CAPÍTULO DEZESSEIS
O Cálice de Fogo
— Eu não acredito! — exclamou Rony, em tom de espanto, quando os alunos de Hogwarts se enfileiraram pelos degraus atrás da delegação de Durmstrang.
— Krum, Harry! Vítor Krum!
— Pelo amor de Deus, Rony, ele é apenas um jogador de Quadribol — disse Hermione.
— Apenas um jogador de Quadribol? — exclamou Rony, olhando para a amiga como se não pudesse acreditar no que ouvia. — Mione, ele é um dos melhores apanhadores do mundo! Eu não fazia idéia de que ele ainda estava na escola!
Quando eles atravessaram o saguão com os demais alunos de Hogwarts, a caminho do Salão Principal, Harry viu Lino Jordan pulando nas pontas dos pés para conseguir ver melhor a nuca de Krum. Várias garotas do sexto ano apalpavam freneticamente os bolsos enquanto andavam:
— Ah, não acredito, não trouxe uma única pena comigo... Você acha que ele assinaria o meu chapéu com batom?
— Francamente! — exclamou Hermione com ar de superioridade, ao passarem pelas garotas, agora disputando o batom.
— Vou pedir um autógrafo a ele se puder — disse Rony —, você tem uma pena, Harry?
— Não, deixei todas lá em cima na mochila — respondeu Harry. Os garotos se dirigiram mesa da Grifinória e se sentaram.
Rony tomou o cuidado de se sentar de frente para a porta, porque Krum e seus colegas de Durmstrang ainda estavam parados ali, aparentemente sem saber onde se sentar. Os alunos de Beauxbatons tinham escolhido lugares à mesa da Corvinal. Corriam os olhos pelo Salão Principal com uma expressão triste no rosto. Três deles ainda seguravam as echarpes e xales que cobriam a cabeça.
— Não está fazendo tanto frio assim — comentou Hermione que os observava, irritada. — Por que não trouxeram as capas?
— Aqui! Venham se sentar aqui! — sibilou Rony. — Aqui! Mione chega para lá, abre um espaço...
-Quê?
— Tarde demais — disse Rony com amargura.
Vítor Krum e os colegas de Durmstrang tinham se acomodado à mesa da Sonserina. Harry viu que Malfoy, Crabbe e Goyle pareciam muito cheios de si com isso. Enquanto o garoto observava, Malfoy se curvou para falar com Krum.
— É, vai fundo, puxa o saco dele, Malfoy — disse Rony com desdém. — Mas, aposto como o Krum está percebendo o jogo dele... Aposto como tem gente adulando ele o tempo todo... Onde é que você acha que eles vão dormir? Poderíamos oferecer um lugar no nosso dormitório, Harry... Eu não me importaria de ceder a minha cama, e poderia dormir em uma cama de armar.
Hermione deu uma risadinha desdenhosa.
— Eles parecem bem mais felizes que o pessoal da Beauxbatons — disse Harry.
Os alunos de Durmstrang estavam despindo os pesados casacos de peles e olhando para o teto escuro e estrelado com expressões de interesse; uns dois seguravam os pratos e taças de ouro e examinavam-nos, aparentemente impressionados.
Na mesa dos funcionários, Filch, o zelador, acrescentava cadeiras. Estava usando a velha casaca mofada em homenagem à ocasião. Harry ficou surpreso de ver que ele acrescentara duas cadeiras de cada lado de Dumbledore.
— Mas só tem mais duas pessoas — disse Harry. — Por que Filch está colocando mais quatro cadeiras? Quem mais vem?
— É? — respondeu Rony vagamente. Ainda olhava com avidez para Krum.
Depois que todos os estudantes tinham entrado no salão e sentado às mesas das Casas, vieram os professores, que se dirigiram à mesa principal e se sentaram. Os últimos da fila foram o Professor Dumbledore, o Professor Karkaroff e Madame Maxime.
Quando a diretora apareceu, os alunos de Beauxbatons se levantaram imediatamente. Alguns alunos de Hogwarts riram. A delegação de Beauxbatons não pareceu se constranger nem um pouco e não tornou a se sentar até que Madame Maxime estivesse acomodada do lado esquerdo de Dumbledore. Este, porém, continuou em pé e o Salão Principal ficou silencioso.
— Boa-noite, senhoras e senhores, fantasmas e, muito especialmente, hóspedes — disse Dumbledore sorrindo para os alunos estrangeiros. — Tenho o prazer de dar as boas-vindas a todos. Espero e confio que sua estada aqui seja confortável e prazerosa.
Uma das garotas de Beauxbatons, ainda segurando o xale na cabeça, deu uma inconfundível risadinha de zombaria.
— Ninguém está obrigando você a ficar! — murmurou Hermione, com raiva.
— O torneio será oficialmente aberto no fim do banquete — disse Dumbledore. — Agora convido todos a comer, beber e se fazer em casa!
Ele se sentou, e Harry viu Karkaroff se curvar na mesma hora para frente e iniciar uma conversa com o diretor.
As travessas diante deles se encheram de comida como de costume. Os elfos domésticos na cozinha pareciam ter se excedido, havia uma variedade de pratos à mesa que Harry jamais vira, inclusive alguns decididamente estrangeiros.
— Que é isso? — disse Rony, apontando uma grande travessa com uma espécie de ensopado de frutos do mar ao lado de um grande pudim de carne e rins.
— Boujilabaisse — disse Hermione.
— Para você também! — respondeu Rony.
— É francesa — explicou a garota. — Comi nas férias, no penúltimo verão, é muito gostosa.
— Acredito — retrucou Rony, servindo-se de chouriço de sangue.
De alguma forma o Salão Principal parecia muito mais cheio do que de costume, ainda que só houvesse umas vinte pessoas a mais ali, talvez porque os uniformes de cores diferentes se destacassem tão claramente contra o preto das vestes de Hogwarts.
Agora que tinham despido as peles, os alunos de Durmstrang deixavam ver que usavam vestes de um intenso vermelho-sangue. Vinte minutos depois do início do banquete, Hagrid entrou discretamente pela porta atrás da mesa dos funcionários. Deslizou para sua cadeira na ponta da mesa e acenou para Harry, Rony e Hermione com a mão coberta de ataduras.
— Os explosivins estão passando bem, Hagrid? — perguntou Harry.
— Otimamente — respondeu ele animado.
— É, aposto que estão — disse Rony em voz baixa. — Parece que finalmente encontraram a comida que gostam, não? Os dedos de Hagrid.
Naquele instante, ouviram uma voz:
— Com licença, vocês von querrer a boujilabaisse?
Era a garota de Beauxbatons que rira durante a fala de Dumbledore.
Finalmente retirara o xale. Uma longa cascata de cabelos louro-prateados caía quase até sua cintura. Tinha grandes olhos azul profundos e dentes muito brancos e iguais. Rony ficou púrpura. Olhou para a garota, abriu a boca para responder, mas não saiu nada a não ser um fraco gargarejo.
— Pode levar — respondeu Harry, empurrando a terrina para a garota.
— Vocês já se serrvirram?
— Já — disse Rony sem fôlego. — Estava excelente.
A garota apanhou a terrina e levou-a cuidadosamente até a mesa da Corvinal. Rony continuou com os olhos grudados nela como se nunca tivesse visto uma garota na vida. Harry começou a rir. O som das risadas pareceu sacudir Rony daquele transe.
— É uma Veela! — exclamou com a voz rouca para Harry.
— Claro que não! — retrucou Hermione mordazmente. — Não vejo mais ninguém olhando para ela de boca aberta como um idiota!
Mas não era bem verdade. Quando a garota atravessou o salão, muitas cabeças de garotos se viraram, e alguns pareciam ter ficado temporariamente sem fala, exatamente como Rony.
— Estou dizendo, não é uma garota normal! — disse Rony, curvando-se para um lado para poder continuar a vê-la sem ninguém na frente. — Não fazem garotas assim em Hogwarts!
— Fazem garotas legais em Hogwarts — respondeu Harry, sem pensar. Cho Chang, por acaso, estava sentada a poucos lugares da garota de cabelos prateados.
— Quando vocês dois repuserem os olhos dentro das órbitas — disse Hermione com energia — poderão ver quem acaba de chegar.
Ela apontou para a mesa dos funcionários. As duas cadeiras que estavam vazias acabavam de ser ocupadas. Ludo Bagman sentou-se agora do outro lado do Professor Karkaroff enquanto o Sr. Crouch, chefe de Percy, ficou ao lado de Madame Maxime.
— Que é que eles estão fazendo aqui? — indagou Harry surpreso.
— Eles organizaram o Torneio Tribruxo, não foi? — disse Hermione. — Imagino que quisessem vir assistir à abertura.
Quando o segundo prato chegou, os garotos repararam que havia diversos pudins desconhecidos, também. Rony examinou um tipo esquisito de manjar branco mais atentamente, depois o deslocou com cuidado alguns centímetros para a direita, de modo a deixá-lo bem visível para os convidados à mesa da Corvinal. Mas a garota que lembrava uma Veela parecia ter comido o suficiente e não veio até a mesa apanhá-lo.
Depois que os pratos de ouro foram limpos, Dumbledore se levantou mais uma vez. Neste momento, uma agradável tensão pareceu invadir o salão. Harry sentiu um tremor de excitação só de imaginar o que viria a seguir. A algumas cadeiras de distância, Fred e Jorge se curvaram para frente, observando Dumbledore com grande concentração.
— Chegou o momento — disse Dumbledore, sorrindo para o mar de rostos erguidos. — O Torneio Tribruxo vai começar. Eu gostaria de dizer algumas palavras de explicação antes de mandar trazer o escrínio...
— O quê? — murmurou Harry. Rony deu de ombros.
— Apenas para esclarecer as regras que vigorarão este ano. Mas, primeiramente, gostaria de apresentar àqueles que ainda não os conhecem o Sr. Bartolomeu Crouch, Chefe do Departamento de Cooperação Internacional em Magia — houve vagos e educados aplausos —, e o Sr. Ludo Bagman, Chefe do Departamento de Jogos e Esportes Mágicos.
Houve uma rodada mais ruidosa de aplausos para Bagman do que para Crouch, talvez por sua fama de batedor ou simplesmente porque ele parecia muito mais simpático. Ele agradeceu com um aceno jovial. Bartolomeu Crouch não sorriu nem acenou quando seu nome foi anunciado. Ao lembrar-se dele vestido com um terno bem cortado na Copa Mundial de Quadribol, Harry achou que parecia estranho naquelas vestes de bruxo.
Seu bigode à escovinha e a risca exata nos cabelos pareciam muito esquisitos ao lado dos longos cabelos e barbas de Dumbledore.
— Nos últimos meses, o Sr. Bagman e o Sr. Crouch trabalharam incansavelmente na organização do Torneio Tribruxo — continuou Dumbledore — e se juntarão a mim, ao Professor Karkaroff e à Madame Maxime na banca que julgará os esforços dos campeões.
A menção da palavra "campeões", a atenção dos estudantes que ouviam pareceu se aguçar. Talvez Dumbledore tivesse notado essa repentina imobilidade, porque ele sorriu e disse:
— O escrínio, então, por favor, Sr. Filch.
Filch, que andara rondando despercebido um extremo do salão, se aproximou então de Dumbledore, trazendo uma arca de madeira, incrustada de pedras preciosas. Tinha uma aparência extremamente antiga. Um murmúrio de interesse se elevou das mesas dos alunos. Denis Creevey chegou a subir na cadeira para ver direito, mas por ser tão miúdo, sua cabeça mal ultrapassou a dos outros.
— As instruções para as tarefas que os campeões deverão enfrentar este ano já foram examinadas pelos Srs. Crouch e Bagman — disse Dumbledore, enquanto Filch depositava a arca cuidadosamente na mesa à frente do diretor —, e eles tomaram as providências necessárias para cada desafio. Haverá três tarefas, espaçadas durante o ano letivo, que servirão para testar os campeões de diferentes maneiras... Sua perícia em magia, sua coragem, seus poderes de dedução e, naturalmente, sua capacidade de enfrentar o perigo.
A esta última palavra, o salão mergulhou num silêncio tão absoluto que ninguém parecia estar respirando.
— Como todos sabem, três campeões competem no torneio — continuou Dumbledore calmamente —, um de cada escola. Eles receberão notas por seu desempenho em cada uma das tarefas do torneio e aquele que tiver obtido o maior resultado no final da terceira tarefa ganhará a Taça Tribruxo. Os campeões serão escolhidos por um juiz imparcial... “O Cálice de Fogo”.
Dumbledore puxou então sua varinha e deu três pancadas leves na tampa do escrínio. A tampa se abriu lentamente com um rangido. O bruxo enfiou a mão nele e tirou um grande cálice de madeira toscamente talhado. Teria sido considerado totalmente comum se não estivesse cheio até a borda com chamas branco-azuladas, que davam a impressão de dançar.
Dumbledore fechou o escrínio e pousou cuidadosamente o cálice sobre a tampa, onde seria visível a todos no salão.
— Quem quiser se candidatar a campeão deve escrever seu nome e escola claramente em um pedaço de pergaminho e depositá-lo no cálice — disse Dumbledore. — Os candidatos terão vinte e quatro horas para apresentar seus nomes. Amanhã à noite, Festa do Dia das Bruxas, o cálice devolverá o nome dos três que ele julgou mais dignos de representar suas escolas. O cálice será colocado no saguão de entrada hoje à noite, onde estará perfeitamente acessível a todos que queiram competir.
— Para garantir que nenhum aluno menor de idade ceda à tentação, -continuou Dumbledore, — traçarei uma linha etária em volta do Cálice de Fogo depois que ele for colocado no saguão. Ninguém com menos de dezessete anos conseguirá atravessar a linha.
— E, finalmente, gostaria de incutir, nos que querem competir, que ninguém deve se inscrever neste torneio levianamente. Uma vez escolhido pelo Cálice de Fogo, o campeão ficará obrigado a prosseguir até o final do torneio. Colocar o nome no cálice é um ato contratual mágico. Não pode haver mudança de idéia, uma vez que a pessoa se torne campeã. Portanto, procurem se certificar de que estão preparados de corpo e alma para competir, antes de depositar seu nome no cálice. Agora, acho que já está na hora de irmos nos deitar. Boa-noite a todos.
— Uma linha etária! — exclamou Fred Weasley, os olhos brilhando, enquanto atravessavam o salão rumo às portas que se abriam para o saguão de entrada.
— Bom, isso deve ser contornável com uma Poção para Envelhecer, não? E depois que o nome estiver no cálice, a gente vai ficar rindo, ele não vai saber dizer se você tem ou não dezessete anos!
— Mas eu acho que ninguém abaixo de dezessete anos terá a menor chance — disse Hermione — ainda não aprendemos o suficiente...
— Fale por você — disse Jorge rispidamente. — Você vai tentar entrar, não vai, Harry?
Harry pensou brevemente na insistência de Dumbledore de que nenhum menor de dezessete anos submetesse o nome, mas então a maravilhosa visão de si mesmo ganhando a Taça Tribruxo invadiu mais uma vez sua mente... Ele pensou no quanto Dumbledore ficaria zangado se algum menor de dezessete anos descobrisse uma maneira de atravessar a linha etária...
— Onde está ele? — perguntou Rony, que não estava ouvindo uma só palavra dessa conversa, e examinava a aglomeração de alunos para ver que fim levara Krum. — Dumbledore não disse onde o pessoal de Durmstrang vai dormir, disse?
Mas sua pergunta foi respondida quase instantaneamente; os garotos estavam passando pela mesa da Sonserina naquele momento e Karkaroff se apressava em chegar aos seus alunos.
— Voltamos ao navio, então — foi ele dizendo. — Vítor, como é que você está se sentindo? Comeu o suficiente? Devo mandar buscar um pouco de quentão na cozinha?
Harry viu Krum sacudir negativamente a cabeça e tornar a vestir as peles.
— Professor, eu gostaria de beber um pouco de vinho — disse outro garoto de Durmstrang esperançoso.
— Eu não ofereci a você, Poliakoff — retorquiu Karkaroff, seu caloroso ar paternal desaparecendo instantaneamente. — Vejo que derramou comida nas vestes outra vez, moleque porcalhão...
Karkaroff lhe deu as costas e conduziu os alunos para fora, chegando à porta no mesmo momento que Harry, Rony e Hermione.
Harry parou para deixá-lo passar primeiro.
— Obrigado — disse Karkaroff, olhando distraído para o garoto.
E então o bruxo estacou. Tornou a virar a cabeça para Harry e encarou-o como se não pudesse acreditar no que via. Atrás do diretor, os alunos de Durmstrang pararam também. Os olhos de Karkaroff percorreram lentamente o rosto de Harry e se detiveram na cicatriz. Os alunos de Durmstrang miraram Harry cheios de curiosidade, também. Pelo canto do olho, o garoto viu que alguns faziam cara de terem finalmente entendido. O garoto que sujara as vestes de comida cutucou uma colega ao seu lado e apontou abertamente para a testa de Harry.
— É, é o Harry Potter, sim — disse alguém com um rosnado às costas deles.
O Professor Karkaroff virou-se completamente. Olho-Tonto Moody se achava parado ali, apoiado pesadamente na bengala, o olho mágico encarando sem piscar o diretor de Durmstrang. A cor se esvaiu do rosto de Karkaroff enquanto Harry observava a cena. Uma expressão terrível, em que se misturavam a fúria e o medo, perpassou o rosto do homem.
— Você! — exclamou ele, encarando Moody como se duvidasse de que realmente o via.
— Eu — disse Moody sério. — E a não ser que tenha alguma coisa a dizer a Potter, Karkatoff, você talvez queira continuar andando. Está bloqueando a porta.
Era verdade, metade dos estudantes no salão aguardava atrás deles, espiando por cima dos ombros uns dos outros para ver o que o que estava causando o engarrafamento. Sem dizer mais uma palavra, o Professor Karkaroff arrebanhou seus alunos e saiu. Moody observou-o desaparecer de vista, seu olho mágico fixando as costas do bruxo, uma expressão de intenso desagrado em seu rosto mutilado.
Como o dia seguinte era sábado, normalmente a maioria dos estudantes teria tomado o café da manhã mais tarde. Harry, Rony e Hermione, porém, não foram os únicos a se levantarem muito mais cedo do que costumavam nos fins de semana. Quando desceram para o saguão, viram umas vinte pessoas andando por ali, alguns comendo torrada, todos examinando o Cálice de Fogo. A peça fora colocada no centro do saguão sobre o banquinho que era usado para o Chapéu Seletor. Uma fina linha dourada fora traçada no chão, formando um círculo de uns três metros de raio.
— Alguém já depositou o nome? — perguntou Rony, ansioso, a uma aluna do terceiro ano.
— Todo o pessoal da Durmstrang — respondeu ela. — Mas ainda não vi ninguém de Hogwarts.
— Aposto como tem gente que depositou ontem à noite depois que fomos todos dormir — disse Harry. — Eu teria feito isso se fosse eles... Não iria querer ninguém me olhando. E se o cálice cuspisse o meu nome de volta na hora?
Alguém riu às costas de Harry. Ao se virar, ele viu Fred, Jorge e Lino Jordan correndo escada abaixo, os três parecendo excitadíssimos.
— Resolvido — disse Fred num cochicho vitorioso a Harry, Rony e Hermione. — Acabamos de tomá-la.
— Quê? — exclamou Rony.
— A Poção para Envelhecer, cabeça-de-bagre — disse Fred.
— Uma gota cada um — acrescentou Jorge, esfregando as mãos de alegria. — Só precisamos envelhecer alguns meses.
— Vamos dividir os mil galeões entre os três se um de nós vencer — disse Lino, com um largo sorriso.
— Não tenho muita certeza de que isso vai dar certo — disse Hermione em tom de aviso.
— Tenho certeza de que Dumbledore terá pensado nessa possibilidade.
Fred, Jorge e Lino não lhe deram atenção.
— Pronto? — perguntou Fred aos outros dois, tremendo de excitação. — Vamos então, eu vou primeiro...
Harry observou, fascinado, quando Fred tirou do bolso um pedaço de pergaminho com as palavras "Fred Weasley — Hogwarts".
O garoto foi direto à linha e parou ali, balançando-se nas pontas dos pés como um mergulhador se preparando para um salto de quinze metros. Depois, acompanhado pelo olhar de todos que estavam no saguão, ele respirou fundo e atravessou a linha.
Por uma fração de segundo, Harry achou que a coisa dera certo — Jorge certamente pensara o mesmo, porque soltou um berro de triunfo e correu atrás de Fred —, mas no momento seguinte, ouviram um chiado forte e os gêmeos foram arremessados para fora do círculo dourado, como bolas de golfe. Eles aterrissaram dolorosamente, a dez metros de distância no frio chão de pedra e, para piorar a situação, ouviram um forte estalo e brotaram nos dois longas barbas brancas e idênticas.
O saguão de entrada ecoou de risadas. Até Fred e Jorge riram depois de se levantar e dar uma boa olhada nas barbas um do outro.
— Eu avisei a vocês — disse uma voz grave e risonha, ao que todos se viraram e deram com o Professor Dumbledore saindo do Salão Principal. Ele examinou Fred e Jorge, com os olhos cintilando. — Sugiro que os dois procurem Madame Pomfrey. Ela já está cuidando da Srta. Fawcett da Corvinal e do Sr. Summers da Lufa-Lufa, que também resolveram envelhecer um pouquinho. Embora eu deva dizer que as barbas deles não são tão bonitas quanto as suas.
Fred e Jorge seguiram para a ala hospitalar acompanhados por Lino, que rolava de rir, e Harry, Rony e Hermione, também às gargalhadas, foram tomar o café da manhã.
A decoração no Salão Principal estava mudada essa manhã. Como era o Dia das Bruxas, uma nuvem de morcegos vivos esvoaçava pelo teto encantado, enquanto centenas de abóboras esculpidas riam-se em cada canto. Harry, à frente dos três, foi até Dino e Simas, que discutiam quais alunos de Hogwarts com dezessete anos ou mais estariam se inscrevendo.
— Corre um boato que Warrington se levantou cedo e depositou o nome no cálice — disse Dino a Harry. — Aquele grandalhão da Sonserina que parece uma preguiça.
Harry, que jogara Quadribol contra Warrington, sacudiu a cabeça, desgostoso.
— Não podemos ter um campeão da Sonserina!
— E todo o pessoal da Lufa-Lufa está falando em Diggory — disse Simas com desprezo. — Eu não teria imaginado que ele fosse querer arriscar aquele belo físico.
— Escutem! — disse Hermione de repente.
As pessoas estavam aplaudindo no saguão de entrada. Todos se viraram nas cadeiras e viram Angelina Johnson entrando no salão, sorrindo meio encabulada. Uma garota alta, que jogava como artilheira no time de Quadribol da Grifinória, Angelina se aproximou dos colegas, sentou-se e disse:
— Bom, está feito! Depositei o meu nome!
— Você está brincando! — disse Rony, parecendo impressionado.
— Então você já fez dezessete? — perguntou Harry.
— Claro que sim. Você está vendo alguma barba? — respondeu Rony.
— Fiz anos na semana passada — disse Angelina.
— Fico feliz que alguém da Grifinória esteja concorrendo — comentou Hermione. — Espero sinceramente que você seja escolhida, Angelina!
— Obrigada, Hermione — agradeceu Angelina, sorrindo para ela.
— É, é melhor você do que o Zé Bonitinho Diggory — disse Simas, fazendo vários alunos da Lufa-Lufa que passavam pela mesa amarrarem a cara para ele.
— Então, que é que vocês vão fazer hoje? — perguntou Rony a Harry e Hermione, quando saíam do salão depois do café.
— Ainda não fomos visitar o Hagrid — lembrou Harry.
— OK, desde que ele não nos peça para doar uns dedos aos explosivins.
Uma expressão de grande excitação surgiu de repente no rosto de Hermione.
— Acabei de me tocar, ainda não pedi ao Hagrid para se alistar no F.A.L.E.! -disse ela animada. — Me esperem aqui enquanto dou uma corrida lá em cima para apanhar os distintivos.
— Qual é a dela? — exclamou Rony, exasperado, quando Hermione saiu correndo escada acima.
— Ei, Rony — disse Harry de repente. — É a sua amiga...
Os alunos de Beauxbatons entravam no castelo, vindo dos jardins, entre eles a garota Veela. O pessoal aglomerado à volta do cálice se afastou para deixá-los passar, observando-os ansiosos. Madame Maxime entrou atrás dos alunos e organizou-os em fila. Um a um eles atravessaram a linha etária e depositaram seus pedaços de pergaminho nas chamas branco-azuladas. A cada nome inscrito o fogo se avermelhava e faiscava por um breve instante.
— Que é que você acha que acontece com os que não são escolhidos? –murmurou Rony para Harry, quando a garota Veela deixou cair seu pedaço de pergaminho no Cálice de Fogo. — Você acha que voltam para a escola ou ficam por aqui para assistir ao torneio?
— Não sei — disse Harry. — Ficam por aqui, suponho... Madame Maxime vai ficar para julgar, não é?
Depois que os alunos de Beauxbatons se inscreveram, Madame Maxime levou-os de volta aos jardins.
— Onde é que eles estão dormindo, então? — perguntou Rony chegando até as portas de entrada e acompanhando-os com o olhar.
Um ruído de chocalho às costas dos dois anunciou a reaparição de Hermione com a caixa de distintivos do F.A.L.E.
— Ah, bom, vamos logo — disse Rony e desceu aos saltos os degraus de pedra, mantendo os olhos fixos na garota Veela, que a essa altura já estava no meio do jardim com a diretora.
Ao se aproximarem da cabana de Hagrid na orla da Floresta Proibida, o mistério do dormitório dos alunos de Beauxbatons se esclareceu. A enorme carruagem azul-clara em que haviam chegado fora estacionada a menos de duzentos metros da porta da cabana de Hagrid, e eles estavam embarcando nela.
Os cavalos elefânticos que puxavam a carruagem pastavam agora em um picadeiro improvisado montado a um lado.
Harry bateu na porta de Hagrid e os latidos retumbantes de Canino responderam imediatamente.
— Até que enfim! — saudou-os Hagrid, quando abriu a porta e viu quem batia.
— Achei que vocês tinham esquecido onde eu morava!
— Estivemos realmente ocupados, Hag... — Hermione começou a dizer, mas parou de chofre, encarando Hagrid, aparentemente sem saber o que dizer.
Hagrid estava usando seu melhor (e horroroso) terno de tecido marrom peludo, com uma gravata amarela e laranja. Mas isto não era o pior, ele evidentemente tentara domesticar os cabelos, usando uma grande quantidade de um produto que parecia graxa para eixo de rodas. Estavam agora alisados em dois molhos — talvez ele tivesse tentado fazer um rabo-de-cavalo como o de Gui, mas descobrira que tinha cabelo demais. O penteado realmente não combinava nadinha com Hagrid. Por um instante, Hermione mirou-o de olhos arregalados, depois, obviamente decidindo não fazer comentários disse:
— Hum, onde estão os explosivins?
— Lá fora no canteiro de abóboras — respondeu Hagrid alegre. — Estão ficando uns bichões, quase um metro de comprimento agora. O único problema é que começaram a se matar uns aos outros.
— Ah, não, sério? — exclamou Hermione, lançando um olhar de censura a Rony, que olhava sem disfarçar o penteado esquisito de Hagrid, e acabara de abrir a boca para dizer alguma coisa.
— É — disse Hagrid com tristeza. — Mas tudo bem, eles agora estão em caixas separadas. Ainda sobraram uns vinte.
— Isso é que foi sorte! — disse Rony. Mas Hagrid não percebeu a ironia.
A cabana de Hagrid tinha um único cômodo, e a um canto havia uma cama gigantesca coberta com uma colcha de retalhos. Uma mesa igualmente enorme com cadeiras ficava diante da lareira, sob uma quantidade de presuntos curados, e aves mortas que pendiam do teto. Os garotos se sentaram à mesa enquanto Hagrid preparava o chá e logo se deixaram absorver por mais uma discussão sobre o Torneio Tribruxo. Hagrid parecia tão excitado com o assunto quanto eles.
— Aguardem — disse ele, sorrindo. — Aguardem só. Vocês vão ver uma coisa que nunca viram antes. A primeira tarefa... Ah, mas eu não posso contar.
— Vamos, Hagrid! — insistiram Harry, Rony e Hermione, mas ele apenas sacudiu a cabeça, rindo.
— Não quero estragar a surpresa. Mas vai ser espetacular, isso eu posso dizer. Os campeões vão ter tarefas escolhidas sob medida. Nunca pensei que ia viver para ver organizarem novamente um Torneio Tribruxo!
Os garotos acabaram almoçando com Hagrid, embora não comessem muito — ele disse que preparara um picadinho de carne, mas quando Hermione encontrou uma garra no dela, os três perderam um pouco o apetite. Mas se divertiram tentando fazer Hagrid contar as tarefas que haveria no torneio, especulando quais dos inscritos seriam provavelmente escolhidos para campeões, e imaginando se Fred e Jorge já teriam perdido as barbas.
Uma chuva leve começara a cair lá pelo meio da tarde, foi muito gostoso sentarem ao pé da lareira e escutar as gotas de chuva tamborilando de leve na janela, vendo Hagrid cerzir suas meias enquanto discutia com Hermione sobre os elfos domésticos — porque ele se recusou terminantemente a entrar para o F.A.L.E. quando a garota lhe mostrou os distintivos.
— Seria fazer a eles uma maldade, Hermione — disse sério enquanto trabalhava com uma enorme agulha de osso enfiada com uma linha de cerzir amarela. Faz parte da natureza deles cuidar dos seres humanos, é disso que eles gostam, entende? Você os faria infelizes se tirasse o trabalho deles e os insultaria se tentasse lhes pagar um salário.
— Mas Harry libertou o Dobby e ele foi à lua de tanta felicidade! — disse Hermione. — E ouvimos dizer que ele está exigindo salário agora!
— Tudo bem, tem aberrações em toda espécie da natureza. Não estou dizendo que não haja elfo esquisito que aceite a liberdade, mas você jamais convenceria a maioria deles a concordar com isso, não, nada feito, Hermione.
Hermione pareceu ficar realmente contrariada e guardou a caixa de distintivos no bolso da capa. Lá pelas cinco horas começou a escurecer, e Rony, Harry e Hermione decidiram que já era hora de voltar ao castelo para a festa do Dia das Bruxas — e, o que era mais importante, para o anúncio de quem seriam os campeões das escolas.
— Vou com vocês — disse Hagrid, deixando o cerzido de lado. — Me dêem um segundo.
Ele se levantou, foi até a cômoda ao lado da cama e começou a procurar alguma coisa nas gavetas. Os garotos não prestaram muita atenção, até que um fedor realmente horrível chegou às suas narinas. Tossindo, Rony perguntou:
— Hagrid, que é isso?
— Eh? — exclamou Hagrid, virando-se com um enorme frasco na mão. — Você não gostou?
— Isso é loção de barba? — perguntou Hermione, com um tom de voz levemente chocado.
— Hum... Eau-de-Cologne — murmurou Hagrid. Ele ficou vermelho. — Talvez seja um pouco demais — disse meio impaciente. — Vou tirar, esperem aí...
Ele saiu desajeitado da cabana e os garotos o viram lavar-se vigorosamente no barril de água do lado da janela.
— Eau-de-Cologne? — repetiu Hermione surpresa. — Hagrid?
— E qual é a explicação para os cabelos e o terno dele? — perguntou Harry em voz baixa.
— Olhem lá! — exclamou Rony de repente, apontando para fora da janela.
Hagrid acabara de se aprumar e se virara. Se ficara vermelho antes, não era nada comparável ao que estava acontecendo agora. Levantando-se muito cautelosamente, para que Hagrid não os visse, Harry, Rony e Hermione espiaram pela janela e viram que Madame Maxime e os alunos de Beauxbatons tinham acabado de sair da carruagem, obviamente para irem à festa também. Os garotos não conseguiam ouvir, mas Hagrid estava falando com a diretora com os olhos embaçados e uma expressão de arrebatamento, que Harry só notara nele uma única vez — quando admirava o filhote de dragão Norberto.
— Ele está indo com ela para o castelo! — disse Hermione indignada. — Pensei que ele estava nos esperando!
Sem lançar sequer um olhar à cabana, Hagrid foi subindo pelo gramado com Madame Maxime, e os alunos de Beauxbatons seguiam em sua cola, quase correndo para acompanhar os passos enormes dos dois.
— Ele está caído por ela! — comentou Rony incrédulo. — Bom, se eles tiverem filhos, vão marcar um recorde mundial, aposto como um bebê deles iria pesar uma tonelada.
Os três saíram da cabana sozinhos e fecharam a porta ao passar. Estava surpreendentemente escuro do lado de fora. Puxando as capas para mais junto do corpo, eles subiram pelos gramados da propriedade.
— Ah, são eles. Olhem lá! — sussurrou Hermione.
A delegação de Durmstrang seguia do lago para o castelo. Vitor Krum caminhava ao lado de Karkaroff e os outros os acompanhavam em pequenos grupos. Rony observou Krum excitado, mas o jogador nem olhou para os lados ao alcançar as portas do castelo um pouco à frente de Hermione, Rony e Harry, andando sempre reto.
Quando os três amigos entraram, o salão iluminado por velas estava quase cheio. O Cálice de Fogo fora mudado de lugar; agora se encontrava diante da cadeira vazia de Dumbledore, à mesa dos professores. Fred e Jorge — novamente de cara lisa — pareciam ter aceitado o desapontamento muito bem.
— Espero que seja Angelina — disse Fred, quando Harry, Rony e Hermione se sentaram.
— Eu também! — disse Hermione sem fôlego. — Bom, vamos saber daqui a pouco!
A festa das bruxas pareceu durar muito mais do que habitualmente. Talvez porque fosse o segundo banquete em dois dias, Harry não pareceu interessado na comida preparada com extravagância tanto quanto das outras vezes. Como todas as pessoas no salão, a julgar pelas constantes espichadas de pescoços, as expressões impacientes nos rostos, o desassossego de todos que se levantavam para ver se Dumbledore já acabara de comer, Harry simplesmente queria que os pratos fossem retirados e os nomes dos campeões anunciados.
Depois de muito tempo, os pratos voltaram ao estado de limpeza inicial, houve um aumento acentuado no volume dos ruídos no salão, que caiu quase instantaneamente quando Dumbledore se ergueu. A cada lado dele, o Professor Karkaroff e Madame Máxime pareciam tão tensos e ansiosos quanto os demais.
Ludo Bagman sorria e piscava para vários alunos. O Sr. Crouch, porém, parecia bastante desinteressado, quase entediado.
— Bom, o Cálice de Fogo está quase pronto para decidir — disse Dumbledore. — Estimo que só precise de mais um minuto. Agora, quando os nomes dos campeões forem chamados, eu pediria que eles viessem até este lado do salão, passassem diante da mesa dos professores e entrassem na câmara ao lado — ele indicou a porta atrás da mesa —, onde receberão as primeiras instruções.
Ele puxou, então, a varinha e fez um gesto amplo, na mesma hora todas as velas, exceto as que estavam dentro das abóboras recortadas, se apagaram, mergulhando o salão na penumbra. O Cálice de Fogo agora brilhava com mais intensidade do que qualquer outra coisa ali, a brancura azulada das chamas que faiscavam vivamente quase fazia os olhos doerem. Todos observavam à espera... Alguns consultavam os relógios a todo momento...
— A qualquer segundo agora — sussurrou Lino Jordan, a dois lugares de distância de Harry.
As chamas dentro do Cálice de repente tornaram a se avermelhar.
Começaram a soltar faíscas. No momento seguinte, uma língua de fogo se ergueu no ar, e expeliu um pedaço de pergaminho chamuscado — o salão inteiro prendeu a respiração.
Dumbledore apanhou o pergaminho e segurou-o à distância do braço, de modo a poder lê-lo à luz das chamas, que voltaram a ficar branco-azuladas.
— O campeão de Durmstrang — leu ele em alto e bom som — será Vítor Krum.
— Grande surpresa! — berrou Rony, ao mesmo tempo que uma tempestade de aplausos e vivas percorreu o salão. Harry viu Vítor Krum se levantar da mesa da Sonserina e se encaminhar com as costas curvas para Dumbledore, ele virou à direita, passou diante da mesa dos professores e desapareceu pela porta que levava à câmara vizinha.
— Bravo, Vítor! — disse Karkaroff com a voz tão retumbante que todos puderam ouvi-lo apesar dos aplausos. — Eu sabia que você era capaz!
Os aplausos e comentários morreram. Agora todas as atenções tornaram a se concentrar no Cálice de Fogo, que, segundos depois, tornou a se avermelhar.
Um segundo pedaço de pergaminho voou de dentro dele, lançado pelas chamas.
— O campeão de Beauxbatons é Fleur Delacour!
— É, ela, Rony! — gritou Harry, quando a garota que parecia uma Veela levantou-se graciosamente, sacudiu a cascata de cabelos louro-prateados para trás e caminhou impetuosamente entre as mesas da Corvinal e da Lufa-Lufa.
— Ah, olha lá, eles estão desapontados — disse Hermione sobrepondo sua voz ao barulho e indicando com a cabeça o resto da delegação de Beauxbatons.
"Desapontados" era dizer pouco, pensou Harry. Duas das garotas que não tinham sido escolhidas debulhavam-se em lágrimas e soluçavam, com as cabeças deitadas nos braços.
Quando Fleur Delacour também desapareceu na câmara vizinha, todos tornaram a fazer silêncio, mas desta vez foi um silêncio tão pesado de excitação que quase dava para sentir seu gosto. O campeão de Hogwarts é o próximo... E o Cálice de Fogo ficou mais uma vez vermelho; jorraram faíscas dele; a língua de fogo ergueu-se muito alto no ar e de sua ponta Dumbledore tirou o terceiro pedaço de pergaminho.
— O campeão de Hogwarts — anunciou ele — é Cedrico Diggory!
— Não! — exclamou Rony em voz alta, mas ninguém o ouviu exceto Harry; a zoeira na mesa vizinha era grande demais. Cada um dos alunos da Lufa-Lufa ficou de pé, gritando e sapateando, quando Cedrico passou por eles, um enorme sorriso no rosto, e se encaminhou para a câmara atrás da mesa dos professores.
Na verdade, os aplausos para Cedrico foram tão longos que passou algum tempo até que Dumbledore pudesse se fazer ouvir novamente.
— Excelente! — exclamou Dumbledore feliz, quando finalmente o tumulto serenou. — Muito bem, agora temos os nossos três campeões. Estou certo de que posso contar com todos, inclusive com os demais alunos de Beauxbatons e Durmstrang, para oferecer aos nossos campeões todo o apoio que puderem, torcendo pelo seus campeões, vocês contribuirão de maneira muito real...
Mas Dumbledore parou inesperadamente de falar, e tornou-se óbvio para todos o que o distraíra. O fogo no Cálice acabara de se avermelhar outra vez.
Expeliu faíscas. Uma longa chama elevou-se subitamente no ar e ergueu mais um pedaço de pergaminho. Com um gesto aparentemente automático, Dumbledore estendeu a mão e apanhou o pergaminho.
Ergueu-o e seus olhos se arregalaram para o nome que viu escrito.
Houve uma longa pausa, durante a qual o bruxo mirou o pergaminho em suas mãos e todos no salão fixaram o olhar em Dumbledore. Ele pigarreou e leu...
— Harry Potter!
CAPÍTULO DEZESSETE
Os Quatro Campeões
Harry ficou sentado ali, consciente de que cada cabeça no Salão Principal se virara para ele. Sentia-se atordoado. Entorpecido. Sem dúvida estava sonhando. Não ouvira direito.
Não houve aplausos. Um zunido, como o de abelhas enraivecidas, começou a encher o salão, alguns estudantes ficaram em pé para ter uma visão melhor de Harry, sentado ali, imóvel, em sua cadeira.
Na mesa principal, a Professora Minerva se levantara e passara por Ludo Bagman e pelo Professor Karkaroff para cochichar urgentemente com o Professor Dumbledore, que inclinara a cabeça para ela, franzindo ligeiramente a testa.
Harry se virou para Rony e Hermione, mais além, viu toda a longa mesa da Grifinória observando-o, boquiaberta.
— Eu não inscrevi meu nome — disse Harry sem saber o que dizer. — Vocês sabem que não.
Os dois apenas olharam para ele também, sem saber o que responder.
Na mesa principal, o Professor Dumbledore se aprumou, acenando a cabeça afirmativamente para a Professora Minerva.
— Harry Potter! — tornou ele a chamar. — Harry! Aqui, se me faz o favor!
— Anda — murmurou Hermione, dando um leve empurrão em Harry.
O garoto ficou de pé, pisou na barra das vestes e tropeçou brevemente.
Saiu pelo espaço entre as mesas da Grifinória e da Lufa-Lufa. Teve a impressão de estar fazendo uma longuíssima caminhada, a mesa principal parecia não chegar mais perto e ele sentia centenas de olhos fixos nele, como se cada um fosse um refletor. O zunzum não parava de crescer. Depois do que lhe pareceu uma hora, o garoto chegou diante de Dumbledore, sentindo fixos nele os olhares dos professores.
— Bom... Pela porta — disse Dumbledore. O diretor não sorria.
Harry passou pela mesa dos professores. Hagrid estava sentado bem no fim. Mas não piscou para Harry, nem acenou nem fez qualquer dos sinais habituais para cumprimentá-lo. Parecia inteiramente perplexo e olhou para Harry quando este passou, como os demais, O garoto passou pela porta e se viu em um aposento menor, com as paredes cobertas de retratos a óleo de bruxas e bruxos.
Um belo fogo rugia na lareira em frente. Os rostos nos retratos se viraram para olhá-lo quando ele entrou.
Surpreendeu uma bruxa encarquilhada passando rapidamente da moldura do próprio retrato para a moldura vizinha, que enquadrava um bruxo de bigodes de morsa. A bruxa encarquilhada começou a cochichar no ouvido do colega.
Vítor Krum, Cedrico Diggory e Fleur Delacour estavam reunidos em torno da lareira. Pareciam estranhamente imponentes, recortados contra as chamas.
Krum, curvado e pensativo, apoiava-se no console da lareira, ligeiramente afastado dos outros. Cedrico estava parado com as mãos às costas, contemplando o fogo. Fleur Delacour virou a cabeça quando Harry entrou e jogou para trás a cascata de cabelos longos e prateados.
— Que foi? — perguntou ela. — Querrem que a jante volte ao salon?
Pensava que ele viera trazer um recado. Harry não sabia como explicar o que acabara de acontecer. Ficou ali parado, olhando para os três campeões.
Percebeu de repente como eram altos.
Houve um ruído de passos apressados atrás de Harry, e Ludo Bagman entrou na sala. Segurou o garoto pelo braço e levou-o até os outros.
— Extraordinário! — murmurou, apertando o braço de Harry. — Absolutamente extraordinário! Senhores... Senhora — acrescentou, aproximando-se da lareira e falando aos outros três. — Gostaria de lhes apresentar, por mais incrível que possa parecer, o quarto campeão do Torneio Tribruxo.
Vítor Krum se empertigou. Seu rosto carrancudo nublou-se ao examinar Harry. Cedrico fez cara de estupefação. Olhou de Bagman para Harry e de volta como se tivesse certeza de que ouvira mal o que o bruxo acabara de dizer. Fleur Delacour, porém, sacudiu os cabelos, sorriu e disse:
— Que grrande piada, Senhorr Bagman.
— Piada? — repetiu Bagman, confuso. — Não, não, não é não! O nome de Harry acaba de sair do Cálice de Fogo!
As grossas sobrancelhas de Krum se contraíram ligeiramente. Cedrico continuou a parecer educadamente surpreso. Fleur franziu a testa.
— Mas evidaman houve um engano — disse a Bagman com desdém. — Ele non pode competirr. É jovem demais.
— Bom... É surpreendente — concordou Bagman, esfregando o queixo liso e sorrindo para Harry. — Mas, como sabem, o limite de idade só foi imposto este ano como medida suplementar de precaução. E como o nome dele saiu do Cálice de Fogo... Quero dizer, acho que a essa altura não podemos fugir à responsabilidade... Somos obrigados... Harry terá que se esforçar o máximo que...
A porta às costas deles se abriu e um grande grupo de pessoas entrou: o Professor Dumbledore, seguido de perto pelo Sr. Crouch, o Professor Karkaroff, Madame Maxime, a Professora McGonagall e o Professor Snape. Harry ouviu o zunzum de centenas de estudantes do outro lado da parede, antes da Professora McGonagall fechar a porta.
— Madame Maxime! — chamou Fleur na mesma hora, indo ao encontro de sua diretora. — Eston dizando que esse garrotinho vai competirr tambá!
Sob o seu atordoamento e incredulidade, Harry sentiu uma crispação de raiva. Garrotinho?
Madame Maxime se empertigara até o limite de sua considerável altura. O cocuruto da bela cabeça roçou o lustre repleto de velas, e seu imenso peito coberto de cetim negro se estufou.
— Que significa isso, Dumbly-dorr? — perguntou imperiosamente.
— Eu também gostaria de saber, Dumbledore — disse o Professor Karkaroff. Em seu rosto havia um sorriso inflexível e seus olhos azuis eram duas lascas de gelo.
— Dois campeões de Hogwarts? Não me lembro de ninguém ter me dito que a escola que sediasse o torneio poderia ter dois campeões, ou será que não li o regulamento com a devida atenção?
Ele deu um sorrisinho maldoso.
— Impossível — exclamou Madame Maxime, cujas enormes mãos com numerosas e soberbas opalas descansavam no ombro de Fleur. — Hogwarts não pode terr dois campeons. Serria muito injusto.
— Tivemos a impressão de que a sua linha etária deixaria de fora os competidores mais jovens, Dumbledore — disse Karkaroff, o sorriso inflexível ainda no rosto, embora seus olhos estivessem mais frios que nunca. — Do contrário, teríamos, naturalmente, trazido uma seleção de candidatos mais ampla de nossas escolas.
— Não é culpa de ninguém, exceto de Potter, Karkaroff — falou Snape suavemente. Seus olhos negros brilharam de malícia. — Não saia culpando Dumbledore pela determinação de Potter de desobedecer às regras. Ele não tem feito nada exceto transgredir limites desde que chegou aqui...
— Muito obrigado, Severo — disse Dumbledore com firmeza, e Snape se calou, embora seus olhos continuassem a brilhar maldosamente por trás da cortina de cabelos negros e oleosos.
O Professor Dumbledore olhou então para Harry, que o encarou, tentando perceber a expressão dos olhos do diretor por trás dos oclinhos de meia-lua.
— Você depositou seu nome no Cálice de Fogo, Harry? — perguntou Dumbledore calmamente.
— Não — respondeu Harry. Estava consciente de que todos o olhavam com atenção.
Nas sombras, Snape fez um barulhinho impaciente de descrença.
— Você pediu a um estudante mais velho para depositá-lo no Cálice de Fogo para você? — tornou o diretor, sem dar atenção a Snape.
— Não — disse Harry com veemência.
— Ah, mas é clarro que ele está mentindo — exclamou Madame Maxime.
Snape agora sacudia a cabeça, a boca crispada.
— Ele não poderia ter atravessado a linha etária — interpôs a Professora Minerva energicamente. — Tenho certeza de que todos concordamos nisso...
— Dumbly-dorr deve terr se enganado ao traçarr a linha — concluiu Madame Maxime, encolhendo os ombros.
— É claro que isto é possível — respondeu Dumbledore polidamente.
— Dumbledore, você sabe muito bem que não se enganou! — exclamou a Professora Minerva, aborrecida. — Francamente, que tolice! Harry não poderia ter cruzado a linha pessoalmente, e como o Professor Dumbledore acredita que ele não convenceu um colega mais velho a fazer isso por ele, decerto isto deveria bastar para todos nós!
Ela lançou um olhar muito zangado ao Professor Snape.
— Sr. Crouch... Sr. Bagman — começou Karkaroff, a voz mais uma vez untuosa —, os senhores são os nossos... Hum... Juizes objetivos. Certamente os senhores concordarão que isto é extremamente irregular?
Bagman enxugou o rosto redondo e infantil com o lenço e olhou para o Sr. Crouch, que estava parado fora do círculo das chamas da lareira, o rosto semi-oculto pelas sombras. Parecia um pouco sobrenatural, a obscuridade fazia-o parecer muito mais velho, emprestando-lhe quase uma aparência de caveira.
Quando falou, porém, foi em seu tom habitualmente seco.
— Devemos obedecer ao regulamento e o regulamento diz claramente que as pessoas cujos nomes saírem do Cálice de Fogo devem competir no torneio.
— Bom, Bartô conhece os regulamentos de trás para diante — disse Bagman, sorrindo, e se voltou para Karkaroff e Madame Maxime como se o assunto estivesse definitivamente encerrado.
— Eu insisto em tornar a submeter os nomes do restante dos meus alunos -disse Karkaroff. Ele agora deixara de lado seu tom untuoso e o sorriso. Seu rosto tinha uma expressão realmente feia. — Vocês prepararão novamente o Cálice de Fogo e continuaremos a depositar nomes até cada escola ter dois campeões. Seria o justo, Dumbledore.
— Mas Karkaroff, a coisa não funciona assim — comentou Bagman. — O Cálice de Fogo se apagou, e não voltará a arder até o inicio do próximo torneio...
— ... No qual Durmstrang, com toda a certeza, não irá competir! — explodiu Karkaroff — Depois de tantas reuniões e negociações e tantos compromissos, eu não esperava que acontecesse uma coisa desta natureza! Tenho até vontade de me retirar agora mesmo!
— Uma ameaça inútil, Karkaroff — rosnou uma voz próxima à porta. — Você não pode abandonar o seu campeão agora. Ele tem que competir. Todos têm que competir. Um ato contratual mágico, conforme disse Dumbledore. Conveniente, não é mesmo?
Moody acabara de entrar na sala. Encaminhou-se, mancando, até a lareira, e a cada passo que dava, ouvia-se uma batidinha.
— Conveniente? — perguntou Karkaroff. — Receio não estar entendendo, Moody.
Harry percebeu que o bruxo tentava parecer desdenhoso, como se não valesse a pena dar atenção ao que Moody dissera, mas suas mãos o traíam, tinham se fechado em punhos.
— Não mesmo? — perguntou Moody em voz alta. — É muito simples Karkaroff. Alguém depositou o nome de Harry naquele cálice sabendo que o garoto teria que competir se saísse o seu nome.
— Evidaman algém que querria oferrecer a Hogwarts duas oporrtunidades de vancerr! — comentou Madame Maxime.
— Eu concordo, Madame Maxime — disse Karkaroff, com uma reverência. –Vou reclamar com o Ministério da Magia e a Confederação Internacional dos Bruxos...
— Se alguém tem razão para reclamar é o Potter — rosnou Moody —, mas... O que é engraçado... Não estou ouvindo ele dizer uma única palavra...
— Por que ele irria reclamar? — disse Fleur Delacour de repente, batendo o pé. — Ele tam a chance de competirr, não é? Durrante semanas vivemos a esperrança de serr escolhidos! A honrra de nossas escolas! Mil galeões de prrêmio, é uma chance pela qual muita jante morrerria!
— Talvez alguém tenha esperança de que Harry morra — disse Moody, com um leve vestígio de rosnado na voz.
Seguiu-se um silêncio extremamente tenso às suas palavras.
Ludo Bagman, que parecia de fato muito ansioso, balançou-se nervoso e disse:
— Moody, meu caro... Que coisa para você dizer!
— Todos sabemos que o Professor Moody considera a manhã perdida se não descobrir seis conspirações para assassiná-lo antes do almoço — disse Karkaroff em voz alta. — Pelo visto, agora está ensinando a seus alunos o medo de serem assassinados, também. Uma estranha qualidade para um professor de Defesa Contra as Artes das Trevas, Dumbledore, mas com toda a certeza você tem suas razões.
— Será que estou imaginando coisas? Vendo coisas? — rosnou Moody. — Foi um bruxo ou uma bruxa habilitada que pôs o nome do garoto naquele cálice...
— Ah, que prrova há disso? — exclamou Madame Maxime, erguendo as enormes mãos.
— Porque enganou um objeto mágico de grande poder! — disse Moody. — Seria preciso um Feitiço para confundir excepcionalmente forte para mistificar aquele cálice a ponto de fazê-lo esquecer que apenas três escolas competem no torneio... Estou imaginando que alguém tenha inscrito Potter em uma quarta escola, para garantir que ele fosse o único de sua categoria...
— Você parece ter pensado muito no assunto — disse Karkaroff com frieza —, e não deixa de ser uma teoria criativa, embora, é claro, eu tenha ouvido dizer que recentemente você meteu na cabeça que um dos seus presentes de aniversário continha um ovo de basilisco ardilosamente disfarçado e o fez em pedaços antes de se dar conta de que era um relógio de viajem. Então você compreenderá se não o levarmos inteiramente a serio...
— Há pessoas que usam ocasiões inocentes em proveito próprio — retrucou Moody num tom ameaçador. — o meu trabalho é pensar como os bruxos das trevas pensariam, Karkaroff, como você deve se lembrar...
— Alastor! — exclamou Dumbledore em tom de aviso. Harry se perguntou por um momento com quem ele estaria falando, mas logo percebeu que "Olho-Tonto” não poderia ser o verdadeiro nome de Moody. Este se calou, embora ainda observasse Karkaroff com satisfação, o rosto de Karkaroff estava em brasa.
— Como foi que essa situação surgiu, não sabemos — disse Dumbledore dirigindo-se às pessoas reunidas na sala. — Parece-me, no entanto, que não temos alternativa alguma senão aceitá-la. Os dois, Cedrico e Harry, foram escolhidos para competir no torneio. E, portanto, é o que farão...
— Ah, mas Dumbly-dorr...
— Minha cara Madame Maxime, se a senhora tiver uma alternativa, ficarei encantado em ouvi-la.
Dumbledore aguardou, mas Madame Maxime não disse nada, apenas o fitou de cara amarrada. E não foi a única, tampouco. Snape parecia furioso, Karkaroff, lívido. Bagman, porém, parecia bastante excitado.
— Bom, vamos agilizar isso, então? — disse, esfregando as mãos e sorrindo para os presentes. — Temos que dar nossas instruções aos campeões, não é mesmo? Bartô, quer fazer as honras da casa? — O Sr. Crouch pareceu despertar de um profundo devaneio.
— Sim — disse ele —, instruções. E... A primeira tarefa...
Encaminhou-se, então, para a claridade das chamas. De perto, Harry achou que ele parecia estar passando mal. Havia sombras escuras sob seus olhos e sua pele enrugada tinha uma aparência frágil que lembrava papel, traços que não estavam ali durante a Copa Mundial de Quadribol.
— A primeira tarefa destina-se a testar o arrojo dos campeões — disse ele a Harry, Cedrico, Fleur e Krum —, por isso não vamos lhes dizer qual é. A coragem diante do desconhecido é uma qualidade importante em um bruxo... Muito importante...
— A primeira tarefa terá lugar, em vinte e quatro de novembro, perante os demais estudantes e a banca de juizes. É proibido aos campeões pedirem aos seus professores, ou aceitarem deles, ajuda de qualquer tipo para realizar as tarefas do torneio. Os campeões enfrentarão o primeiro desafio armados apenas de varinhas. Receberão informações sobre a segunda tarefa quando a primeira estiver concluída. Por força da natureza árdua e demorada do torneio, os campeões estão dispensados dos exames do fim do ano letivo.
O Sr. Crouch virou-se para encarar Dumbledore.
— Acho que é só isso, não é, Alvo?
— Acho que sim — respondeu Dumbledore, que observava o Sr. Crouch com uma leve preocupação. — Você tem certeza de que não quer pernoitar em Hogwarts, Bartô?
— Não, Dumbledore, preciso voltar ao Ministério. Estamos passando um momento muito movimentado e muito difícil... Deixei o jovem Weatherby responsável pelo departamento... Muito entusiasmado... Um pouquinho demais, para dizer a verdade...
— Você vai pelo menos tomar um drinque antes de partir? — convidou Dumbledore.
— Vamos, Bartô, eu vou ficar! — disse Bagman animado. — As coisas estão acontecendo em Hogwarts agora, sabe, está muito mais excitante aqui do que no escritório!
— Acho que não, Ludo — respondeu Crouch, com um toque de sua antiga impaciência.
— Professor Karkaroff, Madame Maxime, um último drinque antes de nos recolhermos? — perguntou Dumbledore.
Mas Madame Maxime já passara um braço pelos ombros de Fleur e a conduzia rapidamente para fora da sala. Harry ouviu as duas conversarem muito depressa em francês, ao atravessarem o Salão Principal. Karkaroff fez sinal para Krum e eles, também, agitados, saíram em silencio.
— Harry, Cedrico, sugiro que vocês vão se deitar — disse Dumbledore, sorrindo para os dois. — Tenho certeza de que Grifinória e Lufa-Lufa estão aguardando vocês para comemorar e seria uma pena privar seus colegas desta excelente desculpa para fazerem muito barulho e confusão.
Harry olhou para Cedrico, que concordou com a cabeça, e juntos saíram da sala.
O Salão Principal agora estava deserto; as velas já estavam pequenas, dando aos sorrisos serrilhados das abóboras um ar misterioso e bruxuleante.
— Então — disse Cedrico com um sorrisinho. — Vamos jogar um contra o outro novamente!
— Acho que sim — respondeu Harry. Na realidade ele não conseguiu pensar no que dizer. Dentro de sua cabeça parecia haver uma desordem total, como se o seu cérebro tivesse sido saqueado.
— Então... Me conta... — disse Cedrico, quando chegaram ao saguão de entrada, que estava agora iluminado por archotes, na ausência do Cálice de Fogo. — No duro, como foi que você conseguiu inscrever seu nome?
— Não inscrevi — disse Harry erguendo os olhos para o colega. — Não pus o meu nome lá. Falei a verdade.
— Ah... Tá — respondeu Cedrico. Harry percebeu que Cedrico não acreditara nele. — Bom... A gente se vê, então!
Em vez de subir a escadaria de mármore, Cedrico rumou para a porta à direita. Harry ficou parado escutando-o descer os degraus de pedra, depois, lentamente, começou a subir os de mármore.
Será que mais alguém além de Rony e Hermione acreditaria nele ou iriam todos pensar que se inscrevera no torneio? Contudo, como é que alguém podia pensar uma coisa dessas, quando ele ia enfrentar competidores que tinham mais três anos de educação mágica — quando ia enfrentar tarefas que não somente pareciam perigosas, mas que deveriam ser executadas diante de centenas de pessoas? E, ele pensara nisso... Devaneara sobre isso... Mas fora brincadeirinha, verdade, uma espécie de sonho descomprometido... Jamais considerara seriamente se inscrever, verdade...
Mas alguém considerara isso... Alguém quisera vê-lo no torneio, e tomara providências para tanto. Por quê? Para lhe fazer um gosto? Tinha a impressão que não...
Para vê-lo fazer papel de bobo? Bom, provavelmente ia ter o seu desejo satisfeito... Mas, para vê-lo morto? Moody estaria agindo com a sua paranóia habitual? Alguém não poderia ter posto o nome de Harry no Cálice de Fogo de brincadeira, para pregar uma peça? Será que alguém queria realmente vê-lo morto?
Essa pergunta Harry pôde responder na hora. Sim, alguém queria vê-lo morto, alguém queria vê-lo morto desde que tinha um ano de idade... Lord Voldemort.
Mas como é que o bruxo conseguira providenciar para que o nome de Harry fosse posto no Cálice de Fogo? Estava supostamente muito longe, em algum país distante, escondido, sozinho... Fraco e impotente...
No entanto naquele sonho que tivera, pouco antes de acordar com a cicatriz doendo, Voldemort não estava sozinho... Estava falando com Rabicho... Conspirando para matar Harry...
Harry levou um choque ao se descobrir diante da Mulher Gorda. Mal reparara aonde seus pés o levavam. Foi também uma surpresa ver que ela não estava sozinha na moldura. A bruxa encarquilhada, que passara para o quadro vizinho quando ele fora se reunir aos campeões na sala embaixo, agora estava sentada, toda cheia de si, ao lado da Mulher Gorda. Devia ter corrido pelos forros de todos os quadros de setes escadas para chegar ali antes dele. As duas, ela e a Mulher Gorda, o miravam com o maior interesse.
— Ora muito bem — disse a Mulher Gorda —, Violeta acaba de me contar tudo. Então quem foi afinal o escolhido para campeão da escola?
— Asnice — disse Harry sem emoção.
— Certamente que não é! — protestou a bruxa pálida, indignada.
— Não, não, Vi, é a senha — explicou a Mulher Gorda para acalmá-la, e rodou nas dobradiças para deixar Harry entrar na sala comunal.
O estardalhaço que feriu os ouvidos de Harry quando o retrato girou quase o derrubou de costas. A próxima coisa de que teve consciência foi que estava sendo arrastado para dentro da sala por uns doze pares de mãos, diante dos alunos da Grifinória em peso, que gritavam, aplaudiam e assobiavam.
— Devia ter nos avisado de que tinha se inscrito! — berrou Fred parecia meio aborrecido e meio impressionado.
— Como foi que você fez isso, sem ficar barbudo? Genial — rugiu Jorge.
— Não fiz — disse Harry. — Não sei como foi que...
Mas Angelina agora se atirava em cima dele.
— Ah, se não pôde ser eu, pelo menos foi alguém da Grifinória...
— Você vai poder dar o troco ao Diggory por aquela última partida de Quadribol, Harry! — gritou a voz fina de Katie BelI, outra artilheira da Grifinória.
— Temos comida, Harry, venha comer alguma coisa...
— Não estou com fome, comi bastante no banquete...
Mas ninguém quis ouvir falar de sua falta de apetite, ninguém quis saber que ele não pusera o nome no Cálice de Fogo, ninguém parecia ter notado que ele não estava com a menor disposição de comemorar... Lino Jordan desencavara uma bandeira da Grifinória em algum lugar, e insistia em enrolá-la em Harry como uma capa.
Harry não conseguiu fugir; sempre que tentava escapulir até a escada dos dormitórios, os colegas à sua volta cerravam fileiras e o forçavam a aceitar mais uma cerveja amanteigada, metendo salgadinhos e amendoins nas mãos dele... Todos queriam saber como é que ele fizera aquilo, como ludibriara a linha etária de Dumbledore e conseguira depositar o nome no Cálice de Fogo...
— Não fui eu — repetia ele sem parar —, não sei como foi que aconteceu.
Mas pela pouca atenção que os colegas lhe davam, os protestos do garoto não faziam a menor diferença.
— Estou cansado! — berrou ele finalmente depois de quase meia hora. — Não, é sério, Jorge, vou me deitar...
A coisa que ele mais queria era encontrar Rony e Hermione para buscar um pouco de sanidade, mas nenhum dos dois parecia estar na sala comunal.
Insistindo que precisava dormir, e quase achatando os irmãozinhos Creevey quando tentaram desviá-lo ao pé da escada, Harry conseguiu se livrar de todo mundo e subiu para o dormitório o mais depressa que pôde.
Para seu grande alívio, encontrou Rony, ainda vestido, deitado na cama de um dormitório em que não havia mais ninguém. Ele ergueu os olhos quando Harry entrou batendo a porta.
— Por onde você andou? — perguntou Harry.
— Ah, olá — respondeu Rony.
Sorria, mas parecia um sorriso muito estranho e tenso. Harry, de repente, se deu conta de que ainda vestia a bandeira vermelha da Grifinória que Lino amarrara nele. Apressou-se em despi-la, mas o nó estava muito apertado. Rony continuou deitado na cama sem se mexer, apreciando os esforços de Harry para retirar a bandeira.
— Então — disse ele, quando Harry finalmente conseguiu remover e atirar a bandeira a um canto. — Meus parabéns.
— Que é que você quer dizer com parabéns? — perguntou Harry encarando-o.
Decididamente havia alguma coisa esquisita no jeito com que Rony sorria, parecia mais uma careta.
— Bom... Ninguém mais conseguiu atravessar a linha etária. Nem mesmo Fred e Jorge. Que foi que você usou, a Capa da Invisibilidade?
— A Capa da Invisibilidade não teria me ajudado a atravessar aquela linha — disse Harry lentamente.
— Ah, certo. Achei que você teria me contado se fosse a capa... Porque ela poderia cobrir nós dois, não é mesmo? Mas você encontrou outro jeito, não foi?
— Escuta aqui. Eu não depositei meu nome naquele cálice. Deve ter sido outra pessoa.
Rony ergueu as sobrancelhas.
— Por que alguém faria uma coisa dessas?
— Não sei. — Harry achou que seria muito melodramático dizer para me matar. Rony ergueu as sobrancelhas tão alto que elas correram o risco de desaparecer sob seus cabelos.
— Tudo bem, a mim você pode contar a verdade. Se você não quer que o resto do pessoal saiba, ótimo, mas não sei por que está se dando ao trabalho de mentir, você nem ficou mal por isso, não é? A amiga da Mulher Gorda, a tal da Violeta, já contou a todo mundo que Dumbledore vai deixar você competir. Mil galeões de prêmio, hein? E nem vai precisar prestar os exames de fim de ano...
— Eu não pus o meu nome naquele cálice! — disse Harry começando a se aborrecer.
— Ah, tá — retorquiu Rony com o mesmíssimo tom cético de Cedrico. — Só que ainda hoje de manhã você disse que teria posto à noite passada sem que ninguém o visse... Eu não sou burro, sabe?
— Pois está parecendo — disse Harry com rispidez.
— Ah, é? — respondeu Rony, mas agora não havia nenhum vestígio de sorriso em seu rosto amarelo ou de qualquer cor. — Você está querendo se deitar, Harry, imagino que vai precisar se levantar cedo amanhã para a sessão de fotografias, ou seja, lá o que for.
E fechou com força as cortinas em torno de sua cama de colunas, deixando Harry parado ali à porta, encarando as cortinas de veludo vinho, que agora escondiam uma das poucas pessoas que ele contara que fosse acreditar nele.
CAPÍTULO DEZOITO
A pesagem das varinhas
Quando Harry acordou no domingo de manhã, levou algum tempo para se lembrar da razão pela qual se sentia tão infeliz e preocupado. Então, a lembrança da noite anterior o engolfou. Ele se sentou e afastou as cortinas da cama, com a intenção de falar com Rony, forçar Rony a acreditar nele — mas encontrou a cama do amigo vazia; obviamente já fora tomar o café da manhã.
Harry se vestiu e desceu a escada circular para a sala comunal. No instante em que apareceu, os colegas que já haviam terminado o café, mais uma vez, prorromperam em aplausos. A perspectiva de chegar no Salão Principal e encarar o restante dos colegas da Grifinória, todos tratando-o como uma espécie de herói, não era nada convidativa, mas era isso ou ficar ali encurralado pelos irmãos Creevey, que lhe acenavam freneticamente para que fosse se juntar a eles.
Assim, dirigiu-se resolutamente ao buraco do retrato, abriu-o, passou por ele e deu de cara com Hermione.
— Olá — exclamou ela, estendendo uma pilha de torradas que carregava em um guardanapo. — Trouxe para você... Quer dar uma volta?
— Boa idéia — respondeu Harry agradecido.
Os dois desceram, atravessaram depressa o saguão, sem olhar para o Salão Principal, e pouco depois estavam caminhando pelos jardins em direção ao lago, onde o navio de Durmstrang, ancorado, se refletia na água. Fazia uma manhã fria e os dois amigos não pararam de andar, comendo as torradas, enquanto Harry contava a Hermione exatamente o que acontecera depois que deixara a mesa da Grifinória, na noite anterior. Para seu imenso alívio, Hermione aceitou sua história sem duvidar.
— Bem, é claro que eu sabia que você não tinha se inscrito — disse a garota quando ele terminou de contar a cena na câmara vizinha ao Salão Principal.
— A cara que você fez quando Dumbledore o chamou! Mas a pergunta é, quem inscreveu você? Porque, Moody tem razão, Harry... Acho que nenhum estudante teria sido capaz de fazer isso... Nunca teria sido capaz de enganar o Cálice de Fogo nem de anular o feitiço de Dumbledore...
— Você viu o Rony? — interrompeu-a Harry.
Hermione hesitou.
— Hum... Vi... Estava tomando café.
— Ele ainda acha que eu me inscrevi?
— Bem... Não, acho que não... Não para valer — disse ela sem jeito.
— Que é que você está querendo dizer com esse não para valer?
— Ah, Harry, não está na cara? — respondeu Hermione desesperada. — Ele está com ciúmes!
— Com ciúmes?— repetiu o garoto sem acreditar. — Com ciúmes de quê? Será que ele quer fazer papel de babaca na frente da escola inteira?
— Olha — disse Hermione pacientemente —, é sempre você que recebe todas as atenções, você sabe que é. Sei que não é sua culpa — acrescentou ela depressa, vendo Harry abrir a boca, indignado. — Sei que você não quer isso... Mas, bem... Sabe, Rony tem todos aqueles irmãos competindo com ele em casa, e você é o melhor amigo dele e é realmente famoso, Rony é sempre deixado de lado quando as pessoas vêem você, e ele agüenta isso sem reclamar, mas acho que mais essa vez foi demais...
— Ótimo — disse Harry com amargura. — Realmente ótimo. Diga a ele que troco de lugar quando ele quiser. Diga a ele que o meu lugar está às ordens... Gente olhando de boca aberta para a minha cicatriz para todo lado que vou...
— Não vou dizer nada a ele — falou Hermione com rispidez. — Diga você mesmo, é o único jeito de resolver isso.
— Não vou correr atrás dele para fazer ele crescer! — disse Harry, tão alto que várias corujas pousadas em uma árvore próxima levantaram vôo assustadas. — Talvez ele acredite que não estou me divertindo quando me partirem o pescoço ou...
— Isso não tem graça — disse Hermione baixinho. — Não tem a menor graça. –Ela parecia extremamente ansiosa. — Harry, estive pensando... Você sabe o que precisamos fazer, não sabe? Depressa, assim que voltarmos ao castelo?
— Sei, tacar no Rony um bom chute na b...
— Escrever a Sirius. Você tem que contar a ele o que aconteceu. Ele pediu para você o manter informado de tudo que estivesse acontecendo em Hogwarts... É quase como se ele esperasse que uma coisa dessas fosse acontecer. Trouxe pergaminho e uma pena comigo...
— Corta essa! — exclamou Harry, olhando à volta para verificar se havia alguém ouvindo, mas os jardins estavam muito desertos. — Ele voltou ao país só porque a minha cicatriz doeu. Provavelmente invadiria o castelo furioso se eu contasse que alguém me inscreveu no Torneio Tribruxo...
— Sirius iria gostar que você contasse a ele — disse Hermione com severidade. — Ele vai descobrir de qualquer jeito...
— Como?
— Harry isso não vai poder ser abafado — disse ela seriamente. — Esse torneio é famoso e você é famoso. Eu ficaria realmente surpresa se já não tiver saído alguma coisa no Profeta Diário sobre a sua entrada no torneio... Você já aparece em metade dos livros que tratam do Você-Sabe-Quem, sabia. E Sirius iria preferir saber por você, eu sei que sim.
— OK, OK, vou escrever — disse Harry atirando o último pedaço de torrada no lago. Os dois ficaram parados observando o pão flutuar por um instante, antes de um grande tentáculo emergir e engoli-lo por baixo. Depois disso retornaram ao castelo.
— Vou usar a coruja de quem? — perguntou Harry, quando subiam as escadas. — Ele me disse para não usar Edwiges outra vez.
— Pergunte ao Rony se você pode pedir emprestada...
— Não vou pedir nada ao Rony — disse o garoto decidido.
— Bom, então peça uma das corujas da escola, qualquer pessoa pode pedir — disse Hermione.
Os dois subiram até o corujal. Hermione deu a Harry um pedaço de pergaminho, uma pena e um tinteiro, depois saiu percorrendo as longas filas de poleiros, examinando as diferentes corujas, enquanto Harry se sentava encostado à parede e escrevia a carta.
“Caro Sirius,
Você me disse para mantê-lo informado do que está acontecendo em Hogwarts, então aqui vai: não sei se você já sabe, mas vão realizar um Torneio Tribruxo este ano e, na noite de sábado, fui escolhido para ser o quarto campeão. Não sei quem pôs o meu nome no Cálice de Fogo, mas não fui eu.
O outro campeão de Hogwarts é Cedrico Diggory da Lufa-Lufa.”
Ele parou nesse ponto, pensativo. Teve vontade de dizer alguma coisa sobre a imensa carga de ansiedade que parecia ter se instalado em seu peito desde a noite anterior, mas não conseguiu descobrir como traduzir isso em palavras. Então, ele simplesmente molhou mais uma vez a pena no tinteiro e escreveu:
“Espero que você esteja OK, e Bicuço também.
Harry”.
— Terminei — disse ele a Hermione, levantando-se e sacudindo a palha das vestes. Ao fazer isso, Edwiges veio voando para o seu ombro e estendeu a perna.
— Não posso usar você — disse Harry a ela, correndo o olhar pelas corujas da escola ao redor. — Tenho que usar uma dessas...
Edwiges soltou um pio muito alto e levantou vôo tão inesperadamente que suas garras cortaram o ombro do garoto. E ficou de costas para Harry enquanto ele tentava prender a carta a uma grande coruja-de-igreja. Depois que a coruja partiu, Harry estendeu a mão para acariciar Edwiges, mas ela estalou o bico, furiosa, e voou para os caibros do telhado fora do seu alcance.
— Primeiro Rony, e agora você — disse Harry aborrecido. — Não é minha culpa.
Se Harry pensou que as coisas iam melhorar uma vez que se acostumasse à idéia de ser campeão, o dia seguinte lhe provou que estava enganado. Ele não poderia evitar o resto da escola quando voltasse às aulas — e era visível que o resto da escola, tal como seus colegas da Grifinória, achava que Harry se inscrevera para o torneio.
Ao contrário dos garotos de sua Casa, porém, os outros não pareciam estar bem impressionados. Os da Lufa-Lufa, que normalmente conviviam em excelentes termos com os alunos da Grifinória, tinham se tornado bastante frios. Uma aula de Herbologia foi suficiente para demonstrar isso.
Ficou claro que os alunos da Lufa-Lufa achavam que Harry roubara a glória do seu campeão, um sentimento talvez exagerado pelo fato de que a Lufa-Lufa raramente conquistava alguma glória, e Cedrico era um dos poucos que lhe dera alguma, tendo uma vez derrotado a Grifinória no Quadribol. Ernesto MacMilLan e Justino Finch-Fletchley, com quem Harry habitualmente se dava tão bem, não falaram com ele, embora os três estivessem re-envasando bulbos saltadores na mesma caixa — embora tivessem rido de modo bem desagradável quando um dos bulbos saltadores escapuliu da mão de Harry e bateu com força no rosto do garoto.
Tampouco Rony estava falando com Harry. Hermione se sentou entre os dois, procurando a custo manter uma conversa, e embora os dois lhe respondessem normalmente, evitavam se olhar. Harry achou que até a Professora Sprout parecia estar distante com ele — mas, afinal, ela era a diretora da Lufa-Lufa.
Em circunstâncias normais, o garoto teria ficado ansioso para ver Hagrid, mas a aula de Trato das Criaturas Mágicas significava também rever os alunos da Sonserina a primeira vez que estaria cara a cara com eles desde que se tornara campeão.
Previsivelmente, Malfoy chegou à cabana de Hagrid com o conhecido sorriso desdenhoso atarraxado no rosto.
— Ah, olha só, pessoal, é o campeão — disse ele a Crabbe e a Goyle no instante em que se aproximou de Harry o bastante para ser ouvido. Trouxeram os cadernos de autógrafos? É melhor pedir um agora porque duvido que a gente vá vê-lo por muito tempo... Metade dos campeões do Torneio Tribruxo morreram... Quanto tempo você acha que vai durar, Potter? Aposto que só os primeiros dez minutos da primeira tarefa.
Crabbe e Goyle deram risadas para agradá-lo, mas Malfoy teve que parar por aí, porque Hagrid surgiu dos fundos da cabana, segurando uma torre instável de caixas, cada uma contendo um enorme explosivim. Para horror da turma, Hagrid começou a explicar que a razão pela qual os bichos tinham andado se matando era o excesso de energia acumulada, e que a solução era cada aluno pôr uma coleira em um bicho e levá-lo para passear um pouco. A única vantagem desse plano foi distrair Malfoy completamente.
— Levar essa coisa para passear um pouco? — repetiu ele enojado, olhando para dentro de uma das caixas. — E onde exatamente você quer que a gente amarre a coleira? No ferrão, no rabo explosivo desse treco?
— No meio — respondeu Hagrid, fazendo uma demonstração. — Hum... É, vocês talvez queiram calçar as luvas de couro de dragão, assim como uma precaução a mais. Harry, vem até aqui me ajudar com esse grandalhão...
A verdadeira intenção de Hagrid, no entanto, era falar com Harry longe do restante da turma. Ele esperou até todos terem se afastado com os explosivins, depois se virou para o garoto e disse, muito sério:
— Então... Você vai competir, Harry. No torneio. Campeão da escola.
— Um dos campeões — corrigiu-o Harry.
Os olhos de Hagrid, negros como besouros, pareciam muito ansiosos sob as sobrancelhas desgrenhadas.
— Não faz idéia de quem o meteu nessa fria, Harry?.
— Você acredita então que não fui eu que me inscrevi? — perguntou Harry, escondendo com esforço o arroubo de gratidão que sentiu ao ouvir as palavras de Hagrid.
— Claro que acredito — resmungou Hagrid. — Você diz que não foi você e eu acredito em você, e Dumbledore acredita em você.
— Eu bem gostaria de saber quem foi — disse o garoto com amargura.
Os dois olharam para os jardins, a turma agora andava espalhada por lá, toda ela em grande apuro. Os explosivins tinham alcançado uns noventa centímetros de comprimento e se tornado extremamente fortes. Já não eram sem casca e descolorados, tinham desenvolvido uma espécie de escudo acinzentado grosso e reluzente.
Pareciam uma cruza de enormes escorpiões com caranguejos alongados — mas ainda não possuíam cabeças ou olhos reconhecíveis. Tinham-se tornado imensamente fortes e difíceis de controlar.
— Parece que eles estão se divertindo, não acha? — comentou Hagrid alegremente.
Harry presumiu que ele estivesse se referindo aos explosivins, porque seus colegas certamente não estavam, de vez em quando, com um alarmante estampido, a cauda de um deles explodia, fazendo-o saltar vários metros à frente e mais de um aluno estava sendo arrastado de bruços enquanto tentava desesperadamente se levantar.
— Ah, eu não sei, Harry — suspirou Hagrid de repente, voltando a encará-lo, com uma expressão preocupada no rosto. — Campeão da escola... Parece que tudo acontece com você, não é?
O garoto não respondeu. É, parecia que tudo acontecia com ele... Era mais ou menos o que Hermione dissera quando andavam pela margem do lago, e essa era a razão, segundo ela, pela qual Rony deixara de falar com ele.
Os dias que se seguiram foram alguns dos piores que Harry passara em Hogwarts. O mais próximo que ele chegara desse sentimento fora durante aqueles meses, no segundo ano, em que grande parte da escola suspeitara que era ele que atacava os colegas. Mas, então, Rony ficara do seu lado. Harry achava que poderia suportar a atitude do resto da escola se ao menos pudesse ter Rony outra vez como amigo, mas não ia tentar persuadi-lo a voltarem a se falar se ele não queria. Contudo, estava solitário com tanta animosidade ao redor dele.
Harry podia entender a atitude do pessoal da Lufa-Lufa, mesmo que não lhe agradasse, tinham um campeão próprio para apoiar. Não esperara menos do que agressões verbais dos alunos da Sonserina — era muito impopular entre eles e sempre o fora, pois ajudara a Grifinória a derrotá-los muitas vezes, tanto no Quadribol quanto no Campeonato Intercasas. Mas alimentara a esperança de que os colegas da Corvinal tivessem a bondade de apoiá-lo tanto quanto a Cedrico.
Mas se enganara. A maioria dos alunos daquela Casa parecia pensar que estivera desesperado para conquistar um pouco mais de fama fazendo o Cálice de Fogo aceitar seu nome.
Depois, havia ainda o fato de Cedrico se enquadrar muito melhor no papel de campeão do que ele. Excepcionalmente bonito, nariz reto, cabelos escuros e olhos cinzentos, era difícil dizer quem era o alvo de maior admiração ultimamente, se Cedrico ou Vitor Krum. Harry chegou a presenciar as mesmas garotas do sexto ano que se empenharam tanto para obter um autógrafo de Krum, suplicando a Cedrico para assinar suas mochilas na hora do almoço.
Entrementes não havia resposta de Sirius, Edwiges se recusava a se aproximar dele, a Professora Sibila Trelawney andava predizendo sua morte com uma certeza ainda maior do que de costume, e ele estava se saindo tão mal nos Feitiços Convocatórios na aula do Professor Flitwick que recebera dever de casa suplementar — a única pessoa a receber, à exceção de Neville.
— Na realidade não é tão difícil assim — Hermione tentou tranqüilizá-lo quando saíam da sala de Flitwick, a garota fizera os objetos dispararem pela sala em sua direção a aula inteira, como se ela fosse uma espécie de ímã exótico para espanadores, cestas de papel e lunascópios. — Você simplesmente não se concentrou como devia...
— E por que teria sido isso? — perguntou Harry sombriamente, quando Cedrico Diggory passou por eles, cercado por um grande grupo de garotas que sorriam debilmente e olharam para Harry como se ele fosse um explosivim particularmente grande.
— Mesmo assim, deixa para lá, não é? Dois tempos de Poções à espera da gente hoje à tarde...
A aula de Poções sempre fora uma experiência terrível, mas ultimamente chegava quase a ser uma tortura. Ficar trancado em uma masmorra durante uma hora e meia com Snape e os alunos da Sonserina, todos decididos a castigar Harry o máximo por se atrever a ser campeão da escola, era a coisa mais desagradável que ele poderia imaginar. Já aturara uma sexta-feira, com Hermione sentada ao seu lado, entoando entre dentes "Não ligue, não ligue, não ligue", e ele não conseguia ver por que esta seria melhor.
Quando ele e a amiga chegaram à porta da masmorra de Snape depois do almoço, encontraram os alunos da Sonserina esperando à porta, cada um deles usando um distintivo no peito. Por um instante delirante, Harry pensou que fossem distintivos do F.A.L.E. — mas logo viu que todos continham a mesma mensagem em letras vermelhas luminosas, que brilhavam vivamente no corredor subterrâneo mal iluminado.
“Apóie CEDRICO DIGGORY o VERDADEIRO campeão de Hogwarts.”
— Gostou, Potter? — perguntou Malfoy em voz alta, quando Harry se aproximou. — E isso não é só o que eles fazem, olha só!
E apertou o distintivo contra o peito, a mensagem desapareceu e foi substituida por outra, que emitia uma luz verde:
“POTTER FEDE”
Os alunos da Sonserina rolaram de rir. Cada um deles apertou o distintivo também, até que a mensagem POTTER FEDE estivesse brilhando vivamente a toda volta do garoto. Ele sentiu uma onda de calor subir pelo pescoço e o rosto.
— Ah, engraçadíssimo — disse Hermione com sarcasmo a Pansy Parkinson e sua turma de garotas da Sonserina, que riam mais gostosamente do que quaisquer outros —, é realmente engraçado.
Rony estava parado encostado à parede com Dino e Simas. Ele não estava rindo, mas tampouco defendia Harry.
— Quer um, Granger? — perguntou Malfoy, oferecendo um distintivo a Hermione. — Tenho um monte. Mas não toque na minha mão agora, acabei de lavá-la, sabe, e não quero que uma sangue ruim a suje.
Uma parte da raiva que Harry vinha sentindo havia dias pareceu romper um dique em seu peito. Ele apanhou a varinha antes que conseguisse pensar no que estava fazendo. As pessoas em volta se afastaram correndo, recuaram pelo corredor.
— Harry! — gritou Hermione em tom de aviso.
— Anda, Potter, usa — disse Malfoy em voz baixa, puxando a própria varinha.
— Moody não está aqui para proteger você agora, use, se tiver peito...
Por uma fração de segundos, eles se encararam nos olhos, depois, exatamente ao mesmo tempo, os dois agiram.
— Furnunculus!— berrou Harry.
— Densaugeo! — berrou Malfoy.
Feixes de luz saíram de cada varinha, colidiram em pleno ar e ricochetearam em ângulo — o de Harry atingiu Goyle no rosto e, o de Malfoy, Hermione. Goyle berrou e levou as mãos ao nariz, de onde começaram a brotar furúnculos enormes e feios — a garota, chorando de dor, apertou a boca.
— Mione! — Rony correu para ela para ver o que acontecera.
Harry se virou e viu Rony tirando a mão de Hermione do rosto. Não era uma visão agradável. Os dentes da frente da garota — que já eram maiores do que o normal — cresciam agora a um ritmo assustador, a cada minuto a garota se parecia mais com um castor, pois seus dentes se alongavam, ultrapassavam o lábio inferior em direção ao queixo — tomada de pânico, ela os apalpou e soltou um grito aterrorizado.
— E que barulheira é essa? — perguntou uma voz suave e letal. Snape chegara. Os alunos da Sonserina gritavam tentando dar explicações. Snape apontou um dedo longo e amarelado para Malfoy e disse:
— Explique.
— Potter me atacou, professor...
— Atacamos um ao outro ao mesmo tempo! — gritou Harry.
— ... E ele atingiu Goyle, olhe...
Snape contemplou Goyle, cujo rosto agora lembrava a ilustração de um livro doméstico sobre cogumelos venenosos.
— Ala hospitalar, Goyle disse o professor calmamente.
— Malfoy atingiu Hermione! — disse Rony. — Olhe!
O garoto obrigou Hermione a mostrar os dentes a Snape — ela se esforçava ao máximo para escondê-los com as mãos, embora isso fosse difícil, porque agora tinham ultrapassado o seu decote. Pansy Parkinson e as outras garotas da Sonserina se dobravam de rir em silêncio, apontando para Hermione pelas costas de Snape. Snape olhou friamente para Hermione e disse:
— Não vejo diferença alguma.
Hermione deixou escapar um lamento, seus olhos se encheram de lágrimas, ela deu meia-volta e correu, correu pelo corredor afora e desapareceu.
Foi uma sorte, talvez, que Harry e Rony tenham começado a gritar com Snape ao mesmo tempo, sorte que suas vozes tenham ecoado tão forte no corredor de pedra, porque, na confusão de sons, ficou impossível o professor ouvir exatamente os nomes de que o xingaram. Mas ele captou o sentido.
— Vejamos — disse, na voz mais suave do mundo. — Cinqüenta pontos a menos para a Grifinória e uma detenção para cada um, Potter e Weasley. Agora, entrem ou será uma semana de detenções.
Os ouvidos de Harry zumbiram. A injustiça daquilo o fez desejar amaldiçoar Snape, desintegrá-lo em mil pedacinhos nojentos. Ele passou pelo professor e se dirigiu com Rony para o fundo da masmorra, largando com força a mochila sobre a carteira. Rony tremia de raiva, também — por um instante, pareceu que tudo voltara ao normal entre os dois, mas, em vez disso, Rony se virou e se sentou entre Dino e Simas, deixando Harry sozinho na carteira.
Do lado oposto da masmorra, Malfoy deu as costas para Snape e comprimiu o distintivo, rindo-se, O POTTER FEDE lampejou mais uma vez pela sala.
Harry se sentou e ficou encarando Snape quando a aula começou, visualizando coisas horríveis acontecendo ao professor... Se ao menos ele soubesse executar uma Maldição Cruciatus... Atiraria Snape no chão, de costas, como aquela aranha, contorcendo-se e estrebuchando.
— Antídotos! — disse Snape, abrangendo a turma toda com o olhar, seus olhos negros e frios, brilhando de forma desagradável. — Vocês já tiveram tempo de pesquisar suas fórmulas. Quero que as preparem cuidadosamente e depois vamos escolher alguém em quem experimentar...
Os olhos de Snape encontraram os de Harry e o garoto percebeu o que vinha a caminho. O professor ia envenená-lo. Harry se imaginou agarrando o caldeirão, correndo até a frente da turma e tacando o caldeirão na cabeça oleosa de Snape... Então uma batida na porta da masmorra invadiu os pensamentos de Harry.
Era Colin Creevey; o garoto entrou discretamente na sala, sorrindo para Harry, e dirigiu-se à escrivaninha de Snape diante da turma.
— Que foi? — perguntou Snape com rispidez.
— Por favor, professor, me mandaram levar Harry Potter lá em cima.
Do alto do seu nariz de gancho, Snape baixou os olhos para Colin, cujo sorriso desapareceu do seu rosto pressuroso.
— Potter tem mais uma hora de Poções para completar — disse Snape friamente. — Subirá quando a aula terminar.
Colin corou.
— Professor, o Sr. Bagman é quem está chamando — disse nervoso. — Todos os campeões têm que ir, acho que querem tirar fotos...
Harry teria dado tudo que possuía para impedir Colin de dizer aquelas últimas palavras. Arriscou um relanceio para Rony, mas o amigo contemplava o teto decidido.
— Muito bem, muito bem — retorquiu Snape. — Potter deixe o seu material, quero que volte aqui depois para testar o seu antídoto.
— Por favor, professor, ele tem que levar o material — disse Colin com uma vozinha esganiçada. — Todos os campeões...
— Muito bem! — disse Snape. — Potter, apanhe sua mochila e desapareça da minha frente!
Harry atirou a mochila por cima do ombro, se levantou e se encaminhou para a porta. Ao passar pelas carteiras dos alunos da Sonserina, o POTTER FEDE lampejou para ele de todas as direções.
— É fantástico, não é, Harry? — disse Colin, começando a falar no instante em que Harry fechou a porta da masmorra depois de passarem. — Mas não é? Você ser campeão?
— É, realmente fantástico — disse Harry, desalentado, quando começaram a subir a escada para o saguão de entrada. — Para que é que eles querem fotos, Colin?
— O Profeta Diário, acho!
— Ótimo — disse Harry, sem emoção. — exatamente do que estou precisando. Mais publicidade.
— Boa sorte! — disse Colin, quando chegaram à sala certa. Harry bateu na porta e entrou.
Era uma sala de aula relativamente pequena; a maior parte das carteiras fora afastada para o fundo do aposento, deixando um amplo espaço no meio; três delas, no entanto, tinham sido enfileiradas lado a lado, diante do quadro-negro e cobertas com uma toalha de veludo. Cinco cadeiras tinham sido arrumadas atrás das mesas cobertas de veludo e Ludo Bagman estava sentado em uma delas conversando com uma bruxa que Harry nunca vira antes e que usava vestes carmim.
Vítor Krum estava em pé, pensativo, a um canto, como de costume, sem falar com ninguém. Cedrico e Fleur estavam entretidos conversando, a garota parecia muito mais feliz do que Harry a vira até então, não parava de jogar a cabeça para trás de modo que os cabelos longos e prateados refletiam a luz.
Um homem barrigudo, segurando uma grande máquina fotográfica que soltava uma leve fumaça, observava Fleur pelo canto do olho.
Bagman de repente viu Harry, levantou-se depressa e foi ao encontro do garoto.
— Ah, aqui está ele. O campeão número quatro! Entre Harry, entre... Não tem com o que se preocupar, é apenas a cerimônia de pesagem das varinhas, os outros juizes estão chegando...
— Pesagem das varinhas? — repetiu Harry, nervoso.
— Temos que verificar se as varinhas estão em perfeitas condições de funcionamento, sem problemas, entende, porque são os instrumentos mais importantes nas tarefas que vocês têm pela frente — disse Bagman. — O perito está lá em cima com Dumbledore, agora. E depois vai haver uma pequena sessão de fotos. Esta é Rita Skeeter — acrescentou, indicando com um gesto a bruxa de vestes carmim —, está escrevendo um pequeno artigo sobre o torneio para o Profeta Diário...
— Talvez não seja tão pequeno assim, Ludo — disse ela, com os olhos em Harry.
Os cabelos da repórter estavam arrumados em cachos caprichosos e curiosamente rígidos que contrastavam estranhamente com seu rosto de queixo volumoso. Ela usava óculos com aros de pedrinhas. Os dedos grossos que seguravam uma bolsa de couro de crocodilo terminavam em unhas de cinco centímetros de comprimento, pintadas de escarlate.
— Gostaria de saber se poderia dar uma palavrinha com Harry antes de começarmos? — pediu ela a Bagman, mas ainda com os olhos fixos em Harry. — O campeão mais novo, entende... Para dar um toque pitoresco?
— Certamente! — exclamou Bagman. — Isto é, se Harry não fizer objeção?
— Hum... — disse Harry.
— Beleza — respondeu Rita Skeeter e, num segundo, seus dedos com garras vermelhas tinham segurado com surpreendente firmeza o braço do garoto, conduziam-no para fora da sala e abriam uma porta próxima.
— Não queremos ficar lá dentro com todo aquele barulho, disse ela. — Vejamos... Ah, sim, aqui está bom e aconchegante.
Era um armário de vassouras. Harry arregalou os olhos para a bruxa.
— Vamos querido, certo, ótimo — repetiu outra vez, encarapitou-se precariamente sobre um balde virado de boca para baixo, fez Harry sentar -se em uma caixa de papelão e fechou a porta, mergulhando-os na escuridão. — Vejamos agora... — Rita abriu a bolsa de crocodilo e tirou um punhado de velas, que acendeu com um aceno da varinha, e colocou-as suspensas no ar, de modo a iluminar o que faziam. — Você não se importa, Harry, se eu usar uma pena de repetição rápida? Assim fico livre para conversar com você normalmente...
— Uma o quê? — perguntou Harry.
O sorriso de Rita se abriu. Harry contou três dentes de ouro.
Mais uma vez ela meteu a mão na bolsa e tirou uma pena comprida verde ácido e um rolo de pergaminho, que abriu entre os dois em cima de uma caixa de Removedor Mágico Multiuso da Sra. Skower. Ela levou a ponta da pena verde à boca, chupou-a por um instante com cara de quem estava gostando, depois colocou-a em pé sobre o pergaminho, onde a pena ficou equilibrada tremendo ligeiramente.
— Teste... Meu nome é Rita Skeeter, repórter do Profeta Diário. Harry olhou depressa para a pena. No momento em que Rita falara, ela começou a escrever, deslizando sobre o pergaminho. — A atraente Rita Skeeter, 43 anos, cuja pena infrene já esvaziou muitas reputações infladas...
— Beleza — disse Rita Skeeter, mais uma vez, e rasgou a parte escrita do pergaminho, amassou-a e meteu-a na bolsa. Inclinou-se então para Harry e disse:
— Então, Harry... O que fez você decidir entrar no Torneio Tribruxo?
— Hum... — disse Harry outra vez, mas foi distraído pela pena. Embora não estivesse falando, ela continuava a correr pelo pergaminho e seguindo-a o garoto pôde ler uma nova frase:
Uma feia cicatriz, lembrança de um passado trágico, desfigura o rosto, de outra forma encantador, de Harry Potter, cujos olhos...
— Não dê atenção à pena, Harry — disse Rita Skeeter com firmeza. Relutante, Harry ergueu os olhos para ela. — Agora, por que decidiu entrar para o torneio, Harry?
— Eu não entrei — disse Harry. — Não sei como foi que o meu nome foi parar no Cálice de Fogo. Eu não o pus lá.
A repórter ergueu a sobrancelha fortemente delineada.
— Ora, Harry, não precisa ter medo de entrar numa fria. Todos sabemos que você não deveria ter se inscrito. Mas não se preocupe com isso. Os nossos leitores adoram rebeldias.
— Mas eu não me inscrevi — repetiu Harry. — Não sei quem...
— Como é que você se sente com relação às tarefas que o aguardam? — perguntou Rita Skeeter. — Excitado? Nervoso?
— Ainda não pensei realmente... É, nervoso, suponho — disse Harry. Ao falar suas entranhas reviraram desconfortavelmente.
— Houve campeões que morreram no passado, não é? — disse Rita com eficiência. — Você chegou a pensar nisso?
— Bom... Dizem que vai ser muito mais seguro este ano.
A pena correu veloz pelo pergaminho entre os dois, para frente e para trás, como se estivesse patinando.
— Naturalmente, você já viu a morte cara a cara antes, não é? — perguntou ela, observando-o atentamente. — Como você diria que isso o afetou?
— Hum — disse Harry uma terceira vez.
— Você acha que o trauma do passado o deixou desejoso de se pôr à prova? De fazer jus ao seu nome? Você acha que talvez tenha se sentido tentado a se inscrever no Torneio Tribruxo por que...
— Eu não me inscrevi — disse Harry, começando a se sentir irritado.
— Você tem alguma lembrança dos seus pais? — perguntou Rita Skeeter, abafando a resposta do garoto.
— Não.
— Como você acha que eles se sentiriam se soubessem que você ia competir no Torneio Tribruxo? Orgulhosos? Preocupados? Zangados?
Harry estava se sentindo realmente aborrecido agora. Como é que ele ia saber o que seus pais estariam sentindo se fossem vivos? Percebeu que a jornalista o observava muito atentamente. De cara amarrada, ele evitou seu olhar e baixou os olhos para as palavras que a pena acabara de escrever.
As lágrimas marejaram aqueles olhos espantosamente verdes quando a nossa conversa se voltou para os pais de quem ele mal se lembra.
— Eu NÃO estou com lágrimas nos olhos! — disse Harry em voz alta.
Antes que Rita Skeeter pudesse dizer uma palavra, a porta do armário de vassouras se escancarou. Harry olhou à volta, piscando para a claridade. Alvo Dumbledore estava parado ali, contemplando os dois apertados no armário.
— Dumbledore!— exclamou Rita Skeeter, parecendo encantada, mas Harry reparou que a pena e o pergaminho tinham repentinamente desaparecido da caixa de Removedor Mágico e os dedos da jornalista com garras nas pontas fechavam apressadamente a bolsa de crocodilo. — Como vai? — disse ela, erguendo-se e estendendo uma das mãos grandes e masculinas a Dumbledore. — Espero que tenha visto o meu artigo durante o verão sobre a conferência da Confederação Internacional dos Bruxos?
— Encantadoramente maldoso — respondeu o diretor com os olhos cintilantes. — Gostei principalmente da descrição que fez de mim como um debilóide ultrapassado.
A repórter não pareceu sequer remotamente desconcertada.
— Eu só estava tentando mostrar que algumas de suas idéias são um tanto antiquadas, Dumbledore, e que muitos bruxos nas ruas...
— Ficarei encantado de ouvir o raciocínio que fundamentou a grosseria, Rita — disse Dumbledore, com uma reverência cortês e um sorriso —, mas receio que tenhamos de discutir esse assunto mais tarde. A pesagem das varinhas vai começar e não pode ser realizada se um dos campeões estiver escondido em um armário de vassouras.
Satisfeitíssimo de se afastar de Rita Skeeter, Harry correu de volta à sala.
Os outros campeões estavam agora nas cadeiras junto à porta, e ele se sentou depressa ao lado de Cedrico, com os olhos na mesa coberta de veludo, onde agora havia quatro dos cinco juizes — o Professor Karkaroff, Madame Maxime, o Sr. Crouch e Ludo Bagman. Rita Skeeter se acomodou a um canto; Harry a viu tirar discretamente o pergaminho da bolsa, abri-lo sobre um joelho, chupar a ponta da pena de repetição rápida e equilibrá-la mais uma vez sobre o pergaminho.
— Gostaria de lhes apresentar o Sr. Olivaras — disse Dumbledore, ocupando seu lugar à mesa dos juizes, e se dirigindo aos campeões. — Ele vai verificar suas varinhas para garantir que estejam em boas condições antes do torneio.
Harry olhou para os lados e, com um choque de surpresa, viu um velho bruxo com grandes olhos azul-claros parado discretamente à janela. Harry já encontrara o Sr. Olivaras antes — era o fabricante de quem Harry comprara a própria varinha, havia mais de três anos no Beco Diagonal.
— Mademoiselle Delacour, poderia vir até aqui primeiro, por favor? — disse o Sr. Olivaras postando-se no espaço vazio no centro da sala. Fleur Delacour fez o que o bruxo pedia e lhe entregou a varinha.
— Humm... — disse ele.
O Sr. Olivaras girou a varinha entre os dedos longos como se fosse um bastão, e ela emitiu várias faíscas rosas e douradas. Depois aproximou-a dos olhos e a examinou atentamente.
— É — disse baixinho —, vinte e quatro centímetros... Inflexível... Jacarandá... E contém... Meu Deus...
— Um fio de cabelos de Veela — disse Fleur. — Uma das minhas avós.
Então Fleur era em parte Veela, pensou Harry, anotando a informação mentalmente para contar a Rony... Depois se lembrou de que Rony não estava falando com ele.
— Confere — disse o Sr. Olivaras —, confere, eu nunca usei cabelo de Veela, naturalmente. Acho que produz varinhas temperamentais... No entanto, o seu a seu dono, se ela lhe serve...
O Sr. Olivaras correu os dedos pela varinha, aparentemente a procura de arranhões ou saliências; então murmurou "Orchideous!" e saiu um ramo de flores da ponta da varinha.
— Muito bem, muito bem, está em ótimas condições de funcionamento — disse o Sr. Olivaras, recolhendo as flores e oferecendo-as a Fleur juntamente com a varinha. — Sr. Diggory, agora o senhor.
Fleur retornou delicadamente à sua cadeira e sorriu para Cedrico quando o garoto passou.
— Ah, esta é uma das minhas, não? — disse o Sr. Olivaras, com muito mais entusiasmo, quando Cedrico lhe entregou a varinha. — É, lembro-me bem dela. Contém um único pêlo da cauda de um unicórnio macho particularmente belo... Devia ter um metro e setenta, quase me deu uma chifrada quando lhe arranquei um fio da cauda. Trinta centímetros... Freixo... Agradavelmente flexível. Está em boas condições... O senhor cuida dela periodicamente?
— Lustrei-a noite passada — disse Cedrico sorrindo.
Harry olhou a própria varinha. Dava para ver marcas de dedos em toda a extensão. Ele agarrou um bocado de pano das vestes na altura dos joelhos e tentou limpá-la discretamente. Várias faíscas douradas voaram de sua ponta.
Fleur Delacour lhe lançou um olhar condescendente e ele desistiu.
O Sr. Olivaras disparou uma seqüência de anéis de fumaça prateada pela sala da ponta da varinha de Cedrico, declarando-se satisfeito e, em seguida, disse:
— Sr. Krum, por favor.
Vítor Krum, com o corpo curvado, os ombros redondos e os pés para fora, levantou-se e foi até o Sr. Olivaras. Entregou a varinha e ficou parado, de cara fechada e mãos nos bolsos das vestes.
— Humm — disse o Sr. Olivaras —, é uma criação de Gregorovitch, a não ser que eu esteja enganado. Um excelente fabricante de varinhas, embora o estilo nunca seja bem o que eu... Contudo...
Ergueu a varinha e examinou-a minuciosamente, revirando-a varias vezes diante dos olhos.
— É... Bétula e corda de coração de dragão? — perguntou a Krum, que confirmou com a cabeça. — Um pouco mais grossa do que se vê normalmente... Bastante rígida... Vinte e seis centímetros... Avis!
A varinha de bétula produziu um estampido como o de uma pistola e um bando de passarinhos chilreantes saiu voando de sua ponta, pela janela aberta, em direção ao sol desbotado.
— Ótimo — exclamou o Sr. Olivaras, devolvendo a varinha a Krum. — Resta agora... O Sr. Potter.
Harry se levantou e passou por Krum para chegar ao Sr. Olivaras. E entregou sua varinha.
— Aaah, sim — disse o perito, seus olhos azul-claros repentinamente brilhando. — Sim, sim, sim. Lembro-me muito bem.
Harry se lembrava também. Lembrava-se como se tivesse sido ainda ontem... Há quatro verões, no seu décimo primeiro aniversário, ele entrara na loja do Sr. Olivaras com Hagrid para comprar uma varinha. O homem tirara suas medidas e em seguida começara a lhe dar varinhas para experimentar. Harry teve a impressão de que desprezara todas as varinhas da loja, até finalmente encontrar a que lhe servia — aquela que era feita de azevinho, vinte e oito centímetros e continha uma única pena da cauda de uma fênix. O Sr. Olivaras se mostrara muito surpreso que Harry fosse tão compatível com essa varinha.
— Curioso — dissera ele — ... Curioso — somente quando o garoto perguntou o que era curioso o bruxo explicara que a pena de fênix na varinha de Harry viera do mesmo pássaro que fornecera a alma da varinha de Lord Voldemort.
Harry nunca compartira essa informação com ninguém. Gostava muito de sua varinha e, por ele, a afinidade dela com a varinha de Voldemort era algo imutável — do mesmo jeito que não podia mudar o fato de ser parente da tia Petúnia. Contudo, ele realmente desejou que o Sr. Olivaras não fosse contar isso aos presentes.
Tinha a estranha sensação de que a pena de repetição rápida de Rita Skeeter poderia explodir de excitação se isso acontecesse.
O Sr. Olivaras passou mais tempo examinando a varinha de Harry do que a dos demais. Por fim, porém, fez jorrar uma fonte de vinho da varinha e devolveu-a a Harry, anunciando que o objeto continuava em perfeitas condições.
— Muito obrigado a todos — disse Dumbledore, levantando-se da mesa dos juizes. — Vocês podem voltar às suas aulas agora, ou talvez seja mais rápido descerem logo para jantar, já que elas estão prestes a terminar...
Achando que finalmente alguma coisa dera certo naquele dia, Harry se levantou para sair, mas o homem com a máquina fotográfica preta deu um pulo da cadeira e pigarreou.
— Fotos, Dumbledore, fotos — exclamou Bagman, excitado. — Todos os juizes e campeões. Que é que você acha, Rita?
— Hum... Certo, vamos fazer essas primeiras — respondeu a repórter, cujos olhos estavam fixos em Harry outra vez. — E depois talvez umas fotos individuais.
As fotos consumiram muito tempo. Madame Maxime deixava todos na sombra sempre que se levantava e o fotógrafo não conseguia recuar o suficiente para enquadrá-la; por fim, ela teve que se sentar e os demais se postarem ao seu redor. Karkaroff não parava de torcer o cavanhaque com o dedo para lhe acrescentar mais um cacho, Krum, que Harry imaginaria estar acostumado a esse tipo de coisa, procurava se esconder atrás do grupo. O fotógrafo parecia interessadíssimo em colocar Fleur na frente, mas Rita corria a toda hora e arrastava Harry para lhe dar maior destaque. Depois, ela insistiu que se fizessem fotos separadas dos campeões. E, finalmente, todos foram liberados.
Harry desceu para jantar. Hermione não estava lá — ele supôs que a amiga continuasse na ala hospitalar consertando os dentes. Ele comeu sozinho na ponta da mesa, depois voltou à Torre da Grifinória, pensando em todos os deveres suplementares sobre Feitiços Convocatórios que precisava fazer. Em cima no dormitório, encontrou Rony.
— Você recebeu uma coruja — disse ele bruscamente, no instante em que Harry entrou. Apontou para o travesseiro do amigo. A coruja-de-igreja da escola esperava-o ali.
— Ah... Certo — disse Harry.
— E temos que cumprir as detenções amanhã à noite na masmorra do Snape.
Saiu, então, do quarto sem olhar para Harry. Por um instante o garoto refletiu se devia ir atrás do amigo — não tinha bem certeza se queria falar com ele ou lhe dar um soco, as duas opções pareciam igualmente atraentes — mas a tentação de ler a resposta de Sirius foi mais forte. Harry aproximou-se da coruja, soltou a carta da perna da ave e abriu-a.
“Harry, Não posso dizer tudo que gostaria em uma carta, é arriscado demais se a coruja for interceptada — precisamos conversar cara a cara. Você pode dar um jeito de estar junto à lareira na Torre da Glifinória à uma hora da manhã, no dia 22 de novembro?
Sei melhor do que ninguém que você é capaz de se cuidar e, enquanto estiver perto de Dumbledore e Moody, acho que ninguém conseguirá lhe fazer mal.
Porém, parece que alguém está tendo algum sucesso. Inscrever você nesse torneio deve ter sido muito arriscado, principalmente debaixo do nariz de Dumbledore.
Fique vigilante, Harry. Continuo querendo saber de tudo que acontecer de anormal. Mande uma resposta sobre o dia 22 de novembro o mais cedo que puder.
Sirius”.
CAPÍTULO DEZENOVE
O Rabo-Córneo húngaro
A perspectiva de conversar cara a cara com Sirius foi só o que sustentou Harry nos quinze dias seguintes, o único ponto luminoso em um horizonte que nunca lhe parecera mais escuro. O choque de se ver no papel de campeão da escola agora já diminuira um pouquinho, e o medo do que o aguardava estava começando a penetrar fundo em sua mente. A primeira tarefa se aproximava, o garoto tinha a sensação de que ela estava de tocaia logo ali, como um monstro aterrorizante, barrando o seu avanço. Nunca se sentira tão nervoso, ultrapassava muito qualquer sentimento que tinha experimentado antes de uma partida de Quadribol, até mesmo a última contra a Sonserina, que decidira quem ganharia a Taça de Quadribol.
Harry estava achando difícil pensar no futuro, sentia que a sua vida inteira o conduzira à primeira tarefa e nela terminaria...
Assim sendo, não via como Sirius ia fazê-lo se sentir melhor com relação à realização de uma tarefa mágica difícil e perigosa, diante de centenas de pessoas, mas a simples visão de um rosto amigo já seria alguma coisa neste momento.
Harry respondeu a Sirius, dizendo que estaria ao pé da lareira da sala comunal à hora que o padrinho sugerira, e que ele e Hermione tinham passado muito tempo revendo planos para obrigar os retardatários a abandonar a sala na noite em questão. Na pior das hipóteses, iam detonar um pacote de bombas de bosta, mas esperavam não ter recorrer a isso — Filch os esfolaria vivos.
Entrementes, a vida se tornou ainda pior para Harry dentro dos limites do castelo, pois Rita Skeeter publicara seu artigo sobre o Torneio Tribruxo, que afinal não fora tanto uma notícia sobre o torneio, mas uma versão da vida de Harry extremamente pitoresca.
Quase toda a primeira página fora ocupada por uma foto de Harry; o artigo (que continuava nas páginas dois, seis e sete) só falava no garoto, os nomes dos campeões da Beauxbatons e Durmstrang (errados) tinham sido espremidos na última linha do artigo, e Cedrico sequer fora mencionado.
O artigo saíra havia dez dias e Harry ainda era assaltado por uma ardência de náusea e vergonha no estômago todas as vezes que pensava nele. Rita Skeeter pusera em sua boca uma porção de coisas que ele sequer lembrava ter dito na vida, muito menos no armário de vassouras.
"Acho que herdo a minha força dos meus pais, sei que eles teriam muito orgulho de mim se me vissem agora... é às vezes à noite ainda choro a perda deles, não tenho vergonha de admitir... Que nada me acontecerá de mal durante o torneio, porque eles estarão me protegendo...”
Mas Rita fizera mais do que transformar os "hums" dele em frases longas e piegas, entrevistara outras pessoas para saber o que pensavam dele.
"Harry finalmente encontrou carinho em Hogwarts. Seu amigo íntimo, Colin Creevey diz que o garoto raramente é visto sem companhia de Hermione Granger, uma linda menina nascida trouxa que, como Harry, é uma das primeiras alunas da escola”.
Do momento em que o artigo apareceu, Harry teve que aturar colegas — principalmente os da Sonserina — que o citavam, caçoando, quando ele passava.
— Quer um lencinho, Potter, caso comece a chorar na aula de Transformação?
— Desde quando você é um dos primeiros alunos da escola, Potter? Ou será que a escola é uma escola que você e o Longbottom fundaram?
— Ei... Harry!
— É, verdade, sim — Harry viu-se gritando, ao se virar no corredor, já cheio. -Morri de chorar pela morte da minha mamãezinha, e estou indo chorar um pouco mais...
— Não... Foi só que... Você deixou cair a pena.
Era Cho. Harry sentiu o rosto corar.
— Ah... Certo... Desculpe — murmurou recebendo a pena.
— Hum... Boa sorte na terça-feira — disse a garota. — Espero sinceramente que você se dê bem.
O que fez Harry se sentir extremamente idiota.
Hermione também ganhara sua quota de aborrecimentos, mas ainda não começara a berrar com gente inocente, de fato, Harry enchia-se de admiração pela maneira com que a amiga estava enfrentando a situação.
— Linda? Ela?— gritara Pansy Parkinson com a voz esganiçada, a primeira vez que encontrou Hermione, depois que o artigo da Rita Skeeter fora publicado. -Qual foi o padrão de beleza, um esquilo?
— Não liga — disse Hermione com dignidade, erguendo a cabeça no ar e passando pelas garotas da Sonserina que zombavam, como se não as ouvisse. –Simplesmente não liga, Harry.
Mas Harry não conseguia se desligar. Rony não falara com ele desde o dia do recado sobre as detenções de Snape. Harry alimentara uma certa esperança de que fizessem as pazes durante as duas horas em que foram forçados a preparar conservas de miolos de ratos na masmorra, mas isto fora no dia em que o artigo de Rita Skeeter aparecera, o que parecia confirmar a crença de Rony de que Harry estava realmente gostando de toda aquela atenção.
Hermione estava furiosa com os dois, ia de um para outro, tentando forçá-los a se falarem, mas Harry permanecia inflexível, só voltaria a falar com Rony se o amigo admitisse que ele não pusera o nome no Cálice de Fogo, e pedisse desculpas por tê-lo chamado de mentiroso.
— Não fui eu que comecei — disse Harry teimosamente. — O problema é dele.
— Você sente falta dele! — tornou Hermione impaciente. — E eu sei que ele sente falta de você...
— Sinto falta dele? Eu não sinto falta dele...
Mas isto era uma mentira deslavada. Harry gostava muito de Hermione, mas ela não era o mesmo que Rony. Havia muito menos risos e muito mais visitas à biblioteca quando Hermione era sua melhor amiga. Harry ainda não conseguira dominar os Feitiços Convocatórios, parecia ter desenvolvido uma espécie de bloqueio com relação a eles, e Hermione insistia que aprender a teoria ajudaria.
Conseqüentemente, passavam mais tempo lendo livros durante a hora do almoço. Vítor Krum passava um tempão na biblioteca, também, e Harry ficava imaginando o que é que ele andava fazendo. Estaria estudando ou procurando coisas que o ajudassem na primeira tarefa?
Hermione muitas vezes se queixava de Krum estar ali — não que ele jamais os incomodasse, mas porque aparecia sempre um grupo de garotas dando risadinhas bobas para espioná-lo atrás das estantes, e Hermione achava que aquele barulho a distraía.
— Ele nem ao menos é bonito! — murmurava ela aborrecida, mirando de cara amarrada o perfil adunco de Krum. — Elas só gostam dele porque é famoso! Não olhariam duas vezes se ele não fosse capaz de fazer aquele tal de Fingimento Wonky...
— Finta de Wronski — corrigiu Harry entre dentes. Sem contar que o garoto gostava que dissessem corretamente os termos do Quadribol, sentia uma pontada só de imaginar a expressão de Rony se ele pudesse ouvir Hermione falando de Fingimentos Wonky.
É uma coisa estranha, mas quando se está com medo de alguma coisa, e se daria tudo para retardar o tempo, ele tem o mau hábito de correr. Os dias que faltavam para a primeira tarefa pareciam passar como se alguém tivesse ajustado os relógios para trabalharem em velocidade dobrada. A sensação de pânico mal controlado que Harry tinha acompanhava-o para onde fosse, sempre presente como os comentários depreciativos sobre o artigo do Profeta Diário.
No sábado que antecedeu a primeira tarefa, todos os estudantes do terceiro ano, e acima, tiveram permissão para visitar o povoado de Hogsmeade. Hermione disse a Harry que lhe faria bem sair um pouco do castelo e o garoto não precisou de muita persuasão.
— Mas e o Rony? Você não quer ir com ele?
— Ah... Bem... — Hermione ficou ligeiramente vermelha. — Pensei que a gente podia se encontrar com ele no Três Vassouras...
— Não — disse Harry em tom definitivo.
— Ah, Harry, isso é tão bobo...
— Eu vou, mas não quero me encontrar com o Rony, e vou usar a minha Capa da Invisibilidade.
— Ah, tudo bem, então... — retorquiu Hermione —, mas odeio falar com você naquela capa, nunca sei se estou olhando para você ou não.
Então Harry vestiu a Capa da Invisibilidade no dormitório e tornou a descer e, juntos, ele e a amiga seguiram para Hogsmeade.
— Harry se sentiu maravilhosamente livre sob a capa, observou os estudantes que passavam por eles na entrada do povoado, a maioria usando distintivos “Apóie CEDRICO DIGGORY”, mas, para variar, ninguém atirou piadas horríveis para ele nem citou aquele artigo idiota.
— As pessoas não param de olhar para mim agora — reclamou Hermione, ao saírem mais tarde da Dedosdemel, comendo uma grande quantidade de bombons recheados de creme. — Acham que estou falando sozinha.
— Então não mexa tanto os lábios.
— Ah vai, por favor, tira um pouco a sua capa. Ninguém vai incomodar você aqui.
— Ah, é? Então olha para trás.
Rita Skeeter e seu amigo fotógrafo acabavam de sair do bar Três Vassouras. Conversavam em voz baixa e passaram por Hermione sem olhar para a garota. Harry se encostou à parede da Dedosdemel para evitar que Rita Skeeter batesse nele com a bolsa de crocodilo. Quando os dois se afastaram, Harry comentou:
— Ela está hospedada no povoado. Aposto como vai assistir à primeira tarefa.
Ao dizer isso, seu estômago foi inundado por uma onda de pânico derretido. Mas não disse nada, ele e Hermione não tinham discutido muito o que o aguardava na primeira tarefa; tinha a sensação de que a amiga não queria pensar no assunto.
— Ela já foi embora — disse Hermione olhando através de Harry em direção à rua principal. — Por que não vamos tomar uma cerveja amanteigada no Três Vassouras? Está um pouco frio, não está? Você não precisa falar com o Rony! — acrescentou com irritação, interpretando corretamente o silêncio dele.
O Três Vassouras estava lotado, principalmente com alunos de Hogwarts que aproveitavam a tarde livre, mas também com uma variedade de gente mágica que Harry raramente via em outro lugar. Ele imaginava que sendo Hogsmeade o único povoado inteiramente mágico da Grã-Bretanha constituía uma espécie de refúgio para gente como as bruxas, que não gostavam tanto de se disfarçar quanto os bruxos.
Era difícil caminhar entre muita gente com a Capa da Invisibilidade, pois se pisasse em alguém sem querer, poderia provocar perguntas embaraçosas. Harry dirigiu-se com cautela a uma mesa vazia a um canto e Hermione foi comprar as bebidas. Quando atravessava o bar, Harry viu Rony sentado com Fred, Jorge e Lino Jordan. Resistindo ao impulso de dar um bom tranco na cabeça de Rony, ele finalmente chegou à mesa escolhida e se sentou. Hermione não demorou a se juntar a ele e lhe passou a cerveja por baixo da capa.
— Pareço uma idiota sentada aqui sozinha — resmungou ela. — Por sorte trouxe alguma coisa para fazer.
E a garota puxou um caderno em que andava mantendo um registro dos participantes do F.A.L.E.
Harry viu os nomes dele e de Rony no alto de uma pequena lista. Parecia que fora há muito tempo que tinham se sentado para fazer aquelas predições, juntos, e Hermione aparecera e os nomeara secretário e tesoureiro.
— Sabe, talvez eu deva tentar fazer alguns habitantes do povoado participarem do F.A.L.E. — disse Hermione pensativa, dando uma olhada no bar.
— É, certo. — Harry tomou um gole da cerveja amanteigada embaixo da capa. — Hermione quando é que você vai desistir dessa história de F.A.L.E.?
— Quando os elfos domésticos tiverem salários decentes e condições de trabalho! — sibilou ela em resposta. — Sabe, eu estou começando a achar que chegou a hora de partir para uma mais direta. Como será que a gente chega à cozinha da escola?
— Não faço idéia, pergunte ao Fred e ao Jorge — disse Harry.
Hermione mergulhou num silêncio pensativo, enquanto Harry bebia a cerveja amanteigada, observando as pessoas no bar. Todas pareciam animadas e descontraídas.
Ernesto MacMillan e Ana Abbott trocavam figurinhas dos Sapos de Chocolate em uma mesa próxima, os dois usando os distintivos “Apóie CEDRICO DIGGORY” nas capas. Perto da porta, Harry viu Cho e um grande grupo das colegas da Corvinal. Mas ela não usava o distintivo... isto o animou um pouquinho... O que ele não daria para ser uma daquelas pessoas que riam e conversavam, sem nenhuma preocupação no mundo exceto o dever de casa!
Imaginou como estaria se sentindo ali se o seu nome não tivesse sido escolhido pelo Cálice de Fogo. Primeiro não estaria usando a Capa da Invisibilidade, segundo, Rony estaria sentado com ele. Os três provavelmente estariam felizes imaginando que tarefa mortalmente perigosa os campeões das escolas iriam enfrentar na terça-feira. Ele estaria realmente ansioso para chegar a hora de assistir ao que quer que fosse... Torcendo por Cedrico com todos os outros, sentado são e salvo no alto das arquibancadas...
Harry ficou imaginando como estariam se sentindo os outros campeões.
Todas as vezes que via Cedrico ultimamente, o garoto estava cercado de admiradores e parecia nervoso, mas excitado. De vez em quando Harry via Fleur Delacour de relance nos corredores, tinha a mesma aparência de sempre, arrogante e imperturbável.
E Krum simplesmente ficava sentado na biblioteca, examinando livros.
Harry pensou em Sirius, e o nó apertado e tenso em seu peito pareceu afrouxar um pouquinho. Estaria falando com o padrinho em pouco mais de doze horas, pois aquela era a noite em que iam se encontrar na sala comunal -presumindo que nada saísse errado, como tudo o mais ultimamente...
— Olha, é Hagrid! — disse Hermione.
As costas da enorme cabeça peluda de Hagrid — graças a Deus ele abandonara o novo penteado — sobressaía na aglomeração. Harry se perguntou por que não o teria visto logo, já que seu amigo era tão grande, mas se levantando cautelosamente, viu que Hagrid estivera curvado, conversando com o Professor Moody. Tinha o costumeiro canecão diante dele, mas Moody bebia da garrafa de bolso. Madame Rosmerta, a bonita dona do bar, não parecia estar gostando muito disso; olhava enviesado para Moody enquanto recolhia os copos das mesas ao redor dos dois homens. Talvez achasse que aquilo era um insulto ao seu quentão, mas Harry sabia a explicação. Moody contara à turma na última aula de Defesa contra as Artes das Trevas que ele sempre preferia preparar sua comida e bebida, pois era muito fácil para bruxos das trevas envenenarem um copo momentaneamente descuidado.
Enquanto Harry observava, viu Hagrid e Moody se levantarem para sair. Ele acenou, depois se lembrou de que o amigo não podia vê-lo. Moody, porém, parou, seu olho mágico virado para o canto em que Harry estava. Ele deu um tapinha no meio das costas de Hagrid (não conseguindo alcançar seu ombro), murmurou alguma coisa e, em seguida, os dois tornaram a atravessar o bar em direção à mesa de Harry e Hermione.
— Tudo bem, Hermione? — disse Hagrid em voz alta.
— Olá — respondeu a garota sorrindo.
Moody contornou a mesa mancando e se abaixou, Harry pensou que ele estava lendo o caderno do F.A.L.E., até ele murmurar:
— Bela capa, Potter.
Harry encarou-o espantado. O pedaço que faltava do nariz de Moody era particularmente visível à curta distância. Moody sorriu.
— O seu olho... Quero dizer, o senhor pode...?
— Claro, ele vê através de Capas da Invisibilidade — disse Moody baixinho. — E, às vezes, isso me tem sido útil, pode acreditar.
Hagrid estava sorrindo para Harry, também. Este sabia que o amigo não podia vê-lo, mas Moody obviamente dissera a Hagrid que o garoto estava ali.
Hagrid se abaixou sob o pretexto de ler o caderno do F.A. L.E. também, e disse num sussurro tão baixo que somente Harry pôde ouvir.
— Harry, me encontre hoje à meia-noite na minha cabana. Use a capa.
Erguendo-se, falou em voz alta:
— Que bom ver você, Hermione — piscou e saiu. Moody acompanhou-o.
— Por que será que ele quer que eu vá encontrá-lo à meia-noite? — perguntou Harry muito surpreso.
— Ele quer? — disse Hermione, parecendo espantada. — Que será que ele está aprontando? Não sei se você deve ir, Harry... — Ela espiou para os lados nervosamente e sibilou: — Talvez você se atrase para ver Sirius.
Era verdade que descer pelos jardins à meia-noite até a casa de Hagrid significava voltar em cima da hora para o encontro com Sirius, Hermione sugeriu que ele mandasse Edwiges a Hagrid para dizer que não podia ir — sempre supondo que a coruja consentisse em levar o bilhete, é claro —, Harry, porém, achou melhor ir ver rapidamente o que o amigo queria. Estava muito curioso com o que poderia ser, Hagrid nunca pedira a Harry para visitá-lo tão tarde da noite.
Ás onze e meia daquela noite, Harry, que fingira ir se deitar mais cedo, jogou a Capa da Invisibilidade por cima do corpo e saiu sorrateiramente pela sala comunal. Ainda havia muitos colegas lá.
Os irmãos Creevey tinham conseguido pôr as mãos em uma pilha de distintivos “Apóie CEDRICO DIGGORY” e estavam tentando enfeitiçá-los para fazê-los dizer, ao invés, “Apóie HARRY POTTER”. Até ali, porém, só tinham conseguido fazer os distintivos enguiçarem em “POTTER FEDE”. Harry passou por eles em direção ao buraco do retrato e esperou um minuto mais ou menos, de olho no relógio. Depois, Hermione abriu a Mulher Gorda pelo lado de fora conforme tinham planejado. Ele passou pela amiga murmurando "Obrigado!", e saiu pelo castelo.
Os jardins estavam muito escuros. Harry desceu os gramados em direção às luzes que brilhavam na cabana de Hagrid. O interior da enorme carruagem da Beauxbatons também estava aceso, Harry podia ouvir Madame Maxime falando lá dentro, quando bateu na porta de Hagrid.
— É você aí, Harry? — sussurrou Hagrid, abrindo a porta e espiando para os lados.
— Sou — disse Harry, entrando na cabana e tirando a capa de cima da cabeça. — Que é que está havendo?
— Tenho uma coisa para lhe mostrar.
Havia um ar de enorme excitação em Hagrid. Ele usava uma flor que lembrava uma alcachofra exagerada na botoeira. Parecia que tinha abandonado o uso da graxa de eixo, mas certamente tentara pentear os cabelos — dava para Harry ver os dentes partidos do pente presos neles.
— Que é que você vai me mostrar? — disse Harry cauteloso, se perguntando se os explosivins teriam posto ovos ou se Hagrid teria conseguido comprar outro enorme cão de três cabeças de algum estranho no bar.
— Venha comigo, fique quieto e coberto com a capa — disse Hagrid. — Não vamos levar Canino, ele não vai gostar...
— Olhe, Hagrid, não posso demorar... Tenho que estar de volta no castelo porque à uma hora...
Mas Hagrid não estava ouvindo, estava abrindo a porta da cabana e saindo.
Harry correu para acompanhá-lo, mas descobriu, para sua grande surpresa, que Hagrid o levava para a carruagem da Beauxbatons.
— Hagrid que...?
— Psiu! — disse ele ao bater três vezes na porta com varinhas de ouro cruzadas.
Madame Maxime abriu-a. Usava um xale de seda envolvendo os ombros maciços. Ela sorriu quando viu Hagrid.
— Ah, Agrrid... Já está na horta?
— Bom suar — disse Hagrid, sorrindo para ela e estendendo a mão para ajudá-la a descer os degraus dourados. Madame Maxime fechou a porta, Hagrid lhe ofereceu o braço, e os dois saíram contornando o picadeiro que guardava os gigantescos cavalos alados de Madame Maxime, e Harry totalmente perplexo, correu para acompanhá-los. Será que Hagrid queria lhe mostrar Madame Maxime? Poderia vê-la quando quisesse... Ela não era exatamente uma pessoa que passasse despercebida... Mas parecia que Madame Maxime ia ter a mesma surpresa que Harry porque, passado algum tempo, ela disse em tom de brincadeira:
— Aonde é que você está me levando, Agrid?
— Você vai gostar — disse Hagrid rouco. — Vale a pena ver, confie em mim. Só que não pode sair por aí contando que eu lhe mostrei, certo? Não era para ninguém saber.
— Claro que não — disse Madame Maxime, batendo as longas pestanas negras.
E eles continuavam a caminhar, Harry cada vez mais irritado enquanto corria no encalço dos dois, consultando o relógio de quando em quando. Hagrid tinha algum plano biruta em mente, que talvez o fizesse perder o encontro com Sirius. Se não chegassem depressa aonde iam, ele ia dar meia-volta e rumar direto para o castelo, deixando Hagrid aproveitar o passeio ao luar com Madame Maxime...
Mas então — quando tinham se distanciado tanto ao longo da perímetro da Floresta que o castelo e o lago desapareceram de vista — Harry ouviu alguma coisa. Havia homens gritando adiante... Depois ouviram um rugido ensurdecedor, de rachar os tímpanos...
Hagrid fez Madame Maxime dar a volta a um arvoredo e parou. Harry correu a se juntar aos dois — por uma fração de segundo achou que estava vendo fogueiras e homens que corriam em torno delas —, então seu queixo caiu.
Dragões.
Quatro dragões adultos, enormes, de aspecto feroz empinavam-se nas patas traseiras, dentro de um cercado feito com grossa pranchas de madeira, rugindo e bufando — torrentes de fogo erguiam quinze metros para o céu escuro de suas bocas abertas cheias de dentes, no alto de pescoços esticados. Havia um azul prateado com chifres longos e pontiagudos, que rosnava para os bruxos no chão e tentava mordê-los, outro de escamas lisas e verdes, que se contorcia e batia as patas com toda a força, um vermelho, com uma estranha franja de belas pontas de ouro ao redor do focinho, que soprava para o ar nuvens de fogo em forma de cogumelo, e um último negro e gigantesco, mais parecido com um lagarto do que os demais, que era o mais próximo.
No mínimo uns trinta bruxos, sete ou oito para cada dragão, tentavam controlá-los, puxando correntes presas a grossas tiras de couro em volta dos pescoços e das pernas dos bichos. Hipnotizado, Harry olhou bem para o alto e viu os olhos do dragão negro, com pupilas verticais como as de um gato, arregalados de medo ou de fúria, não saberia dizer qual... Fazia um barulho terrível, um uivo penetrante...
— Fique aí, Hagrid! — berrou um bruxo junto à cerca, puxando com força a corrente que segurava. — Eles podem cuspir fogo a uma distância de seis metros, sabe! Já vi este Rabo-Córneo chegar a doze!
— Ele não é lindo? — perguntou Hagrid baixinho.
— Não adianta! — berrou outro bruxo. — Feitiço Estuporante quando eu contar três!
Harry viu cada um dos guardadores de dragões puxar a varinha.
— Estupore! — gritaram eles em uníssono, e os feitiços dispararam pela escuridão como foguetes chamejantes, explodindo em chuvas de estrelas sobre os couros escamosos dos dragões...
Harry observou o mais próximo deles balançar nas pernas traseiras, as mandíbulas se escancararam em um súbito uivo silencioso, as narinas subitamente se apagaram, embora ainda fumegassem — depois, muito lentamente, o bicho caiu —, várias toneladas de dragão negro, musculoso, coberto de escamas, desabaram no chão com um baque que, Harry poderia jurar, fizera as árvores atrás dele estremecerem.
Os guardadores de dragões baixaram as varinhas e avançaram até os bichos caídos, cada um destes do tamanho de um morro. Os bruxos se apressaram a esticar as correntes e a prendê-las firmemente em estacas de ferro, que eles enterraram bem fundo no chão, com suas varinhas.
— Quer dar uma olhada de perto? — Hagrid perguntou excitado à Madame Maxime.
Os dois se aproximaram da cerca e Harry os acompanhou. O bruxo que alertara Hagrid para não se aproximar se virou e Harry viu quem era, Carlinhos Weasley.
— Tudo bem, Hagrid? — ofegou ele, aproximando-se para falar. — Devem estar OK agora, demos a eles uma poção para dormir durante a viagem, achei que seria melhor acordarem quando estivesse escuro e tranqüilo, mas, como você viu, eles não ficaram felizes, não ficaram nada felizes...
— Que raças você tem aqui, Carlinhos? — perguntou Hagrid, examinando o dragão mais próximo, o negro, com uma atitude próxima à reverência. Os olhos do bicho ainda estavam ligeiramente abertos.
Harry pôde ver um risco amarelo e brilhante sob a pálpebra enrugada e escura.
— É um Rabo-Córneo húngaro — informou Carlinhos. — Tem um Verde-Galês comum lá adiante, o menor deles, um Focinho Curto sueco, aquele cinzento azulado e o Meteoro-Chinês, aquele outro vermelho.
Carlinhos olhou para o lado, Madame Maxime estava caminhando ao longo do cercado, examinando os dragões estuporados.
— Eu não sabia que você ia trazer ela, Hagrid — disse Carlinhos franzindo a testa. — Os campeões não podem saber o que os espera, ela com certeza vai contar à campeã de Beauxbatons, não vai?
— Só achei que ela gostaria de ver os dragões — respondeu Hagrid encolhendo os ombros, ainda contemplando embevecido os dragões.
— Um encontro realmente romântico, Hagrid — comentou Carlinhos balançando a cabeça.
— Quatro... — contou Hagrid — então é um para cada campeão? Que é que eles vão ter de fazer, lutar com eles?
— Só passar por eles, acho. Estaremos por perto se a coisa ficar feia, prontos para lançar Feitiços de Extinção. Pediram dragões em época de nidificação, não sei o porquê... Mas vou lhe dizer uma coisa, eu não invejo o campeão que pegar o Rabo-Córneo. Bicho feroz. A extremidade de trás é tão perigosa quanto a da frente — olha Carlinhos apontou para o rabo do dragão e Harry viu que, em intervalos de uns poucos centímetros, havia chifrinhos compridos cor de bronze. Cinco dos colegas guardadores de Carlinhos cambaleavam até o Rabo- Córneo naquele momento, transportando, juntos, uma ninhada de ovos em um cobertor. Depositaram sua carga, cuidadosamente, do lado do Rabo-Córneo.
Hagrid deixou escapar um gemido de saudade.
— Eu contei todos, Hagrid — disse Carlinhos com severidade. Depois perguntou: — Como vai o Harry?
— Ótimo — respondeu Hagrid. Continuava a admirar os ovos.
— Faço votos de que continue ótimo depois de enfrentar esses bichos — disse Carlinhos muito sério, contemplando o cercado dos dragões. — Não tive coragem de contar à mamãe qual vai ser a primeira tarefa dele, ela já está tendo gatinhos por antecipação... — Carlinhos imitou a voz ansiosa da mãe: — "Como eles puderam deixá-lo entrar nesse torneio, ele é criança demais! Pensei que estivessem todos seguros, pensei que ia haver um limite de idade!" Ela está se acabando de chorar por causa daquele artigo do Profeta Diário. — "Ele ainda chora a perda dos pais! Ah, que Deus o abençoe, eu não sabia!”
Para Harry já era o bastante. Confiando que Hagrid não sentiria falta dele, com os dragões e Madame Maxime para ocupar sua atenção, ele se virou silenciosamente e começou a caminhar de volta ao castelo.
Não sabia se estava ou não contente de ter visto o que o esperava. Talvez assim fosse melhor. O primeiro choque passara agora. Talvez se visse os dragões pela primeira vez na terça-feira, tivesse caído duro diante de toda a escola... Mas quem sabe desmaiaria assim mesmo... Estaria armado com a varinha — que neste momento lhe parecia apenas uma ripinha de madeira — contra um dragão de quinze metros de altura, coberto de escamas e chifres, que cuspia fogo. E precisava passar pelo bicho. Com todo mundo olhando. Como?
Harry se apressou, contornando a orla da floresta, tinha menos de quinze minutos para chegar à lareira e falar com Sirius, e não se lembrava de ter jamais sentido maior vontade de falar com alguém do que naquele momento — quando, sem aviso, bateu em alguma coisa muito sólida.
Harry caiu de costas, os óculos tortos, apertando a capa em torno do corpo.
Uma voz próxima exclamou:
— Ai! Quem está aí?
Harry verificou depressa se a capa o cobria inteiramente e ficou imóvel, olhando espantado para a silhueta do bruxo com quem colidira. Reconheceu a barbicha... Era Karkaroff.
— Quem está aí? — tornou a perguntar Karkaroff, olhando muito desconfiado para os lados, no escuro. Harry continuou imóvel e calado. Passado pouco mais de um minuto, Karkaroff pareceu ter concluído que batera em algum bicho, olhava para baixo da cintura, como se esperasse ver um cachorro.
Depois tornou a procurar, sorrateiramente, a sombra das árvores, e rumou para o local em que se encontravam os dragões.
Muito lenta e cautelosamente, Harry se levantou e continuou seu caminho, o mais rápido que pôde, sem fazer muito barulho, correndo pela escuridão de volta a Hogwarts.
Não tinha a menor dúvida do que Karkaroff ia fazer. Tinha saído escondido do navio para tentar descobrir qual seria a primeira tarefa, Talvez até tivesse visto Hagrid e Madame Maxime rumando para a Floresta juntos — não era nada difícil identificá-los à distância... E agora só o que Karkaroff precisava fazer era seguir o ruído das vozes e ele, tal como Madame Maxime, saberia o que aguardava os campeões. Pelo jeito, o único campeão que ia enfrentar o desconhecido na terça-feira era Cedrico.
Harry alcançou o castelo, passou despercebido pelas portas de entrada e começou a subir os degraus de mármore; estava muito ofegante, mas não se atrevia a diminuir o passo... Tinha menos de cinco minutos para chegar à lareira...
— Asnice! — ofegou ele para a Mulher Gorda, que tirava um cochilo na moldura do quadro que encobria o buraco.
— Se você assim diz — murmurou ela sonolenta, sem abrir os olhos, e o quadro girou para frente para admitir o garoto. Harry entrou. A sala comunal estava deserta e, a julgar pelo fato de que tinha o cheiro de sempre, Hermione não precisara soltar nenhuma bomba de bosta para garantir que ele e Sirius tivessem alguma privacidade.
Harry tirou a Capa da Invisibilidade e se largou em uma poltrona diante da lareira. A sala estava na penumbra e as chamas eram a única fonte de luz.
Próximo, sobre uma mesa, os distintivos “Apóie CEDRICO DIGGORY” que os Creevey tinham tentado melhorar brilhavam à claridade da lareira. Agora diziam “POTTER REALMENTE FEDE”. Harry tornou a voltar sua atenção para chamas e levou um susto.
A cabeça de Sirius flutuava sobre as chamas. Se Harry não tivesse visto o Sr. Diggory fazer exatamente o mesmo na cozinha do Weasley, teria se apavorado. Em vez disso, seu rosto se iluminou com o primeiro sorriso que dava em dias, ele deixou a poltrona, foi se agachar diante da lareira e disse:
— Sirius, como é que você vai indo?
Sirius tinha a aparência diferente da que Harry se lembrava. Da outra vez, quando se despediram, o rosto do padrinho estava magérrimo e fundo, emoldurado por uma juba de cabelos compridos, negros e embaraçados — mas seus cabelos estavam curtos e limpos agora, o rosto mais cheio e ele parecia mais jovem, e mais semelhante à única fotografia que Harry tinha dele, e que fora tirada no casamento dos Potter.
— Eu não sou importante, como vai você? — perguntou Sirius sério.
— Estou... — Por um segundo, Harry tentou dizer "ótimo", mas não conseguiu.
Antes que pudesse se refrear, estava falando mais do que falara em dias, que ninguém acreditava que não tinha se inscrito no torneio voluntariamente, que Rita Skeeter publicara mentiras sobre ele no Profeta Diário, que não podia andar pelos corredores sem caçoarem dele, e que seu amigo Rony não acreditava nele, e tinha ciúmes... E agora Hagrid acabou de me mostrar qual vai ser a primeira tarefa, e são dragões, Sirius, e estou perdido", terminou ele desesperado.
Sirius observava o garoto com os olhos cheios de preocupação, que ainda conservavam a expressão que Azkaban lhes dera — aquela expressão fantasmagórica e mortiça. Deixara Harry terminar de falar sem interrupção, mas agora disse:
— Dragões a gente pode dar um jeito, Harry, mas falaremos disso em um minuto, não posso me demorar muito aqui... Arrombei uma casa de bruxos para usar a lareira, mas eles podem voltar a qualquer momento. Tem coisas de que preciso alertá-lo.
— Quais? — perguntou Harry, sentindo seu ânimo afundar alguns pontos... Com certeza não poderia haver nada pior do que dragões à espera?
— Karkaroff — disse Sirius. — Harry, ele era um dos Comensais da Morte. Você sabe o que é isso, não sabe?
— Sei, ele... Quê?
— Ele foi apanhado, esteve em Azkaban comigo, mas foi libertado. Aposto o que quiser que foi essa a razão de Dumbledore querer ter um auror em Hogwarts este ano, para ficar de olho nele. Moody foi quem pegou Karkaroff. Foi o primeiro que trancafiou em Azkaban.
— Karkaroff foi libertado? — perguntou o garoto lentamente, seu cérebro parecia estar lutando para absorver mais uma informação chocante. — Por que foi que libertaram ele?
— Ele fez um acordo com o Ministério da Magia — disse Sirius amargurado. –Ele fez uma declaração admitindo que errara e então revelou nomes... E mandou uma porção de outras pessoas para Azkaban em lugar dele... Ele não é muito popular por lá, isso eu posso afirmar. E desde que saiu, pelo que sei, tem ensinado Artes das Trevas a cada estudante que passa pela escola dele. Por isso tenha cuidado com o campeão de Durmstrang também.
— OK — disse Harry devagar. — Mas... Você está dizendo que Karkaroff pôs meu nome no Cálice? Porque se fez isso, ele é realmente um bom ator. Parecia furioso com o acontecido. Queria me impedir de competir.
— Sabemos que ele é um bom ator — respondeu Sirius — porque convenceu o Ministério da Magia a libertá-lo, não é? Agora, tenho acompanhado o Profeta Diário, Harry...
— Você e o resto do mundo — disse o garoto com amargura.
— ... E lendo nas entrelinhas do artigo que aquela tal de Skeeter publicou no mês passado, Moody foi atacado na véspera de se apresentar para trabalhar em Hogwarts. É, sei que ela diz que foi mais um alarme falso — acrescentou Sirius depressa, ao ver Harry fazer menção de falar —, mas tenho a impressão de que não foi. Acho que alguém tentou impedi-lo de chegar a Hogwarts. Acho que alguém sabia que seria muito mais difícil agir com ele por perto. E ninguém vai investigar muito. Olho-Tonto andou ouvindo estranhos, vezes demais. Mas isto não significa que tenha se tornado incapaz de identificar a coisa verdadeira. Moody foi o melhor auror que o Ministério já teve.
— Então... Que é que você está me dizendo? — perguntou o garoto hesitante.
— Karkaroff vai tentar me matar? Mas... Por quê?
Sirius hesitou.
— Tenho ouvido coisas muito estranhas — disse pausadamente. — Os Comensais da Morte parecem andar um pouco mais ativos do que o normal ultimamente. Mostraram-se publicamente na Copa Mundial de Quadribol, não foi? Alguém projetou a Marca Negra no céu... E, além disso, você ouviu falar na bruxa do Ministério da Magia que está desaparecida?
— Berta Jorkins?
— Exatamente... Ela desapareceu na Albânia, e sem dúvida foi lá que diziam ter visto Voldemort pela última vez... E ela saberia que ia haver um Torneio Tribruxo, não é?
— É, mas... Não é muito provável que ela tivesse dado de cara com Voldemort, ou é?
— Ouça, eu conheci Berta Jorkins — disse Sirius sério. — Esteve em Hogwarts no meu tempo, alguns anos mais adiantada do que seu pai e eu. E era uma idiota. Muito bisbilhoteira, mas completamente desmiolada. Não é uma boa combinação, Harry. Eu diria que ela poderia ser facilmente atraída para uma arapuca.
— Então... Então Voldemort poderia ter descoberto tudo sobre o torneio? É isso que você quer dizer? Você acha que Karkaroff poderia estar aqui por ordem dele?
— Não sei — disse Sirius lentamente. — Não sei... Karkaroff não me parece o tipo que voltaria para Voldemort a não ser que soubesse que o lorde teria poder suficiente para protegê-lo. Mas quem pos o seu nome no Cálice de Fogo fez isso de caso pensado, e não posso deixar de achar que o torneio seria uma boa ocasião para atacar você e fazer parecer que foi um acidente.
— Até onde posso ver, parece um plano muito bom — disse Harry desolado. — Só precisam sentar–se e esperar que os dragões façam o serviço por eles.
— Certo... Esses dragões — disse Sirius, falando agora muito rapidamente. -Tem um jeito, Harry. Não ceda à tentação de usar um Feitiço Estuporante, os dragões são fortes, e têm demasiado poder mágico para serem nocauteados por um único feitiço. É preciso meia dúzia de bruxos para dominar um dragão...
— É, eu sei, acabei de ver — disse Harry.
— Mas você pode dar conta sozinho — disse Sirius. — Tem um jeito e só precisa de um feitiço simples. Basta...
Mas Harry ergueu a mão para silenciá-lo, seu coração disparara subitamente como se quisesse explodir. Ouvira passos que desciam a escada circular às costas dele.
— Vá! — sibilou Sirius. — Vá! Tem alguém chegando!
Harry levantou-se depressa, escondendo as chamas com o corpo — se alguém visse o rosto de Sirius entre as paredes de Hogwarts, faria um estardalhaço dos diabos — o Ministério seria chamado, ele, Harry, seria interrogado sobre o paradeiro de Sirius...
O garoto ouviu um estalido nas chamas atrás dele e soube que Sirius se fora — observou a escada circular —, quem teria resolvido dar um passeio a uma hora da manhã e impedira Sirius de lhe dizer como passar por um dragão?
Era Rony. Vestido com seu pijama marrom estampado de plumas, ele parou de chofre ao ver Harry do lado oposto da sala e olhou para os lados.
— Com quem você estava falando? — perguntou.
— E isso é da sua conta? — rosnou Harry. — Que é que você está fazendo aqui embaixo a essa hora da noite?
— Fiquei imaginando onde você... — E parou, encolhendo os ombros. — Nada, vou voltar para a cama.
— Achou que poderia vir bisbilhotar, não foi? — gritou Harry. Ele sabia que Rony sequer fazia idéia do que encontraria, sabia que não fizera de propósito, mas não estava ligando, naquele momento ele odiou tudo em Rony, até o pedaço de tornozelo que aparecia por baixo das calças do pijama.
— Sinto muito — disse Rony, ficando vermelho de raiva. — Eu devia ter percebido que você não queria ser perturbado. Vou deixar você continuar praticando em paz para a próxima entrevista.
Harry apanhou um dos distintivos ‘POTTER REALMENTE FEDE” da mesa e atirou-o com toda a força para o outro lado da sala. O distintivo acertou Rony na testa e ele cambaleou.
— Toma — disse Harry. — Uma coisa para você usar na terça-feira. Quem sabe você até arranja uma cicatriz agora, se tiver sorte... É o que você quer, não é?
E atravessou a sala, decidido, em direção à escada, de certa forma esperou que Rony o detivesse, teria até gostado que ele lhe tivesse dado um soco, mas ele ficou parado ali naquele pijama demasiado pequeno e Harry, tendo subido a escada furioso, ficou deitado na cama sem dormir, por muito tempo, mas não ouviu Rony vir se deitar.
CAPÍTULO VINTE
A Primeira Tarefa
Harry levantou-se na manhã de domingo e se vestiu tão distraidamente que levou algum tempo para perceber que estava tentando calçar o chapéu no pé em vez da meia.
Quando finalmente conseguiu pôr cada peça de roupa na parte certa do corpo, saiu correndo à procura de Hermione, encontrando-a à mesa da Grifinória no Salão Principal, onde ela tomava café da manhã com Gina. Sentindo-se demasiado enjoado para comer, Harry esperou até Hermione terminar a última colherada de mingau de aveia, depois a arrastou para darem outro passeio. Nos jardins, contou-lhe tudo sobre os dragões e tudo sobre o que Sirius dissera, durante o longo passeio à volta do lago.
Mesmo alarmada com o que ouvia sobre os avisos de Sirius a respeito de Karkaroff, a garota continuou achando que os dragões eram o problema mais premente.
— Vamos só tentar manter você vivo até a noite de terça-feira — disse desesperada —, depois podemos nos preocupar com Karkaroff.
Deram três voltas no lago, tentando pensar em um feitiço simples para dominar o dragão. Nada, porém, lhes ocorreu, de modo que se recolheram à biblioteca. Ali, Harry baixou cada livro que conseguiu encontrar sobre dragões e os dois começaram a pesquisar uma grande pilha de livros.
— O corte mágico de unhas... O tratamento da podridão de escamas... Isto não serve, isto é para gente biruta feito o Hagrid que quer criar dragões saudáveis...
— Os dragões são extremamente difíceis de matar, graças à magia muito antiga que impregna seu grosso couro, que nenhum, exceto os feitiços mais poderosos são capazes de penetrar... Mas Sirius disse que um feitiço simples funcionaria...
— Vamos tentar alguns livros de feitiços simples, então, disse Harry, deixando de lado Homens Aficionados Por Dragões.
Ele voltou à mesa com uma pilha de livros de feitiços, descansou-os e começou a folhear um a um, com Hermione cochichando sem parar ao seu lado.
— Bom, tem Feitiços de Substituição... Mas qual é a vantagem de substituir um dragão? A não ser que a pessoa substitua as presas dele por gengivas ou outra coisa qualquer para torná-las inofensivas... O problema é que, como diz o livro, muito pouca coisa atravessa o couro de um dragão... Eu diria: transfigure o bicho, mas com uma coisa daquele tamanho, a gente realmente não tem a menor esperança, duvido até que a Professora Minerva... A não ser que a pessoa lance o feitiço nela mesma? Talvez dar a si mesma poderes extraordinários? Mas isso não é um feitiço simples, quero dizer, ainda não estudamos nenhum desses em aula, só sei que existem porque ando fazendo provas simuladas para os N.O.M.’s...
— Hermione — disse Harry entre dentes —, quer calar a boca um instante, por favor? Estou tentando me concentrar.
Mas só o que aconteceu quando a garota se calou foi que o cérebro de Harry se encheu com uma espécie de zumbido indistinto, que parecia não deixar espaço para concentração. Ele olhou desalentado para o índice de Azarações Básicas para os Ocupados e Aflitos: Escalpos Instantâneos... Mas dragões não tinham cabelos... Bafo de Pimenta... Isso provavelmente aumentaria o poder de fogo do dragão... Língua de Espinhos... Exatamente o que ele precisava, dar ao dragão mais uma arma...
— Ah, não, lá vem ele outra vez, por que é que ele não pode ler naquele navio idiota — exclamou Hermione irritada, quando Vítor Krum entrou daquele seu jeito curvado, lançou um olhar carrancudo para os dois e se sentou num canto distante com uma pilha de livros. — Vamos, Harry, vamos voltar para a sala comunal... O fã clube dele não vai demorar, chilreando sem parar...
E não deu outra, quando iam saindo da biblioteca, um grupo de garotas passou por eles nas pontas dos pés, uma delas usando um lenço da Bulgária amarrado à cintura.
Harry mal chegou a dormir àquela noite. Quando acordou na manhã de segunda-feira, ele pensou seriamente, pela primeira vez na vida, em fugir de Hogwarts. Mas quando correu o olhar pelo Salão Principal, na hora do café da manhã, e pensou no que significava abandonar o castelo, compreendeu que não poderia fazer isso. Era o único lugar em que fora feliz... Bem, ele supunha que devia ter sido feliz em companhia dos pais, também, mas não seria capaz de lembrar.
Por alguma razão, a consciência de que preferia estar ali e ter de encarar um dragão a voltar à Rua dos Alfeneiros com Duda foi uma coisa boa, e fez com que se sentisse ligeiramente mais calmo.
Terminou de comer o bacon com esforço (a garganta não estava funcionando muito bem), e quando se levantou com Hermione, ele viu Cedrico Diggory deixando a mesa da Lufa-Lufa.
Cedrico ainda não sabia dos dragões... O único campeão que não sabia, se Harry estivesse certo em pensar que Maxime e Karkaroff teriam informado a Fleur e Krum...
— Mione, vejo você nas estufas — disse ele, tomando uma decisão ao ver Cedrico saindo do salão. — Vai andando, eu alcanço você.
— Harry você vai se atrasar, a sineta já vai tocar...
— Eu alcanço você, OK?
Quando Harry chegou ao pé da escadaria de mármore, Cedrico já estava no topo. Ia acompanhado de um monte de amigos do sexto ano. Harry não queria falar com o campeão na frente deles, faziam parte do grupo que andara citando o artigo de Rita Skeeter, em voz alta, todas as vezes que ele se aproximava.
Seguiu, então, Cedrico à distância e viu que o garoto ia em direção ao corredor da classe de Feitiços. Isto deu a Harry uma idéia. Parando a uma certa distância deles, puxou a varinha e mirou com cuidado.
— Diffindo!
A mochila de Cedrico se rompeu. Pergaminhos, penas e livros se espalharam pelo chão. Vários tinteiros se quebraram.
— Não se preocupem — disse Cedrico em tom irritado, quando os amigos se abaixaram para ajudá-lo —, digam a Flitwick que estou chegando, vão indo...
Isto era exatamente o que Harry esperava que acontecesse. Ele tornou a guardar a varinha nas vestes, esperou até que os amigos de Cedrico desaparecessem na sala de aula e entrou depressa no corredor, agora vazio, exceto por ele e Cedrico.
— Oi — disse Cedrico, apanhando um exemplar de Um Guia de Transformação Avançada, manchado de tinta. — Minha mochila simplesmente se rompeu... Nova em folha...
— Cedrico — disse Harry —, a primeira tarefa vão ser dragões.
— Quê? — exclamou Cedrico, erguendo a cabeça.
— Dragões — disse Harry depressa, caso o Professor Flitwick saísse para ver onde andava Cedrico. — São quatro, um para cada um de nós, e vamos ter que passar por eles.
Cedrico arregalou os olhos. Harry viu um pouco do pânico que andara sentindo desde o sábado à noite passar pelos olhos cinzentos do colega.
— Tem certeza? — perguntou numa voz abafada.
— Absoluta. Eu vi.
— Mas como foi que você descobriu? Não devíamos saber...
— Não importa — disse Harry depressa, sabia que Hagrid estaria em apuros se ele dissesse a verdade. — Mas eu não sou o único que sabe. Fleur e Krum a essa hora também já sabem, Maxime e Karkaroff viram os dragões, também.
Cedrico se levantou, os braços cheios de penas, pergaminhos e livros sujos de tinta, a bolsa rasgada pendurada em um ombro. Fitou Harry atentamente e havia uma expressão intrigada, quase desconfiada em seus olhos.
— Por que é que você está me dizendo isso? — perguntou.
Harry olhou-o sem acreditar. Tinha certeza de que Cedrico não faria uma pergunta dessas se ele próprio tivesse visto os dragões. Harry não teria deixado seu pior inimigo despreparado para enfrentar aqueles monstros — bom, talvez Malfoy ou Snape...
— Não seria... Justo, não acha? — disse ele a Cedrico. — Agora todos sabemos... Estamos em pé de igualdade, não é?
Cedrico continuava a olhar o garoto com um ar ligeiramente desconfiado quando Harry ouviu um conhecido toque-toque as suas costas. Virou-se e viu Olho-Tonto Moody saindo de uma sala próxima.
— Venha comigo, Potter — rosnou o professor. — Diggory, pode ir andando.
Harry olhou preocupado para Moody. Será que o professor ouvira os dois?
— Hum... Professor, eu devia estar na aula de Herbologia...
— Esqueça, Potter. Na minha sala, por favor...
Harry acompanhou-o, se perguntando o que iria lhe acontecer agora. E se Moody quisesse saber como ele descobrira a respeito dos dragões? Será que iria procurar Dumbledore e denunciar Hagrid ou simplesmente transformar Harry numa doninha? Bom, seria mais fácil passar por um dragão se ele fosse uma doninha, pensou Harry sem emoção, ficaria bem menor, muito mais difícil de enxergar de uma altura de quinze metros...
Harry acompanhou Moody à sua sala. O professor fechou a porta ao passarem e se virou para encarar Harry, o olho mágico fixo nele ao mesmo tempo que o olho normal.
— Foi uma coisa muito decente o que você acabou de fazer, Potter — disse Moody baixinho. O garoto não soube o que responder; não era a reação que esperara. — Sente-se — disse o professor, e o garoto se sentou, espiando para os lados.
Visitara essa sala na época dos seus dois ocupantes anteriores. Na do Professor Lockhart, as paredes eram cobertas de fotos em que o professor sorria e piscava um olho. Quando Lupin a ocupara, era mais provável a pessoa deparar com um espécime fascinante de alguma criatura das trevas que ele arranjara para os alunos estudarem em aula. Agora, no entanto, a sala estava apinhada com um número excepcional de objetos estranhos que, supunha Harry, Moody usara na época em que fora auror.
Sobre a escrivaninha havia algo que parecia um grande pião de vidro rachado; Harry reconheceu imediatamente o bisbilhoscópio, porque ele próprio era dono de um, embora muito menor do que o de Moody. A um canto, sobre uma mesinha, havia um objeto que lembrava uma antena dourada de televisão e não parava de girar. Zumbia levemente. Havia algo que lembrava um espelho pendurado na parede oposta a Harry, mas não refletia a sala. Vultos escuros se moviam por ele, nenhum realmente em foco.
— Gosta dos meus detectores de presença das trevas? — perguntou Moody, que observava Harry atentamente.
— Que é aquilo? — perguntou o garoto, apontando para a antena dourada de televisão.
— Sensor de segredos. Vibra quando detecta alguma coisa oculta ou falsa... Não funciona aqui, é claro, há interferência demais, estudantes para todos os lados mentindo para justificar por que não fizeram os deveres. Anda zumbindo desde que cheguei. Tive que desligar o meu bisbilhoscópio porque ele não parava de apitar. É extra-sensível, capta qualquer coisa num raio de um quilômetro e meio. Naturalmente, poderia estar captando mais do que mentiras infantis — acrescentou com um rosnado.
— E para que serve o espelho?
— Ah, é o meu Espelho-de-Inimigos. Está vendo eles ali, rondando? Não estou realmente em perigo até enxergar o branco dos olhos deles. É aí que abro o meu baú.
Ele soltou uma gargalhada breve e rouca e apontou para um grande baú sob uma janela. Tinha sete fechaduras alinhadas. Harry ficou imaginando o que haveria ali, até que a pergunta seguinte do professor o trouxe bruscamente à terra.
— Então... Descobriu a respeito dos dragões?
Harry hesitou. Receara isso — mas não contara a Cedrico e certamente não iria contar a Moody que Hagrid infringira o regulamento.
— Tudo bem — disse Moody, sentando-se e esticando a perna de pau com um gemido. — Tradicionalmente trapacear sempre fez parte do Torneio Tribruxo.
— Eu não trapaceei — disse Harry com veemência. — Foi... Descobri meio por acaso.
Moody sorriu.
— Não estou acusando-o, menino. Venho dizendo a Dumbledore, desde o começo, que ele pode ter os princípios elevados que quiser, mas pode apostar que o velho Karkaroff e Maxime não os terão. Devem ter dito aos seus campeões tudo o que puderam. Querem ganhar. Querem vencer Dumbledore. Gostariam de provar que ele é apenas humano.
Moody deu aquela sua risada rouca e seu olho mágico girou tão rápido que fez Harry se sentir tonto só de ver.
— Então... Já tem alguma idéia de como vai conseguir passar pelo dragão? — perguntou Moody.
— Não.
— Bom, eu não vou lhe dizer — afirmou o professor com rispidez —, não demonstro favoritismos, eu. Mas vou-lhe dar uns bons conselhos de ordem geral. O primeiro é: explore os seus pontos fortes.
— Não tenho pontos fortes — disse Harry, antes que pudesse se conter.
— Perdão — rosnou Moody —, você tem pontos fortes se eu digo que os tem. Pense um pouco. Que é que você sabe fazer melhor?
Harry tentou se concentrar. No que é que ele era melhor? Bom, isso era realmente fácil...
— Quadribol — disse sem emoção — é uma grande ajuda...
— Certo — disse Moody mirando-o com muita severidade, o olho mágico mal se mexendo. — Você é um grande piloto, pelo que ouvi falar.
— É, mas... — Harry encarou-o. — Mas não posso usar a vassoura, só tenho a varinha...
— Meu segundo conselho de ordem geral — disse Moody em voz alta, interrompendo-o — é usar um feitiço bom e simples que lhe permita conseguir o que precisa.
Harry olhou para ele sem entender. Do que é que precisava?
— Vamos moleque... — sussurrou Moody. — Some dois mais dois... Não é tão difícil assim...
E fez-se a luz. O que ele fazia melhor era voar. Precisava passar pelo dragão pelo ar. Para isso, precisava da Firebolt. E para ter a Firebolt ele precisava...
— Mione — murmurou Harry, depois de correr para a estufa três minutos mais tarde, e balbuciar uma desculpa ao passar pela Professora Sprout —, Mione, preciso de sua ajuda.
— Que é que você acha que estive tentando fazer, Harry? — murmurou ela em resposta, os olhos arregalados de ansiedade por cima de um agitado arbusto tremulante que estava podando.
— Mione, preciso aprender a fazer um Feitiço Convocatório corretamente até amanhã de tarde.
E assim os dois treinaram. Não almoçaram, em vez disso foram para uma sala de aula vazia, onde Harry tentou com todo o empenho fazer vários objetos voarem pela sala até ele. Ainda não estava bom. Os livros e penas continuavam a perder o embalo no meio da sala e cair como pedras no chão.
— Concentre-se, Harry, concentre-se...
— Que é que você acha que eu estou tentando fazer? — perguntou Harry zangado. — Uma porcaria de um dragão não pára de aparecer na minha cabeça, sei lá o porquê... OK, Mione, tenta outra vez...
Ele queria faltar à aula de Adivinhação para continuar treinando, mas Hermione se recusou categoricamente a matar a aula de Aritmancia, e não adiantava ficar lá sem ela. Portanto, Harry teve que aturar mais de uma hora a Professora Sibila Trelawney, que passou metade desse tempo dizendo a todos que a posição de Marte com relação a Saturno, naquele momento, significava que as pessoas nascidas em julho corriam um grande perigo de sofrer uma morte súbita e violenta.
— Que bom — disse Harry em voz alta, a raiva levando a melhor —, desde que não seja demorada, porque não quero sofrer.
Por um momento pareceu que Rony ia rir; sem dúvida seu olhar encontrou o de Harry pela primeira vez em dias, mas este continuava muito magoado com o amigo para se importar. Harry passou o resto da aula tentando atrair, com a varinha, pequenos objetos para si, por baixo da mesa. Conseguiu fazer uma mosca disparar direto para a sua mão, embora não tivesse total certeza de que aquilo resultasse de sua perícia com os Feitiços Convocatórios — talvez a mosca fosse apenas burra.
Ele forçou um pouco de jantar para dentro depois da aula de Adivinhação, e em seguida voltou à sala vazia com Hermione, usando a Capa da Invisibilidade para evitar os professores. Os dois continuaram a treinar até depois da meia-noite.
Teriam demorado mais, mas Pirraça apareceu e, fingindo achar que Harry queria que lhe atirassem coisas, começou a arremessar cadeiras pela sala. Os dois garotos tiveram que sair depressa antes que o barulho atraísse Filch, e voltaram à sala comunal da Grifinória, que àquela hora felizmente estava vazia.
Às duas da manhã, Harry estava ao pé da lareira, cercado por uma montanha de objetos — livros, penas, várias cadeiras viradas, um velho jogo de bexigas e o sapo de Neville, Trevo. Somente na última hora ele, realmente, pegara o jeito dos Feitiços Convocatórios.
— Está melhor, Harry, está muito melhor — disse Hermione, parecendo exausta, porém muito satisfeita.
— Bom, agora sabemos o que fazer na próxima vez que não conseguirmos lançar um feitiço — disse Harry, atirando um dicionário de runas para Hermione, para que pudesse tentar mais uma vez —, me ameace com um dragão. Certo... — Ele ergueu a varinha novamente. — Accio dicionário!
O pesado livro voou da mão de Hermione, atravessou a sala e Harry o aparou.
— Harry, sinceramente acho que você pegou o jeito! — exclamou a garota, encantada.
— Desde que funcione amanhã — disse Harry. — A Firebolt vai estar muito mais longe do que essas coisas aqui, vai estar no castelo e eu vou estar lá fora nos jardins...
— Não faz diferença — disse Hermione com firmeza. — Desde que você se concentre para valer, realmente para valer, ela chega lá. Harry, é melhor dormirmos um pouco... Você vai precisar estar descansado.
Harry se concentrara com tanto empenho para aprender os Feitiços Convocatórios aquela noite que parte do seu pânico irracional o deixara. Voltou, contudo, com força total, na manhã seguinte. A atmosfera na escola era de grande tensão e excitação. As aulas iam ser interrompidas ao meio-dia, dando a todos os estudantes tempo para descer até o cercado dos dragões — embora, é claro, eles ainda não soubessem o que encontrariam lá.
Harry se sentiu estranhamente isolado de todos à sua volta, tanto dos que lhe desejavam boa sorte quanto dos que o vaiavam.
— Vamos levar uma caixa de lenços de papel, Potter — diziam ao passar.
Era um nervosismo tão intenso que ele ficou imaginando se poderia perder a cabeça quando tentassem conduzi-lo ao dragão e ele começasse a xingar todo mundo que estivesse à vista.
O tempo estava mais esquisito que nunca, transcorria em grandes lapsos, de modo que num momento Harry estava sentado assistindo à primeira aula, História da Magia, e, no momento seguinte, saindo para almoçar... Depois (aonde fora a manhã? As últimas horas sem dragão?) a Professora Minerva corria para ele no Salão Principal. Um montão de gente estava olhando.
— Potter, os campeões têm que descer para os jardins agora... Você tem que se preparar para a primeira tarefa.
— OK — disse Harry, se levantando e deixando cair o garfo no prato, com estrépito.
— Boa sorte — sussurrou Hermione. — Você vai se sair bem!
— Ah, vou! — exclamou Harry, com uma voz que nem parecia a dele.
O garoto deixou o Salão Principal com a Professora Minerva, que também não parecia a pessoa de sempre, de fato, parecia quase tão ansiosa quanto Hermione.
Ao conduzi-lo pelos degraus de pedra para a fria tarde de novembro, ela pôs a mão no ombro do garoto.
— Agora, não entre em pânico — disse ela —, mantenha a cabeça fria... Temos bruxos à mão para resolver a situação se ela se descontrolar... O principal é você fazer o melhor que puder e ninguém vai passar a pensar mal de você por isso... Você está bem?
— Estou — Harry ouviu-se dizendo. — Estou ótimo.
Ela o conduzia ao lugar onde estavam os dragões, margeando a Floresta, mas quando se aproximaram do arvoredo por trás do qual o cercado estaria claramente visível, Harry viu que haviam armado uma barraca, com a entrada voltada para quem chegava, que impedia a visão dos dragões.
— Você deve entrar aí com os outros campeões — disse a Professora McGonagall, com a voz um tanto trêmula — e esperar a sua vez, Potter. O Sr. Bagman está aí dentro... Ele lhe dirá como... Proceder... Boa sorte.
— Obrigado — disse Harry, numa voz distante e sem emoção. A professora o deixou à entrada da barraca. Ele entrou.
Fleur Delacour estava sentada a um canto, em um banquinho baixo de madeira. Não parecia nem de longe a garota habitualmente composta, parecia um tanto pálida e suada. Vítor Krum parecia ainda mais carrancudo do que de hábito, o que fez Harry supor que aquela era a sua maneira de demonstrar nervosismo.
Cedrico andava para lá e para cá. Quando Harry entrou, ele deu ao garoto um breve sorriso, que Harry retribuiu, sentindo os músculos do rosto fazerem muita força como se não soubessem mais sorrir.
— Harry! Que bom! — exclamou Bagman alegremente, virando-se para olhá-lo.
— Entre, entre, fique à vontade!
Bagman por alguma razão parecia um personagem de quadrinhos grande demais, parado ali entre os campeões pálidos. Trajava as antigas vestes do Wasp.
— Bom, agora estamos todos aqui, hora de dar a vocês informações mais detalhadas! — disse ele animado. — Quando os espectadores acabarem de chegar, vou oferecer a cada um de vocês este saco — ele mostrou um saquinho de seda púrpura e sacudiu-o diante dos garotos —, do qual vocês irão tirar uma miniatura da coisa que terão de enfrentar! São diferentes... Hum... As variedades, entendem. E preciso dizer mais uma coisa... Ah, sim... Sua tarefa será apanhar o ovo de ouro!
Harry olhou à sua volta. Cedrico acenou a cabeça para indicar que compreendera as palavras de Bagman, e então recomeçara a andar pela barraca, parecia ligeiramente esverdeado. Fleur Delacour e Krum não tiveram a menor reação. Talvez achassem que iriam vomitar se abrissem a boca, sem dúvida essa era a sensação do próprio Harry.
Mas pelo menos os outros tinham se voluntariado para ser campeões... E pouco depois, ouviram-se centenas e mais centenas de pés passando pela barraca, seus donos excitados, dando risadas e fazendo piadas... Harry se sentiu tão isolado da multidão como se pertencesse a uma espécie diferente. Então — lhe pareceu que transcorrera apenas um segundo — Bagman estava abrindo a boca do saquinho púrpura.
— Primeiro as damas — disse ele, oferecendo-o a Fleur Delacour. Ela enfiou a mão trêmula no saquinho e retirou uma minúscula e perfeita figurinha de dragão: um Verde-Galês. Tinha o número "dois" pendurado ao pescoço. E Harry percebeu, pelo fato de Fleur não ter demonstrado o menor sinal de surpresa, mas, ao contrário, uma decidida resignação, que ele concluíra certo: Madame Maxime contara à garota o que a aguardava.
O mesmo se aplicava a Krum. Ele tirou o Meteoro-Chinês vermelho. Tinha o número "três" pendurado ao pescoço. Ele sequer piscou, apenas olhou para o chão.
Cedrico enfiou a mão no saquinho e retirou o Focinho-Curto sueco cinza-azulado, o número um pendurado no pescoço. Sabendo o que sobrara, Harry meteu a mão no saquinho de seda e tirou o Rabo-Córneo húngaro e o número "quatro". O dragão abriu as asas quando o garoto o olhou e arreganhou os dentes minúsculos.
— Bom, então está decidido! — disse Bagman. — Cada um de vocês sorteou o dragão que irá enfrentar e a ordem em que cada um fará isso, entendem? Agora, vou precisar deixá-los por um momento, porque vou fazer a irradiação. Sr. Diggory o senhor é o primeiro, só o que tem a fazer é entrar no cercado quando ouvir o apito, certo? Agora... Harry... Posso dar uma palavrinha com você? Lá fora?
— Hum... Sim senhor — disse Harry sem emoção e se levantou e saiu da barraca com Bagman, que andou uma pequena distância até o arvoredo e se virou, então, para o garoto com uma expressão paternal no rosto.
— Está se sentindo bem, Harry? Posso buscar alguma coisa para você?
— Quê? Não... Não, nada.
— Você tem um plano? — disse Bagman, baixando a voz como se conspirasse. — Porque não me importo de lhe dar algumas dicas. Se quiser, sabe. Quero dizer — continuou Bagman baixando ainda mais a voz — você é a vítima aqui, Harry... Qualquer coisa que eu puder fazer para ajudar...
— Não — disse Harry, tão depressa que percebeu imediatamente que parecera grosseiro — não... Eu... Eu já decidi o que vou fazer, obrigado.
— Ninguém iria saber, Harry — disse Bagman com uma piscadela.
— Não, estou ótimo — respondeu o garoto se perguntando por que não parava de dizer isso a todo mundo e se algum dia estivera tão longe do ótimo. — Já tenho um plano, eu...
Um apito soou em algum lugar.
— Meu bom Deus, tenho que correr! — disse Bagman assustado. E saiu com pressa.
Harry voltou à barraca e viu Cedrico saindo, mais verde que nunca. Harry tentou desejar boa sorte quando ele passou, mas o que saiu de sua boca foi uma espécie de rosnado rouco.
Harry voltou para a companhia de Fleur e Krum. Segundos mais tarde, ouviu os berros dos espectadores, o que significava que Cedrico entrara no cercado, e agora estava cara a cara com o modelo vivo de sua figurinha...
Foi pior do que Harry poderia ter imaginado, ficar sentado ali escutando. A multidão gritava... Urrava... Exclamava como uma entidade única de muitas cabeças, enquanto Cedrico fazia o que quer que estivesse fazendo para tentar passar pelo Focinho-Curto sueco. Krum continuava a olhar para o chão.
Fleur agora passara a refazer os passos de Cedrico, dando voltas na barraca. E os comentários de Bagman tornavam tudo muito pior... Imagens horrendas se formaram na mente de Harry, quando ele ouviu: "Aaah, por um triz, por muito pouco"... "Ele está se arriscando, o campeão!"... "Boa tentativa, pena que não deu resultado!”
Então, uns quinze minutos depois, Harry ouviu um urro ensurdecedor que só poderia significar uma coisa: Cedrico conseguira passar pelo dragão e se apoderara do ovo de ouro.
— Realmente muito bom! — gritou Bagman. — E agora as notas dos juizes!
Mas ele não irradiou as notas, Harry supôs que os juizes estivessem erguendo as notas no alto para mostrá-las à multidão.
— Um a menos, faltam três! — berrou Bagman, quando o apito tornou a tocar.
— Senhorita Delacour, queira fazer o favor!
Fleur tremia da cabeça aos pés, Harry sentiu mais simpatia por ela do que sentira até então, quando a viu deixando a barraca com a cabeça erguida e a mão apertando a varinha. Ele e Krum ficaram a sós, em lados opostos da barraca, evitando se olhar. Recomeçou o mesmo processo...
— Ah, não tenho muita certeza se isto foi sensato! — os dois ouviam Bagman dizer animadamente. — Ah... quase! Cuidado agora... meu bom Deus, pensei que já tinha apanhado!
Dez minutos depois, Harry ouviu a multidão prorromper em aplausos mais uma vez... Fleur devia ter sido bem-sucedida também. Uma pausa, enquanto os juizes mostravam as notas de Fleur... Mais palmas... Então, pela terceira vez, o apito.
— E aí vem o Sr. Krum! — exclamou Bagman e o garoto saiu curvado, deixando Harry completamente só. Sentia-se muito mais consciente do seu corpo do que normalmente; consciente de que seu coração batia acelerado e seus dedos formigavam de medo... Mas, ao mesmo tempo, ele parecia estar fora do próprio corpo, vendo as paredes da barraca e ouvindo a multidão, como se estivesse muito longe...
— Muito ousado! — berrava Bagman e Harry ouviu o Meteoro Chinês soltar um poderoso e terrível urro, enquanto a multidão prendia a respiração em uníssono.
— Que sangue-frio ele está demonstrando... E... Sim, senhores, ele apanhou o ovo!
Os aplausos romperam o ar invernal como se espatifassem uma vidraça, Krum terminara — seria a vez de Harry a qualquer momento.
Harry se levantou, reparando vagamente que suas pernas pareciam feitas de marshmalow. Ele aguardou. Então ouviu o apito tocar. Cruzou, então, a entrada da barraca, o pânico se avolumando dentro dele. E agora, estava passando pelas árvores e atravessando uma abertura na cerca.
O garoto via tudo diante de si como em um sonho berrantemente colorido.
Havia centenas e mais centenas de rostos nas arquibancadas que o olhavam, que tinham se materializado desde a última vez que ele estivera naquele lugar. E havia o Rabo-Córneo do outro lado do cercado, deitado sobre sua ninhada de ovos, a asas meio fechadas, os olhos amarelos e malignos fixos nele, um lagarto negro, monstruoso e coberto de escamas, sacudindo com força o rabo de chifres, que deixava marcas de um metro de comprimento escavadas no chão duro. A multidão fazia uma barulheira infernal, mas se era simpática ou não a ele, Harry não sabia nem importava. Era hora de fazer o que tinha de fazer... focalizar a mente, inteira e absolutamente, na coisa que era sua única chance...
Ele ergueu a varinha.
— Accio Firebolt!— gritou.
Então, esperou, cada fibra de seu corpo desejando, pedindo... Se não funcionasse... Se não estivesse a caminho... Ele parecia contemplar as coisas à sua volta através de uma barreira transparente luminosa, como uma névoa de vapor quente, que fazia as centenas de rostos que o rodeavam flutuar estranhamente...
Então ele a ouviu, cortando o ar às suas costas; ele se virou e a Firebolt disparando em sua direção, começando a sobrevoar a floresta, chegando ao cercado e estacando imóvel no ar, aguardando que ele a montasse. A multidão fez ainda mais estardalhaço. Bagman gritou alguma coisa... Mas os ouvidos de Harry não estavam mais ouvindo bem... Ouvir não era importante...
Ele passou a perna por cima da vassoura e deu impulso contra o chão. Um segundo depois, uma coisa milagrosa aconteceu... À medida que ele ganhava altura, à medida que o vento passava rumorejando entre seus cabelos, à medida que os rostos da multidão se transformavam em meros pontinhos cor-de-carne lá em baixo e o Rabo-Córneo se reduzia ao tamanho de um cão, ele percebeu que deixara atrás de si, não somente o chão, mas também medo... Ele estava de volta ao lugar a que pertencia...
Era apenas mais uma partida de Quadribol, nada mais... Apenas mais uma partida de Quadribol, e aquele dragão era apenas mais um time adversário indigesto...
Ele olhou para a ninhada de ovos e localizou o ovo de ouro brilhando entre os demais cor de cimento, agrupados em segurança entre as pernas dianteiras do bicho.
— OK — Harry disse a si mesmo —, uma tática diversiva... Vamos...
E mergulhou. A cabeça do Rabo-Córneo o acompanhou, o garoto sabia o que ia fazer, e se recuperou do mergulho bem na hora, um jorro de fogo fora cuspido exatamente no ponto em que ele estaria se não tivesse se desviado... Mas Harry não se importou... Aquilo era o mesmo que se desviar de um balaço...
— Nossa, como ele sabe voar! — berrou Bagman, enquanto a multidão gritava e exclamava. — O senhor está assistindo a isso, Sr. Krum?
Harry voou mais alto descrevendo um círculo, o Rabo-Córneo continuava acompanhando o progresso do garoto, sua cabeça girava sobre o longo pescoço — se continuasse a fazer isso, ia ficar bem enjoadinho, mas era melhor não insistir muito ou o bicho iria recomeçar a cuspir fogo...
Harry se deixou afundar rapidamente na hora em que o dragão abriu a boca, mas desta vez teve menos sorte — ele escapou das chamas, mas o bicho chicoteou o rabo para o alto ao seu encontro, e quando ele virou para a esquerda, um dos longos chifres arranhou seu ombro, rasgando suas vestes...
Harry sentiu o ombro arder, ouviu os gritos e gemidos da multidão, mas o corte não parecia ser muito fundo... Agora, ao passar veloz pelas costas do Rabo- Córneo ocorreu-lhe uma possibilidade...
O dragão não parecia estar querendo voar, estava demasiado preocupado em proteger os ovos. Embora se contorcesse e abrisse e fechasse as asas sem tirar aqueles medonhos olhos amarelos de Harry, tinha medo de se afastar demais de sua ninhada... Mas o garoto precisava persuadi-lo a fazer isso ou jamais chegaria perto deles... O truque era fazer isso cautelosamente, gradualmente...
Harry começou a voar, primeiro para um lado, depois para o outro, suficientemente longe para o bafo do bicho não o perfurar, mas, ainda assim, oferecendo uma ameaça suficientemente forte para o dragão não tirar os olhos dele. A cabeça do bicho virava para um lado e para o outro, vigiando o garoto com aquelas pupilas verticais, as presas à mostra...
Harry voou mais alto. A cabeça do Rabo-Córneo se ergueu com ele, o pescoço agora esticava-se ao máximo, ainda se movendo, como uma serpente diante do seu encantador...
O garoto subiu mais alguns palmos, e o bicho soltou um rugido de exasperação. Harry era uma mosca para ele, uma mosca que o bicho gostaria de amassar, seu rabo tornou a chicotear, mas Harry estava demasiado alto para que pudesse alcançá-lo... O dragão cuspiu fogo para o ar, Harry se desviou... As mandíbulas do bicho se escancararam...
— Anda — sibilou Harry, fazendo voltas irresistíveis no alto —, anda, vem me pegar... Levanta, agora...
Então o dragão se empinou, abrindo finalmente as poderosas asas negras de couro, grandes como as de um pequeno avião — e Harry mergulhou. Antes que o dragão percebesse o que ele fizera, ou onde desaparecera, o garoto estava voando a toda velocidade para o chão em direção aos ovos, agora sem a proteção das patas com garras do dragão — Harry soltou as mãos da Firebolt —, agarrou o ovo de ouro...
E, com um grande arranco, tornou a subir e parou no ar, sobre as arquibancadas, o pesado ovo bem preso sob o braço bom, e era como se alguém tivesse acabado de aumentar o volume do som — pela primeira vez ele tomou realmente consciência do barulho da multidão, que gritava e aplaudia com tanto estardalhaço quanto os torcedores dos irlandeses na Copa Mundial...
— Olhem só para isso! — berrava Ludo Bagman. — Por favor olhem para isso! Nosso campeão mais jovem foi o mais rápido a apanhar o ovo! Bom, isto vai diminuir a desvantagem do Sr. Potter!
Harry viu os guardadores de dragões se adiantarem correndo para dominar o bicho, e lá na entrada do cercado, a Professora McGonagall, o Professor Moody e Hagrid corriam ao seu encontro, todos acenando para que fosse ter com eles, seus sorrisos visíveis mesmo àquela distância. Ele tornou a sobrevoar as arquibancadas, a algazarra da multidão batucando seus tímpanos, e desceu suavemente para pousar, o coração mais leve do que estivera em semanas... Conseguira cumprir a primeira tarefa, sobrevivera...
— Foi excelente, Potter! — exclamou a Professora McGonagall quando ele desmontou a Firebolt, o que vindo dela era um elogio extravagante. Harry reparou que a mão da professora tremia quando apontou para o seu ombro. — Vai precisar procurar Madame Pomfrey antes que os juizes anunciem sua nota... Ali, ela já teve que fazer um curativo em Diggory...
— Você conseguiu, Harry! — exclamou Hagrid rouco. — Você conseguiu! E ainda por cima contra o Rabo-Córneo e, sabe, o Carlinhos disse que esse era o pior...
— Obrigado, Hagrid — disse Harry em voz alta, para que o bruxo não se atrapalhasse e acabasse revelando que, na véspera, mostrara ao garoto os dragões.
O Professor Moody parecia muito satisfeito, também. Seu olho mágico dançava na órbita.
— Devagar se vai ao longe, Potter — rosnou ele.
— Certo então, Potter, para a barraca de primeiros-socorros, por favor... — disse a Professora Minerva McGonagall.
Harry saiu do cercado ainda ofegante e viu Madame Pomfrey parada à entrada da segunda barraca com ar preocupado.
— Dragões! — exclamou ela com a voz desgostosa, puxando Harry para dentro. A barraca era dividida em cubículos, ele viu a silhueta de Cedrico através da lona, mas o campeão não parecia muito machucado, pelo menos estava sentado.
Madame Pomfrey examinou o ombro de Harry, falando nervosamente, sem parar, o tempo todo.
— No ano passado foram os dementadores, este ano são os dragões, que é mais que vão trazer para a escola? Você teve muita sorte... O corte é bem superficial... Mas será preciso limpá-lo antes de fechar...
Ela limpou o corte com uma pelota de algodão molhada em liquido púrpura que fumegava e ardia, mas depois tocou o ombro dele com a varinha e o garoto sentiu o corte se fechar instantaneamente.
— Agora se sente quieto um minuto, sente-se! Depois pode ir receber a sua nota.
A enfermeira saiu apressada da barraca e ele a ouviu entrar na porta vizinha e dizer:
— Como é que você está se sentindo agora, Diggory?
Harry não queria ficar sentado imóvel, continuava cheio de adrenalina.
Levantou-se, querendo ver o que estava acontecendo lá fora, mas antes que chegasse à entrada da barraca, duas pessoas entraram em disparada — Hermione, seguida de perto por Rony.
— Harry, você foi genial! — exclamou Hermione em voz alta e fina. Tinha marcas de unhas no rosto, que ela andara apertando de medo. — Você foi fantástico! Realmente foi!
Mas Harry tinha os olhos em Rony, que estava muito branco e olhava fixamente para o amigo como se visse um fantasma.
— Harry — disse ele muito sério —, quem quer que tenha posto o seu nome naquele cálice, eu... Eu reconheço que estava tentando acabar com você!
Foi como se as últimas semanas jamais tivessem acontecido, como se Harry estivesse encontrando Rony pela primeira vez, logo depois de ter sido escolhido campeão.
— Entendeu, foi? — disse Harry com frieza. — Demorou.
Hermione estava parada e nervosa entre os dois, olhando de um para outro. Rony abriu a boca, inseguro. Harry sabia que ele ia se desculpar e, de repente, descobriu que não precisava ouvir desculpas.
— OK — disse, antes que Rony pudesse falar. — Esquece.
— Não — disse Rony —, eu não devia ter...
— Esquece.
Rony riu nervoso para Harry e este retribuiu o sorriso. Hermione caiu no choro.
— Não tem motivo para chorar — disse Harry espantado.
— Vocês dois são tão burros! — exclamou ela, batendo o pé no chão, as lágrimas caindo nas vestes. Então, antes que qualquer dos dois pudesse impedi-la, a garota os abraçou e saiu correndo, agora decididamente aos berros.
— Maluca — concluiu Rony, balançando a cabeça. — Harry, anda, eles vão anunciar as suas notas...
Recolhendo o ovo de ouro e a Firebolt, sentindo-se mais eufórico do que teria acreditado possível uma hora atrás, Harry se abaixou para sair da barraca, Rony a seu lado, falando depressa.
— Você foi o melhor, sabe, ninguém foi páreo para você. Cedrico fez uma coisa estranha, transfigurou uma pedra no chão... Transformou-a em cachorro... Estava tentando fazer o dragão avançar no cachorro e não nele. Bem, foi uma transfiguração legal, e até funcionou, porque ele apanhou o ovo, mas ele também se queimou, o dragão mudou de idéia no meio do caminho e decidiu que preferia pegar ele em vez do labrador, Cedrico escapou por um triz. E a tal Fleur tentou uma espécie de feitiço, acho que estava querendo fazer o dragão entrar em transe, bom, isso também funcionou, o bicho ficou sonolento, mas aí soltou um ronco e cuspiu um grande jorro de chamas e a saia dela pegou fogo, ela apagou com um pouco de água tirada da varinha. E Krum, você não vai acreditar, mas ele nem pensou em voar! Mas, provavelmente, foi o melhor depois de você. Atacou o dragão com um feitiço bem no olho. Só teve um problema, o bicho saiu andando agoniado e amassou metade dos ovos de verdade, ele perdeu pontos por causa disso, Krum não devia ter danificado a ninhada.
Rony respirou fundo quando os dois chegaram ao cercado. Agora que o Rabo-Córneo fora levado, Harry pôde ver onde os cinco juizes estavam sentados — bem na outra extremidade, em assentos altos cobertos de tecido dourado.
— Cada um dá notas de um a dez — explicou Rony, e Harry apurando os olhos na direção do campo, viu o primeiro juiz, Madame Maxime, erguer a varinha no ar. Dela saiu uma comprida fita prateada que desenhou um grande oito no ar.
— Nada mal! — disse Rony, enquanto a multidão aplaudia. — Suponho que tenha descontado pontos pelo seu ferimento no ombro...
O Sr. Crouch foi o seguinte. Lançou um número nove no ar.
— Está indo bem! — berrou Rony, batendo nas costas de Harry.
Depois, Dumbledore. Ele também projetou um nove. A multidão aplaudia com mais entusiasmo que nunca. Ludo Bagman — dez.
— Dez? — disse Harry incrédulo. Mas... Eu me machuquei... Qual é a dele?
— Harry, não reclama! — berrou Rony excitado.
E agora Karkaroff erguia a varinha. Parou um momento e em seguida saiu um número de sua varinha também — quatro.
— Quê?— bradou Rony furioso. — Quatro? Seu bosta desonesto, você deu dez ao Krum!
Mas Harry não se importou, não teria se importado se Karkaroff lhe desse zero, a indignação de Rony por sua causa valia uns cem pontos para ele. Não disse isso ao amigo, é claro, mas seu coração estava mais leve do que o ar quando ele deu meia volta para se retirar do cercado. E não foi apenas Rony... Não foram apenas os alunos da Grifinória que aplaudiram no meio da multidão.
Quando chegara a hora, quando viram o que Harry precisava enfrentar, a maioria da escola tinha ficado do seu lado e do de Cedrico também... Ele não se importava com os alunos da Sonserina, podia suportar o que quer que lhe dissessem.
— Vocês estão empatados no primeiro lugar, Harry! Você e Krum! — disse Carlinhos Weasley, correndo ao encontro deles quando os garotos voltavam à escola. — Escutem, tenho que correr, tenho que mandar uma coruja à mamãe, jurei que contaria a ela o que acontecesse, mas foi inacreditável! Ah, foi, e me mandaram lhe avisar que você precisa ficar por aqui mais uns minutinhos... Bagman quer falar com você na barraca dos campeões.
Rony disse que esperaria, de modo que Harry tornou a entrar na barraca, que, de algum modo parecia diferente agora, simpática e hospitaleira. Ele lembrou a sensação que tivera no momento que procurava fugir do Rabo-Córneo e comparou-a à longa espera antes de sair para enfrentá-lo... Não havia comparação, a espera fora imensuravelmente pior.
Fleur, Cedrico e Krum entraram juntos.
Um lado da cabeça de Cedrico estava coberto com uma grossa pasta laranja, que presumivelmente estava curando sua queimadura. Ele sorriu para Harry ao vê-lo:
— Foi legal, Harry.
— Você também — disse o garoto retribuindo o sorriso.
— Muito bons, todos vocês! — disse Ludo Bagman, entrando lépido na barraca e parecendo satisfeito como se ele próprio tivesse iludido a guarda de um dragão. — Agora, só umas palavrinhas. Vocês têm um bom intervalo até a segunda tarefa, que terá lugar às nove e meia da manhã de 24 de fevereiro, mas vamos lhes dar alguma coisa em que pensar durante esse tempo! Se examinarem os ovos de ouro que estão segurando, verão que eles se abrem... Estão vendo as dobradiças? Vocês precisam decifrar a pista que está dentro do ovo, porque ela dirá qual vai ser a segunda tarefa e permitirá que se preparem! Ficou claro? Têm certeza? Podem ir, então!
Harry deixou a barraca, tornou a se juntar a Rony e os dois recomeçaram a andar costeando a floresta, conversando animados, Harry queria saber com maiores detalhes o que os outros campeões tinham feito. Depois, quando contornavam o arvoredo, atrás do qual Harry ouvira os dragões rugirem pela primeira vez, uma bruxa saltou do meio das árvores.
Era Rita Skeeter. Usava hoje vestes verde-ácido; a pena de repetição rápida na mão se mesclava perfeitamente com as vestes.
— Parabéns, Harry! — disse ela, rindo radiante para o garoto. Será que você pode me dar uma palavrinha? Como foi que você se sentiu enfrentando aquele dragão? Como é que você se sente agora quanto à lisura das notas?
— Posso dar uma palavrinha, sim — disse Harry com selvageria — Tchau.
E saiu com Rony em direção ao castelo.
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