sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

Harry Potter e o Cálice de Fogo (2/7)


CAPÍTULO SEIS
A Chave do Portal

Harry teve a sensação de que acabara de se deitar para dormir no quarto de Rony quando foi acordado pela Sra. Weasley.
— Hora de levantar, Harry, querido — sussurrou ela, se afastando para acordar Rony.
Harry tateou a procura dos óculos, colocou-os e se sentou. Ainda estava escuro lá fora. Rony resmungou alguma coisa quando a mãe o acordou. Aos pés do seu colchão, Harry viu duas formas grandes e desgrenhadas emergindo de um emaranhado de cobertas.
— Já está na hora? — exclamou Fred tonto de sono.
Os garotos se vestiram em silêncio, demasiados sonolentos para falar, depois, bocejando e se espreguiçando, os quatro desceram as escadas rumo à cozinha.
A Sra. Weasley estava mexendo o conteúdo de um grande tacho em cima do fogão, enquanto o Sr. Weasley, sentado à mesa, verificava um maço de grandes bilhetes de entrada em pergaminho. Ergueu os olhos quando os garotos chegaram e abriu os braços para eles poderem ver melhor suas roupas. Vestia algo que parecia um suéter de golfe e jeans muito velhas, ligeiramente grandes para ele, seguras por um grosso cinto de couro.
— Que é que vocês acham? — perguntou ansioso. — Temos que ir incógnitos: estou parecendo um trouxa, Harry?
— Está — aprovou Harry sorrindo — muito bom.
— Onde estão Gui, Carlinhos e Per-Per-Percy? — perguntou Jorge, incapaz de reprimir um enorme bocejo.
— Ora, eles vão aparatar, certo? — disse a Sra. Weasley, carregando um panelão para cima da mesa e começando a servir o mingau de aveia nos pratos fundos. — Logo, eles podem dormir mais um pouco.
Harry sabia que aparatar era muito difícil; significava desaparecer de um lugar e reaparecer quase instantaneamente em outro.
— Então eles ainda estão na cama? — concluiu Fred mal-humorado, puxando um prato de mingau para perto. — Por que não podemos aparatar também?
— Porque ainda são menores e ainda não prestaram o exame — respondeu a Sra. Weasley. — E onde foi que se meteram essas meninas?
Ela saiu apressada da cozinha e todos a ouviram subir as escadas.
— A pessoa tem que prestar um exame para poder aparatar? — perguntou Harry.
— Ah, tem — respondeu o Sr. Weasley, guardando as entradas cuidadosamente no bolso traseiro da jeans. — O Departamento de Transportes Mágicos teve que multar umas pessoas, ainda outro dia, por aparatarem sem licença. Não é fácil aparatar e quando não se faz corretamente pode acarretar complicações desagradáveis. Esses dois que estou falando racharam ao meio.
Todos ao redor da mesa fizeram uma careta, menos Harry.
— Hum... Racharam? — admirou-se Harry.
— Deixaram metade do corpo para trás — explicou o Sr. Weasley, agora acrescentando várias colheradas de caramelo ao mingau. — E, é claro, ficaram entalados. Não conseguiram avançar nem retroceder. Tiveram que esperar pelo Esquadrão de Reversão de Feitiços Acidentais para resolver o problema. E vou dizer mais, foi preciso preencher uma enorme papelada, por causa dos trouxas que encontraram as partes do corpo que eles deixaram para trás...
Harry teve uma súbita visão de um par de pernas e um olho abandonados na calçada da Rua dos Alfeneiros.
— E eles ficaram O.K.? — perguntou o garoto, assustado.
— Ah, claro — respondeu o Sr. Weasley factualmente. — Mas receberam uma multa pesada e acho que não vão tentar fazer isso outra vez quando estiverem com pressa. Não se brinca com aparatação. Há muitos bruxos adultos que nem experimentam. Preferem vassouras, mais lentas, porém mais seguras.
— Mas Gui, Carlinhos e Percy, todos sabem aparatar?
— Carlinhos teve que prestar exame duas vezes — disse Fred sorrindo. — Levou bomba na primeira vez, aparatou a oitenta quilômetros do ponto que queria, bem em cima de uma pobre velhinha que estava fazendo compras, lembram?
— Foi, mas ele passou da segunda vez — disse a Sra. Weasley, voltando à cozinha em meio a gostosas risadas.
— Percy só passou há duas semanas — disse Jorge. — Desde esse dia tem aparatado todas as manhãs aqui em baixo, para provar que sabe.
Ouviram-se passos no corredor, e Hermione e Gina entraram na cozinha, as duas pálidas e cheias de preguiça.
— Por que temos que levantar tão cedo? — perguntou Gina, esfregando os olhos e se sentando a mesa.
— Temos que andar um bom pedaço — respondeu o Sr. Weasley.
— Andar? — espantou-se Harry. — O quê, vamos a pé para a Copa Mundial?
— Não, não, a Copa vai ser a quilômetros daqui — disse o Sr. Weasley, sorrindo. — Só precisamos andar um pedacinho. É que é muito difícil um grande número de bruxos se reunir sem chamar a atenção dos trouxas. Temos que tomar muito cuidado com o modo de viajar até em tempos normais e numa ocasião grandiosa como a Copa Mundial de Quadribol...
— Jorge! — chamou a Sra. Weasley rispidamente e todos se assustaram.
— Quê? — perguntou Jorge, num tom de inocência que não enganou ninguém.
— Que é isso no seu bolso?
— Nada!
— Não minta para mim!
A Sra. Weasley apontou a varinha para o bolso de Jorge e disse:
— Accio!
Vários objetos pequenos e vivamente coloridos dispararam para fora do bolso de Jorge; o garoto tentou segurá-los, mas não conseguiu, e eles foram parar direto na mão estendida da Sra. Weasley.
— Mandamos vocês destruírem isso! — disse ela furiosa mostrando indiscutíveis Caramelos Incha-Língua. — Mandamos vocês se desfazerem de todos. Esvaziem os bolsos, vamos, os dois!
Foi uma cena desagradável; os gêmeos evidentemente tinham tentado contrabandear o maior número possível de caramelos para fora da casa e somente usando um Feitiço Convocatório a Sra. Weasley conseguiu encontrar todos.
— Accio! Accio! Accio! — gritava ela e os caramelos voavam dos Lugares mais improváveis, inclusive do forro da jaqueta de Jorge e das barras do jeans de Fred.
— Gastamos seis meses para inventar esses caramelos — gritou Fred para a mãe, quando ela os jogou no lixo.
— Que bela maneira de gastar seis meses! — guinchou a mãe. — Não admira que não tivessem obtido mais N.O.M"s!
No todo, o clima não estava muito simpático quando eles partiram. A Sra. Weasley continuava enfurecida quando beijou o rosto do marido, mas não tanto quanto os gêmeos, que tinham posto as mochilas às costas e saído sem dizer uma palavra à mãe.
— Bom, divirtam-se — desejou a Sra. Weasley — e se comportem — gritou para os gêmeos que se afastavam, mas eles não se viraram nem responderam. — Vou mandar Gui, Carlinhos e Percy por volta do meio-dia — avisou a Sra. Weasley ao marido quando ele, Harry, Rony, Hermione e Gina começaram a atravessar o gramado escuro atrás de Fred e Jorge.
Fazia frio e a lua ainda estava no céu. Apenas um esverdeado-claro no horizonte, à direita deles, denunciava que em breve amanheceria. Harry, que andara pensando nos milhares de bruxos que rumavam apressados para a Copa Mundial de Quadribol, acelerou o passo para caminhar com o Sr. Weasley.
— Então como é que todo o mundo chega lá sem os trouxas repararem? — perguntou ele.
— Foi um enorme problema de organização — suspirou o Sr. Weasley. — O caso é que vêm uns cem mil bruxos para a Copa Mundial e, é claro, não temos nenhum local mágico grande bastante para acomodar todos. Há lugares em que os trouxas não conseguem penetrar, mas imagine tentar acomodar cem mil bruxos no Beco Diagonal ou na plataforma nove e meia. Então tivemos que encontrar uma charneca deserta que servisse e instalar o máximo de precauções antitrouxas possível. O ministério inteiro vem trabalhando nisso há meses. Primeiro, é claro, tivemos que escalonar as chegadas. Quem comprou entradas mais baratas teve que chegar duas semanas antes. Um número limitado tem usado os transportes dos trouxas, mas não podemos ter gente demais entupindo os ônibus e trens deles, lembre que temos bruxos chegando de todo o mundo. Alguns aparatam, naturalmente, mas temos que escolher pontos seguros para eles aparecerem, bem longe dos trouxas. Acho que há uma floresta próxima que eles estão usando para aparatar. Para os que não querem aparatar, ou não podem, usamos os portais. São objetos para o transporte de bruxos de um lugar para outro em horas certas. Pode-se atender a grandes grupos de cada vez se for preciso. Foram instalados duzentos portais em pontos estratégicos da Grã-Bretanha, e o mais próximo da nossa casa é no alto do morro Stoarshead, por isso é que estamos indo para lá.
O Sr. Weasley apontou para uma grande massa escura que se erguia à frente, para além do povoado de Ottery St. Catchpole.
— Que tipo de objetos são esses portais? — perguntou Harry curioso.
— Podem ser qualquer coisa — respondeu o Sr. Weasley. — Coisas discretas, obviamente, para os trouxas não as pegarem e saírem brincando com elas... Coisas que eles simplesmente considerem lixo...
O grupo caminhava pela vereda escura e úmida que levava ao povoado, o silêncio quebrado apenas pelo eco de seus passos. O céu foi clareando muito devagarinho quando eles atravessaram o povoado, o azul-tinta se dissolvendo em azul-escuro.
As mãos e os pés de Harry estavam congelados. O Sr. Weasley não parava de consultar o relógio. Eles já estavam sem fôlego para conversar quando começaram a subir o morro Stoatshead, tropeçavam ocasionalmente em tocas de coelho escondidas, escorregavam em grossos tufos de grama escura. Cada vez que Harry inspirava sentia o peito arder e suas pernas já começavam a se recusar a andar quando finalmente seus pés pisaram em terreno nivelado.
— Ufa! — ofegou o Sr. Weasley, tirando os óculos e secando-os no suéter. — Bom, fizemos um bom tempo, ainda temos dez minutos...
Hermione foi à última a aparecer na crista do morro, apertando uma cãibra do lado do corpo.
— Agora só precisamos da Chave do Portal — disse o Sr. Weasley repondo os óculos e apurando a vista para esquadrinhar o terreno.
— Não deve ser grande... Vamos...
Eles se espalharam para procurá-la. E estavam nisso havia poucos minutos, quando um grito cortou o ar parado.
— Aqui, Arthur! Aqui, filho, achamos!
Dois vultos altos surgiram recortados contra o céu estrelado, do outro lado do cume do morro.
— Amos! — exclamou o Sr. Weasley, encaminhando-se sorridente para o homem que gritara. Os garotos o acompanharam.
O Sr. Weasley apertou as mãos de um bruxo de rosto corado, com uma barba castanha e curta, que segurava em uma das mãos uma bota velha de aparência mofada.
— Este é Amos Diggory, pessoal — apresentou-o o Sr. Weasley. — Trabalha no Departamento para Regulamentação e Controle das Criaturas Mágicas. E acho que vocês conhecem o filho dele, Cedrico?
Cedrico Diggory era um rapaz muito bonito de uns dezessete anos. Era capitão e apanhador do time de Quadribol da Lufa-Lufa, em Hogwarts.
— Oi — disse Cedrico olhando para os garotos.
Todos retribuíram o "Oi", exceto Fred e Jorge, que apenas acenaram com a cabeça. Eles nunca haviam perdoado Cedrico por derrotar o time da Grifinória, no primeiro jogo de Quadribol do ano anterior.
— Uma longa caminhada, Arthur? — perguntou o pai de Cedrico.
— Não foi tão ruim assim — respondeu o Sr. Weasley. — Moramos logo ali do outro lado do povoado. E você?
— Tivemos que nos levantar as duas, não foi, Ced? Confesso que vou ficar satisfeito quando ele passar no exame de aparatação. Mas... Não estou me queixando... A Copa Mundial de Quadribol, eu não a perderia nem por um saco de galeões, e é mais ou menos quanto custam as entradas. Mas, pelo visto, parece que me saiu barato... — Amos Diggory mirou bem-humorado os três garotos Weasley, Harry, Hermione e Gina. — São todos seus, Arthur?
— Ah, não, só os ruivos — esclareceu o Sr. Weasley apontando os filhos. — Esta é Hermione, amiga de Rony, e Harry, outro amigo...
— Pelas barbas de Merlin! — exclamou Amos Diggory arregalando os olhos. — Harry? Harry Potter?
— Hum... É — respondeu o garoto.
Harry estava habituado às pessoas o olharem curiosas quando o conheciam, habituado à corrida instantânea do olhar delas a cicatriz em forma de raio em sua testa, mas isto sempre o constrangia.
— Ced nos falou de você, naturalmente — disse Amos Diggory. — Nos contou tudo sobre a partida que jogaram com vocês no ano passado... Eu disse a ele: Ced, isto vai ser uma história para contar aos seus netos, ah, vai... Você derrotou Harry Potter!
Harry não conseguiu pensar em nenhuma resposta a esse comentário, por isso ficou calado. Fred e Jorge amarraram a cara outra vez. Cedrico pareceu ligeiramente encabulado.
— Harry caiu da vassoura, papai — murmurou ele. — Contei a você... Foi um acidente...
— É, mas você não caiu, não é mesmo? — rugiu Amos jovialmente, dando uma palmada nas costas do filho. — Sempre modesto, o nosso Ced, sempre cavalheiro... Mas venceu o melhor, tenho certeza de que Harry diria o mesmo, não é? Um cai da vassoura, um continua montado, não é preciso ser gênio para saber quem voa melhor!
— Deve estar quase na hora — disse o Sr. Weasley depressa, puxando o relógio do bolso mais uma vez. — Você sabe se temos que esperar mais alguém?
— Não, os Lovegood já estão lá há uma semana e os Fawcett não conseguiram entradas — disse o Sr. Diggory. — Não tem mais gente nossa na área?
— Não que eu saiba. Só falta um minuto... É melhor nos prepararmos...
Ele olhou para Harry e Hermione.
— Vocês só precisam tocar na Chave do Portal, só isso, basta um dedo...
Com dificuldade, por causa das volumosas mochilas, os nove se agruparam em torno da velha bota que Amos Diggory segurava.
Todos ficaram parados ali, num circulo fechado, sentindo a brisa gélida que varria o cume do morro. Ninguém falava. De repente ocorreu a Harry como pareceria estranho se um trouxa subisse até ali naquele momento... Nove pessoas, dois adultos, segurando uma bota velha de pano, esperando...
— Três... — murmurou o Sr. Weasley, com o olho ainda no relógio — Dois... Um...
Aconteceu instantaneamente. Harry teve a sensação de que um gancho dentro do seu umbigo fora irresistivelmente puxado para frente. Seus pés deixaram o chão; ele sentiu Rony e Hermione de cada lado, os ombros se tocando; todos avançavam vertiginosamente em meio ao uivo do vento e ao rodopio de cores; seu dedo indicador estava grudado na bota como se esta o atraísse magneticamente para frente, e então...
Seus pés bateram no chão; Rony deu um encontrão nele e caiu; a Chave do Portal despencou no chão do lado da cabeça dele com um baque forte.
Harry ergueu os olhos. O Sr. Weasley, o Sr. Diggory e Cedrico continuavam parados, embora com a aparência de terem sido varridos pelo vento; os demais estavam caídos no chão.
— O sete e cinco chegando do morro Stoatshead — anunciou uma voz.




CAPÍTULO SETE
Bagman e Crouch

Harry se desvencilhou de Rony e se levantou. Tinham chegado, pelo que parecia, a um trecho deserto de uma charneca imersa em névoa. Diante deles havia dois bruxos cansados, com cara de rabugentos, um dos quais segurava um grande relógio de ouro, e o outro, um grosso rolo de pergaminho e uma pena.
Ambos estavam vestidos como trouxas, embora sem muita habilidade; o homem do relógio usava um terno de tweed com botas de borracha até as coxas, o colega, um saiote escocês e um poncho.
— Bom-dia, Basílio — cumprimentou o Sr. Weasley, apanhando a bota que os transportara e entregando-a ao bruxo de saiote, que a atirou em uma grande caixa de chaves de portal usadas, a um lado. Harry viu, entre elas, um jornal velho, latas de bebidas vazias e uma bola de futebol furada.
— Olá, Arthur — disse Basílio em tom entediado. — Não está de serviço não, é? Tem gente que se dá bem... Estivemos aqui a noite toda... É melhor você desimpedir o caminho, temos um grupo grande chegando da Floresta Negra às cinco e quinze. Espere um pouco, me deixe ver onde é que você vai ficar...
Weasley... Weasley... — Ele consultou a lista no pergaminho. — A uns quatrocentos metros para aquele lado, primeiro acampamento que você encontrar. O gerente é o Sr. Roberts. Diggory... Segundo acampamento... Pergunte pelo Sr. Payne.
— Obrigado, Basílio — disse o Sr. Weasley e fez sinal para todos o acompanharem. Eles saíram pela charneca deserta, incapazes de distinguir muita coisa através da névoa, Passados uns vinte minutos, avistaram uma casinha de pedra ao lado de um portão. Mais além, Harry pôde distinguir mal e mal as formas fantasmagóricas de centenas de barracas, montadas na ondulação suave de um grande campo, no rumo de uma floresta escura no horizonte. Eles se despediram dos Diggory e se aproximaram da casa.
Havia um homem parado à porta, contemplando as barracas. Harry soube só de olhar que aquele era o único trouxa legítimo numa área de muitos hectares.
Quando o trouxa ouviu os passos do grupo, virou a cabeça para olhá-los.
— Bom dia! — cumprimentou o Sr. Weasley animado.
— Bom dia — disse o trouxa.
— O senhor seria o Sr. Roberts?
— É, seria — respondeu o Sr. Roberts. — E quem é o senhor?
— Weasley, duas barracas reservadas há uns dois dias?
— Certo — confirmou o Sr. Roberts, consultando uma lista pregada à porta. — O lugar é lá perto da floresta. Só uma noite?
— Isso — respondeu o Sr. Weasley.
— O senhor vai pagar agora, então? — perguntou o Sr. Roberts.
— Ah... Certo... É claro. — O Sr. Weasley se afastou um pouco da casa e fez sinal a Harry para acompanhá-lo. — Me ajude, Harry — murmurou, puxando do bolso um rolinho de dinheiro de trouxa e começando a separar as notas. — Esta aqui é de... De... De dez? Ah é, vejo agora que tem um numero... Então esta é de cinco?
— De vinte — corrigiu-o Harry falando baixo, incomodamente consciente de que o Sr. Roberts estava tentando ouvir cada palavra que diziam.
— Ah é, é mesmo... Não sei, esses pedacinhos de papel...
— É estrangeiro? — perguntou o Sr. Roberts, quando o Sr. Weasley voltou com o dinheiro certo.
— Estrangeiro? — repetiu o bruxo, intrigado.
— O senhor não é o primeiro que se atrapalha com o dinheiro — disse o gerente, observando o Sr. Weasley atentamente. — Tive dois querendo me pagar com grandes moedas de ouro do tamanho de calotas de automóvel faz uns dez minutos.
— Sério? — disse o Sr. Weasley nervoso.
O Sr. Roberts vasculhou uma lata à procura de troco.
— Nunca esteve tão cheio — disse ele de repente, voltando outra vez o olhar para o campo enevoado. — Centenas de reservas. As pessoas em geral aparecem sem aviso...
— Verdade? — exclamou o Sr. Weasley, a mão estendida à espera do troco, mas o Sr. Roberts não lhe deu nenhum.
— É — disse pensativo. — Gente de toda parte. Montes de estrangeiros. E não são só estrangeiros. Gente esquisita, sabe? Tem um sujeito andando por aí de saiote e poncho.
— E não devia? — perguntou o Sr. Weasley ansioso.
— Parece que é uma espécie de...  Uma espécie de convenção — comentou o Sr. Roberts. — Parece que todos se conhecem. Como numa grande festa.
Naquele momento, um bruxo de bermudão largo materializou-se do nada ao lado da porta da casa do Sr. Roberts.
— Obliviate!— disse ele bruscamente, apontando a varinha para o Sr. Roberts.
Instantaneamente os olhos do Sr. Roberts saíram de foco, suas sobrancelhas se desfranziram e um olhar de vaga despreocupação cobriu o seu rosto. Harry reconheceu os sintomas de alguém que acabara de ter a memória alterada.
— Um mapa do acampamento para o senhor — disse o homem, placidamente, ao Sr. Weasley. — E o seu troco.
— Muito obrigado.
O bruxo de bermudão acompanhou o grupo em direção ao portão do acampamento. Parecia exausto; a barba por fazer azulava seu queixo e havia olheiras roxas sob seus olhos. Uma vez longe do raio de audição do gerente, ele murmurou para o Sr. Weasley.
— Estou tendo um bocado de problemas com ele. Precisa de um Feitiço de Memória dez vezes por dia para ficar feliz. E Ludo Bagman não está ajudando. Anda por aí falando em balaços e goles a plenos pulmões, sem a menor preocupação com a segurança. Pombas, vou gostar quando isso terminar. Vejo você mais tarde, Arthur.
E desaparatou.
— Pensei que o Sr. Bagman fosse chefe de Jogos e Esportes Mágicos — disse Gina parecendo surpresa. — Devia ter mais juízo e parar de falar de balaços perto de trouxas, não devia?
— Devia — concordou o Sr. Weasley, sorrindo e passando com os garotos pelo portão do acampamento —, mas Ludo sempre foi um pouco... Bem... Displicente com a segurança. Mas não se poderia desejar um chefe mais entusiasta para o Departamento de Esportes. Ele jogou Quadribol pela Inglaterra, sabem. E foi o melhor batedor do Wimbourne Wasps que o time já teve.
O grupo avançou lentamente pelo campo entre longas fileiras de barracas.
A maioria parecia quase normal, os donos tinham visivelmente tentado o possível para fazê-las parecer equipamento de trouxas, embora tivessem cometido alguns deslizes ao acrescentarem chaminés ou cordões de sinetas ou cata-ventos.
Porém, aqui e ali, havia uma barraca tão obviamente mágica que Harry não se surpreendia que o Sr. Roberts estivesse desconfiado. Lá para o meio do campo, havia uma extravagante produção de seda listrada como um palácio em miniatura, com vários pavões vivos amarrados à entrada. Um pouco adiante, eles passaram por uma barraca que tinha três andares e várias torrinhas e, mais além, havia uma outra com um jardim anexo, completo, com banho para passarinhos, relógio de sol e fonte.
— Sempre os mesmos — comentou o Sr. Weasley sorrindo —, não conseguimos deixar de nos exibir quando nos reunimos. Ah, lá está, olhem, aquela é a nossa.
Tinham alcançado a orla da floresta no alto do campo, e ali havia uma área livre com um pequeno letreiro enfiado no chão em que se lia "Weezly".
— Não podíamos ter ganhado um lugar melhor! — exclamou o Sr. Weasley feliz. — O campo preparado para as partidas é logo do outro lado da floresta, estamos o mais perto que poderíamos estar. — Ele descarregou a mochila dos ombros. — Certo — disse excitado —, rigorosamente falando, nada de mágicas, não quando estamos no mundo dos trouxas em tão grande número. Vamos armar estas barracas à mão! Não deve ser muito difícil... Os trouxas fazem isso o tempo todo... Tome, Harry, por onde você acha que devo começar?
Harry nunca acampara na vida, os Dursley nunca o haviam levado em férias, preferindo deixá-lo com a Sra. Figg, uma velha vizinha. No entanto, ele e Hermione descobriram como distribuir os paus e as estacas, e embora o Sr. Weasley atrapalhasse mais do que ajudasse, porque ficara excitadíssimo quando precisaram usar o martelo, eles finalmente conseguiram erguer duas barracas modestas para duas pessoas cada.
Todos se afastaram para admirar a habilidade manual deles. Ninguém que visse aquelas barracas teria adivinhado que pertenciam a bruxos, pensou Harry, mas o problema era que quando Gui, Carlinhos e Percy chegassem, eles formariam um grupo de dez pessoas. Hermione parecia ter identificado esse problema também, lançou a Harry um olhar cômico quando o Sr. Weasley ficou de quatro e entrou na primeira barraca.
— Vamos ficar meio apertados — comentou ele —, mas acho que vai dar para nos espremermos. Venham dar uma olhada.
Harry se abaixou, passou por baixo da aba de entrada e sentiu o queixo cair. Entrara em uma barraca que parecia um apartamento antigo de três quartos, completo, com banheiro e cozinha. E o que era curioso, estava mobiliado no mesmíssimo estilo que o da Sra. Figg; havia capas de crochê nas poltronas sem par e um forte cheiro de gatos.
— Bom, não é para muito tempo — disse o Sr. Weasley, secando a careca com um lenço e espiando as quatro camas beliches que havia no quarto. — Pedi a barraca emprestada ao Perkins, lá do escritório. Ele não acampa muito atualmente, coitado, está com lumbago.
O Sr. Weasley apanhou uma chaleira empoeirada e espiou dentro.
— Vamos precisar de água...
— Tem uma torneira assinalada no mapa que o trouxa nos deu — disse Rony, que seguira Harry para dentro da barraca e parecia completamente indiferente a essas extraordinárias proporções internas. — Fica do outro lado do campo.
— Bom, então por que você, Harry e Hermione não vão apanhar um pouco de água... — o bruxo entregou aos garotos a chaleira e duas caçarolas —... E nós vamos apanhar lenha para fazer uma fogueira.
— Mas temos um forno — lembrou Rony —, por que não podemos...?
— Rony, segurança antitrouxa! — disse o Sr. Weasley, o rosto brilhando de expectativa. — Quando os trouxas de verdade acampam, eles cozinham em fogueiras ao ar livre, já os vi fazendo isso!
Depois de uma rápida visita à barraca das garotas, que era ligeiramente menor do que a deles, embora sem o cheiro de gato, Harry, Rony e Hermione atravessaram o acampamento levando as vasilhas.
Agora, com o sol de fora e a névoa se dissipando, eles puderam ver a cidade de lona que se estendia para todas as direções. Caminharam lentamente entre as fileiras de barracas, espiando tudo com interesse. Harry estava começando a se indagar quantos bruxos e bruxas devia haver no mundo; ele nunca pensara realmente nos bruxos de outros países.
Seus companheiros de acampamento iam acordando aos poucos. Os primeiros a dar sinal de vida foram às famílias com crianças pequenas, Harry nunca vira bruxos tão pequenos antes. Um pirralhinho, que não tinha mais de dois anos, estava agachado do lado de fora de uma barraca em forma de pirâmide, empunhando uma varinha com a qual cutucava, feliz, um caramujo na grama, que ia ganhando lentamente o tamanho de um salame. Quando se emparelharam com ele, a mãe saiu correndo da barraca.
— Quantas vezes tenho de dizer, Kevin? Não pode... Mexer... Na... Varinha... do papai, putz!
Ela pisou no enorme caramujo, estourando-o. A bronca acompanhou os garotos pelo ar parado, se misturando aos gritos do garotinho:
— Você acabou caramujo! Você acabou caramujo!
Um pouco mais adiante, eles viram duas bruxinhas, pouco mais velhas do que Kevin, cavalgando vassouras de brinquedo que se elevavam o suficiente para os dedos dos pés das meninas rasparem a grama orvalhada. Um bruxo do Ministério já as vira; quando passou correndo por Harry, Rony e Hermione, murmurava agitado:
— Em plena luz do dia! Os pais devem estar cochilando, suponho...
Aqui e ali bruxos e bruxas adultos saíam das barracas e começavam a preparar o café da manhã. Alguns, lançando olhares furtivos para os lados, conjuravam fogueiras com as varinhas, outros acendiam fósforos com ar de dúvida, como se tivessem certeza de que aquilo não ia funcionar. Três bruxos africanos conversavam sentados, trajando longas vestes brancas, enquanto assavam uma carne que parecia coelho sobre uma fogueira púrpura berrante, um grupo de bruxas americanas de meia-idade fofocava alegremente sob a bandeira estrelada que elas haviam estendido entre as barracas, na qual se lia Instituto das Bruxas de Salem. Harry captava fragmentos de conversas em línguas estranhas que saíam das barracas pelas quais passavam, e embora não conseguisse entender uma única palavra, o tom das vozes era de excitação.
— Hum... São os meus olhos ou tudo ficou verde? — perguntou Rony.
Não eram os olhos de Rony. Os garotos tinham entrado em uma área em que as barracas estavam cobertas por uma camada de trevos, dando a impressão de que morros de formas estranhas haviam brotado da terra. Viam-se rostos sorridentes nas barracas com a aba da entrada erguida. Então, às costas, os garotos ouviram alguém gritar seus nomes.
— Harry! Rony! Hermione!
Era Simas Finnigan, um colega quartanista da Grifinória. Estava sentado diante de uma barraca coberta de trevos, em companhia de uma mulher de cabelos louro-claros que só podia ser sua mãe e com Dino Thomas, também da Grifinória.
— Gostaram da decoração? — perguntou Simas sorrindo, quando Harry, Rony e Hermione se aproximaram para cumprimentá-los. — O Ministério não está nada feliz.
— E por que não deveríamos mostrar nossas cores? — perguntou a Sra. Finnigan. — Vocês deviam ver o que os búlgaros penduraram nas barracas deles.
— Vocês vão torcer pela Irlanda, naturalmente? — acrescentou ela fixando Harry, Rony e Hermione com insistência.
Depois de terem tranqüilizado a senhora de que realmente iam torcer pela Irlanda, os garotos seguiram caminho, embora Rony tivesse comentado:
— Como se a gente fosse dizer que não ia, com aquela turma em volta.
— Que será que os búlgaros penduraram nas barracas? — indagou Hermione.
— Vamos dar uma olhada — disse Harry, apontando para uma grande área de barracas mais adiante, onde a bandeira da Bulgária, vermelha, verde e branca, tremulava a brisa.
As barracas não estavam enfeitadas com plantas, mas cada uma exibia o mesmo pôster, um pôster com um rosto muito carrancudo com grossas sobrancelhas negras. A foto, é claro, se mexia, mas apenas para piscar os olhos e franzir a testa.
— Krum — disse Rony em voz baixa.
— Quê? — perguntou Hermione.
— Krum! — repetiu Rony. — Vítor Krum, o apanhador búlgaro!
— Ele parece bem rabugento — comentou Hermione, olhando para os muitos Krums que piscavam e franziam a testa para eles.
— Bem rabugento? — Rony olhou para o céu. — Quem se importa com a cara dele? Ele é incrível! E é bem moço, também. Tem uns dezoito anos, por aí. É um gênio, espere até ver hoje à noite.
Já havia uma pequena fila à torneira no canto do acampamento. Harry e Rony entraram logo atrás de dois homens que discutiam acaloradamente. Um deles era um bruxo muito velho que usava uma longa camisola florida. O outro era visivelmente um bruxo do Ministério, este segurava calças listradas e quase chorava de exasperação.
— Vista as calças, Arquibaldo, seja bonzinho, você não pode andar por aí vestido assim, o trouxa no portão já está ficando desconfiado...
— Comprei isso numa loja de trouxas — defendeu-se o velho bruxo, teimando. — Os trouxas usam isso.
— Mulheres trouxas usam isso, Arqui, não os homens, eles usam isto aqui — disse o bruxo do Ministério mostrando as calças listradas.
— Não vou vestir isso — retrucou o velho bruxo indignado. — Gosto de sentir uma brisa saudável nas minhas partes, obrigado.
Hermione foi tomada por um tal acesso de riso, nessa hora, que precisou sair da fila e só voltou depois que Arquibaldo tinha se abastecido de água e fora embora.
Caminhando mais devagar agora, por causa do peso da água, os garotos tornaram a atravessar o acampamento. Aqui e ali, eles viam rostos mais familiares: outros alunos de Hogwarts com as famílias.
Olívio Wood, o ex-capitão de Quadribol do time de Harry, que terminara os estudos em Hogwarts, arrastou o garoto até a barraca dos pais para apresentá-lo, e lhe contou cheio de excitação que acabara de entrar para o time de reserva do Puddlemere United. Depois os garotos foram saudados por Ernesto Macmillan, um quartanista da Lufa-Lufa, e, mais adiante, viram Cho Chang, uma garota muito bonita que jogava como apanhadora no time da Corvinal. Ela acenou e sorriu para Harry, que derramou um bocado de água na roupa ao retribuir o aceno. Mais para impedir Rony de caçoar do que por outro motivo, Harry apontou depressa para um enorme grupo de adolescentes que ele nunca vira antes.
— De onde você acha que eles são? — perguntou Harry. — Eles não freqüentam Hogwarts, freqüentam?
— Devem freqüentar alguma escola estrangeira — sugeriu Rony. — Sei que há outras, mas nunca encontrei ninguém que estudasse nelas. Gui teve uma correspondente em uma escola no Brasil... Isto foi há anos... E ele quis ir para lá numa viagem de intercâmbio, mas mamãe e papai não tiveram dinheiro para bancar a viagem. A moça ficou toda ofendida quando ele disse que não ia e mandou para ele um chapéu enfeitiçado. As orelhas dele murcharam.
Harry riu, mas não manifestou a surpresa que era saber que havia outras escolas de magia. Supôs, agora que via representantes de tantas nacionalidades no acampamento, que fora muito burro por jamais ter imaginado que Hogwarts não poderia ser a única. Ele olhou para Hermione, que não demonstrara a menor surpresa com a informação. Sem dúvida, ela devia ter visto referências a outras escolas de magia em algum livro.
— Vocês demoraram uma eternidade — comentou Jorge, quando eles finalmente chegaram às barracas dos Weasley.
— Encontramos alguns conhecidos — disse Rony, pousando as vasilhas de água. — Você ainda não acendeu a fogueira?
— Papai está se divertindo com os fósforos — disse Fred.
O Sr. Weasley não estava tendo o menor sucesso em acender a fogueira, mas não era por falta de tentativas. Fósforos partidos coalhavam o chão ao seu redor, mas ele parecia estar se divertindo como nunca.
— Opa! — exclamou ele, ao conseguir acender um fósforo, mas largou-o na mesma hora no chão, surpreso.
— Chegue aqui, Sr. Weasley — disse Hermione bondosamente, tirando a caixa das mãos dele e começando a mostrar como fazer fogo direito.
Finalmente, eles acenderam a fogueira, embora levasse no mínimo mais uma hora até ela esquentar o suficiente para cozinhar alguma coisa. Mas havia muito que ver enquanto esperavam. A barraca deles estava armada ao longo de uma espécie de rua de acesso ao campo de Quadribol, por onde funcionários do Ministério corriam para cima e para baixo, cumprimentando cordialmente o Sr.Weasley ao passar. O Sr. Weasley fazia comentários contínuos, principalmente para benefício de Harry e Hermione, seus próprios filhos já conheciam bastante o Ministério para se interessar.
— Aquele era Cutberto Mockridge, chefe da Seção de Ligação com os Duendes... Lá vem Gilberto Wimple, ele trabalha na Comissão de Feitiços Experimentais, já usa aqueles chifres há algum tempo...
— Alô Arnaldinho... — Arnaldo Peasegood, ele é um obliviador, trabalha no Esquadrão de Reversão de Feitiços Acidentais, sabe... E aqueles outros são Bode e Croaker... São dois inomináveis...
— São o quê?
— Do Departamento de Mistérios, ultra-secretos, não tenho a menor idéia do que fazem...
Finalmente, a fogueira ficou pronta e eles já haviam começado a preparar salsichas com ovos quando Gui, Carlinhos e Percy saíram caminhando da floresta para se reunirem à família.
— Acabei de aparatar, papai — disse Percy em voz alta. — Ah, que excelente almoço!
Já haviam comido metade das salsichas com ovos quando o Sr. Weasley se levantou, acenando e sorrindo para um homem que vinha em sua direção.
— Ah-ah! — exclamou ele. — O homem do momento! Ludo!
Ludo Bagman era, sem favor algum, o homem mais chamativo que Harry já vira na vida, até mesmo incluindo nessa conta o velho Arquibaldo com sua camisola florida. Usava longas vestes de Quadribol com grandes listras horizontais amarelas e pretas. Uma enorme estampa de uma vespa tomava todo o seu peito. Tinha a aparência de um homem corpulento que parara de se exercitar; suas vestes estavam muito esticadas por cima da enorme barriga, que certamente não existia na época em que ele jogava Quadribol pela Inglaterra. Seu nariz era achatado (provavelmente quebrado por algum balaço errante, pensou Harry), mas os redondos olhos azuis, os cabelos louros curtos e a pele rosada o faziam parecer um menino de escola que crescera demais.
— Olá, — exclamou Bagman alegremente. Andava como se tivesse molas nas solas dos pés, era visível que estava num estado de extrema excitação.
— Arthur, meu velho — ofegou ele, ao chegar à fogueira — que dia, hein? Será que podíamos ter desejado um tempo mais perfeito? Uma noite sem nuvens... E quase nenhum problema na programação... Quase nada para eu fazer!
Por trás dele, um grupo de bruxos do Ministério, de cara exausta, passou apressado, apontando para a evidência distante de algum tipo de fogueira mágica que disparava faíscas violetas a seis metros de altura.
Percy adiantou-se rapidamente com a mão estendida. Pelo jeito o fato de desaprovar o modo de Ludo Bagman dirigir o departamento, não o impedia de querer causar boa impressão.
— Ah... Sim — disse o Sr. Weasley, sorrindo —, este é o meu filho, Percy, começou a trabalhar no Ministério agora, e este é Fred, não, Jorge, desculpe, esse é o Fred... Gui, Carlinhos, Rony... Minha filha, Gina... E os amigos de Rony, Hermione Granger e Harry Potter.
De maneira discretíssima, Bagman olhou uma segunda vez ao ouvir o nome de Harry e seus olhos deram a conhecida espiada na cicatriz na testa do garoto.
— Pessoal — continuou o Sr. Weasley —, este é Ludo Bagman, vocês sabem quem ele é, e é graças a ele que temos entradas tão boas...
Bagman abriu um sorriso de lado a lado do rosto e fez um gesto com a mão significando que não fora nada.
— Quer arriscar uma apostinha no jogo, Arthur? — perguntou ele ansioso, sacudindo, ao que parecia, um bocado de ouro nos bolsos das vestes amarelas e pretas. — Já aceitei a aposta de Roddy Pontner de que a Bulgária vai marcar primeiro, ofereci a ele uma boa vantagem, levando em conta que os três jogadores avançados da Irlanda são os mais fortes que já vi em anos, e a pequena Ágata Timms apostou meias quotas da fazenda de enguias de que a partida vai durar uma semana.
— Ah... Vá lá, então — disse o Sr. Weasley. — Vejamos... Um galeão na vitória da Irlanda?
— Um galeão? — Ludo Bagman pareceu ligeiramente desapontado, mas se recuperou: — Muito bem, muito bem... Mais alguma aposta?
— Eles são um pouco jovens demais para andar jogando — disse o Sr. Weasley. — Molly não gostaria...
— Nós apostamos trinta e sete galeões, quinze sicles e três nuques — disse Fred, ao mesmo tempo em que ele e Jorge juntavam rapidamente todo o dinheiro que tinham — que a Irlanda ganha, mas Vítor Krum captura o pomo. Ah, e damos uma varinha falsa de cortesia.
— Vocês não vão querer mostrar ao Sr. Bagman esse lixo — sibilou Percy, mas o bruxo não pareceu achar que a varinha era lixo, muito ao contrário, seu rosto de colegial iluminou-se de excitação ao recebê-la das mãos de Fred e, quando a varinha deu um cacarejo e se transformou em uma galinha de borracha, Bagman caiu na gargalhada.
— Excelente! Não vejo uma varinha tão convincente há anos! Eu pagaria cinco galeões por uma dessas!
Percy ficou paralisado, numa atitude de indignada desaprovação.
— Meninos — disse o Sr. Weasley entre dentes —, não quero vocês jogando... Isto é tudo que economizaram... Sua mãe...
— Não seja estraga-prazeres, Arthur! — trovejou Ludo Bagman excitado, sacudindo as moedas nos bolsos. — Eles já são bem grandinhos para saber o que querem! Vocês acham que a Irlanda vai vencer, mas Krum vai capturar o pomo? Nem por milagre, moleques, nem por milagre... Vou dar uma excelente vantagem nessa... E acrescentar mais cinco galeões por essa varinha marota, concordam...
O Sr. Weasley ficou olhando sem ação enquanto Ludo Bagman puxava um caderninho e uma pena e começava a anotar os nomes dos gêmeos.
— Tchau — disse Jorge, apanhando o pedaço de pergaminho que Bagman lhe estendia e guardando-o no peito das vestes. Bagman virou-se animadíssimo para o Sr. Weasley.
— Daria para me fazer um chá, suponho? Estou de olho para ver se localizo Crouch. O meu contraparte búlgaro está criando dificuldades e não consigo entender uma palavra do que ele diz. Bartô poderia resolver o problema, fala umas cento e cinqüenta línguas.
— O Sr. Crouch? — disse Percy, abandonando subitamente o seu ar de impassível desaprovação e quase se contorcendo de óbvia excitação. — Ele fala mais de duzentas! Serêiaco, grugulês, trasgueano...
— Qualquer um sabe falar trasgueano — disse Fred fazendo pouco —, é só a gente apontar e grunhir.
Percy lançou a Fred um olhar feiíssimo e atiçou os gravetos da fogueira vigorosamente para fazer a chaleira ferver.
— Já teve notícias de Berta Jorkins, Ludo? — perguntou o Sr. Weasley quando Bagman se sentou na grama ao lado deles.
— Nem um pio — disse Bagman à vontade. — Mas ela vai aparecer. Coitada da velha Berta... Tem a memória de um caldeirão furado e nenhum senso de direção. Perdida, se quiserem acreditar. Vai aparecer na seção lá para outubro, pensando que ainda é julho.
— Você não acha que já estava na hora de mandar alguém procurá-la? — sugeriu, hesitante, o Sr. Weasley, quando Percy estendeu a Bagman o chá pedido.
— É o que o Bartô Crouch não pára de dizer — respondeu Bagman, arregalando inocentemente seus olhos redondos —, mas o fato é que não podemos destacar ninguém no momento. Ah... É falar no demônio! Bartô!
Um bruxo acabara de aparatar junto à fogueira, e não poderia oferecer um contraste maior a Ludo Bagman, estirado na grama com as vestes velhas do Wasp.
Bartô era um homem mais velho, formal, empertigado, vestido com um terno e uma gravata impecáveis. A risca nos seus cabelos grisalhos e curtos era quase absurdamente reta e o bigode fino de escovinha parecia ter sido aparado com uma régua. Seus sapatos eram exageradamente lustrosos. Harry percebeu na hora por que Percy o idolatrava.
Percy acreditava piamente em obedecer às regras sem fazer concessões, e o Sr. Crouch obedecera à regra de se vestir como trouxa tão rigorosamente que poderia ter passado por gerente de banco. Harry duvidava que seu tio Válter pudesse ter descoberto quem ele realmente era.
— Estrague um pouco a grama, Bartô — disse Ludo animadamente, batendo no chão.
— Não, muito obrigado — respondeu Crouch, e havia um vestígio de impaciência em sua voz. — Estive procurando-o por toda parte. Os búlgaros insistem que coloquemos mais doze cadeiras no camarote de honra.
— Ah, é isso que eles querem? — exclamou Bagman. — Achei que o sujeito estava pedindo uma pinça emprestada. Sotaque forte o dele.
— Mr. Crouch! — disse Percy sem fôlego, curvando-se numa espécie de meia reverência que o fez parecer corcunda. — O senhor aceita uma xícara de chá?
— Ah — exclamou o bruxo, olhando surpreso para Percy. — Claro... obrigado, Weatherby.
Fred e Jorge se engasgaram dentro das xícaras de que bebiam. Percy, as orelhas muito rosadas, ocupou-se com a chaleira.
— Ah, e tenho querido dar uma palavra com você, também, Arthur — disse o Sr. Crouch, seu olhar penetrante recaindo sobre o Sr. Weasley. — Ali Bashir está em pé de guerra. Quer falar com você sobre o embargo dos tapetes voadores.
O Sr. Weasley soltou um profundo suspiro.
— Mandei-lhe uma coruja sobre isso ainda na semana passada. Já devo ter dito a Bashir umas cem vezes: tapetes são classificados como artefatos mágicos pelo Registro de Objetos Enfeitiçáveis Proscritos, mas, e ele quer me escutar?
— Duvido — respondeu o Sr. Crouch, aceitando a xícara de Percy. — Ele está desesperado para exportar para cá.
— Bom, eles nunca vão substituir as vassouras na Grã-Bretanha, vão? — disse Bagman.
— Ali acha que há um nicho no mercado para um veículo familiar — explicou o Sr. Crouch. — Eu me lembro de que o meu avô tinha um Axminster que levava doze pessoas, mas isso foi antes dos tapetes serem banidos, naturalmente.
Ele falou como se não quisesse deixar a menor dúvida de que todos os seus antepassados cumpriam rigorosamente a lei.
— Então, muito ocupado, Bartô? — perguntou Bagman despreocupadamente.
— Bastante — respondeu o outro seco. — Organizar chaves de portal em cinco continentes não é uma tarefa qualquer, Ludo.
— Imagino que os dois vão ficar contentes quando o evento acabar — comentou o Sr. Weasley.
Ludo Bagman pareceu chocado.
— Contente! Não me lembro de ter me divertido tanto... Ainda assim, não é que não haja mais trabalho pela frente, hein, Bartô? Hein? Muita coisa ainda para organizar, hein?
O Sr. Crouch ergueu as sobrancelhas para Bagman.
— Combinamos não anunciar nada até todos os detalhes...
— Ah, os detalhes! — exclamou Bagman, afastando a palavra como se fosse uma nuvem de mosquitos. — Eles já assinaram, então? Concordaram? Aposto o que você quiser como esses garotos vão saber logo. Quero dizer, vai acontecer em Hogwarts...
— Ludo, precisamos receber os búlgaros, sabe — disse o Sr. Crouch bruscamente, cortando os comentários de Bagman. — Obrigado pelo chá, Weatherby.
Ele devolveu a Percy a xícara de chá intocada e esperou Ludo se levantar;
Bagman se pôs em pé com dificuldade, virando o restinho de chá, o ouro em seus bolsos tilintando alegremente.
— Vejo vocês todos mais tarde! — disse ele. — Vão ficar no camarote de honra comigo, vou comentar o jogo! — Ele acenou, Bartô Crouch fez um movimento rápido com a cabeça e os dois desaparataram.
— Que é que vai acontecer em Hogwarts, papai? — perguntou Fred na mesma hora. — Do que é que eles estavam falando?
— Você vai descobrir logo — disse o Sr. Weasley sorrindo.
— É informação privilegiada, até o Ministério achar conveniente comunicá-la — disse Percy empertigado. — O Sr. Crouch estava certo em não querer revelar nada.
— Ah, cala a boca, Weatherby — disse Fred.
A atmosfera de excitação foi-se adensando como uma nuvem palpável sobre o acampamento, à medida que a tarde avançava. A hora do crepúsculo, o próprio ar parado de verão parecia estar vibrando de excitação, e quando a noite se estendeu como um toldo sobre os milhares de bruxos que aguardavam, os últimos vestígios de fingimento desapareceram: o Ministério pareceu se curvar ao inevitável e parou de combater os indisfarçáveis sinais de magia que agora irrompiam por toda parte.
Ambulantes aparatavam a cada metro, trazendo bandejas e empurrando carrinhos cheios de extraordinárias mercadorias. Havia rosetas luminosas — verdes para a Irlanda, vermelhas para a Bulgária — que gritavam os nomes dos jogadores, chapéus verdes cônicos enfeitados com trevos dançantes, echarpes búlgaras adornadas com leões que rugiam de verdade, bandeiras dos dois países que tocavam os hinos nacionais quando eram agitadas, havia miniaturas de Firebolts, que realmente voavam, e figurinhas colecionáveis dos jogadores famosos, que andavam se exibindo nas palmas das mãos.
— Guardei o meu dinheiro o verão todo para o dia de hoje — disse Rony a Harry, quando os três saíram caminhando entre os vendedores comprando lembranças. Embora Rony já tivesse comprado um chapéu com trevos dançantes e uma grande roseta verde, comprou também uma figurinha de Vítor Krum, o apanhador búlgaro. O brinquedo andava para frente e para trás na mão do garoto, amarrando a cara para a roseta verde acima.
— Uau, olha só para isso! — exclamou Harry, correndo até um carrinho atulhado de coisas que pareciam binóculos de latão, só que eram cheios de botões estranhos.
— Onióculos — disse o vendedor pressuroso. — Você pode rever o lance... Passar ele em câmara lenta... E ver uma retrospectiva lance a lance, se precisar. Pechincha: dez galeões um.
— Eu queria não ter comprado isso — disse Rony, indicando o chapéu com os trevos dançantes e olhando, de olho comprido, para os onióculos.
— Três — disse Harry com firmeza ao bruxo.
— Não... Não precisa — disse Rony ficando vermelho. Sempre se melindrava com o fato de que Harry, que herdara uma pequena fortuna dos pais, tivesse muito mais dinheiro do que ele.
— Não vou te dar nada no Natal — disse Harry, empurrando os oníóculos nas mãos do amigo e de Hermione. — Por uns dez anos, não se esqueça.
— É justo — disse Rony rindo.
— Aaah, obrigada, Harry — disse Hermione. — E eu compro os programas para nós, olha...
Com as bolsas de dinheiro bem mais leves, os três voltaram às barracas.
Gui, Carlinhos e Gina também estavam usando rosetas verdes, e o Sr. Weasley carregava uma bandeira da Irlanda. Fred e Jorge não compraram suvenires porque tinham entregado todo o dinheiro a Bagman.
Então, eles ouviram um gongo, grave e ensurdecedor, bater em algum lugar além da floresta e, na mesma hora, lanternas verdes e vermelhas se acenderam entre as árvores, iluminando o caminho até o campo.
— Está na hora! — exclamou o Sr. Weasley, parecendo tão excitado quanto os garotos. — Andem logo, vamos!











CAPÍTULO OITO
A Copa Mundial de Quadribol

Agarrados às compras, o Sr. Weasley à frente, todos correram para a floresta seguindo o caminho iluminado pelas lanternas. Ouviam a algazarra de milhares de pessoas que se movimentavam à volta deles, gritos, gargalhadas e trechos de canções. A atmosfera de excitação febril era extremamente contagiosa; Harry não conseguia parar de sorrir. Caminharam pela floresta durante vinte minutos, conversando e brincando em voz alta até que finalmente emergiram do outro lado e se viram à sombra de um gigantesco estádio.
Embora Harry só pudesse ver partes das imensas paredes douradas que cercavam o campo, ele podia afirmar que caberiam dentro dele, com folga, umas dez catedrais.
— Tem capacidade para cem mil pessoas — disse o Sr. Weasley, vendo o ar de assombro no rosto do garoto. — Uma força-tarefa do Ministério, com quinhentas pessoas, trabalhou o ano inteiro. Há Feitiços Antitrouxas em cada centímetro. Todas as vezes que, neste ano, os trouxas se aproximavam da área, eles de repente se lembravam de compromissos urgentes e precisavam sair correndo... Deus os abençoe — acrescentou ele carinhosamente, se encaminhando para o portão mais próximo, que já estava cercado por um enxame de bruxos e bruxas aos gritos.
— Lugares de primeira! — exclamou a bruxa do Ministério ao portão, quando verificou as entradas deles. — Camarote de honra! Suba direto, Arthur, o mais alto possível.
As escadas de acesso ao estádio estavam forradas com carpetes púrpura berrante. Eles subiram com o resto da multidão, que aos poucos foi se dispersando pelas portas à direita e à esquerda que levavam às arquibancadas. O grupo do Sr. Weasley continuou subindo e finalmente chegou ao alto da escada, onde havia um pequeno camarote, armado no ponto mais alto do estádio e situado exatamente entre as duas balizas de ouro. Umas vinte cadeiras douradas e púrpura tinham sido distribuídas em duas filas, e Harry, ao entrar na primeira com os Weasley, deparou com uma cena que ele jamais imaginara ver.
Cem mil bruxos e bruxas iam ocupando os lugares que se erguiam em vários níveis em torno do longo campo oval. Tudo estava banhado por uma misteriosa claridade dourada que parecia se irradiar do próprio estádio. Ali do alto, o campo parecia feito de veludo. De cada lado havia três aros de gol, a quinze metros de altura, do lado oposto ao que estavam, quase ao nível dos olhos de Harry, havia um gigantesco quadro-negro. Palavras douradas corriam pelo quadro sem parar como se uma gigantesca mão invisível as escrevesse e em seguida as apagasse, observando melhor, Harry viu que o quadro projetava anúncios no campo.

“Bluebottle: uma vassoura para toda a família — segura, confiável, equipada com alarme antiroubo... Removedor Mágico Multi uso da Sra. Skower. Sem dor nem cor!... Trapo Belo Moda Mágica — Londres, Paris, Hogsmeade...”

Harry desgrudou os olhos do quadro e espiou por cima do ombro para ver quem mais dividia o camarote com eles. Por ora estava vazio, exceto por uma criaturinha sentada na antepenúltima cadeira na fila logo atrás. A criatura, cujas pernas eram tão curtas que ficavam esticadas para frente sem poder dobrar, usava uma toalha de chá drapejada, presa como uma toga, e tinha o rosto escondido nas mãos. Contudo, aquelas compridas orelhas de morcego eram estranhamente familiares...
— Dobby? — perguntou Harry incrédulo.
A criaturinha levantou a cabeça e entreabriu os dedos, deixando aparecer enormes olhos castanhos e um nariz do tamanho exato de um tomate. Não era Dobby, mas era, sem a menor dúvida, um elfo doméstico, como fora o amigo de Harry, Dobby. O garoto o libertara dos antigos donos, a família Malfoy.
— O senhor me chamou de Dobby? — guinchou o elfo cheio de curiosidade, por entre os dedos. Sua voz era ainda mais aguda que a de Dobby, um fiapinho trêmulo de guincho, e Harry suspeitou, embora isso fosse muito difícil dizer no caso de elfos domésticos, que este talvez fosse do sexo feminino. Rony e Hermione se viraram nas cadeiras para olhar. Embora tivessem ouvido Harry falar muito de Dobby, nunca haviam chegado a conhecê-lo. Até o Sr. Weasley se virou para trás interessado.
— Desculpe — disse Harry —, achei que você era alguém que eu conhecia.
— Mas eu também conheço Dobby, meu senhor! — guinchou o elfo. Escondia o rosto como se a luz o cegasse, embora o camarote de honra não fosse muito bem iluminado. — Meu nome é Winky, meu senhor, e o senhor... — seus grandes olhos castanho-escuros se arregalaram tanto que pareceram pratinhos de pão ao pousarem na cicatriz de Harry — o senhor com certeza é Harry Potter!
— É, sou.
— Ora, Dobby fala do senhor o tempo todo, meu senhor — disse ela baixando um tantinho as mãos e parecendo assombrada.
— Como vai ele? — perguntou Harry. — Está gostando da liberdade?
— Ah, meu senhor — disse Winky, sacudindo a cabeça —, ah, meu senhor, sem querer lhe faltar ao respeito, meu senhor, mas não tenho muita certeza se o senhor fez um favor a Dobby, meu senhor, quando deu a liberdade a ele.
— Por quê? — perguntou Harry, espantado. — Que é que ele tem?
— A liberdade está subindo à cabeça dele — disse Winky tristemente. — Idéias acima da condição social dele, meu senhor. Não consegue outro emprego, meu senhor.
— Por que não?
Winky baixou a voz uma oitava e sussurrou:
— Ele está exigindo pagamento pelo trabalho que faz, meu senhor.
— Pagamento? — exclamou Harry sem entender. — Ora... por que ele não deveria receber pagamento?
Winky pareceu horrorizada com a idéia e fechou os dedos um tantinho, de modo que seu rosto tornou a ficar invisível.
— Elfos domésticos não recebem pagamento, meu senhor! — disse ela num guincho abafado. — Não, não, não. Eu digo ao Dobby, eu digo, procure uma boa família e tome juízo, Dobby. Ele anda fazendo todo tipo de feitiço avançado, meu senhor, o que não fica bem para um elfo doméstico. Você fica aprontando por aí, Dobby, eu digo, e daqui a pouco eu vou saber que você teve que comparecer no Departamento para Regulamentação e Controle das Criaturas Mágicas, como um duende desclassificado.
— Bem, já estava na hora de ele se divertir um pouco — falou Harry.
— Elfos domésticos não nasceram para se divertir, Harry Potter — disse Winky com firmeza, por trás das mãos. — Elfos domésticos fazem o que são mandados fazer. Eu não estou gostando nem um pouco da altura, Harry Potter... — ela olhou para a borda do camarote e engoliu em seco — ... Mas meu dono me mandou para o camarote de honra e eu obedeço, meu senhor.
— Por que é que ele mandou você aqui, se sabe que você não gosta de alturas? — perguntou Harry franzindo a testa.
— Meu dono... Meu dono quer que eu guarde um lugar para ele, Harry Potter, ele está muito ocupado — disse Winky, inclinando a cabeça pata a cadeira vazia ao lado. — Winky está querendo voltar para a barraca do dono, Harry Potter, mas Winky é bem mandada, Winky é um bom elfo doméstico.
Ela lançou outro olhar assustado à borda do camarote e tornou a esconder completamente os olhos. Harry se virou para os outros.
— Então isso é um elfo doméstico? — murmurou Rony. — Esquisitos, não são?
— Dobby era ainda mais esquisito — disse Harry, com veemência.
Rony tirou o onióculo e começou a testá-lo, observando a multidão embaixo, do lado oposto do estádio.
— Irado! — disse ele, girando o botão lateral para fazer a imagem voltar. –Consigo ver aquele velhote lá embaixo meter o dedo no nariz outra vez... Mais uma vez... E mais outra...
Entrementes, Hermione estava lendo superficialmente o programa que tinha borda e capa de veludo.
— Vai haver um desfile com as mascotes dos times antes da partida — leu ela em voz alta.
— Ah, a isso sempre vale a pena assistir — disse o Sr. Weasley. — Os times nacionais trazem criaturas da terra natal, sabem, para fazer farol.
O camarote foi-se enchendo gradualmente em volta deles durante a meia hora seguinte. O Sr. Weasley não parava de apertar a mão de bruxos, obviamente muito importantes. Percy levantou-se de um salto tantas vezes que até parecia que estava tentando sentar em cima de um porco-espinho. Quando Cornélio Fudge, Ministro da Magia, chegou, Percy fez uma reverência tão exagerada que seus óculos caíram e se partiram. Muito encabulado, ele os consertou com a varinha e dali em diante permaneceu sentado, lançando olhares invejosos a Harry, a quem o ministro cumprimentara como um velho amigo. Os dois já se conheciam e Fudge apertou a mão de Harry paternalmente, perguntou como ele estava e apresentou-o aos bruxos de um lado e de outro.
— Harry Potter, sabe — disse ele em voz alta ao ministro búlgaro, que usava esplêndidas vestes de veludo preto, enfeitadas com ouro, e aparentemente não entendia uma única palavra de inglês. — Harry Potter... Ah, vamos, o senhor sabe quem É... O menino que sobreviveu ao ataque de Você-Sabe-Quem... Tenho certeza de que o senhor sabe quem é...
O bruxo búlgaro, de repente, viu a cicatriz de Harry e começou a algaraviar em voz alta e excitada, apontando para a marca.
— Sabia que íamos acabar chegando lá — disse Fudge, esgotado, a Harry. — Não sou grande coisa para línguas, preciso de Bartô Crouch nesses encontros. Ah, vejo que o elfo doméstico está guardando o lugar dele... Bem pensado, esses búlgaros danados têm tentado arrancar da gente os melhores lugares... Ah, ai vem Lúcio!
Harry, Rony e Hermione se viraram depressa. Avançando vagarosamente pela segunda fila, em direção a três lugares ainda vazios, bem atrás do Sr. Weasley, vinham ninguém menos que os antigos donos de Dobby — Lúcio Malfoy, seu filho Draco e uma mulher que Harry supôs que fosse a mãe do garoto.
Harry Potter e Draco Malfoy eram inimigos desde a primeira viagem de trem para Hogwarts. Um garoto de rosto fino e cabelos muito louros, Draco se parecia muito com o pai. A mãe também era loura, alta e magra, e até seria bonita se não carregasse no rosto uma expressão que sugeria que estava sentindo um mau cheiro bem debaixo do nariz.
— Ah, Fudge — disse o Sr. Malfoy, estendendo a mão para o Ministro da Magia, ao chegar mais próximo. — Como vai? Acho que você não conhece minha mulher, Narcisa? Nem o nosso filho, Draco?
— Como estão, como estão? — disse Fudge, sorrindo e se curvando para a Sra. Malfoy. — E me permitam apresentar a vocês o Sr. Oblansk ("Obalonsk, senhor"), bem, o Ministro da Magia da Bulgária, e de qualquer modo ele não consegue entender nenhuma palavra do que estou dizendo, portanto não faz diferença. E vejamos quem mais, você conhece Arthur Weasley, imagino?
Foi um momento tenso. O Sr. Weasley e o Sr. Malfoy se entreolharam e Harry se lembrou nitidamente da última vez que haviam se encontrado; fora na livraria Floreios e Borrões, e os dois tinham partido para uma briga.
Os olhos do Sr. Malfoy, frios e cinzentos, examinaram o Sr. Weasley e depois a fila em que ele estava.
— Meu Deus, Arthur — disse ele baixinho. — Que foi que você precisou vender para comprar lugares no camarote de honra? Com certeza sua casa não teria rendido tudo isso, não?
Fudge que não estava prestando atenção, comentou:
— Lúcio acabou de fazer uma generosa contribuição para o Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos. Está aqui como meu convidado.
— Que... Que bom — disse o Sr. Weasley com um sorriso muito forçado.
Os olhos do Sr. Malfoy se voltaram para Hermione, que corou de leve, mas retribuiu o seu olhar com determinação. Harry sabia exatamente o que estava fazendo os lábios do Sr. Malfoy se crisparem. Os Malfoy se orgulhavam de ter o sangue puro, em outras palavras, consideravam qualquer pessoa que descendesse de trouxas, como Hermione, gente de segunda classe. No entanto, sob o olhar do Ministro da Magia, o Sr. Malfoy não se atrevia a dizer nada. Acenou a cabeça com desdém para o Sr. Weasley e continuou a avançar em direção aos lugares vazios. Draco lançou a Harry, Rony e Hermione um olhar de desprezo, depois se sentou entre a mãe e o pai.
— Babacas nojentos — murmurou Rony, quando ele, Harry e Hermione tornaram a se virar para o campo. No momento, seguinte, Ludo Bagman adentrou o camarote de honra.
— Todos prontos? — perguntou ele, o rosto redondo e excitado brilhando como um queijo holandês.
— Ministro, podemos começar?
— Quando você quiser, Ludo — disse Fudge descontraído.
Ludo puxou a varinha, apontou-a para a própria garganta, disse "Sonorus!” e então, sobrepondo-se à zoeira que agora enchia o estádio lotado falou; sua voz reboou, ecoando em cada canto das arquibancadas:
— Senhoras e senhores... bem-vindos! Bem-vindos à final da quadricentésima vigésima segunda Copa Mundial de Quadribol!
Os espectadores gritaram e bateram palmas. Milhares de bandeiras se agitaram, somando seus desafinados hinos nacionais à barulheira geral. O grande quadro-negro defronte apagou a mensagem (Feijõezinhos de todos os sabores Beto Botts — um risco cada dentada!) e passou a informar:
BULGÁRIA: ZERO
IRLANDA: ZERO
— E agora, sem mais demora, vamos apresentar... Os mascotes do time búlgaro!
O lado direito das arquibancadas, que era uma massa compacta e vermelha, berrou manifestando sua aprovação.
— Que será que eles trouxeram? — comentou o Sr. Weasley curvando-se para frente na cadeira. — Ah-ha! — Ele de repente tirou os óculos e limpou-os depressa nas vestes. — Veela!
— Que são Veela?
Mas cem Veela deslizaram pelo campo e a pergunta de Harry ficou respondida. Veela eram mulheres... As mulheres mais belas que Harry já vira... Só que não eram — não podiam ser humanas.
Isto deixou Harry intrigado por alguns momentos, tentando adivinhar o que poderiam ser exatamente, que é que faria a pele dela refulgir como o luar ou os cabelos louro-prateados se abrirem em leque para trás sem haver vento... Mas então a música começou tocar e Harry parou de se preocupar se elas seriam ou não humanas. Na realidade, parou de se preocupar com tudo.
As Veela começaram a dançar e a cabeça de Harry ficou completa e bem-aventuradamente vazia. Tudo que importava no mundo era continuar a assistir às Veela, porque se elas parassem de dançar coisas terríveis iriam acontecer...
E enquanto as Veela dançavam cada vez mais rapidamente, pensamentos incompletos e delirantes começaram a se formar na mente atordoada de Harry.
Ele queria fazer uma coisa bem impressionante naquele momento. Atirar-se do camarote para o estádio lhe pareceu uma boa idéia... Mas seria suficiente?
— Harry, que é que você está fazendo? — ele ouviu lá longe a voz de Hermione.
A música parou. Harry piscou os olhos. Ele estava em pé, tinha uma das pernas passada por cima da borda do camarote. Ao lado dele, Rony estava paralisado numa posição que dava a impressão de que ia saltar de um trampolim.
Gritos indignados começaram a encher o estádio. A multidão não queria que as Veela se retirassem. Harry concordava, ele iria, claro, torcer pela Bulgária, e se perguntou meio vagamente porque estava usando um grande trevo verde preso ao peito. Entrementes, Rony, distraidamente, despetalava os trevos do chapéu. O Sr. Weasley, sorrindo, curvou-se para Rony e tirou o chapéu das mãos do filho.
— Você vai querer isso depois — disse ele —, depois que a Irlanda disser a que veio.
— Hum? — exclamou Rony fixando, boquiaberto, as Veela, que agora estavam enfileiradas a um lado do campo. Hermione deu um muxoxo alto. Esticou o braço e puxou Harry de volta à cadeira dele.
— Francamente! — exclamou.
— E agora — trovejou Ludo Bagman — por favor, levantem as varinhas bem alto... Para receber os mascotes do time nacional da Irlanda!
No instante seguinte, algo que lembrava um imenso cometa verde e ouro entrou velozmente no estádio. Deu uma volta completa, depois se subdividiu em dois cometas menores, que se projetavam em direção às balizas. De repente, um arco-íris atravessou o céu do campo unindo as duas esferas luminosas.
A multidão fazia "aaaaah" e "ooooh", como se presenciasse um espetáculo de fogos de artifício. Depois o arco-íris foi se dissolvendo e as esferas se aproximaram e se fundiram; tinham formado um grande trevo refulgente, que subiu em direção ao céu e ficou pairando sobre as arquibancadas.
Parecia estar deixando cair uma espécie de chuva dourada...
— Excelente! — berrou Rony, quando o trevo sobrevoou o camarote, fazendo chover pesadas moedas de ouro, que ricocheteavam nas cabeças e cadeiras.
Apertando os olhos para ver melhor o trevo, Harry percebeu que na realidade ele era composto de milhares de homenzinhos barbudos de colete vermelho, cada qual carregando uma minúscula luz ouro-e-verde.
— Leprechauns! — exclamou o Sr. Weasley, fazendo-se ouvir em meio ao tumultuoso aplauso dos espectadores, muitos dos quais continuavam a disputar o ouro e a procurá-lo por todo o lado em volta e embaixo das cadeiras.
— Toma aqui, Harry — gritou Rony feliz, metendo um punhado de moedas de ouro na mão do amigo. — Pelo onióculo! Agora você vai ter que me comprar um presente de Natal, ha!
O maior dos trevos se dissolveu e os Leprechauns, que são duendes irlandeses, foram descendo no lado do campo oposto ao das Veela, e se sentaram de pernas cruzadas para assistir à partida.
— E agora, senhoras e senhores, vamos dar as boas-vindas... ao time nacional de Quadribol da Bulgária! Apresentando, por ordem de entrada... Dimitrov!
Um vulto vermelho montado em uma vassoura, que voava tão veloz que parecia um borrão, disparou pelo campo, vindo de uma entrada lá embaixo, sob o aplauso frenético dos torcedores da Bulgária.
— Ivanova!
Um segundo jogador de vermelho passou zunindo.
— Zografi Levski! Vulchanov! Volkov! Eeeeeeeee... Krum!
— É ele, é ele! — berrou Rony, acompanhando Krum com o onióculo; Harry focalizou rapidamente o dele.
Vítor Krum era magro, moreno, de pele macilenta, com um narigão adunco e sobrancelhas muito espessas e negras. Lembrava uma ave de rapina grande demais. Era difícil acreditar que tivesse apenas dezoito anos.
— E agora vamos saudar... O time nacional de Quadribol da Irlanda! —, berrou Bagman. — Apresentando... Connolly! Ryan! Troy! Mullet! Moran! Quigley! Eeeeeee... Lynch.
Sete borrões entraram velozes no campo; Harry girou um pequeno botão lateral no onióculo e reduziu a velocidade da imagem o suficiente para ler "Firebolt" em cada uma das vassouras, e ver os nomes, bordados em prata, nas costas dos jogadores.
— E conosco, das terras distantes do Egito, o nosso juiz, o famoso bruxo presidente da Associação Internacional de Quadribol, Hassan Mostafa!
Um bruxo miúdo e magro, completamente careca, mas com uma bigodeira que rivalizava a do tio Válter, entrou em campo trajando vestes de ouro puro para combinar com o estádio. Um apito de prata saía por baixo dos bigodes e ele sobraçava de um lado uma grande caixa de madeira e, do outro, sua vassoura.
Harry girou o botão de velocidade do seu onióculo para a posição normal, e observou com atenção Mostafa montar a vassoura e abrir a caixa com um pontapé — quatro bolas se projetaram no ar, a goles vermelha, os dois balaços pretos e (Harry o viu por um brevíssimo instante antes que ele desaparecesse de vista) o minúsculo pomo alado de ouro. Com um silvo forte e curto do apito, Mostafa saiu pelos ares acompanhando as bolas.
— COOOOOOOOOoomeçou a partida! —, berrou Bagman. -É Muíler! Troy! Moran! Dimirrov! De volta a Muíler! Troy! Levski! Moran!
Era Quadribol como Harry nunca vira ninguém jogar antes. Ele apertava o onióculo com tanta força contra os olhos que seus óculos estavam começando a cortar a ponta do nariz. A velocidade dos jogadores era incrível — os artilheiros jogavam a bola um para o outro tão depressa que Bagman só tinha tempo de identificá-los.
Harry tornou a girar o botão do lado direito do onióculo para reduzir a velocidade da imagem, apertou o botão "lance a lance" e na mesma hora estava assistindo ao jogo em câmara lenta, enquanto letras púrpuras passavam brilhando pelas lentes do instrumento, e o rugido da multidão martelava seus tímpanos!
“Formação de ataque de Hawkshead” — leu ele enquanto assistia a três artilheiros irlandeses voarem juntos, Troy no meio, um pouco à frente de Mullet e Moran, e investirem contra os búlgaros. “Manobra de Ploy”, leu ele em seguida, quando Troy fingiu que ia subir com a goles, atraindo a artilheira búlgara Ivanova, e deixou cair a bola para Moran. Um dos batedores búlgaros, Volkov rebateu violentamente, com o seu pequeno bastão, um balaço que passava, derrubando-o no caminho de Moran, Moran se abaixou para evitar o balaço e soltou a goles e Levski, que voava mais abaixo, apanhou-a...
— GOL DE TROY! —, berrou Bagman, e o estádio estremeceu com o rugido dos aplausos e vivas. — Dez a zero para a Irlanda.
— Quê? — berrou Harry nervoso, observando o campo com o onióculo. — Mas Levski é que está com a goles!
— Harry, se você não observar em velocidade normal, vai perder todos os lances! — gritou Hermione, que dançava aos pulos, agitando os braços no ar, enquanto Troy dava uma volta no campo para comemorar o gol. Harry espiou depressa por cima do onióculo e viu que os Leprechauns, que assistiam ao jogo na extremidade do campo, tinham novamente levantado vôo e formavam o grande trevo refulgente. Na outra extremidade, as Veela assistiram a essa exibição em silêncio.
Furioso consigo mesmo, Harry girou o botão de volta à velocidade normal quando o jogo recomeçou.
Harry entendia o suficiente de Quadribol para saber que os artilheiros irlandeses eram fantásticos. Deslocavam-se em harmonia, parecendo ler o que ia nas mentes uns dos outros, pela maneira com que se posicionavam, e a roseta no peito de Harry não parava de guinchar o nome deles: "Troy — Mullet — Moran!" Em dez minutos a Irlanda marcou mais duas vezes, elevando sua vantagem para trinta a zero e provocando uma onda de gritos e aplausos dos torcedores de verde.
A partida se tornou ainda mais rápida, porém mais brutal. Volkov e Vulchanov, os batedores búlgaros, atiravam os balaços com bastonadas fortíssimas nos artilheiros irlandeses e estavam começando a impedi-los de executar alguns dos seus melhores movimentos, duas vezes eles foram obrigados a dispersar e então, finalmente, Ivanova conseguiu passar por eles, driblar o goleiro Ryan, e marcar o primeiro gol da Bulgária.
— Dedos nos ouvidos! — berrou o Sr. Weasley, quando as Veela começaram a dançar comemorando o lance. Harry apertou os olhos também, queria manter a atenção no jogo. Passados alguns segundos, arriscou uma espiada no campo. As Veela haviam parado de dançar e a Bulgária recuperara a posse da goles.
— Dimitrov! Levski! Dimitrov! Ivanova... Ah, essa não! —, berrou Bagman.
Cem mil bruxos e bruxas prenderam a respiração quando os dois apanhadores, Krum e Lynch, mergulharam no meio dos artilheiros, tão velozes que pareciam ter pulado sem pára-quedas de um avião.
Harry acompanhou a descida deles com o onióculo, apurando a vista para procurar o pomo...
— Eles vão colidir! — berrou Hermione ao lado de Harry.
Hermione estava parcialmente certa — no último segundo, Vítor Krum se recuperou do mergulho e se afastou em círculos. Lynch, no entanto, bateu no chão com um baque surdo que pôde ser ouvido em todo o estádio. Um enorme gemido subiu dos lugares ocupados pelos irlandeses.
— Idiota! — lamentou o Sr. Weasley. — Era uma finta de Krum!
— Tempo! —, berrou Bagman. — Os medibruxos vão entrar em campo para examinar Aidan Lynch!
— Ele está bem, só levou um encontrão! — disse Carlinhos tranqüilizando Gina, que estava pendurada por cima da lateral do camarote, horrorizada. — E isso era, naturalmente, o que Krum pretendera...
Harry apertou depressa os botões de "repetição" e de "lance por lance" no onióculo, girou o botão de velocidade e tornou a levar o onióculo aos olhos.
Ele assistiu a Krum e Lynch mergulharem outra vez em câmara lenta. “Finta de Wronski” — uma manobra perigosa dos apanhadores, leu Harry na legenda púrpura que passou pelas lentes. O garoto viu o rosto de Krum se contorcer, concentrando-se, quando o apanhador se recuperou do mergulho no último instante, ao mesmo tempo que Lynch se estatelava e compreendeu — Krum não vira pomo algum, estava só obrigando Lynch a imitá-lo. O garoto jamais vira alguém voar daquele jeito; Krum nem parecia estar usando uma vassoura, deslocava-se com tanta facilidade pelos ares que parecia solto, sem peso. Harry tornou a ajustar o onióculo na posição normal e focalizou Krum. O jogador voava em círculos bem acima de Lynch, que agora estava sendo reanimado pelos medibruxos com xícaras de poção. Harry focalizou o rosto de Krum ainda mais de perto e viu seus olhos negros correndo para cá e para lá por todo o campo, trinta metros abaixo. Usava o tempo em que Lynch era reanimado para procurar o pomo sem interferência.
Lynch se levantou finalmente, sob ruidosos vivas dos torcedores de verde, montou a Firebolt e deu impulso para o alto. Sua reanimação parecia ter dado à Irlanda novas esperanças. Quando Mostafa tornou a soar o apito, os artilheiros entraram em ação com uma destreza que não se comparava a nada que Harry tivesse visto até então.
Decorridos quinze minutos de velocidade e fúria, a Irlanda acumulara uma vantagem de mais dez gols. Agora liderava por cento e trinta pontos a dez e a partida estava começando a ficar mais desleal.
Quando Mullet disparou em direção às balizas mais uma vez, segurando firmemente a goles embaixo do braço, o goleiro búlgaro, Zograf, correu ao encontro da jogadora. O que aconteceu foi tão rápido que Harry não percebeu, mas subiu um grito de raiva da torcida irlandesa, e o silvo longo e agudo do apito de Mostafa informou que alguém cometera uma falta.
— E Mostafa repreende o goleiro búlgaro pelo jogo bruto, usou os cotovelos! —, informa Bagman aos espectadores que berram. — E... Confirmando, é pênalti a favor da Irlanda. — Os Leprechauns, que haviam levantado vôo, furiosos, como um enxame de marimbondos reluzentes, quando Mullet fora atingida, agora corriam a se juntar formando as palavras "HA! HA! HA!". As Veela, do lado oposto do campo, levantaram-se de um salto, sacudiram os cabelos com raiva e recomeçaram a dançar.
E como se fossem um só, os garotos Weasley e Harry enfiaram os dedos nos ouvidos, mas Hermione, que não se dera a esse trabalho, logo em seguida puxou Harry pelo braço. O garoto se virou para olhá-la, e ela puxou impacientemente os dedos que ele enfiara nos ouvidos.
— Olha o juiz! — disse a garota, rindo.
Harry olhou para o campo. Hassan Mostafa aterrissara bem diante das Veela dançantes, e estava agindo de modo realmente estranho. Flexionava os músculos e alisava os bigodes, muito agitado.
— Ora, isso não é admissível! —, disse Ludo Bagman, embora seu tom de voz fosse o de quem estava achando muita graça. — Alguém aí dê um tapa nesse juiz!
Um medibruxo entrou correndo em campo, os dedos enfiados nos ouvidos, e deu um baita chute nas canelas de Mostafa. O juiz pareceu voltar a si, Harry que observava outra vez o jogo com o onióculo, viu que Mostafa parecia extremamente constrangido e gritava com as Veela, que tinham parado de dançar e pareciam estar se rebelando.
— E a não ser que eu muito me engane, Mostafa está de fato tentando despachar as mascotes do time da Bulgária! —, comentou Bagman. — Aí está uma coisa que nunca vimos antes... Ah, isso é capaz de dar confusão...
E deu: os batedores búlgaros, Volkov e Vulchanov, pousaram ao lado de Mostafa e começaram a discutir furiosamente com o juiz, gesticulando em direção aos Leprechauns, que agora formavam alegremente as palavras "HI! HI HI!".
Mostafa, porém, não se deixou impressionar com a argumentação dos búlgaros, espetou o dedo indicador no ar, dizendo claramente a eles que voltassem ao ar e quando os jogadores se recusaram, ele puxou dois silvos breves no apito.
— Dois pênaltis a favor da Irlanda! —, gritou Bagman, ao que a torcida búlgara ululou de raiva. — E é melhor Volkov e Vulchanov voltarem a montar as vassouras... É isso aí... E lá vão eles... E Troy toma a goles...
A partida agora atingira um nível de ferocidade que ultrapassava tudo que os garotos já tinham visto. Os batedores dos dois lados jogavam sem piedade: principalmente Volkov e Vulchanov pareciam nem ligar se os seus bastões estavam fazendo contato com balaços ou com gente, quando os giravam violentamente no ar.
Dimitrov disparou um balaço em cima de Moran, que segurava a goles, e quase a derrubou da vassoura.
— Falta!— urraram os torcedores irlandeses em uníssono, todos de pé como uma enorme onda verde.
— Falta! —, ecoou a voz de Ludo Bagman, magicamente ampliada. -Dimitrov esfola Moran, o jogador saiu com intenção de dar um encontrão e tem que ser outro pênalti e aí vem o apito!
Os Leprechauns subiram ao ar mais uma vez e agora formaram uma gigantesca mão que fazia um gesto muito grosseiro para as Veela. Ao verem isso, elas se descontrolaram. Precipitaram-se pelo campo e começaram a atirar algo com o aspecto de bolas de fogo contra os duendes irlandeses. Observando com o onióculo, Harry viu que elas agora não estavam nem remotamente belas. Muito ao contrário, seus rostos começaram a se alongar para formar cabeças de aves com bicos afiados e cruéis e irromperam asas longas e escamosas dos seus ombros...
— E aí está, rapazes — berrou o Sr. Weasley se sobrepondo ao tumulto da multidão embaixo — está aí a razão por que vocês não devem se deixar levar só pelas aparências!
Bruxos do Ministério invadiam o campo para separar as Veela e os Leprechauns, mas sem muito sucesso, entrementes a batalha no campo não era nada comparada a que estava ocorrendo no ar. Harry se virava para cá e para lá, espiando pelo onióculo, pois a goles trocava de mãos com a velocidade de uma bala...
— Levski — Dimirrov — Moran — Troy — Mullet — Ivanova — Moran de novo — Moran — um GOL DE MORAN!
Mas a gritaria da torcida irlandesa mal conseguia abafar os gritos agudos das Veela, os estampidos que agora vinham das varinhas dos funcionários do Ministério e os berros furiosos dos búlgaros. A partida recomeçou imediatamente, agora Levski estava com a posse da goles, agora Dimitrov...
O batedor irlandês Quigley levantou com violência o bastão contra um balaço que passava e arremessou-o com toda a força contra Krum, que não se abaixou com suficiente rapidez. O balaço atingiu-o em cheio no rosto.
Ouviu-se um lamento ensurdecedor da multidão, o nariz de Krum parecia quebrado, saía sangue para todo lado, mas Hassan Mostafa não apitou. Distraíra-se e Harry não podia culpá-lo, uma das Veela atirara uma mão cheia de fogo e incendiara a cauda da vassoura do juiz.
Harry queria que alguém percebesse que Krum estava ferido, embora estivesse torcendo pela Irlanda, Krum era o jogador mais fascinante em campo.
Rony obviamente sentia o mesmo.
— Tempo! Ah, anda, ele não pode jogar assim, olha só para ele...
— Olha o Lynch! — berrou Harry.
O apanhador irlandês repentinamente mergulhara e Harry teve certeza de que aquilo não era uma finta de Wronski, era para valer...
— Ele viu o pomo! — berrou Harry. — Ele viu! Olha lá ele correndo!
Metade da multidão parecia ter compreendido o que estava acontecendo, a torcida irlandesa se levantou como uma grande onda verde, animando o apanhador... Mas Krum voava na esteira dele. Como conseguia enxergar aonde ia, Harry não fazia idéia, gotas de sangue voavam pelo ar à sua passagem, mas ele emparelhava com Lynch agora e os dois disparavam em direção ao chão...
— Eles vão bater! — esganiçou-se Hermione.
— Não vão! — berrou Rony.
— O Lynch vai! — gritou Harry.
E tinha razão — pela segunda vez, Lynch bateu no chão com um tremendo impacto e foi imediatamente pisoteado por uma horda de Veela raivosas.
— O pomo, onde é que está o pomo? — berrou Carlinhos, mais adiante na fila.
— Ele pegou, Krum pegou, terminou o jogo! — gritou Harry.
Krum, as vestes vermelhas tintas com o sangue que escorrera do seu nariz, tornava a levantar vôo suavemente, o punho erguido lá no alto, um brilho de ouro na mão.
O placar piscou por cima da multidão da:

BULGÁRIA: CENTO E SESSENTA
IRLANDA: CENTO E SETENTA

Mas os torcedores não pareciam ter percebido o que acontecera. Então, lentamente, como se um grande jumbo começasse a aquecer as turbinas, o rugido da torcida da Irlanda foi se avolumando e explodiu em urros de alegria.
— VENCE A IRLANDA! —, gritou Bagman, que, como os irlandeses, parecia estar espantado com o inesperado desfecho da partida.
— KRUM CAPTURA O POMO — MAS VENCE A IRLANDA. Deus do céu, acho que nenhum de nós esperava uma coisa dessas!
— Para que foi que ele agarrou o pomo? — berrou Rony, ao mesmo tempo em que continuava a pular, aplaudindo com as mãos no alto. — Ele encerrou a partida quando a Irlanda estava cento e sessenta pontos à frente, o idiota!
— Ele sabia que o time não ia conseguir se recuperar — respondeu Harry aos gritos, tentando se sobrepor à zoeira geral e aplaudindo com estrépito — os artilheiros irlandeses eram bons demais... ele queria encerrar a partida nos termos dele, foi só...
— Ele foi valente, não foi? — comentou Hermione esticando-se à frente para ver Krum pousar e um enxame de medibruxos abrir caminho à força entre os Leprechauns e as Veela que brigavam para chegar ao apanhador. — Ele está pavoroso...
Harry tornou a levar o onióculo aos olhos. Era difícil ver o que estava acontecendo lá embaixo, porque os Leprechauns sobrevoavam o campo, felizes e em grande velocidade, mas ele conseguiu divisar Krum, rodeado por medibruxos.
Parecia mais carrancudo que nunca e se recusava a deixar que o limpassem.
Seus colegas de time o rodeavam, sacudindo a cabeça, arrasados; um pouco adiante, os jogadores irlandeses dançavam felizes sob a chuva de ouro que seus mascotes faziam cair. Bandeiras se agitavam pelo estádio, o hino nacional irlandês tocava altíssimo por todo lado; as Veela revertiam à beleza de sempre, mas pareciam desanimadas e infelizes.
— Pom, prrigamos falentemente — disse uma voz triste atrás de Harry. Ele se virou para olhar; era o Ministro da Magia búlgaro.
— O senhor fala a nossa língua! — exclamou Fudge indignado. — E vem me obrigando a falar por mímica o dia inteiro!
— Pom, foi muito engrraçado — disse o ministro búlgaro, encolhendo os ombros.
— E enquanto o time irlandês dá a volta olímpica, ladeado pelos mascotes, a Taça Mundial de Quadribol está sendo levada para o camarote de honra! — berrou Bagman.
A visão de Harry foi repentinamente ofuscada por uma luz branca, o camarote de honra foi magicamente iluminado para que todos os espectadores nas arquibancadas pudessem ver o seu interior.
Apertando os olhos na direção da porta, ele viu dois bruxos ofegantes entrarem no camarote com uma imensa taça de ouro, que foi entregue a Cornélio Fudge, ainda muito aborrecido por ter passado o dia falando com as mãos à toa.
— Vamos aplaudir com vontade os galantes perdedores, Bulgária! — gritou Bagman.
E pelas escadas entraram os sete jogadores derrotados. A multidão aplaudiu manifestando o seu apreço; Harry viu milhares e milhares de lentes de onióculo faiscarem e lampejarem em sua direção.
Um a um, os búlgaros se acomodaram nas filas de cadeiras do camarote e Bagman chamou-os, nome por nome, para apertarem a mão do seu ministro e depois a de Fudge. Krum, que foi o último da fila, estava com uma aparência medonha. Seus olhos negros se destacavam espetacularmente no rosto ensangüentado. Continuava a segurar o pomo. Harry reparou que ele parecia muito menos coordenado em terra. Andava com os pés meio para fora e seus ombros eram visivelmente caídos. Mas quando o nome de Krum foi anunciado, o estádio inteiro lhe deu uma ovação de rachar os tímpanos.
Depois foi a vez do time irlandês. Aldan Lynch veio amparado por Moran e Connolly; a segunda colisão parecia tê-lo atordoado e seus olhos pareciam estranhamente fora de foco. Mas ele sorriu com alegria quando Troy e Quigley ergueram a Taça no ar e a multidão embaixo fez ouvir sua aprovação. As mãos de Harry estavam insensíveis de tanto aplaudir.
Finalmente, quando o time irlandês deixou o camarote para dar mais uma volta olímpica montado nas vassouras (Aidan Lynch na garupa de Connolly, agarrado à sua cintura e ainda sorrindo abobalhado), Bagman apontou a varinha para a própria garganta e murmurou Quietus.
— Eles vão comentar isso durante anos — disse ele rouco — uma reviravolta realmente inesperada, essa... pena que não pudesse ter durado mais... ah sim... Sim, devo a vocês... Quanto?
Pois Fred e Jorge tinham acabado de saltar por cima de suas cadeiras e estavam parados diante de Ludo Bagman com enormes sorrisos no rosto, as mãos estendidas.




CAPÍTULO NOVE
A Marca Negra

— Não conte à sua mãe que andaram apostando — implorou o Sr. Weasley a Fred e Jorge, quando juntos desciam, lentamente, as escadas forradas com carpete púrpura.
— Não se preocupe, papai — disse Fred feliz — temos grandes planos para esse dinheiro, não queremos que ele seja confiscado.
Por um instante, pareceu que o Sr. Weasley ia perguntar que planos eram aqueles, mas em seguida, pensando melhor, decidiu que não queria saber.
Logo eles foram engolfados pela multidão que saía do estádio e regressava aos acampamentos. O ar da noite trazia aos seus ouvidos cantorias desafinadas quando retomavam o caminho iluminado por lanternas, os Leprechauns continuavam a sobrevoar a área em alta velocidade, rindo, tagarelando, sacudindo as lanternas. Quando os garotos chegaram finalmente às barracas, ninguém estava com vontade de dormir e, dado o nível da barulheira, o Sr. Weasley concordou que podiam tomar, uma última xícara de chocolate, antes de se deitar.
Logo estavam discutindo prazerosamente a partida, o Sr. Weasley se deixou envolver por Carlinhos em uma polêmica sobre jogo bruto, e somente quando Gina caiu no sono em cima da mesinha e derramou chocolate quente pelo chão que o pai deu um basta nas retrospectivas verbais e insistiu que todos fossem se deitar. Hermione e Gina se transferiram para a barraca vizinha e Harry e os Weasley vestiram os pijamas e subiram nos beliches.
Do outro lado do acampamento eles ainda ouviam muita cantoria e uma batida que ecoava estranhamente.
— Ah, fico feliz de não estar de serviço — murmurou o Sr. Weasley cheio de sono. — Eu não iria gostar nem um pouco de ter que dizer aos irlandeses que eles precisam parar de comemorar.
Harry, que ocupava a cama superior do beliche de Rony, ficou olhando para o teto de lona da barraca, observando o brilho ocasional das lanternas dos Leprechauns que sobrevoavam o acampamento e visualizando alguns dos lances mais espetaculares de Krum. Estava doido para tornar a montar sua Firebolt e experimentar a Finta de Wronski... Por alguma razão Olívio Wood jamais conseguira transmitir como era aquele lance com os seus diagramas complicados...
Harry se viu usando vestes com seu nome nas costas e imaginou a sensação de ouvir uma multidão de cem mil pessoas berrando, enquanto a voz de Ludo Bagman ecoava pelo estádio "Com vocês... Potter!”
Harry jamais chegou a saber se adormecera ou não — seus devaneios de voar como Krum talvez tivessem se transformado em sonhos de verdade —, só sabia que, de repente ouviu o Sr. Weasley gritar.
— Levantem! Rony, Harry, vamos logo, levantem, é urgente!
Harry se sentou depressa e seu cocuruto bateu na lona do teto.
— Que foi? — perguntou.
Vagamente ele percebeu que alguma coisa não estava bem. O barulho no acampamento tinha mudado. A cantoria parara. Ele ouvia gritos e um tropel de gente correndo.
Harry desceu do beliche e apanhou suas roupas, mas o Sr. Weasley, que vestira a jeans por cima do pijama, falou:
— Não temos tempo, Harry, apanhe uma jaqueta e saia, depressa!
Harry obedeceu e saiu correndo da barraca, com Rony nos seus calcanhares. À luz das poucas fogueiras que ainda ardiam, viu gente correndo para a floresta, fugindo de alguma coisa que avançava pelo acampamento em sua direção, alguma coisa que emitia estranhos lampejos e ruídos que lembravam tiros. Caçoadas em voz alta, risadas e berros de bêbedos se aproximavam, depois uma forte explosão de luz verde, que iluminou a cena.
Um grupo compacto de bruxos, que se moviam ao mesmo tempo e apontavam as varinhas para o alto, vinha marchando pelo acampamento. Harry apertou os olhos para enxergá-los... Não pareciam ter rostos... Então ele percebeu que tinham as cabeças encapuzadas e os rostos mascarados. No alto, pairando sobre eles no ar, quatro figuras se debatiam, forçadas a assumir formas grotescas. Era como se os bruxos mascarados no chão fossem titereiros e as pessoas no alto, marionetes movidas por cordões invisíveis que subiam das varinhas erguidas. Duas das figuras eram muito pequenas.
Mais bruxos foram se reunindo ao grupo que marchava, riam e apontavam para os corpos no ar. Barracas se fechavam e desabavam à medida que a multidão engrossava. Uma ou duas vezes Harry viu um bruxo explodir uma barraca com a varinha para desimpedir o caminho. Outras tantas pegaram fogo. A gritaria foi se avolumando.
As pessoas no ar foram repentinamente iluminadas ao passarem sobre uma barraca em chamas, e Harry reconheceu uma delas — o Sr. Roberts, o gerente do acampamento. As outras três, pelo jeito, deviam ser sua mulher e seus filhos. Um dos arruaceiros virou a Sra. Roberts de cabeça para baixo com a varinha, a camisola dela caiu deixando à mostra suas enormes calças ela tentava se cobrir enquanto a multidão embaixo dava guinchos e vaias de alegria.
— Que coisa doentia — murmurou Rony, observando a menor das crianças trouxas, que começara a rodopiar feito um pião, quase vinte metros acima do chão, a cabeça sacudindo molemente de um lado para outro. — Que coisa realmente doentia...
Hermione e Gina vieram correndo ao encontro dos garotos, vestindo casacos por cima das camisolas, seguidas de perto pelo Sr. Weasley. No mesmo momento, Gui, Carlinhos e Percy saíram da barraca dos garotos inteiramente vestidos, com as mangas enroladas e as varinhas em punho.
— Vamos ajudar o pessoal do Ministério — gritou o Sr. Weasley para ser ouvido com aquele barulho, enrolando as próprias mangas. — Vocês... Vão para a floresta e fiquem juntos. Irei apanhá-los quando resolvermos este problema aqui!
Gui, Carlinhos e Percy já estavam correndo em direção aos baderneiros que se aproximavam; o Sr. Weasley saiu depressa atrás dos filhos. Bruxos do Ministério convergiam de todas as direções para o foco do problema. A multidão sob a família Roberts se aproximava sempre mais.
— Anda — disse Fred, agarrando a mão de Gina e começando a puxá-la para a floresta. Harry, Rony, Hermione e Jorge os acompanharam. Todos olharam para trás ao alcançarem as árvores. Os manifestantes sob a família Roberts eram mais numerosos que nunca, os garotos viram os bruxos do Ministério tentando chegar aos bruxos encapuzados no centro, mas encontravam grande dificuldade.
Aparentemente estavam com medo de executar algum feitiço que pudesse fazer a família Roberts despencar.
As lanternas coloridas que antes iluminavam o caminho para o estádio tinham sido apagadas. Vultos escuros andavam perdidos entre as árvores; crianças choravam, ecoavam gritos ansiosos e vozes cheias de pânico por todo o lado no ar frio da noite.
Harry se sentiu empurrado para cá e para lá por pessoas cujos rostos ele não conseguia distinguir. Eles ouviram Rony dar um berro de dor.
— Que aconteceu? — perguntou Hermione ansiosa, parando tão abruptamente que Harry quase deu um encontrão nela. — Rony, onde é que você está? Ah, mas que burrice... Lumus!
Ela iluminou a varinha e apontou o fino feixe de luz para o caminho. Rony estava esparramado no chão.
— Tropecei numa raiz de árvore — disse ele aborrecido, pondo-se de pé.
— Ora, com pés desse tamanho, é difícil não tropeçar — disse uma voz arrastada às costas deles.
Harry, Rony e Hermione se viraram rapidamente. Draco Malfoy estava parado sozinho perto deles, encostado a uma árvore, numa atitude de total descontração.
De braços cruzados, parecia ter estado a contemplar a cena no acampamento por uma abertura entre as árvores. Rony disse a Malfoy que fosse fazer uma coisa que Harry sabia que o amigo jamais teria se atrevido a dizer na frente da Sra. Weasley.
— Olha a boca suja, Weasley — disse Malfoy, seus olhos claros reluzindo. — Não é melhor você se apressar? Não quer que descubram sua amiga, não é?
Ele indicou Hermione com a cabeça e, neste instante, ouviu-se no acampamento uma explosão como a de uma bomba, e um relâmpago verde iluminou momentaneamente as árvores à volta deles.
— Que é que você quer dizer com isso? — perguntou Hermione em tom de desafio.
— Granger, eles estão caçando trouxas — disse Malfoy. — Você vai querer mostrar suas calcinhas no ar? Porque se quiser, fique por aqui mesmo... Eles estão vindo nessa direção, e todos vamos dar boas gargalhadas.
— Hermione é bruxa — rosnou Harry.
— Faça como quiser Potter — disse Malfoy sorrindo maliciosamente.
— Se você acha que eles não são capazes de identificar um “Sangue Ruim”, fique onde está.
— Você é que devia olhar sua boca suja! — gritou Rony. Todos os presentes sabiam que "Sangue Ruim" era uma palavra muito ofensiva a uma bruxa ou bruxo de pais trouxas.
— Deixa para lá, Rony — disse Hermione depressa, agarrando o amigo pelo braço para contê-lo, quando ele fez menção de avançar em Malfoy.
Ouviu-se um estampido do outro lado das árvores mais alto do que qualquer dos anteriores. Várias pessoas que estavam próximas gritaram. Malfoy deu um risinho abafado.
— Eles se assustam à toa, não é? — disse com a fala mole. — Imagino que papai disse a vocês para se esconderem? Que é que ele está fazendo, tentando salvar os trouxas?
— Onde estão os seus pais? — perguntou Harry, a raiva crescendo. — Lá no acampamento usando máscaras, é isso?
Malfoy virou o rosto para Harry, ainda sorrindo.
— Ora... Se eles estivessem, eu não iria dizer a você, não é mesmo, Potter?
— Ah, anda gente — disse Hermione, com um olhar de repugnância para Malfoy —, vamos procurar os outros.
— Fique com essa cabeçorra lanzuda abaixada, Granger — caçoou Malfoy.
— Anda gente — repetiu Hermione, e puxou Harry e Rony de volta ao caminho.
— Aposto qualquer coisa como o pai dele é um dos mascarados! — disse Rony indignado.
— Bem, com um pouco de sorte, o Ministério vai agarrá-lo! — disse Hermione com veemência. — Ah, não dá para acreditar, onde foi que os outros se meteram?
Fred, Jorge e Gina não estavam em nenhum lugar à vista, embora o caminho estivesse apinhado de pessoas, todas espiando nervosamente a confusão no acampamento, por cima dos ombros.
Um grupo de adolescentes de pijamas discutia em altos brados um pouco adiante no caminho. Quando viram Harry, Rony e Hermione, uma garota de cabelos espessos e crespos se virou e disse depressa:
— Ou est Madame Maxime? Nous l’avons perdue...
— Hum... Quê? — perguntou Rony.
— Ah... — A menina que falara deu as costas para ele, e quando os garotos continuaram andando ouviram-na dizer claramente: — Hogwarts.
— Beauxbatons — murmurou Hermione.
— Como disse? — falou Harry.
— Devem estudar na Beauxbatons — esclareceu Hermione. — Você sabe... Academia de Magia Beauxbatons... Li sobre ela em Uma Avaliação da Educação em Magia na Europa.
— Ah... Sei... Certo — disse Harry.
— Fred e Jorge não podem ter ido tão longe assim — comentou Rony puxando a varinha do bolso, acendendo-a como fizera Hermione e esquadrinhando o caminho. Harry enfiou as mãos nos bolsos da jaqueta à procura da própria varinha, mas não estava lá. A única coisa que encontrou foi o seu onióculo.
— Ah, não, eu não acredito... Perdi a minha varinha!
— Está brincando!
Rony e Hermione ergueram bem as varinhas para projetar seus finos raios de luz mais à frente no caminho; Harry olhou para todo lado, mas a varinha não estava visível em lugar algum.
— Talvez tenha ficado na barraca — disse Rony.
— Talvez tenha caído do seu bolso quando você estava correndo? — sugeriu Hermione ansiosa.
— É — falou Harry —, talvez...
Em geral ele a carregava o tempo todo quando estava no mundo dos bruxos, e vendo-se sem a varinha no meio de uma confusão daquelas sentiu-se extremamente vulnerável. Um rumorejar fez os três se sobressaltarem. Winky, a elfo doméstica, estava tentando sair de uma moita de arbustos ali perto. Movia-se de um jeito esquisitíssimo, com visível dificuldade; era como se alguém invisível estivesse tentando segurá-la.
— Tem bruxos malvados aqui! — guinchou ela nervosa, ao se curvar para frente e se esforçar para correr. — Gente voando... Lá no alto! Winky está saindo do caminho!
E desapareceu entre as árvores do outro lado da via, ofegando e guinchando enquanto lutava com a força que a retinha.
— Que é que há com ela? — perguntou Rony, acompanhando-a com o olhar, curioso. — Por que ela não consegue correr direito?
— Aposto como não pediu permissão para se esconder — disse Harry. Estava se lembrando de Dobby: todas as vezes que tentava fazer alguma coisa que os Malfoy não gostariam, era forçado a bater em si mesmo.
— Sabem, os elfos domésticos têm uma vida duríssima! — disse Hermione indignada. — É escravidão, isso é que é! Aquele Sr. Crouch fez Winky subir até o topo do estádio, e ela estava aterrorizada, e a enfeitiçou dessa maneira para que nem possa correr quando eles começam a pisotear barracas! Por que ninguém faz nada para acabar com uma situação dessas?
— Ué, os elfos são felizes, não são? — admirou-se Rony. — Você ouviu a Winky durante a partida... "Elfos domésticos não devem se divertir...” é disso que ela gosta, que mandem nela...
— É gente como você, Rony — começou Hermione com veemência —, que sustenta sistemas podres e injustos, só porque são preguiçosos demais para...
Um novo estrondo ecoou na orla da floresta.
— Vamos continuar andando, vamos? — disse Rony, e Harry o viu olhar irritado para Hermione.
Talvez fosse verdade o que Malfoy dissera; talvez Hermione estivesse em maior perigo do que eles. Recomeçaram a andar, Harry ainda revistando os bolsos, embora soubesse que a varinha não estava ali.
Os garotos seguiram o caminho que se aprofundava na floresta, atentos para avistarem Fred, Jorge e Gina. Passaram por um grupo de duendes que davam gargalhadas à vista de um saco de ouro que, sem dúvida, deviam ter ganho apostando na partida, e que pareciam imperturbáveis diante da confusão no acampamento. Mais adiante, depararam com um trecho iluminado por uma luz prateada e, quando espiaram entre as árvores, viram três Veela altas e belas paradas em uma clareira e cercadas por um bando de jovens bruxos barulhentos, todos falando em altos brados.
— Ganho uns cem sacos de galeões por ano — gritava um. — Mato dragões para a Comissão para Eliminação de Criaturas Perigosas.
— Mata nada — berrou seu amigo —, você lava pratos no Caldeirão Furado... Mas eu sou caçador de vampiros, já matei uns noventa até agora...
Um terceiro bruxo, cujas espinhas eram visíveis até à luz fraca e prateada das Veela, entrou nesse instante na conversa:
— Eu estou às vésperas de me tornar o Ministro da Magia mais novo de todos os tempos.
Harry deu risadinhas abafadas. Reconheceu o bruxo espinhento; o nome dele era Stanislau Shunpike, e era, na realidade, condutor do Nôitibus Andante.
Ele se virou para dizer isso a Rony, mas o rosto do amigo se afrouxara estranhamente e no segundo seguinte Rony estava gritando:
— Eu já disse a vocês que inventei uma vassoura que pode chegar a Júpiter?
— Francamente! — tornou a exclamar Hermione, e ela e Harry agarraram Rony pelos braços com firmeza, viraram-no e saíram andando com ele. Quando a algazarra das Veela com seus admiradores se tornou completamente inaudível, os três já estavam no coração da floresta. Pareciam estar sozinhos agora, tudo estava muito mais quieto. Harry espiou para os lados.
— Acho que podemos esperar aqui, sabe, dá para ouvir uma pessoa chegando a mais de um quilômetro.
Nem bem ele dissera essas palavras, Ludo Bagman saiu de trás de uma árvore um pouco adiante. Mesmo à luz fraca das duas varinhas, Harry viu que uma grande mudança se operara em Bagman. Ele já não parecia displicente e rosado; não havia mais elasticidade em seu andar. Parecia muito pálido e cansado.
— Quem está aí? — perguntou o bruxo, piscando os olhos, tentando distinguir os rostos dos garotos.
— Que é que vocês estão fazendo aqui sozinhos?
Eles se entreolharam surpresos.
— Bem... Está acontecendo um tumulto — disse Rony.
Bagman arregalou os olhos para ele.
— Quê?
— No acampamento... Umas pessoas agarraram uma família de trouxas...
Bagman praguejou em voz alta.
— Desgraçados! — Ele pareceu ficar muito perturbado e, sem dizer mais nada, desaparatou com um pequeno estalo.
— Não anda muito bem informado o Sr. Bagman, não é? — comentou Hermione franzindo a testa.
— Mas ele foi um grande batedor — disse Rony e, adiantando-se aos amigos, rumou para uma pequena clareira e se sentou em um trecho de grama seca ao pé de uma árvore. — Os Wimbourne Wasps foram campeões três vezes seguidas quando ele fazia parte do time.
Tirou, então, a pequena estátua de Krum do bolso, colocou-a no chão e ficou por instantes observando-a andar. Igualzinho ao Krum verdadeiro, o modelo andava com os pés para fora e tinha os ombros caídos, bem menos impressionante andando feito pato do que montado na vassoura. Harry escutou com atenção se vinha algum barulho do acampamento. Tudo parecia silencioso; talvez o tumulto tivesse acabado.
— Espero que os outros estejam bem — disse Hermione depois de algum tempo.
— Estão — disse Rony;
— Imagine se o seu pai apanhar o Lúcio Malfoy — disse Harry sentando-se ao lado de Rony para observar a estatueta de Krum andando por cima das folhas secas. — Ele vive dizendo que gostaria de ter alguma coisa contra o Malfoy.
— Isso ia apagar aquele risinho na cara do nosso amigo Draco, ah, ia — disse Rony.
— Mas, e os coitados daqueles trouxas — lamentou Hermione nervosa. — E se não conseguirem trazer eles de volta ao chão?
— Vão conseguir — Rony tranqüilizou a amiga —, vão arranjar um jeito.
— Mas é uma loucura fazer uma coisa daquelas com o Ministério da Magia em peso aqui hoje! Quero dizer, como é que eles esperam se safar? Vocês acham que eles andaram bebendo ou só...
Mas Hermione parou de falar abruptamente e espiou por cima do ombro.
Harry e Rony também se viraram depressa. Parecia que alguém estava cambaleando em direção à clareira em que se encontravam. Eles esperaram, prestando atenção ao ruído dos passos desiguais por trás das árvores escuras.
Mas os passos pararam repentinamente.
— Alôô? — chamou Harry.
Silêncio. Harry se levantou e espiou atrás da árvore. Estava escuro para ver muito longe, mas ele sentia que havia alguém logo além do seu campo de visão.
— Quem está aí? — perguntou.
E então, sem aviso, o silêncio foi rompido por uma voz diferente de todas que tinham ouvido antes; e ela não soltou um grito, mas algo que lembrava um feitiço.
— MORSMORDRE!
E uma coisa enorme, verde e brilhante, irrompeu do lugar escuro que os olhos de Harry se esforçaram para penetrar e voou para o topo das árvores e para o céu.
— Quem...? — exclamou Rony, ficando em pé de um salto e arregalando os olhos para a coisa que aparecera.
Por uma fração de segundo, Harry pensou que fosse outra formação de duendes irlandeses. Depois percebeu que era um crânio colossal, aparentemente composto por estrelas de esmeralda e uma cobra saindo da boca como uma língua. Enquanto olhavam, o crânio foi subindo cada vez mais alto, envolto em uma névoa de fumaça esverdeada, recortando-se contra o céu noturno como uma nova constelação.
De repente, toda a floresta ao redor deles explodiu em gritos. Harry não entendeu o motivo, mas o único possível era a súbita aparição do crânio, que agora estava alto o suficiente para iluminar toda a floresta, como um letreiro macabro de néon.
Ele esquadrinhou a escuridão à procura da pessoa que conjurara o crânio, mas não conseguiu ver ninguém.
— Quem está aí? — chamou ele mais uma vez.
— Harry, vamos, anda! — Hermione agarrou-o pelas costas da jaqueta e o puxou para trás.
— Que foi? — perguntou Harry, espantado de ver a cara da amiga tão branca e aterrorizada.
— É a Marca Negra, Harry! — gemeu Hermione, puxando-o com toda a força que podia. — O sinal do Você-Sabe-Quem!
— Do Voldemort...?
— Harry, anda logo!
Harry se virou — Rony estava recolhendo depressa a miniatura de Krum —, os três começaram a atravessar a clareira, mas antes que conseguissem dar mais de cem passos, uma série de estalos anunciaram a chegada de vinte bruxos, saídos do nada, a toda volta.
Harry se virou e numa fração de segundo registrou um fato: cada um dos bruxos puxara a varinha, e cada varinha estava apontada para ele, Rony e Hermione. Sem parar para pensar, berrou:
— ABAIXA! — Ele agarrou os dois amigos e puxou-os para o chão.
— ESTUPEFAÇA! — berraram vinte vozes desencadeando uma série de lampejos, e Harry sentiu seus cabelos ondularem como se um vento poderoso tivesse varrido a clareira. Ao erguer a cabeça um centímetro, ele viu jorros de luz flamejante saírem das varinhas dos bruxos e sobrevoarem seus corpos, entrecruzando-se, ricocheteando nos troncos das árvores, saltando para a escuridão...
— Parem! — berrou uma voz que ele reconheceu. — PAREM! É o meu filho!
Os cabelos de Harry pararam de voar para todos os lados. Ele levantou a cabeça mais um pouquinho. O bruxo diante dele baixara a varinha. O garoto rolou o corpo e viu o Sr. Weasley vindo em direção ao ajuntamento, com uma expressão aterrorizada no rosto.
— Rony, Harry... — sua voz tremia —... Hermione, vocês estão bem?
— Saia do caminho, Arthur — disse uma voz fria e ríspida.
Era o Sr. Crouch. Ele e os outros bruxos do Ministério fechavam o cerco em torno dos garotos. Harry levantou-se para encará-los. O rosto do Sr. Crouch estava tenso de cólera.
— Qual de vocês fez aquilo? — perguntou aborrecido, seus olhos penetrantes indo de um garoto para o outro. — Qual de vocês conjurou a Marca Negra?
— Nós não conjuramos aquilo! — respondeu Harry apontando o crânio.
— Nós não conjuramos nada! — disse Rony, que esfregava o cotovelo e olhava cheio de indignação para o pai. — Por que vocês nos atacaram?
— Não minta, senhor! — gritou o Sr. Crouch. Sua varinha continuava apontada diretamente para Rony, e seus olhos saltavam das órbitas, parecia um tanto maluco. — Vocês foram encontrados na cena do crime!
— Bartô — murmurou uma bruxa trajando um longo penhoar de lã —, eles são meninos, Bartô, nunca teriam capacidade para...
— De onde saiu a Marca? Respondam vocês três — mandou o Sr. Weasley depressa.
— Dali — respondeu Hermione trêmula, apontando para o ponto em que tinham ouvido a voz —, havia alguém atrás das árvores... Gritou umas palavras, uma fórmula mágica...
— Ah, havia gente parada ali, é mesmo? — disse o Sr. Crouch, virando seus olhos saltados para Hermione, a incredulidade estampada por todo o rosto. -Disseram uma fórmula mágica, não foi? A senhorita parece muIto bem informada sobre as palavras que conjuram a Marca, senhorita...
Mas nenhum dos bruxos do Ministério, exceto o Sr. Crouch, achou nem remotamente provável que Harry, Rony e Hermione tivessem conjurado o crânio, muito ao contrário, ao ouvirem as palavras de Hermione voltaram a erguer e apontar as varinhas na direção que ela indicara, procurando ver entre as árvores escuras.
— Tarde demais — disse a bruxa de penhoar de lã, sacudindo a cabeça. — Já devem ter desaparatado.
— Acho que não — disse um bruxo com uma barba curta e castanha. Era Amos Diggory, o pai de Cedrico. — Os nossos raios passaram direto por aquelas árvores... Há uma boa chance de os termos atingido...
— Amos, cuidado! — disseram alguns bruxos em tom de alerta, quando o Sr. Diggory aprumou os ombros, ergueu a varinha, atravessou a clareira e desapareceu na escuridão. Hermione observou-o sumir, levando as mãos à boca.
Alguns segundos depois, eles ouviram o Sr. Diggory gritar.
— Acertamos, sim! Tem alguém aqui! Inconsciente! É... Mas... Caramba...
— Você pegou alguém? — gritou o Sr. Crouch, parecendo muitíssimo incrédulo. — Quem? Quem é?
Eles ouviram gravetos se partirem, folhas farfalharem e, por fim, passos quando o Sr. Diggory reapareceu por trás das árvores. Trazia uma figura minúscula e inerte nos braços. Harry reconheceu a toalha de chá na mesma hora.
Era Winky.
O Sr. Crouch não se mexeu nem falou enquanto o Sr. Diggory depositava o elfo do Sr. Crouch no chão aos seus pés. Todos os bruxos do Ministério se viraram para o Sr. Crouch. Durante alguns segundos o bruxo permaneceu paralisado, os olhos ardendo no rosto branco, olhando para Winky. Então, ela pareceu voltar à vida.
— Isto... Não pode... Ser — disse ele aos arrancos. — Não...
Contornou rápido o Sr. Diggory e saiu em direção ao lugar em que o bruxo encontrara Winky.
— Não adianta, Sr. Crouch — gritou Diggory para ele. — Não há mais ninguém aí.
Mas o Sr. Crouch não parecia disposto a aceitar sua palavra. Eles o ouviram andar por todo o lado, as folhas rumorejarem ao serem afastadas para os lados, na busca.
— Meio embaraçoso — disse o Sr. Diggory sombriamente, contemplando o corpo inconsciente de Winky. — O elfo doméstico de Bartô Crouch... Quero dizer...
— Pode parar, Amos — disse o Sr. Weasley baixinho. — Você não acredita seriamente que foi o elfo? A Marca Negra é um sinal de bruxo. Exige uma varinha.
— É — disse o Sr. Diggory —, e havia uma varinha.
— Quê? — exclamou o Sr. Weasley.
— Olhe aqui. — O Sr. Diggory ergueu uma varinha e mostrou-a ao Sr. Weasley. — Estava na mão dela. Então, para começar, violação da Cláusula 3 do Código para o Uso de Varinhas. Nenhuma criatura não-humana tem permissão para portar ou usar uma varinha.
Nesse instante ouviu-se mais um estalo e Ludo Bagman aparatou bem ao lado do Sr. Weasley. Parecendo sem fôlego e desorientado, ele girou no mesmo lugar, com os olhos cravados no crânio verde esmeralda no céu.
— A Marca Negra! — ofegou ele, quase pisoteando Winky ao se virar, intrigado, para os colegas. — Quem fez isso? Vocês apanharam quem fez? Bartô! Que é que está acontecendo?
O Sr. Crouch voltara de mãos vazias. Seu rosto continuava branco como o de um fantasma e torcia tanto os bigodes em escovinha quanto as mãos.
— Onde é que você andou, Bartô? — perguntou Bagman. — Por que é que você não assistiu à partida? E o seu elfo ficou guardando uma cadeira para você... Gárgulas vorazes! — Bagman acabara de notar Winky caída aos seus pés. — Que foi que aconteceu com ela?
— Estive ocupado, Ludo — disse o Sr. Crouch, ainda falando aos arrancos como antes, e mal movendo os lábios. — E o meu elfo foi estuporado.
— Estuporado? Por gente nossa você quer dizer? Mas por quê...? De repente o rosto redondo e reluzente de Bagman revelou ter compreendido, ele ergueu os olhos para o crânio, baixou-os para Winky e, em seguida, ergueu-os para o Sr. Crouch.
— Não! — exclamou ele. — Winky? Conjurou a Marca Negra? Ela não saberia fazer isso! Para começar precisaria de uma varinha!
— E tinha uma — disse o Sr. Diggory. — Encontrei-a segurando uma, Ludo. Se o senhor não se opõe, Sr. Crouch, acho que devíamos ouvir o que ela tem a dizer em sua defesa.
Crouch não deu sinal de ter ouvido o Sr. Diggory, mas este pareceu tomar o silêncio do outro por concordância. Ergueu a varinha e apontando-a para Winky disse:
— Enervate!
Winky mexeu-se fracamente. Seus grandes olhos castanhos se abriram e ela piscou várias vezes de um jeito meio abobado. Observada pelos bruxos em silêncio, ergueu o tronco aos poucos e se sentou.
Avistou, então, os pés do Sr. Diggory e lentamente, tremulamente, ergueu os olhos para fixar seu rosto, mais lentamente ainda, olhou para o céu. Harry viu o crânio flutuante refletir-se duas vezes em seus enormes olhos vidrados. Ela soltou uma exclamação, olhou a clareira em volta, agitada, e irrompeu em soluços aterrorizados.
— Elfo! — disse o Sr. Diggory severamente. — Você sabe quem eu sou? Sou do Departamento para Regulamentação e Controle das Criaturas Mágicas!
Winky começou a se balançar no chão para frente e para trás, a respiração saindo em fortes arquejos. Harry teve que se lembrar de Dobby em seus momentos de aterrorizada desobediência.
— Como você está vendo, elfo, a Marca Negra foi conjurada aqui há alguns instantes — disse o bruxo. — E você foi descoberta, pouco depois, logo embaixo dela! Sua explicação, por favor!
— Eu... Eu... Eu não estou fazendo isso, meu senhor! — Winky ofegou. — Eu não estou sabendo, meu senhor!
— Você foi encontrada com uma varinha na mão! — vociferou o Sr. Diggory, brandindo a varinha diante dela. E quando a varinha refletiu a luz verde, vinda do crânio no alto, que inundava a clareira, Harry a reconheceu.
— Ei... É minha! — disse.
Todos na clareira olharam para o garoto.
— Perdão? — disse o Sr. Diggory incrédulo.
— É a minha varinha! — repetiu Harry. — Deixei-a cair!
— Deixou-a cair? — repetiu o bruxo incrédulo. — Isto é uma confissão? Você se desfez dela depois de conjurar a Marca?
— Amos, lembre-se de com quem está falando! — disse o Sr. Weasley, muito zangado. — Acha provável que Harry Potter conjure a Marca Negra?
— Hum... Claro que não — murmurou o Sr. Diggory. — Desculpem... Me empolguei...
— Em todo o caso, não a deixei cair lá — disse Harry, indicando com o polegar as árvores. — Dei falta dela logo depois que entramos na floresta.
— Então — disse o Sr. Diggory, seu olhar endurecendo ao se virar novamente para Winky que se encolhia aos seus pés. — Você encontrou a varinha, não foi, elfo? E você a apanhou e pensou em se divertir com ela, é isso?
— Eu não estava fazendo mágica com ela, meu senhor! — guinchou Winky, as lágrimas correndo pelos lados do nariz achatado e grande. — Eu estava... Eu estava... Eu estava só apanhando ela, meu senhor! Eu não estava fazendo a Marca Negra, meu senhor, eu não sei fazer!
— Não foi ela! — afirmou Hermione. Ela parecia muito nervosa, dizendo o que pensava diante de todos aqueles bruxos do Ministério, mas, ainda assim, decidida.
— Winky tem uma vozinha esganiçada e a voz que ouvimos dizer a fórmula era muito mais grave! — Ela olhou para os lados à procura de Harry e Rony, à procura de apoio. — Não parecia nada com a voz da Winky, parecia?
— Não — confirmou Harry, sacudindo a cabeça. — Decididamente não parecia voz de elfo.
— É, era uma voz humana — disse Rony.
— Bem, logo veremos — rosnou o Sr. Diggory, sem parecer se impressionar. –Há uma maneira simples de descobrir o último feitiço que a varinha realizou, você sabia, elfo?
Winky estremeceu e sacudiu a cabeça freneticamente, as orelhas abanando, quando o Sr. Diggory ergueu a própria varinha e encostou-a, ponta com ponta, na de Harry.
— Prior Incantato!— rugiu o Sr. Diggory.
Harry ouviu Hermione prender a respiração horrorizada, quando um crânio com uma enorme língua de cobra surgiu no ponto em que as duas varinhas se tocavam, mas era uma mera sombra do crânio verde no alto, parecia até feito de uma espessa fumaça cinzenta: O fantasma de um feitiço.
— Deletrius!— bradou o Sr. Diggory, e o crânio difuso desapareceu transformado em um fiapo de fumaça.
— Então, disse o Sr. Diggory com um tom de furioso triunfo, fixando Winky, que continuava a tremer convulsivamente.
— Eu não estava fazendo isso! — guinchou o elfo, seus olhos revirando aterrorizados. — Eu não estava, eu não estava, eu não sei fazer!
— Você foi apanhada com a mão na botija, elfo — rugiu o Sr. Diggory. — Apanhada com a mão na varinha culpada!
— Amos — disse o Sr. Weasley em voz alta —, pense um pouco... Pouquíssimos bruxos sabem fazer esse feitiço... Onde ela o teria aprendido?
— Talvez Amos esteja insinuando — disse o Sr. Crouch, a fúria reprimida em cada sílaba — que eu rotineiramente ensino meus criados a conjurarem a Marca Negra?
Seguiu-se um silêncio profundamente desagradável. Amos Diggory pareceu horrorizado.
— Sr. Crouch... De... De jeito nenhum...
— Você agora já chegou quase a denunciar as duas pessoas nesta clareira que menos provavelmente conjurariam aquela Marca! — vociferou o Sr. Crouch.
— Harry Potter... E eu! Suponho que você conheça a história do garoto, Amos?
— Claro, todos conhecem... — murmurou o Sr. Diggory, parecendo extremamente sem graça.
— E espero que se lembre das muitas provas que tenho dado, durante a minha longa carreira, de que desprezo e detesto as Artes das Trevas e aqueles que a praticam — gritou o Sr. Crouch, os olhos saltando das órbitas outra vez.
— Sr. Crouch, eu... Eu nunca insinuei que o senhor tenha alguma coisa a ver com isso! — murmurou Amos Diggory, corando por baixo da barba castanha e curta.
— Se você acusa o meu elfo, você acusa a mim, Diggory! Onde mais ela teria aprendido a conjurar a Marca?
— Ela... Ela poderia ter aprendido em qualquer lugar...
— Precisamente, Amos — disse o Sr. Weasley. — Ela poderia ter aprendido em qualquer lugar... — Winky? — disse ele bondosamente, virando-se para o elfo, que se encolheu como se este bruxo também estivesse gritando com ela. — Onde foi exatamente que você encontrou a varinha de Harry?
Winky estava torcendo a barra da toalha de chá com tanta violência que o pano se esfiapava entre seus dedos.
— Eu... Eu estava encontrando... Encontrando ela lá, meu senhor... — murmurou ela — lá... No meio das árvores...
— Está vendo, Amos? — disse o Sr. Weasley. — Quem quer que tenha conjurado a Marca poderia ter desaparatado logo em seguida, deixando a varinha de Harry para trás. Uma idéia inteligente, não ter usado a própria varinha, que poderia tê-lo denunciado. E Winky aqui teve a infelicidade de encontrar a varinha momentos depois e de apanhá-la.
— Mas, então, ela deve ter estado a poucos passos do verdadeiro responsável! — disse o Sr. Diggory com impaciência. — Elfo? Você viu alguém?
Winky começou a tremer mais que nunca. Seus olhos imensos piscaram indo do Sr. Diggory para Ludo Bagman e dele para o Sr. Crouch. Então ela engoliu em seco e disse:
— Eu não estava vendo ninguém... Ninguém...
— Amos — disse o Sr. Crouch secamente —, estou muito consciente de que normalmente você iria querer levar Winky para interrogatório no seu departamento. Mas vou-lhe pedir que me deixe cuidar dela.
O Sr. Diggory fez cara de quem não achava a sugestão muito boa, mas ficou claro para Harry que o Sr. Crouch era um funcionário tão importante no Ministério que o outro não se atreveria a recusar o pedido.
— Pode ficar tranqüilo de que ela será castigada — acrescentou o Sr. Crouch friamente.
— M... M... Meu senhor... — gaguejou Winky, olhando para o Sr. Crouch, seus olhos rasos de lágrimas. — M... M... Meu senhor, P... P... Por favor...
O Sr. Crouch encarou o elfo, seu rosto ainda mais agressivo, cada ruga nele profundamente marcada. Não havia piedade em seu olhar.
— Esta noite Winky se portou de uma forma que eu não teria imaginado possível — disse ele lentamente. — Eu a mandei permanecer na barraca. Mandei-a permanecer ali enquanto eu ia resolver o problema. E descubro que ela me desobedeceu. Isto significa roupas.
— Não! — berrou Winky, prostrando-se aos pés do Sr. Crouch. — Não, meu senhor! Roupas não, roupas não!
Harry sabia que a única maneira de libertar um elfo doméstico era presenteá-lo com roupas decentes. Era penoso ver como Winky se agarrava à sua toalha de chá enquanto soluçava sobre os sapatos do Sr. Crouch.
— Mas ela estava assustada! — explodiu Hermione aborrecida, encarando o Sr. Crouch. — O seu elfo tem pavor de alturas, e aqueles bruxos estavam fazendo as pessoas levitarem! O senhor não pode culpá-la por ter querido sair de perto!
O Sr. Crouch deu um passo atrás, desvencilhando-se do contato com o elfo, a quem ele examinava como se fosse algo imundo e podre que contaminava seus sapatos muito bem engraxados.
— Não preciso de um elfo doméstico que me desobedeça — disse ele friamente, erguendo os olhos para Hermione. — Não preciso de uma criada que esquece o que deve ao seu senhor e à reputação do seu senhor.
Winky chorava tanto que seus soluços ecoavam pela clareira. Seguiu-se um silêncio desagradável, que foi interrompido pelo Sr. Weasley, ao dizer baixinho:
— Bom, acho que vou levar o meu pessoal de volta à barraca, se ninguém tiver objeções a fazer. Amos, a varinha já nos informou tudo que pôde, se Harry puder levá-la, por favor...
O Sr. Diggory entregou a varinha a Harry e ele a embolsou.
— Vamos, vocês três — disse o Sr. Weasley em voz baixa. Mas Hermione não parecia querer arredar pé, seus olhos ainda miravam o elfo soluçante.
— Hermione! — chamou o Sr. Weasley com mais urgência. Ela se virou e acompanhou Harry e Rony para fora da clareira, embrenhando-se entre as árvores.
— Que é que vai acontecer com Winky? — perguntou ela no instante em que deixaram a clareira.
— Não sei — respondeu o Sr. Weasley.
— O jeito como a trataram! — disse Hermione, furiosa. — O Sr. Diggory chamando-a de "elfo" o tempo todo... E o Sr. Crouch! Ele sabe que não foi ela e ainda assim vai despedir Winky! Não se importou que ela tivesse sentido medo nem que estivesse perturbada, era como se ela nem fosse humana!
— E ela não é — disse Rony.
Hermione se voltou contra ele.
— Isso não significa que não tenha sentimentos, Rony, é repugnante o jeito...
— Hermione, eu concordo com você — disse o Sr. Weasley depressa, fazendo sinal para a garota continuar andando —, mas agora não é hora de discutir os direitos dos elfos. Quero voltar à barraca o mais depressa que pudermos. Que aconteceu aos outros?
— Nós os perdemos no escuro — disse Rony. — Papai, por que todo mundo estava tão nervoso com aquele crânio?
— Eu explico tudo quando estivermos na barraca — prometeu ele, tenso.
Mas quando alcançaram a orla da floresta, depararam com um obstáculo. Havia ali uma aglomeração de bruxas e bruxos assustados, e, quando viram o Sr. Weasley caminhando em sua direção, muitos foram ao seu encontro.
— Que é que está acontecendo na floresta?
— Quem conjurou aquilo?
— Arthur, não é... Ele?
— Claro que não é ele — disse o Sr. Weasley impaciente. — Não sabemos quem foi, parece que desaparatou. Agora, me dêem licença, por favor, quero ir me deitar.
Ele passou com Harry, Rony e Hermione pela aglomeração e voltou ao acampamento. Tudo estava silencioso agora, não havia sinal de bruxos mascarados, embora várias barracas destruídas ainda fumegassem.
Carlinhos meteu a cabeça pela abertura da barraca dos garotos.
— Papai, que é que está acontecendo? — perguntou ele no escuro. — Fred, Jorge e Gina já voltaram, mas os outros...
— Estão aqui comigo — respondeu o Sr. Weasley, se abaixando pra entrar na barraca. Harry, Rony e Hermione entraram atrás dele. Gui estava sentado à pequena mesa da cozinha, apertando um braço com um lençol, que sangrava profusamente. Carlinhos tinha um rasgo na camisa e Percy ostentava um nariz ensangüentado. Fred, Jorge e Gina pareciam ilesos, embora abalados.
— Pegou ele, papai? — perguntou Gui bruscamente. — A pessoa que conjurou a Marca?
— Não. Encontramos o elfo de Bartô Crouch segurando a varinha de Harry, mas não ficamos sabendo quem realmente conjurou a Marca.
— Quê?— exclamaram Gui, Carlinhos e Percy, juntos.
— A varinha de Harry? — disse Fred.
— O elfo do Sr. Crouch? — disse Percy, parecendo estupefato.
Com alguma ajuda de Harry, Rony e Hermione, o Sr. Weasley explicou o que acontecera na floresta. Quando terminaram a história, Percy encheu-se de indignação.
— Ora, o Sr. Crouch tem toda razão em querer se livrar de um elfo desses! — exclamou ele. — Fugir desse jeito depois que ele o mandou expressamente fazer o contrário... Envergonhando o dono diante de todo o Ministério... Que iria parecer se ele tivesse que comparecer no Departamento para Regulamentação e Controle...
— Ela não fez nada, só estava no lugar errado na hora errada! — disse bruscamente Hermione a Percy, que ficou muito espantado. Hermione sempre se dera muito bem com ele, melhor até que qualquer dos outros.
— Hermione, um bruxo na posição do Sr. Crouch não pode se dar ao luxo de ter um elfo doméstico que endoida com uma varinha na mão! — disse Percy, pomposamente, recuperando-se do espanto.
— Ela não ficou maluca! — gritou Hermione. — Ela só apanhou a varinha no chão!
— Olha aqui, será que alguém pode explicar o que significava aquele crânio? — perguntou Rony impaciente. — Não estava fazendo mal a ninguém... Por que esse escândalo todo?
— Eu já lhe disse, é o símbolo do Você-Sabe-Quem, Rony — disse Hermione, antes que mais alguém pudesse responder. — Li sobre ele em Ascensão e queda das artes das trevas.
— E não é visto há treze anos — acrescentou o Sr. Weasley em voz baixa. — E claro que as pessoas entraram em pânico... Foi quase o mesmo que rever Você-Sabe-Quem.
— Não estou entendendo — disse Rony, franzindo a testa. — Quero dizer... É apenas uma forma no céu...
— Rony, Você-Sabe-Quem e seus seguidores projetavam a Marca Negra no céu sempre que matavam alguém — disse o Sr. Weasley. — O terror que isso inspirava... Você não faz idéia, era muito criança. Mas imagine a pessoa chegar em casa e encontrar a Marca Negra pairando sobre ela, sabendo o que vai encontrar lá dentro... — O Sr. Weasley fez uma careta. — O que todos temem mais... Temem mais do que tudo...
Houve um silêncio momentâneo. Então Gui, levantando o lençol do braço para verificar o corte, disse:
— Bem, não fez nenhum bem à gente esta noite, quem quer que tenha conjurado aquilo. A Marca Negra afugentou os Comensais da Morte no momento em que a viram. Todos desaparataram antes que chegássemos bastante próximos para arrancar a máscara deles. Aliás, seguramos os Roberts antes que atingissem o chão. A memória deles está sendo alterada.
— Comensais da Morte? — perguntou Harry. — Que são Comensais da Morte?
— É o nome que os seguidores de Você-Sabe-Quem davam a si mesmos. Acho que vimos o que restou deles hoje à noite, pelo menos os que conseguiram ficar fora de Azkaban.
— Não podemos provar que eram eles, Gui — disse o Sr. Weasley. — Embora provavelmente tenham sido — acrescentou desanimado.
— É, aposto que eram! — disse Rony repentinamente. — Papai, encontramos Draco Malfoy na floresta, e ele praticamente nos disse que o pai dele era um dos idiotas mascarados! E todos sabemos que os Malfoy eram íntimos de Você-Sabe-Quem!
— Mas o que é que os seguidores de Voldemort... — começou Harry. Todos se encolheram, como a maioria das pessoas no mundo dos bruxos, os Weasley sempre evitavam dizer o nome de Voldemort. — Desculpem — disse Harry depressa.
— Mas o que é que os seguidores de Você-Sabe-Quem pretendiam fazendo aqueles trouxas levitar? Quero dizer, qual era o objetivo?
— O objetivo? — disse o Sr. Weasley com uma risada desanimada. — Harry, essa é a idéia que fazem de uma brincadeira. Metade das mortes de trouxas quando Você-Sabe-Quem estava no poder foi feita de brincadeira. Imagino que eles tenham tomado uns drinques esta noite e não puderam resistir ao impulso de nos lembrar que um grande número deles continua em liberdade. Uma reuniãozinha simpática — terminou ele desgostoso.
— Mas se eles eram realmente os Comensais da Morte, por que desaparataram quando viram a Marca Negra? — perguntou Rony. — Deveriam ter ficado felizes de ver a Marca, não?
— Usa os miolos, Rony — disse Gui. — Se eles eram realmente os Comensais da Morte, se viraram de todo o jeito para não serem mandados para Azkaban quando Você-Sabe-Quem perdeu o poder, e contaram um monte de mentiras de que ele os forçara a matar e torturar gente. Aposto como sentiriam ainda mais medo do que nós ao ver que ele estava voltando. Negaram que estivessem metidos com Você-Sabe-Quem quando ele perdeu o poder e voltaram as suas vidinhas de sempre... Acho que o Lord não ficaria muito satisfeito de ver essa gente, não é mesmo?
— Então... Quem conjurou a Marca Negra... — disse Hermione lentamente -estava fazendo, isso para manifestar apoio ou amedrontar os Comensais da Morte?
— O seu palpite vale tanto quanto o meu, Hermione — disse o Sr. Weasley -Mas vou lhe dizer uma coisa... Somente os Comensais eram capazes de conjurar a Marca. Eu ficaria muito surpreso se a pessoa que a conjurou não tivesse sido um dia Comensal da Morte, mesmo que não o seja agora... Olhem, é muito tarde, e se sua mãe ouvir falar do que aconteceu vai morrer de preocupação. Vamos dormir mais um pouco e depois tentar pegar um portal bem cedo para sair daqui.
Harry voltou ao seu beliche com a cabeça zunindo. Sabia que devia estar se sentindo exausto, eram quase três horas da manhã, mas estava completamente acordado — completamente acordado e preocupado.
Há três dias — parecia muito mais, mas só tinham sido três dias — acordara com a cicatriz ardendo. E esta noite, pela primeira vez em treze anos, a Marca de Lord Voldemort tinha aparecido no céu. Que significavam essas coisas?
Ele pensou na carta que escrevera a Sirius antes de deixar a Rua dos Alfeneiros. Será que o padrinho já a recebera? Quando iria mandar resposta?
Harry ficou contemplando a lona, mas não lhe ocorreu nenhum devaneio em que voasse para ajudá-lo a adormecer e somente muito tempo depois, quando os roncos de Carlinhos encheram a barraca, foi que o garoto finalmente adormeceu.













CAPÍTULO DEZ
Caos no Ministério

O Sr. Weasley acordou os garotos após algumas horas de sono. Usou magia para fechar e dobrar as barracas, e o grupo deixou o acampamento o mais depressa que pôde, passando pelo Sr. Roberts à porta da casa. O homem tinha um estranho olhar vidrado e acenou se despedindo com um vago "Feliz Natal".
— Ele vai ficar bom — disse o Sr. Weasley baixinho, quando começaram a atravessar a charneca. — As vezes, quando a memória de uma pessoa é alterada, ela fica um pouco desorientada durante algum tempo... E precisaram fazê-lo esquecer muita coisa.
Eles ouviram vozes ansiosas quando se aproximaram do lugar onde estava a chave do portal e, ao chegarem, encontraram numerosos bruxos e bruxas reunidos em torno de Basílio, o guardador das chaves dos portais, todos exigindo, em altos brados, partir do acampamento o mais rápido possível. O Sr. Weasley teve uma discussão com Basílio, eles entraram na fila e conseguiram tomar um velho pneu de volta ao monte Stoatshead antes do sol realmente nascer. Voltaram caminhando por dentro de Ottery St. Catchpole, em direção à “Toca”, à claridade da alvorada, falando muito pouco porque estavam demasiado exaustos e ansiosos pelo café da manhã que iriam tomar.
Ao virarem para a estrada de casa e avistarem “A Toca”, um grito ecoou pela estrada úmida.
— Ah, graças a Deus, graças a Deus!
A Sra. Weasley, que evidentemente estivera à espera diante da casa, veio correndo ao encontro deles, ainda usando chinelos, o rosto pálido e tenso, um exemplar amassado do Profeta Diário amarrotado na mão.
— Arthur... Eu estava tão preocupada... Tão preocupada...
Ela se atirou ao pescoço do marido e o Profeta Diário caiu de sua mão frouxa no chão. Baixando os olhos, Harry leu a manchete: “CENAS DE TERROR NA COPA MUNDIAL DE QUADRIBOL”, completada com uma foto em preto e branco da Marca Negra cintilando sobre as copas das árvores.
— Vocês estão bem — murmurou a Sra. Weasley distraída, largando o marido e olhando para os garotos com os olhos vermelhos —, vocês estão vivos... Ah, meninos...
E para surpresa de todos, agarrou Fred e Jorge e puxou os dois para um abraço tão apertado que as cabeças dos garotos se chocaram.
— Ai! Mamãe, você está estrangulando a gente...
— Gritei com vocês antes de irem embora! — disse a mãe, começando a soluçar. — é só nisso que estive pensando! E se Você-Sabe-Quem tivesse pegado vocês, e a última coisa que disse aos dois foi que não obtiveram suficientes N.O.M’s? Ah, Fred... Jorge...
— Ora vamos, Molly, estamos todos perfeitamente bem — disse o Sr. Weasley acalmando-a, desvencilhando-a dos gêmeos e levando-a em direção à casa.
— Gui — murmurou ele em voz mais baixa —, apanhe esse jornal, quero ver o que diz...
Quando já estavam todos apertados na pequena cozinha e Hermione preparara uma xícara de chá forte para a Sra. Weasley, no qual o marido insistira em acrescentar uma dose de uísque, Gui entregou o jornal ao pai.
O Sr. Weasley examinou a primeira página enquanto Percy espiava por cima do seu ombro.
— Eu sabia — disse o Sr. Weasley deprimido. — Ministério erra... Responsáveis livres... Segurança ineficaz... Bruxos das trevas correm desenfreados... Desgraça nacional... Quem escreveu isso? Ah... Só podia ser... Rira Skeeter.
— Essa mulher vive implicando com o Ministério da Magia! — reclamou Percy, furioso. — Semana passada ela disse que estávamos perdendo tempo discutindo a espessura dos caldeirões, quando devíamos estar acabando com os vampiros! Como se isso não estivesse explícito no parágrafo doze das Diretrizes para o Tratamento dos Semi-Humanos Não-bruxos...
— Faz um favor à gente, Percy — disse Gui bocejando —, cala a boca.
— Falaram de mim — disse o Sr. Weasley, arregalando os olhos por trás dos óculos ao chegar ao fim do artigo no Profeta Diário.
— Onde? — perguntou num atropelo a Sra. Weasley, engasgando-se com o chá batizado com uísque. — Se eu tivesse visto isso, saberia que você estava vivo!
— Não dizem o meu nome — explicou o Sr. Weasley. — Escute isso:

Se os bruxos e as bruxas aterrorizados que prendiam a respiração à espera de notícias na orla da floresta queriam ouvir do Ministério da Magia uma palavra que os tranqüilizasse foram lamentavelmente desapontados. Um funcionário do Ministério saiu da floresta uns minutos depois do aparecimento da Marca Negra, dizendo que não havia ninguém ferido, mas recusando-se a dar maiores informações. Resta ver se tal declaração será suficiente para abafar os boatos de que vários corpos foram retirados da floresta uma hora mais tarde.

— Ah, francamente, disse o Sr. Weasley, exasperado, entregando o jornal a Percy. Ninguém ficou ferido mesmo, que é que eu deveria dizer? Boatos de que vários corpos foram retirados da floresta... Ora, agora é que vai haver boatos depois de ela publicar isso.
Ele soltou um profundo suspiro.
— Molly, vou ter que ir ao escritório, isso vai dar um certo trabalho para consertar.
— Eu vou com você, pai — disse Percy cheio de importância. — O Sr. Crouch vai precisar de toda a tripulação a bordo. E aproveito para entregar a ele o meu relatório sobre os caldeirões, pessoalmente.
O rapaz saiu apressado da cozinha. A Sra. Weasley pareceu muito aborrecida.
— Arthur, você está de férias! Isso não tem nada a ver com o seu trabalho, com certeza eles podem resolver o caso sem você, não?
— Tenho que ir, Molly — disse o Sr. Weasley. — Piorei as coisas com a minha declaração. Vou trocar de roupa um instante e vou...
— Sra. Weasley — disse Harry de repente, incapaz de se conter —, Edwiges não chegou com uma carta para mim?
— Edwiges, querido? — disse a Sra. Weasley distraída. — Não... Não, não chegou nenhum correio.
Rony e Hermione olharam, curiosos, para Harry. Com um olhar expressivo para ambos ele disse:
— Tudo bem se eu for deixar minhas coisas no seu quarto, Rony?
— Claro... Acho que eu também vou — respondeu Rony na mesma hora. — Mione?
— Vou — disse ela depressa, e os três saíram decididos da cozinha e subiram as escadas.
— Que é que está acontecendo, Harry? — perguntou Rony, depois de fecharem a porta do sótão atrás deles.
— Tem uma coisa que não contei a vocês — disse Harry. — No domingo de manhã, acordei com a minha cicatriz doendo outra vez.
As reações de Rony e Hermione foram quase exatamente as que Harry imaginara em seu quarto na Rua dos Alfeneiros. Hermione prendeu a respiração e começou a dar sugestões na mesma hora, mencionando vários livros de referência e diversas pessoas desde Alvo Dumbledore a Madame Pomfrey, a enfermeira de Hogwarts. Rony simplesmente fez cara de espanto.
— Mas ele não estava lá, estava? Você-Sabe-Quem? Quero dizer, da última vez que sua cicatriz ficou doendo, ele esteve em Hogwarts, não foi?
— Tenho certeza de que ele não estava na Rua dos Alfeneiros — falou Harry. –Mas sonhei com ele... Com ele e Pedro, sabe, Rabicho. Não me lembro do sonho todo agora, mas eles estavam planejando... Matar alguém.
Hesitara por um momento quase dizendo "me matar", mas não teve coragem de fazer Hermione ficar mais horrorizada do que já estava.
— Foi só um sonho — disse Rony tranqüilizando o amigo. — Só um pesadelo.
— É, mas será que foi mesmo? — disse Harry, virando-se para espiar, pela janela, o céu que clareava. — É esquisito, não é... Minha cicatriz dói e três dias depois os Comensais da Morte se manifestam e o sinal de Voldemort volta a aparecer no céu.
— Não... Diz... O nome... Dele! — sibilou Rony entre dentes.
— E lembra o que foi que a Professora Trelawney disse? — continuou Harry, sem dar atenção a Rony. — No fim do ano passado?
A Professora Trelawney era a professora de Adivinhação dos garotos em Hogwarts. A expressão aterrorizada de Hermione desapareceu substituída por uma risadinha de desdém.
— Ah, você não vai prestar atenção ao que aquela velha charlatã diz, vai?
— Você não estava lá — respondeu Harry. — Dessa vez foi diferente. Eu contei a você, ela entrou em transe, de verdade. E disse que o Lord das Trevas se reergueria... Maior e mais terrível que nunca... E que teria sucesso porque seu servo ia voltar para ele... E naquela noite Rabicho fugiu.
Seguiu-se um silêncio, em que Rony ficou brincando distraidamente com um furo em sua colcha dos Chudley Cannons.
— Por que você estava perguntando se Edwiges tinha chegado, Harry? — perguntou Hermione. — Você está esperando uma carta?
— Contei ao Sirius sobre a minha cicatriz — disse Harry, encolhendo os ombros. — Estou esperando a resposta.
— Bem pensado! — exclamou Rony, desanuviando a expressão. — Aposto que Sirius sabe o que fazer!
— Eu esperava que ele me respondesse logo — disse Harry.
— Mas nós não sabemos onde Sirius está... Talvez esteja na África ou em outro continente, não é? — ponderou Hermione. — Edwiges não poderia fazer uma viagem dessas em poucos dias.
— É, eu sei — disse Harry, mas teve uma sensação de peso no estômago ao olhar o céu sem nem sinal de Edwiges.
— Vamos jogar uma partida de Quadribol no pomar, Harry — sugeriu Rony. — Vamos, uma melhor de três, Gui, Carlinhos, Fred e Jorge jogarão... Você pode experimentar a Finta de Wronski...
— Rony — disse Hermione, num tom de quem diz eu não acho que você esteja sendo muito sensível —, Harry não quer jogar Quadribol agora... Está preocupado e cansado... Nós todos precisamos dormir...
— Ah, quero jogar Quadribol — disse Harry subitamente. — Güenta aí, vou pegar a minha Firebolt.
Hermione saiu do quarto resmungando alguma coisa com o som de "Meninos" Nem o Sr. Weasley nem Percy pararam muito em casa na semana seguinte. Os dois saíam toda manhã antes do resto da família se levantar e só voltavam bem depois do jantar.
— Tem sido um absoluto tumulto — contou Percy a todos, cheio de importância, no domingo à noite, véspera dos garotos regressarem a Hogwarts. — Estive apagando incêndios a semana inteira. As pessoas não param de mandar berradores e, é claro, se a gente não abre um berrador na mesma hora ele explode. Tem marcas de queimadura por toda a minha mesa e a minha melhor pena ficou reduzida a cinzas.
— Por que é que estão mandando berradores? — perguntou Gina, que se ocupava em remendar com fita adesiva o seu exemplar de Mil Ervas e Fungos Mágicos, sentada no tapete diante da lareira da sala de estar.
— Para se queixarem da falta de segurança na Copa Mundial — disse Percy. -Querem compensação pelos prejuízos. Mundungo Fletcher entrou com um pedido de compensação pela perda de uma barraca de doze suítes com banheira jacuzzi, mas eu saquei logo qual era a dele. Sei sem a menor dúvida que ele estava dormindo embaixo de uma capa estendida por cima de paus.
A Sra. Weasley olhou para o relógio de carrilhão a um canto da sala. Harry gostava desse relógio. Era completamente inútil se alguém queria saber as horas, mas para outras coisas era muito informativo.
Tinha nove ponteiros dourados e em cada um estava gravado o nome de um Weasley. Não havia números no mostrador, mas o local onde cada membro da família poderia estar. Havia "casa", "escola" e "trabalho", mas também "perdido", "hospital", "prisão" e, na posição em que estaria o número doze em um relógio normal, "perigo mortal".
Oito dos ponteiros indicavam "casa", mas o do Sr. Weasley, que era o mais comprido, ainda apontava para "trabalho". A Sra. Weasley suspirou.
— O seu pai não precisa ir ao escritório num fim de semana desde o tempo de Você-Sabe-Quem — disse ela. — Estão obrigando-o a trabalhar demais. O jantar dele vai estragar se demorar muito mais a chegar em casa.
— Papai acha que precisa compensar o erro que fez no jogo, não é? — disse Percy. — Verdade seja dita, foi meio imprudente ele fazer uma declaração à imprensa sem antes pedir autorização ao chefe do departamento...
— Não se atreva a culpar o seu pai pelo que aquela infeliz da Skeeter escreveu! — disse a Sra. Weasley, irritando-se na hora.
— Se papai não tivesse dito nada, a Rira teria escrito que era lamentável que ninguém do Ministério tivesse comentado nada — disse Gui, que estava jogando xadrez com Rony. — Rita Skeeter nunca pinta ninguém de anjo. Estão lembrados da vez que ela entrevistou todos os desfazedores de feitiços do Gringotes e me chamou de frangote de cabelo comprido?
— Bom, está um pouco comprido, querido — disse a Sra. Weasley carinhosamente. — Se você me deixasse...
— Não, mamãe.
A chuva açoitava a janela da sala de estar. Hermione lia, absorta, O Livro Padrão de Feitiços, 4ª série, que a Sra. Weasley comprara para ela, Harry e Rony no Beco Diagonal. Carlinhos cerzia um gorro à prova de fogo. Harry dava polimento na Firebolt, com o Estojo para Manutenção de Vassouras que Hermione lhe dera no décimo terceiro aniversário aberto aos seus pés. Fred e Jorge estavam sentados no canto mais afastado, de penas na mão, conversando aos cochichos, as cabeças curvadas sobre um pedaço de pergaminho.
— Que é que vocês dois estão aprontando? — perguntou a Sra. Weasley rispidamente, os olhos nos gêmeos.
— Dever de casa — disse Fred vagamente.
— Não seja ridículo, vocês ainda estão de férias — disse a mãe.
— Deixamos este para depois — disse Jorge.
— Por acaso vocês não estão preparando um novo formulário, estão? -perguntou a Sra. Weasley perspicaz. — Por acaso não estariam pensando em recomeçar as "Gemialidades" Weasley?
— Ora, mamãe — disse Jorge erguendo os olhos para a mãe, uma expressão mortificada no rosto. — Se o Expresso de Hogwarts bater amanhã e Jorge e eu morrermos, como é que você iria se sentir sabendo que a última coisa que ouvimos de você foi uma acusação sem fundamento?
Todos riram, até mesmo a Sra. Weasley.
— Ah, seu pai está chegando! — disse ela de repente, olhando mais uma vez para o relógio. O ponteiro do Sr. Weasley de repente girou de "trabalho" para "viagem"; um segundo depois parou estremecendo em casa junto aos demais, e todos o ouviram chamar da cozinha.
— Estou indo, Arthur! — respondeu a mulher, saindo correndo da sala.
Mais alguns minutos e o Sr. Weasley entrava na sala aquecida, trazendo o jantar numa bandeja. Parecia completamente exausto.
— Bom, agora a coisa está realmente pegando fogo — comentou ele com a Sra. Weasley, sentando-se numa poltrona junto à lareira e brincando desanimado com uma porção murcha de couve-flor. — Rita Skeerer andou fuçando a semana inteira, procurando mais bobagens ministeriais para denunciar. E agora descobriu que a coitada da velha Berta está desaparecida, então isso vai ser a manchete de amanhã no Profeta. Eu disse a Bagman que ele devia ter mandado alguém procurá-la há séculos.
— O Sr. Crouch vem dizendo isso há semanas seguidas — disse Percy depressa.
— Crouch tem muita sorte de Rita não ter descoberto nada sobre a Winky –retrucou o Sr. Weasley irritado. — Haveria uma semana de manchetes com a história do elfo doméstico; dele ter sido apanhado segurando a varinha que conjurou a Marca Negra.
— Acho que todos concordamos que o elfo, embora irresponsável, não conjurou a Marca? — disse Percy inflamado.
— Se você quer saber, o Sr. Crouch tem muita sorte que ninguém no Profeta Diário saiba como ele é ruim para os elfos! — disse Hermione zangada.
— Agora, olha aqui, Hermione! — retrucou Percy. — Um funcionário de primeiro escalão no Ministério como o Sr. Crouch merece obediência cega dos seus criados.
— Dos seus escravos, você quer dizer! — falou Hermione com a voz muito aguda. — Porque ele não pagava salário a Winky, não é mesmo?
— Acho melhor vocês todos subirem e verificarem se fizeram as malas direito! — disse a Sra. Weasley, interrompendo a discussão. — Andem logo, vamos, todos vocês...
Harry fechou o estojo de manutenção, pôs a Firebolt ao ombro e subiu com Rony. A chuva parecia ainda mais forte no último andar da casa, e vinha acompanhada por assobios e gemidos do vento, para não falar nos uivos ocasionais do vampiro que vivia no sótão. Pichitinho começou a piar e a voar dentro da gaiola quando eles entraram. A visão dos malões quase prontos o deixara num frenesi de excitação.
— Arrolha ele com um pouco desses petiscos para Corujas — disse Rony atirando um pacote para Harry, — Quem sabe ele cala o bico.
Harry enfiou alguns petiscos pelas grades da gaiola, depois voltou sua atenção para o malão. A gaiola de Edwiges estava do lado, ainda vazia.
— Já faz mais de uma semana — disse Harry, contemplando o poleiro deserto de Edwiges. — Rony, você acha que Sirius foi capturado?
— Nããão! Teria saído no Profeta Diário — protestou Rony. — O Ministério iria querer mostrar que capturou alguém, não acha?
— É, acho...
— Olha, toma aqui o material que mamãe comprou para você no Beco Diagonal. E ela tirou um pouco de ouro do seu cofre para você... E lavou todas as suas meias.
Rony carregou uma pilha de coisas para a cama de armar de Harry e largou uma bolsa de dinheiro e um monte de meias do lado. O garoto começou a desembrulhar as compras. Além do Livro padrão de feitiços, 4ª série, de Miranda Goshawk, ele tinha agora um punhado de penas novas, doze rolos de pergaminho e ingredientes para o seu estojo de poções — os estoques de espinha de peixe-leão e essência de beladona estavam quase no fim. Começou a empilhar a roupa íntima dentro do caldeirão quando Rony soltou uma exclamação de desagrado às costas dele.
— Que vem a ser isso?
Ele estava segurando uma coisa que pareceu a Harry uma longa veste de veludo marrom. Tinha um babado de renda de aspecto mofado no decote e punhos de renda iguais.
Os garotos ouviram uma batida na porta e a Sra. Weasley entrou, trazendo uma braçada de vestes de Hogwarts recém lavadas.
— Tomem aqui — disse ela, dividindo a braçada ao meio. — Agora vejam se guardam tudo na mala direito para não amarrotar.
— Mamãe, você me deu a roupa nova da Gina — disse Rony devolvendo a veste marrom à mãe.
— Claro que não, é para você. Vestes a rigor.
— Quê?— exclamou Rony, horrorizado.
— Vestes a rigor! — repetiu a Sra. Weasley. — Está na sua lista de material que este ano você deverá levar vestes a rigor... Vestes para ocasiões formais.
— A senhora tem que estar brincando — exclamou Rony incrédulo. — Eu não vou usar isso, nem pensar.
— Todo mundo usa, Rony! — disse a Sra. Weasley aborrecida. — E são todas assim! Seu pai também tem uma para festas elegantes!
— Saio pelado, mas não visto uma coisa dessas — teimou Rony.
— Não seja bobo. Você precisa de vestes a rigor, estão na sua lista! Comprei para o Harry também... Mostre a ele, Harry... Com uma certa apreensão Harry abriu o último embrulho sobre a cama.
Mas não eram tão ruins quanto esperara, as vestes não tinham renda alguma, de fato, eram mais ou menos iguais às vestes da escola, só que eram verde-garrafa em vez de pretas.
— Achei que elas realçariam a cor dos seus olhos, querido — disse a Sra. Weasley afetuosamente.
— Ora, as dele são legais! — disse Rony zangado, olhando para as vestes de Harry. — Por que eu não ganhei vestes como as dele?
— Por que... Bom, precisei comprar as suas de segunda mão, e não havia muita escolha! — disse a Sra. Weasley corando.
Harry olhou para o outro lado. Teria dividido com os Weasley, de boa vontade, o dinheiro que havia em seu cofre no Gringotes, mas sabia que eles jamais aceitariam.
— Não vou usar isso nunca — insistiu Rony. — Nunquinha.
— Ótimo — retorquiu a Sra. Weasley. — Ande nu. E Harry não se esqueça de tirar uma fotografia dele. Deus sabe que eu estou precisando de umas boas gargalhadas.
Ela saiu do quarto batendo a porta. Os meninos ouviram um ruído engraçado de alguém cuspindo às costas deles. Era Pichitinho se engasgando com um petisco grande demais.
— Por que é que tudo que eu tenho é porcaria? — enfureceu-se Rony, atravessando o quarto para descolar o bico da coruja.

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