... Chama Maldição Imperius ou coisa assim?
— Ah, sim — disse Moody satisfeito. — Seu pai conheceria essa. Certa vez, deu ao Ministério muito trabalho, essa Maldição Imperius.
Moody se apoiou pesadamente nos pés desiguais, abriu a gaveta da escrivaninha e tirou um frasco de vidro. Três enormes aranhas pretas corriam dentro dele.
Harry sentiu Rony se encolher ligeiramente ao seu lado, Rony detestava aranhas. Moody meteu a mão dentro do frasco, apanhou uma aranha e segurou-a na palma da mão, de modo que todos pudessem vê-la. Apontou, então, a varinha para o inseto e murmurou "Império!" A aranha saltou da mão de Moody para um fio de seda e começou a se balançar para frente e para trás como se estivesse em um trapézio. Esticou as pernas rígidas e deu uma cambalhota, partindo o fio e aterrissando sobre a mesa, onde começou a plantar bananeiras em círculos.
Moody agitou a varinha, e a aranha se ergueu em duas patas traseiras e saiu dançando um inconfundível sapateado. Todos riram, todos exceto Moody.
— Acharam engraçado, é? — rosnou ele. — Vocês gostariam se eu fizesse isso com vocês?
As risadas pararam quase instantaneamente.
— Controle total — disse o professor em voz baixa, quando a aranha se enrolou e começou a rodar sem parar. — Eu poderia fazê-la saltar pela janela, se afogar, se enfiar pela garganta de vocês abaixo...
Rony teve um tremor involuntário.
— Há alguns anos, havia muitos bruxos e bruxas controlados pela Maldição Imperius — disse Moody, e Harry entendeu que ele estava se referindo ao tempo em que Voldemort fora todo-poderoso. — Foi uma trabalheira para o Ministério separar quem estava sendo forçado a agir de quem estava agindo por vontade própria.
— A Maldição Imperius pode ser neutralizada, e vou lhes mostrar como, mas é preciso força de caráter real e nem todos a possuem. Por isso é melhor evitar ser amaldiçoado com ela se puderem. “VIGILÂNCIA CONSTANTE!", vociferou ele, e todos os alunos se assustaram.
Moody apanhou a aranha acrobata e atirou-a de volta ao frasco.
— Mais alguém conhece mais alguma? Outra maldição ilegal?
A mão de Hermione voltou a se erguer e, para surpresa de Harry, a de Neville também. A única aula em que Neville normalmente voluntariava informações era a de Herbologia, que era, sem favor algum, a matéria que ele sabia melhor. O garoto pareceu surpreso com a própria ousadia.
— Qual? — perguntou Moody, seu olho mágico dando um giro completo para se fixar em Neville.
— Tem uma, a Maldição Cruciatus — disse Neville, numa voz fraca, mas clara.
Moody olhou Neville com muita atenção, desta vez com os dois olhos.
— O seu nome é Longbottom? — perguntou ele, o olho mágico girando para verificar a folha de chamada. Neville confirmou, nervoso, com a cabeça, mas o professor não fez outras perguntas.
Tornando a voltar sua atenção à classe, ele meteu a mão no frasco mais uma vez, apanhou outra aranha e colocou-a no tampo da escrivaninha, onde o inseto permaneceu imóvel, aparentemente demasiado assustado para se mexer.
— A Maldição Cruciatus — começou Moody. — Preciso de uma maior para lhes dar uma idéia — disse ele, apontando a varinha para a aranha. — Engorgio!
A aranha inchou. Estava agora maior do que uma tarântula.
Abandonando todo o fingimento, Rony empurrou a cadeira para trás, o mais longe que pôde da escrivaninha de Moody. O professor tornou a erguer a varinha, apontou-a para a aranha e murmurou:
— Crucio!
Na mesma hora, as pernas da aranha se dobraram sob o corpo, ela virou de barriga para cima e começou a se contorcer horrivelmente, balançando de um lado para outro. Não emitia som algum, mas Harry teve certeza de que, se tivesse voz, estaria berrando. Moody não afastou a varinha e a aranha começou a estremecer e a se debater violentamente...
— Pare! — gritou Hermione com a voz aguda.
Harry olhou para a amiga. Ela estava com os olhos postos não na aranha, mas em Neville, e Harry, ao seguir a direção do seu olhar, viu que as mãos do garoto se agarravam à carteira diante dele, os nós dos dedos brancos, seus olhos arregalados e horrorizados. Moody ergueu a varinha. As pernas da aranha se descontraíram, mas ela continuou a se contorcer.
— Reducio — murmurou Moody, e a aranha encolheu e voltou ao tamanho normal. Ele a repôs no frasco.
— Dor — explicou Moody em voz baixa. — Não se precisa de alicates nem de facas para torturar alguém quando se é capaz de lançar a Maldição Cruciatus...
Ela também já foi muito popular. Certo... mais alguém conhece alguma outra?
Harry olhou para os lados. Pela expressão no rosto dos colegas, ele achou que estavam todos pensando no que aconteceria com a última aranha. A mão de Hermione tremia levemente quando, pela terceira vez, ela a ergueu no ar.
— Sim! — disse Moody olhando-a.
— Avada Kedavra — sussurrou a garota.
Vários colegas a olharam constrangidos, inclusive Rony.
— Ah — exclamou Moody, outro sorrisinho torcendo sua boca enviesada. — Ah, a última e a pior. Avada Kedavra... A maldição da morte.
Ele enfiou a mão no frasco e, quase como se soubesse o que a esperava, a terceira aranha correu freneticamente pelo fundo do objeto, tentando fugir aos dedos de Moody, mas ele a apanhou e a colocou sobre a escrivaninha. O inseto começou a correr, desvairado, pela superfície de madeira. Moody ergueu a varinha e Harry sentiu um repentino pressentimento.
— Avada Kedavra!— berrou Moody.
Houve um relâmpago de ofuscante luz verde e um rumorejo, como se algo vasto e invisível voasse pelo ar, instantaneamente a aranha virou de dorso, sem uma única marca, mas inconfundivelmente morta. Várias alunas abafaram gritinhos, Rony se atirara para trás, quase caindo da cadeira, quando a aranha escorregou em sua direção. Moody empurrou a aranha morta para fora da mesa.
— Nada bonito — disse calmamente. — Nada agradável. E não existe contra maldição. Não há como bloqueá-la. Somente uma pessoa no mundo já sobreviveu a ela e está sentada bem aqui na minha frente.
Harry sentiu seu rosto corar quando os (dois) olhos de Moody fitaram os dele. Sentiu que toda a turma também estava olhando para ele. Harry encarou o quadro-negro limpo como se estivesse fascinado por sua superfície, mas na realidade sem sequer vê-lo...
Então fora assim que seus pais tinham morrido... Exatamente como aquela aranha. Será que tinham morrido sem desfiguração nem marcas, também? Será que tinham simplesmente visto um relâmpago verde e ouvido o rumorejo da morte que se aproximou célere, antes que a vida fosse varrida de seus corpos?
Harry imaginara a morte dos pais muitas vezes nesses três anos, desde que descobrira que tinham sido assassinados, desde que descobrira o que acontecera naquela noite: como Rabicho informara o esconderijo de seus pais a Voldemort, que viera procurá-los em casa. Como o bruxo matara primeiro o pai de Harry. Como Tiago Potter tentara atrasá-lo, enquanto gritava para a mulher apanhar Harry e correr... E Voldemort avançara para Lílian Potter, dissera-lhe para se afastar para ele poder matar Harry... Como sua mãe suplicara para que a matasse no lugar do filho, recusara-se a deixar de proteger o filho com o corpo... E então Voldemort a assassinara também, antes de virar a varinha contra Harry...
Harry conhecia esses detalhes porque ouvira a voz dos pais quando enfrentara os dementadores no ano anterior, pois esse era o terrível poder dessas criaturas: forçar suas vítimas a reviverem as piores lembranças de suas vidas e se afogarem, impotentes, no próprio desespero...
Harry teve a impressão de que Moody recomeçara a falar de muito longe.
Com um enorme esforço, ele se obrigou a voltar ao presente e fixar a atenção no que o professor dizia.
— Avada Kedavra é uma maldição que exige magia poderosa para lançá-la, vocês podem apanhar as varinhas agora, apontá-las para mim, dizer as palavras e duvido que consigam sequer que o meu nariz sangre. Mas isto não importa. Não estou aqui para ensiná-los a lançá-la.
— Ora, se não há uma contra-maldição, por que estou lhes mostrando essa maldição? Porque vocês precisam conhecê-la. Vocês têm que reconhecer o pior. Vocês não querem se colocar em uma situação em que precisem enfrentá-la.
“VIGILÂNCIA PERMANENTE!", berrou ele e a turma inteira tornou a se sobressaltar.
— Agora... Essas três maldições, Avada Kedavra, Imperius e Cruciatus, são conhecidas como as Maldições Imperdoáveis. O uso de qualquer uma delas em um semelhante humano é suficiente para ganharem uma pena de prisão perpétua em Azkaban. É isso que vão ter que enfrentar. É isso que preciso lhes ensinar a combater. Vocês precisam estar preparados. Vocês precisam de armas. Mas, acima de tudo, precisam praticar uma vigilância constante, permanente. Apanhem suas penas... Copiem o que vou ditar...
Os alunos passaram o resto da aula tomando notas sobre cada uma das Maldições Imperdoáveis. Ninguém falou até a sineta tocar, mas quando Moody os dispensou e eles saíram da sala, explodiram em um falatório irrefreável. A maioria dos alunos discutia as maldições em tom de assombro: "Você viu ela se contorcendo?", e “quando ele matou a aranha, assim!”
Comentavam a aula, pensou Harry, como se ela tivesse sido um espetáculo fantástico, mas ele não a achara nada divertida, tampouco Hermione.
— Anda logo — disse ela tensa para Harry e Rony.
— Não é a biblioteca outra vez, é? — perguntou Rony.
— Não — respondeu a garota, secamente, apontando para um corredor lateral. — Neville.
Neville estava em pé sozinho, no meio do corredor, de olhos fixos na parede de pedra oposta, com a mesma expressão horrorizada e pasma que fizera quando Moody demonstrara a Maldição Cruciatus.
— Neville? — chamou Hermione de mansinho.
Neville virou a cabeça.
— Ah, alô — disse ele, a voz mais aguda do que habitualmente.
— Aula interessante, não foi? Que será que tem para o jantar, estou... Estou morto de fome, vocês não?
— Neville, você está bem? — perguntou Hermione.
— Ah, claro, estou ótimo — balbuciou o garoto, na voz anormalmente aguda. — Jantar muito interessante... Quero dizer, aula... Que será que tem para se comer.
Rony lançou a Harry um olhar assustado.
— Neville, que...?
Mas eles ouviram às costas um som seco e metálico estranho e, ao se virarem, viram o Professor Moody vindo em sua direção. Os quatro ficaram em silêncio, observando-o apreensivos, mas quando ele falou, foi com um rosnado bem mais baixo e gentil do que tinham ouvido até então.
— Está tudo bem, filho — disse ele a Neville. — Por que não vem até a minha sala? Vamos... Podemos tomar uma xícara de chá...
Neville ficou ainda mais assustado ante a perspectiva de tomar chá com Moody. Ele não se mexeu nem falou. Moody virou o olho mágico para Harry.
— Você está bem, não está, Potter?
— Estou — disse Harry, quase em tom de desafio.
O olho azul de Moody estremeceu de leve na órbita ao examinar Harry. Então falou:
— Vocês têm que saber. Parece cruel, talvez, mas vocês têm que saber. Não adianta fingir... Bom... Venha, Longbottom, tenho uns livros que podem lhe interessar.
Neville olhou suplicante para Harry, Rony e Hermione, mas eles não disseram nada, de modo que o garoto não teve escolha senão se deixar conduzir, uma das mãos nodosas de Moody em seu ombro.
— Que foi que houve? — perguntou Rony, observando Neville e Moody virarem para outro corredor.
— Não sei — disse Hermione, parecendo pensativa.
— Mas foi uma aula e tanto, hein? — disse Rony a Harry, quando se dirigiam ao Salão Principal. — Fred e Jorge tinham razão, não é? Ele realmente conhece o assunto. Quando ele lançou a Avada Kedavra, o jeito com que aquela aranha simplesmente morreu, apagou na hora...
Mas Rony se calou de súbito ao ver a expressão no rosto de Harry, e não tornou a falar até chegarem ao salão, quando comentou que era melhor eles começarem a preparar as predições da Professora Trelawney àquela noite, porque iam demorar horas naquilo.
Hermione não entrou na conversa de Harry e Rony durante o jantar, mas comeu furiosamente depressa e, em seguida, foi para a biblioteca. Harry e Rony voltaram à Torre da Grifinória, e Harry, que não pensara em outra coisa durante todo o jantar, agora levantou o assunto das Maldições Imperdoáveis.
— Moody e Dumbledore não ficariam encrencados se o Ministério soubesse que vimos lançar as maldições? — perguntou Harry ao se aproximarem da Mulher Gorda.
— Provavelmente — disse Rony. — Mas Dumbledore sempre fez as coisas do jeito dele, não é, e Moody, eu imagino, já anda encrencado há anos. Atacar primeiro e fazer perguntas depois, veja só a história das latas de lixo. Biruta.
A Mulher Gorda girou para frente, revelando a passagem e eles entraram na sala comunal da Grifinória, que estava cheia e barulhenta.
— Vamos apanhar o nosso material de Adivinhação, então? — disse Harry.
— Acho que sim — gemeu Rony.
Os dois subiram ao dormitório para apanhar os livros e mapas e encontraram Neville sozinho, sentado na cama, lendo. Parecia bem mais calmo do que ao fim da aula de Moody, embora ainda não estivesse completamente normal.
Seus olhos estavam muito vermelhos.
— Você está bem, Neville? — perguntou Harry.
— Ah, estou. Estou ótimo, obrigado. Lendo o livro que o Professor Moody me emprestou...
Ele mostrou o livro: Plantas Mediterrâneas e Suas Propriedades Mágicas.
— Parece que a Professora Sprout disse a ele que sou realmente bom em Herbologia — disse Neville. Havia um quê de orgulho em sua voz que Harry raramente ouvira antes. — O professor achou que eu gostaria deste.
Repetir para Neville o que a Professora Sprout dissera, pensou Harry, fora uma maneira muito delicada de animar o garoto, porque Neville raramente ouvia alguém dizer que ele era bom em alguma coisa. Era o tipo de coisa que o Professor Lupin teria feito.
Harry e Rony apanharam seus exemplares de Esclarecendo o Futuro e voltaram à sala comunal, procuraram uma mesa e começaram a trabalhar nas predições para o mês seguinte. Uma hora mais tarde, tinham feito pouco progresso, embora a mesa estivesse coalhada de pedaços de pergaminho cobertos com somas e símbolos e o cérebro de Harry estivesse enevoado, como se impregnado pela fumaça da lareira da Professora Trelawney.
— Não tenho a menor idéia do significado disso — falou ele examinando a longa lista de cálculos.
— Sabe de uma coisa — disse Rony, cujos cabelos estavam de pé de tanto o garoto passar os dedos por eles, cheio de frustração. — Acho que voltamos à velha regra da Adivinhação.
— Quê... Inventar?
— É — disse Rony, varrendo da mesa o monte de anotações e mergulhando a pena no tinteiro para começar a escrever.
— Na próxima segunda-feira — disse ele enquanto escrevia — há grande probabilidade de eu apanhar uma tosse, devido à infeliz conjunção de Marte com Júpiter. — Ele ergueu os olhos para Harry.
— Você conhece ela, escreve uma porção de desgraças que ela engole tudo.
— Certo — disse Harry, amassando seu primeiro rascunho e atirando-o por cima das cabeças de um grupo de alunos do primeiro ano que conversavam. -Muito bem... Na segunda-feira vou correr o perigo de... Hum... Me queimar.
— E vai mesmo — disse Rony sombriamente —, vamos ver os explosivins de novo. Na, terça -feita, vou... Hum...
— Perder algo valioso — disse Harry, que folheava o Esclarecendo o Futuro à procura de idéias.
— Boa — disse Rony, copiando-a. — Por causa de... Hum.. Mercúrio. Por que você não leva uma punhalada pelas costas de alguém que você pensou que fosse amigo?
— Legal... — disse Harry, anotando a sugestão — por que... Vênus está na décima segunda casa.
— E na quarta-feira, acho que vou levar a pior em uma briga.
— Aah, eu ia ter uma briga. O.K., vou perder uma aposta.
— É, você vai apostar que vou ganhar a minha briga...
Os garotos continuaram a inventar predições (que foram se tornando mais trágicas) por mais uma hora, enquanto a sala comunal se esvaziava à medida que as pessoas iam se deitar. Bichento foi até os dois, deu um salto leve para uma cadeira vazia e mirou Harry misteriosamente, de um modo semelhante ao de Hermione quando sabia que os garotos não estavam fazendo o dever de casa direito.
Correndo o olhar pela sala, tentando pensar em alguma desgraça que ainda não tivesse usado, Harry viu Fred e Jorge sentados junto à parede oposta, as cabeças encostadas uma na outra, as penas na mão, examinando um pedaço de pergaminho. Era muito estranho ver os dois escondidos em um canto, trabalhando em silêncio, em geral eles gostavam de ficar no meio da confusão e de serem o centro das atenções. Havia um certo sigilo no jeito como estudavam um único pergaminho, e Harry se lembrou dos dois sentados juntos, escrevendo alguma coisa, lá na Toca. Ele pensara na época que era outro formulário para as "Gemialidades" Weasley, mas desta vez parecia diferente, se não, eles com certeza teriam deixado Lino Jordan participar da travessura. Harry ficou imaginando se teria alguma coisa a ver com a inscrição no Torneio Tribruxo.
Enquanto Harry observava, Jorge sacudiu a cabeça para Fred, rabiscou alguma coisa com a pena e disse, num tom muito baixo que, mesmo assim, ecoou pela sala quase deserta:
— Não... Assim parece que nós o estamos acusando. Temos que ter cuidado...
Então Jorge deu uma olhada na sala e viu que Harry o observava. Harry sorriu e voltou depressa às suas predições, não queria que Jorge pensasse que ele estava bisbilhotando. Logo depois, os gêmeos enrolaram o pergaminho, deram boa-noite e foram se deitar.
Fred e Jorge tinham saído havia uns dez minutos quando o buraco do retrato se abriu e Hermione entrou na sala comunal, trazendo um rolo de pergaminho em uma das mãos e uma caixa, cujo conteúdo fazia barulho, na outra.
Bichento arqueou as costas, ronronando.
— Alô — disse ela —, acabei!
— Eu também! — disse Rony em tom triunfante, largando a pena.
Hermione se sentou, deixou as coisas que carregava em uma poltrona vazia e puxou as predições de Rony para ver.
— Não vai ter um mês nada bom, hein? — disse ela ironicamente, quando Bichento veio se enroscar em seu colo.
— Bom, pelo menos estou prevenido — bocejou Rony.
— Você parece que vai se afogar duas vezes — disse a garota.
— Ah, vou, é? — disse Rony baixando os olhos para suas predições. — É melhor eu trocar uma delas por um acidente com um hipogrifo desembestado.
— Você não acha que está um pouco óbvio que você inventou isso tudo? — perguntou Hermione.
— Como é que você se atreve! — exclamou Rony, fingindo-se ofendido. — Estivemos trabalhando como elfos domésticos aqui!
Hermione ergueu as sobrancelhas.
— É só uma expressão — acrescentou ele depressa.
Harry pousou a pena, tendo acabado de predizer a própria morte por decapitação.
— Que é que tem nessa caixa? — perguntou ele, apontando-a.
— Engraçado você perguntar — respondeu a garota com um olhar feio para Rony. Tirou então a tampa e mostrou o conteúdo aos garotos. Dentro havia uns cinqüenta distintivos, de cores diferentes, mas todos com os mesmos dizeres: F.A.L.E.
— Fale? — estranhou Harry, apanhando um distintivo e examinando-o. — Que significa isso?
— Não é fale — protestou Hermione impaciente. — É F-A-L-E. Quer dizer, Fundo de Apoio à Liberação dos Elfos.
— Nunca ouvi falar nisso — disse Rony.
— Ora, é claro que não ouviu — disse Hermione energicamente. — Acabei de fundar o movimento.
— Ah, é? — disse Rony com um ar levemente surpreso. — E quantos membros já tem?
— Bom, se vocês dois se alistarem... Três.
— E você acha que queremos andar por aí usando distintivos que dizem "fale", é? — falou Rony.
— F-A-L-E! — corrigiu-o Hermione irritada. — Eu ia pôr "Fim ao Abuso Ultrajante dos Nossos Irmãos Mágicos" e "Campanha para Mudar sua Condição", mas não dava certo. Então F.A.L.E. é o título do nosso manifesto.
Ela brandiu um rolo de pergaminho para os garotos.
— Andei pesquisando minuciosamente na biblioteca. A escravatura dos elfos já existe há séculos. Custo a acreditar que ninguém tenha feito nada contra ela até agora.
— Hermione, abra bem os ouvidos — disse Rony em voz alta. — Eles. Gostam disso. Gostam de ser escravizados!
— A curto prazo os nossos objetivos — disse Hermione, falando ainda mais alto do que o amigo e agindo como se não tivesse ouvido uma única palavra — são obter para os elfos um salário mínimo justo e condições de trabalho decentes. A longo prazo, os nossos objetivos incluem mudar a lei que proíbe o uso da varinha e tentar admitir um elfo no Departamento para Regulamentação e Controle das Criaturas Mágicas, porque eles são vergonhosamente sub-representados.
— E como é que vamos fazer tudo isso? — perguntou Harry.
— Vamos começar recrutando novos membros — disse Hermione feliz. — Achei que dois sicles para entrar, o que paga o distintivo, e o produto da venda pode financiar a distribuição de folhetos. Você é o tesoureiro, Rony, tenho lá em cima uma latinha para você fazer a coleta, e você, Harry, o secretário, por isso você talvez queira anotar tudo que estou dizendo agora, para registrar a nossa primeira reunião.
Houve uma pausa em que Hermione sorriu radiante para os dois, e Harry se dilacerou entre a exasperação com a amiga e a vontade de rir da cara de Rony.
O silêncio foi quebrado, não por Rony, que de qualquer maneira parecia estar temporariamente mudo de espanto, mas por umas batidinhas leves na janela.
Harry correu os olhos pela sala agora vazia e viu, iluminada pelo luar, uma coruja branquíssima encarapitada no peitoril da janela. .
— Edwiges! — gritou ele, precipitando-se pela sala para abrir a janela do lado oposto. Edwiges entrou, voou pela sala e pousou na mesa em cima das predições de Harry.
— Até que enfim! — exclamou Harry, correndo atrás da coruja.
— Ela trouxe uma resposta! — exclamou Rony, excitado, apontando para um pedaço sujo de pergaminho preso à perna de Edwiges.
Harry desamarrou-o depressa e se sentou para ler, depois do que Edwiges voou para o joelho do garoto, piando baixinho.
— Que é que ele diz? — perguntou Hermione ofegante.
A carta era muito curta e parecia ter sido escrita com muita pressa. Harry leu-a em voz alta.
“Harry,
Estou viajando para o norte imediatamente. A notícia sobre a sua cicatriz é o último de uma série de acontecimentos estranhos que têm chegado aos meus ouvidos.
Se ela tornar a doer, procure imediatamente Dumbledore, dizem que ele tirou Olho-Tonto da aposentadoria, o que significa que tem identificado os sinais, mesmo que os outros não os vejam.
Logo entrarei em contato com você. Dê minhas lembranças a Rony e Hermione.
Fique de olhos abertos, Harry.
Sirius”.
Harry olhou para Rony e Hermione, que retribuíram o seu olhar.
— Ele está viajando para o norte? — sussurrou Hermione. — Está voltando?
— Dumbledore tem identificado que sinais? — perguntou Rony, parecendo perplexo.
— Harry, que é que está acontecendo?
Pois Harry acabara de dar um soco na própria testa, sacudindo Edwiges para fora do colo.
— Eu não devia ter contado a ele! — disse Harry furioso.
— Do que é que você está falando? — perguntou Rony, surpreso.
— Fiz ele pensar que precisa voltar! — disse Harry, agora batendo o punho na mesa de modo que a coruja foi parar no espaldar da cadeira de Rony, piando indignada. — Precisa voltar porque acha que estou correndo perigo! E não há nada errado comigo! E não tenho nada para você — falou ele com rispidez para Edwiges, que batia o bico, esperançosa, vai ter que ir para o corujal se quiser comida.
Edwiges lançou ao dono um olhar extremamente ofendido saiu voando pela janela aberta, raspando a asa na cabeça dele ao sair.
— Harry — começou Hermione, numa voz tranqüilizadora.
— Vou me deitar — disse Harry impaciente. — Vejo vocês de manhã.
Em cima, no dormitório, ele vestiu o pijama e enfiou-se na cama de colunas, mas não se sentiu nem um pouco cansado.
Se Sirius voltasse e fosse apanhado seria culpa dele, Harry. Por que não ficara calado? Uma dorzinha à-toa e ele fora tagarelar... Se tivesse tido o juízo de guardar a dor só para si...
Ele ouviu Rony entrar no dormitório pouco depois, mas não falou com o amigo.
Durante um longo tempo, Harry ficou contemplando o dossel escuro de sua cama. O dormitório estava completamente silencioso e, se ele estivesse menos preocupado, teria reparado que a ausência dos costumeiros roncos de Neville significava que ele não era o único que estava acordado.
CAPÍTULO QUINZE
Beauxbatons e Durmstrang
Logo cedo na manhã seguinte, Harry acordou com um plano inteiramente formado na cabeça, como se o seu cérebro adormecido tivesse trabalhado naquilo a noite toda.
Ele se levantou e se vestiu à luz fraca do amanhecer, saiu do dormitório sem acordar Rony e desceu para o salão comunal, àquela hora deserto. Ali apanhou um pedaço de pergaminho na mesa em cima da qual ainda se achava o dever de Adivinhação e escreveu a seguinte carta:
“Caro Sirius,
Acho que imaginei a dor na minha cicatriz, eu estava quase dormindo quando lhe escrevi a última carta. Você não precisa voltar, vai tudo bem aqui. Não se preocupe comigo, sinto a cabeça completamente normal.
Harry”.
Depois, Harry passou pelo buraco do retrato, subiu as escadas do castelo silencioso (só foi detido brevemente por Pirraça, que tentou virar um enorme vaso em cima dele no meio do corredor do quarto andar) e finalmente chegou ao corujal, que ficava no alto da Torre Oeste.
O corujal era uma sala circular revestida de pedra; um tanto fria e varrida por correntes de vento, porque nenhuma das janelas tinha vidro. O chão era coberto de palha, titica de coruja e esqueletos de ratos e arganazes que as corujas regurgitavam. Centenas e mais centenas de corujas de todas as espécies imagináveis estavam aninhadas ali em poleiros que subiam até o alto da torre, quase todas adormecidas, embora aqui e ali um redondo olho cor de âmbar olhasse feio para o garoto.
Harry localizou Edwiges aninhada entre uma coruja-das-torres e uma coruja castanho-amarelada, e correu para ela, escorregando um pouco no chão coberto de excremento.
Levou um certo tempo para convencê-la a acordar e olhar para ele porque sua coruja não parava de mudar de lugar no poleiro, virando-lhe o rabo.
Evidentemente continuava furiosa com a falta de gratidão que ele demonstrara na noite anterior. Por fim, foi a insinuação de Harry que ela poderia estar demasiado cansada e que talvez ele pedisse Pichitinho emprestado a Rony que a fez esticar a perna e permitir ao dono amarrar nela a carta.
— Acha ele, está bem? — pediu Harry, alisando o dorso de Edwiges enquanto a levava no braço até uma das aberturas na parede. — Antes que os dementadores façam isso.
Ela lhe deu uma mordidela no dedo, talvez com mais força do que normalmente teria feito, mas, mesmo assim, piou baixinho de uma maneira que o deixou tranqüilo. Em seguida abriu as asas e levantou vôo para o céu do amanhecer. Harry observou-a desaparecer de vista com a conhecida sensação de mal-estar no estômago. Antes tivera tanta certeza de que a resposta de Sirius aliviaria suas preocupações em vez de aumentá-las.
— Isso foi uma mentira, Harry — falou Hermione com severidade ao café da manhã, quando o garoto contou a ela e a Rony o que fizera. — Você não imaginou que sua cicatriz estava doendo e sabe muito bem disso.
— E daí? — retrucou Harry. — Ele não vai voltar para Azkaban por minha causa.
— Esquece — disse Rony com aspereza a Hermione, quando ela abriu a boca para continuar a discussão e, uma vez na vida, a garota atendeu ao amigo e se calou.
Harry fez o que pôde para não se preocupar com Sirius nas semanas seguintes. É verdade que não conseguia deixar de olhar para os lados, ansiosamente, toda manhã quando as corujas chegavam trazendo o correio e tarde da noite antes de dormir, tinha horríveis visões em que Sirius era encurralado pelos dementadores em alguma rua escura de Londres. Mas entre um momento e outro, ele tentava não pensar no padrinho. Desejou que ainda tivesse o Quadribol para distraí-lo, nada dava tão certo para uma cabeça preocupada quanto um treino exaustivo. Por outro lado, as aulas estavam se tornando cada vez mais difíceis e exigindo que se esforçasse mais do que nunca, principalmente a de Defesa contra as Artes das Trevas.
Para surpresa dos alunos, o Professor Moody anunciara que ia lançar a Maldição Imperius sobre cada um deles, a fim de demonstrar o seu poder e verificar se conseguiam resistir aos seus efeitos.
— Mas... Se o senhor disse que é ilegal, professor — perguntou Hermione incerta, quando Moody afastou as carteiras com um movimento amplo da varinha, deixando uma clareira no meio da sala. — O senhor disse... Que usá-la contra outro ser humano era...
— Dumbledore quer que vocês aprendam qual é o efeito que ela produz em uma pessoa — disse Moody, o olho mágico girando para a garota e se fixando nela sem piscar, com uma expressão misteriosa. — Se a senhorita preferir aprender pelo método difícil... Quando alguém a lançar contra a senhorita para controlá-la... Para mim está bem. A senhorita está dispensada da aula. Pode se retirar.
Ele apontou um dedo nodoso para a porta. Hermione ficou muito vermelha e murmurou alguma coisa no sentido de que a pergunta não significava que ela quisesse sair. Harry e Rony sorriram um para o outro. Eles sabiam que Hermione preferia beber pus de bubotúberas do que perder uma lição daquela importância.
O professor começou a chamar os alunos à frente e a lançar a maldição sobre eles, um de cada vez. Harry observou os colegas fazerem as coisas mais extraordinárias sob a influência da Imperius. Dino Thomas deu três voltas pela sala aos saltos, cantando o hino nacional. Lilá Brown imitou um esquilo. Neville executou uma série de acrobacias surpreendentes, que ele certamente não teria conseguido em condições normais. Nenhum deles parecia ser capaz de resistir à maldição, e cada um só voltava ao normal quando Moody a desfazia.
— Potter — rosnou Moody —, você é o próximo.
O garoto se adiantou até o meio da sala, no espaço que Moody deixara livre. O professor ergueu a varinha, apontou-a para Harry e disse:
— Império.
Foi uma sensação maravilhosa. Harry sentiu que flutuava e todos os pensamentos e preocupações em sua mente desapareceram suavemente, deixando apenas uma felicidade vaga e inexplicável. Ele ficou ali extremamente relaxado, vagamente consciente de que todos o observavam.
Então, ouviu a voz de Olho-Tonto Moody ecoar em uma célula distante do seu cérebro vazio: Salte para cima da carteira... Salte para cima da carteira...
Harry dobrou os joelhos obedientemente, preparando-se para saltar.
Salte para cima da carteira...
Mas por quê? Outra voz despertara no fundo de sua mente. Que coisa boba para alguém fazer, francamente, disse a voz.
Salte para cima da carteira...
Não, acho que não, obrigado, disse a segunda voz, com mais firmeza... Não, não quero...
Salte! AGORA!
A próxima coisa que Harry sentiu foi uma imensa dor. Ele saltou e tentou não saltar ao mesmo tempo, o resultado foi se estatelar em cima de uma carteira, derrubando-a, e, pela dor que sentiu nas pernas, fraturar as duas rótulas.
— Agora está melhor! — rosnou a voz de Moody e, de repente, Harry percebeu que a sensação de vazio e os ecos tinham desaparecido de sua mente.
Lembrou-se com exatidão do que estava acontecendo e a dor nos joelhos pareceu dobrar de intensidade.
— Olhem só isso, vocês todos... Potter resistiu! Lutou contra a maldição e quase a venceu! Vamos experimentar de novo, Potter, e vocês prestem atenção, observem os olhos dele, é onde vocês vão ver, muito bem, Potter, muito bem mesmo! Eles vão ter trabalho para controlar você!
— Pelo jeito que ele fala — resmungou Harry, ao sair mancando da aula de Defesa contra as Artes das Trevas, uma hora depois (Moody insistira que Harry mostrasse do que era capaz, quatro vezes seguidas, até o garoto conseguir resistir inteiramente à maldição) —, a gente poderia pensar que vai ser atacado a qualquer momento.
— É, eu sei — respondeu Rony, que estava saltitando, um passo sim outro não.
Tivera muito mais dificuldade com a maldição do que Harry, embora Moody lhe garantisse que os efeitos passariam até a hora do almoço. — Falando em paranóia... — Rony espiou nervosamente por cima do ombro para verificar se estavam mesmo fora do campo de audição de Moody, e continuou: — Não me admira que tenham ficado contentes em se livrar dele no Ministério. Você ouviu quando ele contou ao Simas o que fez com a bruxa que gritou "buu" atrás dele, no dia primeiro de abril? E quando é que a gente vai ter como resistir à Maldição Imperius com todo o resto que tem para fazer?
Todos os alunos do quarto ano haviam notado que decididamente houvera um aumento na quantidade de deveres exigida deles neste trimestre. A Professora Minerva explicou o porquê, quando a turma gemeu particularmente alto à vista do dever de Transformação que ela passava.
— Vocês agora estão entrando numa fase importantíssima da sua educação em magia! — disse ela, os olhos faiscando perigosamente por trás dos óculos quadrados. — O exame para obter os Níveis Ordinários de Magia estão se aproximando...
— Mas não vamos fazer exames de nivelamento até a quinta série! — exclamou Dino Thomas indignado.
— Talvez não, Thomas, mas, me acredite, vocês precisam de toda a preparação que puderem obter! A Srta. Granger foi a única aluna desta turma que conseguiu transformar um porco-espinho em uma almofadinha de alfinetes razoável. Eu talvez possa lhe lembrar, Thomas, que a sua almofadinha ainda se encolhe de medo quando alguém se aproxima dela com um alfinete!
Hermione, que tornara a corar, parecia estar fazendo um esforço para não parecer cheia de si demais.
Harry e Rony acharam muita graça quando a Professora Trelawney lhes disse que tinham tirado a nota máxima no dever da aula anterior de Adivinhação. Ela leu longos trechos das predições que eles fizeram, comentando a impassível aceitação dos horrores que os aguardavam, mas os garotos não acharam tanta graça quando ela pediu que fizessem outra projeção para dali a dois meses: eles tinham quase esgotado as idéias para catástrofes.
Entrementes, o Professor Binns, o fantasma que ensinava História da Magia, mandou-os escrever ensaios semanais sobre a Revolta dos Duendes no século XVIII. O Professor Snape estava obrigando-os a pesquisar antídotos. A turma levou o dever a sério, porque ele insinuou que talvez envenenasse um deles antes do Natal para ver se o antídoto que encontrassem faria efeito. O Professor Flitwick lhes pedira que lessem mais três livros, em preparação para a aula de Feitiços Convocatórios.
E até Hagrid aumentara a carga de trabalho de seus alunos. Os explosivins estavam crescendo em um ritmo excepcional, dado que ninguém ainda descobrira o que comiam. Hagrid estava encantado e, como parte da "pesquisa", sugeriu que fossem à sua cabana em noites alternadas para observar os bichos e tomar notas sobre o seu extraordinário comportamento.
— Eu não vou — disse Draco Malfoy com indiferença, quando o professor fez essa proposta com ar de Papai Noel tirando um brinquedo muito vistoso do saco. — Já vejo o bastante dessas nojeiras durante as aulas, obrigado.
O sorriso desapareceu do rosto de Hagrid.
— Você vai fazer o que mando — rosnou ele — ou vou seguir o exemplo do Professor Moody... Ouvi falar que você ficou muito bem de doninha, Malfoy.
Os alunos da Grifinória deram grandes gargalhadas. Malfoy enrubesceu de raiva, mas pelo visto, a lembrança do castigo de Moody ainda era suficientemente dolorosa para impedi-lo de responder.
Harry, Rony e Hermione voltaram para o castelo no fim da aula, muito animados, ver Hagrid desmoralizar Malfoy era particularmente gostoso porque, no ano anterior, o garoto se esforçara o máximo para fazer com que Hagrid fosse despedido.
Quando chegaram ao saguão de entrada, viram-se impedidos de prosseguir pela aglomeração de alunos que havia ali, em torno de um grande aviso afixado ao pé da escadaria de mármore. Rony, o mais alto dos três, ficou nas pontas dos pés para ver por cima das cabeças à sua frente e ler o aviso em voz alta para os outros dois.
TORNEIO TRIBRUXO
As delegações de Beauxbatons e Durmstrang chegarão às seis horas, sexta-feira, 30 de outubro. As aulas terminarão uma hora antes...
— Genial! — exclamou Harry. — É Poções a última aula de sexta-feira! Snape não terá tempo de envenenar todos nós!
Os alunos deverão guardar as mochilas e livros em seus dormitórios e se reunir na entrada do castelo para receber os nossos hóspedes antes da Festa de Boas-Vindas.
— É daqui a uma semana! — exclamou Ernesto MacMillan da Lufa-Lufa, saindo da aglomeração, os olhos brilhando. — Será que o Cedrico sabe? Acho que vou avisar a ele...
— Cedrico? — repetiu Rony sem entender, enquanto Ernesto saía apressado.
— Diggory — disse Harry. — Ele deve estar inscrito no torneio.
— Aquele idiota, campeão de Hogwarts? — disse Rony, quando abriam caminho pelo ajuntamento de alunos para chegar à escadaria.
— Ele não é idiota, você simplesmente não gosta dele porque ele derrotou a Grifinória no Quadribol — disse Hermione. — Ouvi falar que é realmente um bom aluno, e é monitor!
Ela falou isso como se encerrasse a questão.
— Você só gosta dele porque ele é bonito — respondeu Rony com desdém.
— Perdão, eu não gosto de pessoas só porque são bonitas! — retrucou Hermione indignada.
Rony fingiu que pigarreava alto, um som que estranhamente lembrava "Lockhart!". A afixação do aviso no saguão de entrada teve um efeito sensível nos moradores do castelo.
Durante a semana seguinte, parecia haver um assunto nas conversas, onde quer que Harry fosse: o Torneio Tribruxo. Os boatos voavam de um aluno para outro como um germe excepcionalmente contagioso: quem ia tentar ser o campeão de Hogwarts, que é que o torneio exigia, e em que os alunos de Beauxbatons e Durmstrang se diferenciavam deles.
Harry notou, também, que o castelo estava sofrendo uma faxina mais do que rigorosa. Vários retratos encardidos tinham sido escovados para descontentamento dos retratados, que se sentavam encolhidos nas molduras, resmungando sombriamente e fazendo caretas ao apalpar os rostos vermelhos.
As armaduras de repente brilhavam e mexiam sem ranger e Argo Filch, o zelador, estava agindo com tanta agressividade com os alunos que se esquecessem de limpar os sapatos que aterrorizou duas garotas do primeiro ano levando-as à histeria. Outros funcionários também pareciam estranhamente tensos.
— Longbottom, tenha a bondade de não revelar que você não consegue sequer lançar um simples Feitiço de Troca diante de alguém de Durmstrang! — vociferou a Professora Minerva ao fim de uma aula particularmente difícil, em que Neville acidentalmente transplantara as próprias orelhas para um cacto.
Quando eles desceram para o café na manhã do dia 30 de outubro, descobriram que o Salão Principal fora ornamentado durante a noite. Grandes bandeiras de seda pendiam das paredes, cada uma representando uma casa de Hogwarts. A vermelha com um leão dourado da Grifinória, a azul com uma águia de bronze da Corvinal, a amarela com um texugo negro da Lufa-Lufa e a verde com uma serpente de prata da Sonserina. Por trás da mesa dos professores, a maior bandeira de todas tinha o brasão de Hogwarts: leão, águia, texugo e serpente unidos em torno de uma grande letra "H".
Harry, Rony e Hermione viram Fred e Jorge à mesa da Grifinória. Mais uma vez, e muito anormalmente, os dois estavam sentados à parte dos demais e conversavam em voz baixa. Rony se encaminhou para os dois.
— É chato, sim — dizia Jorge sombriamente a Fred. — Mas se ele não quer falar conosco pessoalmente, temos que lhe mandar uma carta. Ou enfiá-la na mão dele, ele não pode ficar nos evitando para sempre.
— Quem é que está evitando vocês? — perguntou Rony, sentando-se ao lado deles.
— Gostaria que fosse você — disse Fred, mostrando-se irritado com a interrupção.
— Que é que é chato? — perguntou Rony a Jorge.
— Ter um babaca metido feito você como irmão — disse Jorge.
— Vocês já tiveram alguma idéia para o Torneio Tribruxo? — perguntou Harry. — Continuaram pensando como vão tentar se inscrever?
— Perguntei a McGonagall como é que os campeões são escolhidos, mas ela não quis dizer — respondeu Jorge com amargura. — Só me disse para calar a boca e continuar transformando o meu guaxinim.
— Fico imaginando quais vão ser as tarefas — disse Rony pensativo. — Sabe, aposto que poderíamos dar conta, Harry e eu já fizemos coisas perigosas antes...
— Não na frente de uma banca de juizes, isso vocês não fizeram — disse Fred. — McGonagall disse que os campeões recebem pontos pela perfeição com que executam as tarefas.
— Quem são os juizes? — perguntou Harry.
— Bem, os diretores das escolas participantes sempre fazem parte da banca — disse Hermione e todos a olharam surpresos —, porque os três ficaram feridos durante o torneio de 1792, quando um basilisco que os campeões deviam capturar saiu destruindo tudo.
Ela notou que todos a olhavam e disse, com o seu costumeiro ar de impaciência quando via que ninguém mais lera os mesmos livros que ela:
— Está tudo em Hogwarts: Uma História. Embora, é claro, esse livro não seja cem por cento confiável. “Uma história Revista de Hogwarts” seria um título mais preciso. Ou, então, “Uma História Seletiva e Muito Parcial de Hogwarts”, que aborda brevemente os aspectos mais desfavoráveis da escola.
— Do que é que você está falando? — perguntou Rony, embora Harry soubesse o que vinha pela frente.
— Elfos domésticos!— disse Hermione em voz alta, comprovando que Harry acertara. — Nem uma vez, em mais de mil páginas, Hogwarts: Uma História menciona que somos todos coniventes na opressão de centenas de escravos!
Harry sacudiu a cabeça e se concentrou nos ovos mexidos. A falta de entusiasmo dele e de Rony não conseguiu refrear a decisão de Hermione de obter justiça para os elfos domésticos. Era verdade que os dois tinham pago os dois sicles pelo distintivo do F.A.L.E., mas só o tinham feito para fazê-la calar-se.
Os sicles, no entanto, tinham sido gastos em vão, se produziram algum efeito foi o de tornar Hermione ainda mais vociferante. A garota andava atormentando os dois desde então, primeiro para usarem o distintivo, depois para persuadirem outros a fazer o mesmo, e ela também passara a caminhar pela sala comunal da Grifinória todas as noites, encostando os colegas na parede e sacudindo a latinha de coleta debaixo do nariz deles.
— Vocês têm consciência de que os seus lençóis são trocados, as lareiras, acesas, as salas de aula limpas e a comida preparada por um grupo de criaturas mágicas que não recebem salário e são escravizadas? — ela não parava de lembrar a todos com veemência.
Alguns colegas, como Neville, tinham pago só para Hermione parar de fazer cara feia para eles. Alguns pareceram ligeiramente interessados no que a garota tinha a dizer, mas relutavam em assumir um papel mais ativo no movimento. Muitos encaravam a coisa toda como piada.
Rony agora contemplou o teto, que banhava a todos com um sol de outono e Fred fingiu-se extremamente interessado no bacon que havia em seu prato (os gêmeos tinham se recusado a comprar um distintivo do F.A.L.E.). Jorge, no entanto, chegou para mais perto de Hermione.
— Escuta aqui, Mione, você já foi à cozinha?
— Não, claro que não — respondeu a garota secamente. — Nem posso imaginar que os alunos devam...
— Bom, nós já fomos — disse Jorge, indicando Fred — várias vezes para afanar comida. E encontramos os elfos e eles estão felizes. Acham que têm o melhor emprego do mundo...
— E porque eles não têm instrução e sofrem lavagem cerebral! — começou Hermione acaloradamente, mas suas palavras seguintes foram abafadas pelo ruído de asas que vinha do alto anunciando a chegada das corujas com o correio.
Harry ergueu os olhos e, na mesma hora, avistou Edwiges que voava em sua direção. Hermione parou de falar abruptamente; ela e Rony observaram a coruja, ansiosos, enquanto a ave batia as asas rapidamente para descer e pousar no ombro de Harry, depois fechou-as e estendeu a perna, cansada.
Harry desamarrou a resposta de Sirius e ofereceu a Edwiges suas aparas de bacon, que ela comeu, grata. Então, verificando que Fred e Jorge estavam absortos em novas discussões sobre o Torneio Tribruxo, Harry leu a carta de Sirius, aos cochichos, para Rony e Hermione.
“Não me convenceu, Harry.
Estou de volta ao país e bem escondido. Quero que me mantenha informado de tudo que estiver acontecendo em Hogwarts. Não use Edwiges, troque de corujas e não se preocupe comigo, cuide-se. Não se esqueça do que lhe disse sobre a cicatriz.
Sirius”.
— Por que é que você precisa trocar de corujas? — perguntou Rony em voz baixa.
— Edwiges chamará muita atenção — respondeu Hermione na mesma hora. -Ela se destaca. Uma coruja muito branca que fica voltando para o lugar em que ele está escondido... Quero dizer, ela não e um pássaro nativo, não é mesmo?
Harry enrolou a carta e guardou-a dentro das vestes, se perguntando se estaria se sentindo mais ou menos preocupado do que antes. Supunha que o fato de Sirius ter conseguido voltar sem ser apanhado já era muito. Tampouco podia negar que a idéia de que seu padrinho estava muito mais próximo era reconfortante, pelo menos não teria que esperar tanto por uma resposta todas as vezes que lhe escrevesse.
— Obrigado, Edwiges — disse, acariciando-a. Ela piou sonolenta, meteu o bico rapidamente no cálice de suco de laranja do garoto, depois tornou a levantar vôo, visivelmente desesperada para tirar um longo sono no corujal.
Havia uma sensação de agradável expectativa no ar aquele dia. Ninguém prestou muita atenção às aulas, pois estavam bem mais interessados na chegada das comitivas de Beauxbatons e Durmstrang à noite, até Poções foi mais tolerável do que de costume, porque durou meia hora a menos. Quando a sineta tocou mais cedo, Harry, Rony e Hermione subiram depressa para a Torre da Grifinória, largaram as mochilas e os livros, conforme as instruções que tinham recebido, vestiram as capas e desceram correndo para o saguão de entrada.
Os diretores das Casas estavam organizando os alunos em filas.
— Weasley, endireite o chapéu — disse a Professora Minerva secamente a Rony. — Srta. Patil, tire essa coisa ridícula dos cabelos.
Parvati fez cara feia e retirou o enorme enfeite de borboleta da ponta da trança.
— Sigam-me, por favor — mandou a professora —, alunos da primeira série à frente... Sem empurrar... Eles desceram os degraus da entrada e se enfileiraram diante do castelo. Fazia um fim de tarde frio e límpido, o crepúsculo vinha chegando devagarinho e uma lua pálida e transparente já brilhava sobre a Floresta Proibida. Harry, postado entre Rony e Hermione na quarta fileira da frente para trás, viu Denis Creevey decididamente trêmulo de expectativa entre os colegas da primeira série.
— Quase seis horas — comentou Rony, verificando o relógio e depois espiando o caminho que levava aos portões da escola. — Como é que vocês acham que eles vêm? De trem?
— Duvido — respondeu Hermione.
— Como então? Vassouras? — arriscou Harry, erguendo os olhos para o céu estrelado.
— Acho que não... Não vindo de tão longe...
— De chave de portal? — aventurou Rony. — Ou quem sabe aparatando, talvez tenham permissão de fazer isso antes dos dezessete anos no lugar de onde vêm?
— Não se pode aparatar nos terrenos de Hogwarts. Quantas vezes tenho que repetir isso a vocês — falou Hermione com impaciência.
Os garotos examinavam excitados e atentos os jardins cada vez mais escuros, mas nada se movia, tudo estava quieto, silencioso, como sempre. Harry começava a sentir frio. Desejou que os visitantes chegassem logo... Talvez os estudantes estrangeiros estivessem preparando uma entrada teatral... Lembrou-se do que o Sr. Weasley dissera no acampamento antes da Copa Mundial de Quadribol: "Sempre os mesmos, não resistimos à tentação de fazer farol quando nos reunimos...”
E então Dumbledore falou em voz alta da última fileira, onde aguardava com os outros professores:
— Aha! A não ser que eu muito me engane, a delegação de Beauxbatons está chegando!
— Onde? — perguntaram muitos alunos ansiosos, olhando em diferentes direções.
— Ali! — gritou um aluno da sexta série, apontando para o céu sobre a Floresta.
Alguma coisa grande, muito maior do que uma vassoura — ou, na verdade, cem vassouras —, voava em alta velocidade pelo céu azul-escuro em direção ao castelo, e se tornava cada vez maior.
— É um dragão! — gritou esganiçada uma aluna da primeira série, perdendo completamente a cabeça.
— Deixa de ser burra... É uma casa voadora! — disse Dênis Creevey.
O palpite de Dênis estava mais próximo... Quando a sombra gigantesca e escura sobrevoou as copas das árvores da Floresta Proibida, e as luzes que brilhavam nas janelas do castelo a iluminaram, eles viram uma enorme carruagem azul-clara do tamanho de um casarão, que voava para eles, puxada por doze cavalos alados, todos baios, cada um parecendo um elefante de tão grande.
As três primeiras fileiras de alunos recuaram quando a carruagem foi baixando para pousar a uma velocidade fantástica — então, com um baque estrondoso que fez Neville saltar para trás e pisar no pé de um aluno da quinta série da Sonserina —, os cascos dos cavalos, maiores que pratos, bateram no chão. Um segundo mais tarde, a carruagem também pousou, balançando sobre as imensas rodas, enquanto os cavalos dourados agitavam as cabeçorras e reviravam os grandes olhos cor de fogo.
Harry só teve tempo de ver que a porta da carruagem tinha um brasão (duas varinhas cruzadas, e de cada uma saíam três estrelas) antes que ela se abrisse. Um garoto de roupas azuis-claras saltou da carruagem, curvado para a frente, mexeu por um momento em alguma coisa que havia no chão da carruagem e abriu uma escadinha de ouro. Em seguida, recuou respeitosamente. Então Harry viu um sapato preto e lustroso sair de dentro da carruagem — um sapato do tamanho de um trenó de criança — acompanhado, quase imediatamente, pela maior mulher que ele já vira na vida.
O tamanho da carruagem e dos cavalos ficou imediatamente explicado. Algumas pessoas exclamaram.
Harry só vira, até então, uma pessoa tão grande quanto essa mulher: Hagrid; ele duvidou que houvesse dois centímetros de diferença na altura dos dois. Mas, por alguma razão — talvez simplesmente porque estava habituado a Hagrid —, esta mulher (agora ao pé da escada, que olhava para as pessoas que a esperavam de olhos arregalados) parecia ainda mais anormalmente grande. Ao entrar no círculo de luz projetado pelo saguão de entrada, ela revelou um rosto bonito de pele morena, grandes olhos negros que pareciam líquidos e um nariz um tanto bicudo. Seus cabelos estavam puxados para trás e presos em um coque na nuca. Vestia-se da cabeça aos pés de cetim negro, e brilhavam numerosas opalas em seu pescoço e nos dedos grossos.
Dumbledore começou a aplaudir; os estudantes, acompanhando a deixa, prorromperam em palmas, muitos deles nas pontas dos pés, para poder ver melhor a mulher.
O rosto dela se descontraiu em um gracioso sorriso e ela se dirigiu a Dumbledore, estendendo a mão faiscante de anéis. O diretor, embora alto, mal precisou se curvar para beijar-lhe a mão.
— Minha cara Madame Maxime — disse. — Bem-vinda a Hogwarts.
— Dumbly-dorr — disse Madame Maxime, com uma voz grave. — Esperro encontrrá-lo de boa saúde.
— Excelente, obrigado — respondeu Dumbledore.
— Meus alunos — disse Madame Maxime, acenando descuidadamente uma de suas enormes mãos para trás.
Harry, cuja atenção estivera focalizada inteiramente em Madame Maxime, reparou, então, que uns doze garotos e garotas — todos, pelo físico, no fim da adolescência — haviam descido da carruagem e agora estavam parados atrás de Madame Maxime. Eles tremiam de frio, o que não surpreendia, pois suas vestes eram feitas de finíssima seda e nenhum deles usava capa. Alguns tinham enrolado echarpes e xales na cabeça. Pelo que Harry pôde ver de seus rostos (estavam à enorme sombra de sua diretora), eles olhavam para o castelo, com uma expressão apreensiva.
— Karrkarroff já chegou? — perguntou Madame Maxime.
— Deve chegar a qualquer momento — disse Dumbledore. — Gostaria de esperar aqui para recebê-lo ou prefere entrar para se aquecer um pouco?
— Me aquecerr, acho. Mas os cavalos...
— O nosso professor de Trato das Criaturas Mágicas ficará encantado de cuidar deles — disse Dumbledore — assim que terminar de resolver um probleminha que ocorreu com alguns de seus outros... Protegidos.
— Explosivins — murmurou Rony para Harry, rindo.
— Meus corrcéis ecsigem... Hum... Um trratadorr forrte — disse Madame Maxime, com uma expressão de dúvida quanto à capacidade de um professor de Trato das Criaturas Mágicas em Hogwarts para dar conta da tarefa. — Eles son muito forrtes...
— Posso lhe assegurar que Hagrid poderá cuidar da tarefa — disse o diretor, sorrindo.
— Ótimo — disse Madame Maxime, fazendo uma ligeira reverência —, por favorrr inforrrme a esse Agrid que os cavalos só bebem uísque de um malte.
— Farei isso — respondeu Dumbledore, retribuindo a reverência.
— Venham — disse Madame Maxime imperiosamente aos seus alunos e o pessoal de Hogwarts se afastou para deixá-los subir os degraus de pedra.
— De que tamanho você acha que os cavalos de Durmstrang vão ser? –perguntou Simas Finnigan, esticando-se por trás de Lilá e Parvati para falar com Harry e Rony.
— Bom, se eles forem maiores do que esses, nem Hagrid vai ser capaz de cuidar deles — comentou Harry. — Isto é, se ele já não foi atacado pelos explosivins. Qual será o problema com eles?
— Talvez tenham fugido — arriscou Rony esperançoso.
— Ah, não diz uma coisa dessas — falou Hermione, com um arrepio. — Imaginem aqueles bichos soltos pela propriedade...
Eles continuaram parados, agora tremendo um pouco de frio, à espera da delegação de Durmstrang. A maioria das pessoas contemplava o céu, esperançosa. Durante alguns minutos, o silêncio só foi interrompido pelos cavalões de Madame Maxime que resfolegavam e pateavam. Mas então...
— Vocês estão ouvindo alguma coisa? — perguntou Rony de repente.
Harry prestou atenção, um barulho alto e estranho chegava até eles através da escuridão, um ronco abafado mesclado a um ruído de sucção, como se um imenso aspirador de pó estivesse se deslocando pelo leito de um rio...
— O lago! — berrou Lino Jordan apontando. — Olhem para o lago!
De sua posição, no alto dos gramados, de onde descortinavam a propriedade, eles tinham uma visão desimpedida da superfície escura e lisa da água — exceto que ela repentinamente deixara de ser lisa.
Ocorria alguma perturbação no fundo do lago, grandes bolhas se formavam no centro, e suas ondas agora quebravam nas margens de terra — e então, bem no meio do lago, apareceu um rodamoinho, como se alguém tivesse retirado uma tampa gigantesca do seu leito... Algo que parecia um pau comprido e preto começou a emergir lentamente do rodamoinho... E então Harry avistou o velame...
— É um mastro! — disse ele a Rony e Hermione.
Lenta e imponentemente o navio saiu das águas, refulgindo ao luar. Tinha uma estranha aparência esquelética, como se tivesse ressuscitado de um naufrágio, e as luzes fracas e enevoadas que brilhavam nas escotilhas lembravam olhos fantasmagóricos. Finalmente, com uma grande movimentação de água, o navio emergiu inteiramente, balançando nas águas turbulentas, e começou a deslizar para a margem.
Alguns momentos depois, ouviram a âncora ser atirada na água rasa e o baque surdo de um pranchão ao ser baixado sobre a margem.
Havia gente desembarcando, os garotos viram silhuetas passarem pelas luzes das escotilhas. Os recém-chegados pareciam ter físicos semelhantes aos de Crabbe e Goyle... Mas então, quando subiram as encostas dos jardins e chegaram mais próximos à luz que saía do saguão de entrada, Harry viu que aquela aparência maciça se devia às capas de peles de fios longos e despenteados que estavam usando. Mas o homem que os conduzia ao castelo usava peles de um outro tipo; sedosas e prateadas como os seus cabelos.
— Dumbledore! — cumprimentou ele cordialmente, ainda subindo a encosta. — Como vai, meu caro, como vai?
— Otimamente, obrigado, Professor Karkaroff.
O homem tinha uma voz ao mesmo tempo engraçada e untuosa; quando ele entrou no círculo de luz das portas do castelo, os garotos viram que era alto e magro como Dumbledore, mas seus cabelos brancos eram curtos, e a barbicha (que terminava em um cachinho) não escondia inteiramente o seu queixo fraco.
Quando alcançou Dumbledore, apertou-lhe a mão com as suas duas.
— Minha velha e querida Hogwarts! — exclamou, erguendo os olhos para o castelo e sorrindo, seus dentes eram um tanto amarelados, e Harry reparou que seu sorriso não abrangia os olhos, que permaneciam frios e astutos. — Como é bom estar aqui, como é bom... Vítor, venha, venha para o calor... Você não se importa, Dumbledore? Vítor está com um ligeiro resfriado...
Karkaroff fez sinal para um de seus estudantes avançar. Quando o rapaz passou, Harry viu de relance um nariz grande e curvo e sobrancelhas escuras e espessas.
Não precisava do soco que Rony lhe deu no braço, nem do cochicho na orelha para reconhecer aquele perfil.
— Harry, é o Krum!
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário