quarta-feira, 14 de dezembro de 2011
Harry Potter e o Cálice de Fogo (8/7) @_@
CAPÍTULO TRINTA E SEIS
Os Caminhos se Separam
Dumbledore ficou em pé. Contemplou Bartô Crouch por um momento com uma expressão de desgosto. Então ergueu sua varinha mais uma vez e dela voaram cordas, cordas que se prenderam em torno do bruxo, amarrando-o apertado. Ele se dirigiu, então, à Professora McGonagall.
— Minerva, posso pedir a você que fique de guarda aqui enquanto levo Harry para cima?
— Naturalmente. — Ela parecia ligeiramente nauseada, como se tivesse acabado de ver alguém vomitar. Contudo, quando puxou a varinha e a apontou para Bartô Crouch, sua mão estava bem firme.
— Severo — virou-se Dumbledore para Snape — por favor, peça a madame Pomfrey para vir até aqui. Precisamos levar Alastor Moody para a ala hospitalar. Depois desça aos jardins, procure Cornélio Fudge e traga-o para esta sala. Com certeza ele vai querer interrogar Crouch pessoalmente. Diga-lhe que estarei na ala hospitalar dentro de meia hora, caso precise de mim.
Snape concordou silenciosamente com um aceno de cabeça e saiu da sala.
— Harry? — chamou Dumbledore gentilmente.
Harry se levantou e cambaleou; a dor na perna, que ele mal sentira todo o tempo em que estivera ouvindo Crouch, agora voltava com força total. O garoto também percebeu que estava tremendo.
Dumbledore segurou-o pelo braço e ajudou-o a sair para o corredor escuro.
— Quero que venha primeiro ao meu escritório, Harry — disse ele baixinho, enquanto seguiam pelo corredor. — Sirius está nos esperando lá.
Harry concordou com a cabeça. Uma sensação de dormência e de total irrealidade se apoderara dele, mas o garoto não ligou, ficou até feliz com isso. Não queria ter que pensar em nada que acontecera desde que pusera a mão, pela primeira vez, na Taça Tribruxo. Não queria ter que examinar as lembranças, frescas e nítidas como fotografias, que não paravam de lampejar em sua mente.
Olho-Tonto Moody dentro do malão, Rabicho caído no chão, aninhando o toco do braço. Voldemort ressurgindo do caldeirão fumegante. Cedrico... Morto...
Cedrico pedindo para ele levar seu corpo para os pais...
— Professor — murmurou Harry — onde estão o Sr. e a Sra. Diggory?
— Estão com a Professora Sprout. — A voz de Dumbledore que estivera tão calma durante o interrogatório de Bartô Crouch tremeu levemente pela primeira vez. — Ela é a diretora da Casa de Cedrico e o conhecia melhor.
Tinham chegado à gárgula de pedra. Dumbledore disse a senha, ela saltou para o lado, e o diretor e Harry subiram a escada rolante circular até a porta de carvalho. Dumbledore abriu-a. Sirius estava parado ali. Seu rosto branco e ossudo como estivera quando fugira de Azkaban. Num átimo, ele atravessou a sala.
— Harry, você está bem? Eu sabia... Eu sabia que uma coisa assim... Que aconteceu?
As mãos dele tremiam ao ajudar Harry a se sentar em uma cadeira diante da escrivaninha.
— Que aconteceu? — perguntou mais pressuroso.
Dumbledore começou a contar a Sirius tudo que Bartô Crouch dissera.
Harry ouvia apenas com metade de sua atenção. Tão cansado que cada osso do seu corpo doía, ele só tinha vontade de ficar sentado ali, sossegado, durante horas e horas, até adormecer e não precisar mais pensar nem sentir nada. Ouviu-se um leve rumorejo de asas. Fawkes, a fênix, deixara o poleiro, voara pela sala e pousara no joelho de Harry.
— Alô, Fawkes — disse o garoto de mansinho. E alisou a bela plumagem vermelha e dourada da ave. Fawkes piscou sem medo para ele. Havia um certo consolo em seu peso morno.
Dumbledore parara de falar. Sentou-se diante de Harry, à escrivaninha.
Encarou o menino, que procurou evitar os seus olhos. Dumbledore ia interrogá-lo.
Ia fazer Harry desabafar tudo.
— Preciso saber o que foi que aconteceu depois que você tocou a Chave de Portal no labirinto, Harry — disse o diretor.
— Podemos esperar até de manhã para isso, não Dumbledore? — disse Sirius com aspereza. Ele pousou a mão no ombro de Harry. — Deixe o garoto dormir. Deixe-o descansar.
Harry sentiu um assomo de gratidão com relação ao padrinho, mas Dumbledore não deu atenção às palavras de Sirius. Curvou-se para Harry. De má vontade, o garoto ergueu a cabeça e encarou aqueles olhos azuis.
— Se eu achasse que poderia ajudá-lo — disse Dumbledore brandamente — mergulhar você em um sono encantado e permitir que adiasse o momento em que terá de pensar no que aconteceu esta noite, eu faria isso. Mas sei que não posso. Amortecer a dor por algum tempo apenas a tornará pior quando você finalmente a sentir. Você demonstrou uma coragem acima da que eu poderia ter esperado. Estou pedindo que a demonstre mais uma vez. Estou pedindo que nos conte o que aconteceu.
A fênix deixou escapar uma nota branda e trêmula. A nota estremeceu no ar, e Harry sentiu como se uma gota de líquido morno tivesse descido por sua garganta até o estômago, aquecendo-o e lhe dando forças.
Ele inspirou profundamente e começou a contar. Enquanto falava, visões de tudo que se passara àquela noite pareciam desfilar diante de seus olhos, ele viu a superfície borbulhante da poção que revivera Voldemort, viu os Comensais da Morte aparatando entre os túmulos em volta deles, viu o corpo de Cedrico, caído no chão ao lado da Taça.
Uma ou duas vezes, Sirius emitiu um som como se fosse falar alguma coisa, sua mão ainda apertando o ombro do afilhado, mas Dumbledore ergueu a mão para fazê-lo calar, e Harry se sentiu grato por isso, porque era mais fácil continuar agora que já começara. Era até um alívio, o garoto teve a sensação de que alguma coisa venenosa estava sendo extraída dele, custava-lhe toda a determinação que possuía continuar falando, contudo, ele percebia que uma vez que tivesse terminado, iria se sentir melhor.
Quando Harry contou que Rabicho espetara seu braço com o punhal, porém, Sirius deixou escapar uma exclamação veemente e Dumbledore se levantou tão depressa que Harry se assustou. O diretor deu a volta à escrivaninha e pediu a Harry que esticasse o braço. O garoto mostrou aos dois o lugar em que suas vestes estavam rasgadas e o corte sob as mesmas.
— Ele falou que o meu sangue o tornaria mais forte do que se usasse o de outro — disse Harry a Dumbledore. — Falou que a proteção que minha... Minha mãe tinha deixado em mim, seria dele, também. E estava certo, ele pôde me tocar sem se machucar, ele tocou o meu rosto.
Por um instante fugaz, Harry viu um brilho que lembrava triunfo nos olhos do diretor. Mas no segundo seguinte teve certeza de que imaginara, porque quando Dumbledore voltou à cadeira atrás da escrivaninha, pareceu velho e cansado como Harry jamais o vira.
— Muito bem — disse ao se sentar. — Voldemort superou esta barreira. Continue, Harry, por favor. Harry prosseguiu, explicou como Voldemort emergira do caldeirão, e repetiu para eles tudo que conseguiu se lembrar do discurso do lorde aos Comensais da Morte. Então contou como Voldemort o desamarrara, devolvera sua varinha e se preparara para duelar.
Mas quando chegou à parte do raio de luz dourada que ligara sua varinha à de Voldemort, ele descobriu que estava com a garganta embargada. Harry tentou continuar falando, mas as lembranças do que saíra da varinha do bruxo inundavam sua mente. Reviu Cedrico saindo, o velho, Berta Jorkins... Sua mãe... Seu pai...
Ele ficou feliz quando Sirius rompeu o silêncio.
— As varinhas se ligaram? — perguntou ele, olhando de Harry para Dumbledore. — Por quê?
Harry tornou a erguer os olhos para Dumbledore, em cujo rosto havia uma expressão tensa.
— Prioni Incantatem — murmurou.
Seus olhos fitaram os de Harry e foi quase como se um raio invisível de compreensão passasse entre os dois.
— A reversão do feitiço? — perguntou Sirius alerta.
— Exatamente — disse Dumbledore. — A varinha de Harry e a de Voldemort têm o mesmo cerne. Cada uma contém uma pena da cauda da mesma fênix. Com efeito, desta fênix — acrescentou ele, apontando para a ave vermelha e dourada, empoleirada tranqüilamente no joelho de Harry.
— A pena da minha varinha veio de Fawkes? — perguntou Harry, admirado.
— Veio — disse Dumbledore. — O Sr. Olivaras me escreveu dizendo que você comprara a segunda varinha, no instante em que você saiu da loja dele, há quatro anos.
— Então o que acontece quando uma varinha encontra sua irmã? — perguntou Sirius.
— Elas não funcionam bem uma contra a outra. Se, no entanto, o dono de uma das varinhas forçar uma luta entre as varinhas... Produzirá um efeito muito raro. Uma das varinhas forçará a outra a regurgitar os feitiços que realizou, na ordem inversa. O mais recente primeiro... Depois os que o antecederam...
O diretor olhou interrogativamente para Harry e o garoto confirmou com a cabeça.
— O que significa — disse Dumbledore lentamente, seus olhos no rosto de Harry — que alguma forma de Cedrico deve ter reaparecido.
Harry tornou a confirmar.
— Diggory voltou à vida? — perguntou Sirius abruptamente.
— Nenhum feitiço pode ressuscitar os mortos — disse Dumbledore em tom sentencioso. — Só o que pode ocorrer é uma espécie de eco inverso. Uma sombra do Cedrico vivente teria emergido da varinha... Estou certo, Harry?
— Ele falou comigo — disse Harry. De repente o garoto voltou a tremer. — O... O fantasma de Cedrico, ou o que seja, falou.
— Um eco — disse Dumbledore — que reteve a aparência e o caráter de Cedrico. Imagino que outras formas semelhantes tenham aparecido... Vítimas menos recentes da varinha de Voldemort...
— Um velho — respondeu Harry, com um aperto na garganta. — Berta Jorkins. E...
— Seus pais? — perguntou Dumbledore calmamente.
-Foi.
A mão de Sirius no ombro de Harry agora o apertava com tanta força que chegava a doer.
— As últimas mortes executadas pela varinha — confirmou Dumbledore com um aceno de cabeça. — Na ordem inversa. Mais teriam aparecido, é claro, se vocês continuassem a manter a ligação. Muito bem, Harry, esses ecos, essas sombras... Que foi que elas fizeram?
O garoto descreveu como as figuras que haviam saído da varinha tinham ficado rondando o interior da teia dourada, como Voldemort pareceu temê-las, como a sombra do pai de Harry lhe disse o que fazer, como a de Cedrico fizera um último pedido.
Neste ponto, Harry descobriu que não conseguiria continuar. Olhou para Sirius e viu que o padrinho segurava o rosto nas mãos.
Harry de repente tomou consciência de que Fawkes deixara seu joelho. A ave voara para o chão. E descansou a bela cabeça na perna machucada do menino, grossas lágrimas peroladas caíram dos seus olhos sobre a ferida feita pela aranha. A dor desapareceu. A pele se recompôs. A perna ficou boa.
— Vou repetir mais uma vez — disse Dumbledore, quando a fênix levantou vôo e tornou a se acomodar em seu poleiro junto à porta. — Esta noite você revelou uma bravura que ultrapassou o que eu teria esperado de você, Harry. Revelou uma bravura igual à daqueles que morreram combatendo Voldemort no auge do seu poder. Você carregou o fardo de um bruxo adulto e esteve à altura dele, e você agora nos deu tudo o que temos direito a esperar. Você vai me acompanhar à ala hospitalar. Não quero que volte para o dormitório esta noite. Uma Poção do Sono e algum sossego...
— Sirius, você gostaria de ficar com ele?
Sirius confirmou com a cabeça e se levantou. Tornou a se transformar no enorme cachorro preto e saiu com Harry e Dumbledore do escritório, acompanhando-os por um lance de escadas até a ala hospitalar.
Quando o diretor empurrou a porta, Harry viu a Sra. Weasley, Gui, Rony e Hermione reunidos em torno de uma atarantada Madame Pomfrey. Pareciam estar exigindo saber onde estava Harry e o que lhe acontecera.
Todos se viraram rapidamente quando Harry, Dumbledore e o cachorro preto entraram, e a Sra. Weasley deixou escapar um grito abafado:
— Harry! Ah, Harry!
Ela fez menção de correr para o garoto, mas Dumbledore se colocou entre os dois.
— Molly — disse ele, erguendo a mão —, por favor, ouça-me um momento. Harry passou uma provação terrível esta noite. Acabou de desabafá-la comigo. Do que ele precisa agora é de sono, paz e silêncio. Se ele quiser que vocês todos fiquem com ele — acrescentou o diretor, abrangendo com o olhar Rony, Hermione e Gui —, vocês podem ficar. Mas não quero que lhe façam perguntas até que ele esteja pronto para respondê-las e, certamente, não será hoje à noite.
A Sra. Weasley concordou com a cabeça. Estava muito pálida. Ela se virou para Rony, Hermione e Gui, como se eles estivessem fazendo barulho, e sibilou:
— Vocês ouviram? Ele precisa de silêncio!
— Diretor — disse Madame Pomfrey, encarando o cachorro preto que era Sirius —, posso perguntar o que...
— Este cachorro vai ficar com Harry por algum tempo — disse Dumbledore com simplicidade. — Posso lhe assegurar que ele é muitíssimo bem treinado. Harry vou esperar até você se deitar.
Harry sentiu uma inexprimível gratidão a Dumbledore por pedir aos outros que não lhe fizessem perguntas. Não é que não os quisesse ali, mas a idéia de explicar tudo mais uma vez, de reviver tudo mais uma vez, era mais do que ele poderia suportar.
— Voltarei para vê-lo assim que estiver com Fudge, Harry — disse Dumbledore. — Gostaria que você ficasse aqui amanhã também, até eu me dirigir à escola. — E saiu.
Quando Madame Pomfrey levou Harry a uma cama próxima, ele avistou o verdadeiro Moody deitado imóvel em uma cama no fundo da enfermaria. Sua perna de pau e o olho mágico estavam pousados na mesa-de-cabeceira.
— Ele está bem? — perguntou Harry.
— Ele vai ficar bom — respondeu Madame Pomfrey, entregando ao garoto um pijama e colocando os biombos à sua volta. Ele despiu as vestes, pôs o pijama e entrou na cama. Rony, Hermione, Gui, a Sra. Weasley e o cachorro preto contornaram o biombo e se sentaram em cadeiras dos lados da cama. Rony e Hermione espiaram o amigo quase cautelosamente, como se sentissem medo dele.
— Eu estou bem — disse Harry a eles. — Só cansado.
Os olhos da Sra. Weasley se encheram de lágrimas quando alisou as cobertas da cama sem a menor necessidade. Madame Pomfrey, que acabara de sair apressada de sua sala, voltou segurando uma taça e um frasquinho contendo uma poção púrpura.
— Você vai precisar beber tudo isso, Harry. É uma poção para dormir sem sonhar.
O garoto tomou o cálice e bebeu alguns goles. Sentiu-se sonolento na mesma hora. Tudo ao seu redor ficou enevoado, as luzes na enfermaria pareceram piscar para ele de um jeito simpático através do biombo que circundava sua cama; ele teve a sensação de que seu corpo afundava cada vez mais no calor do edredom de penas. Antes que pudesse terminar a poção, antes que pudesse dizer mais alguma coisa, sua exaustão o adormeceu.
Harry acordou, tão quentinho, tão sonolento, que nem abriu os olhos, sentindo vontade de adormecer outra vez. A enfermaria continuava fracamente iluminada, acreditava que ainda era noite e tinha a impressão de que não poderia ter dormido muito tempo. Então ouviu cochichos à sua volta.
— Vão acordá-lo se não calarem a boca!
— Por que é que estão gritando? Não pode ter acontecido mais nada ou pode?
Harry abriu os olhos borrados. Alguém tirara seus óculos. Viu os contornos difusos da Sra. Weasley e de Gui ali perto. A bruxa estava em pé.
— É a voz de Fudge — sussurrou ela. — E a outra é da Minerva McGonagall, não é? Mas por que estão discutindo?
Agora Harry os ouvia também, gente gritando e correndo em direção à ala hospitalar.
— Lamentável, mas mesmo assim, Minerva... — dizia o ministro em voz alta.
— O senhor nunca deveria tê-lo trazido para o interior do castelo! — berrou a professora. — Quando Dumbledore descobrir...
Harry ouviu as portas da enfermaria se escancararem. Sem as pessoas ao redor de sua cama notarem, pois fixaram o olhar na porta quando Gui afastou os biombos, Harry se sentou e tornou a colocar os óculos.
Fudge entrou em grandes passadas pela enfermaria. Os Professores McGonagall e Snape vinham em seus calcanhares.
— Onde está Dumbledore? — Fudge interpelou a Sra. Weasley.
— Não está aqui — disse a senhora zangada. — Isto é uma enfermaria, ministro, o senhor não acha que faria melhor...
Mas a porta se abriu e Dumbledore entrou decidido.
— Que aconteceu? — perguntou energicamente, olhando de Fudge para McGonagall.
— Por que estão incomodando estas pessoas? Minerva, você me surpreende, eu lhe pedi para ficar vigiando Bartô Crouch...
— Não há necessidade de vigiá-lo mais, Dumbledore! — gritou ela. — O ministro já providenciou isso!
Harry nunca vira a professora se descontrolar daquele jeito.
Havia manchas vermelhas de raiva em seu rosto, as mãos estavam fechadas em punhos, ela tremia de fúria.
— Quando informei ao Sr. Fudge que tínhamos apanhado o Comensal da Morte responsável pelos acontecimentos desta noite — disse Snape, em voz baixa — parece que ele achou que sua segurança pessoal estava ameaçada. Insistiu em chamar um dementador para acompanhá-lo até o castelo. Levou-o para a sala em que Bartô Crouch...
— Avisei a ele que você não concordaria, Dumbledore! — vociferou a Professora Minerva. — Avisei a ele que você não permitiria que dementadores entrassem no castelo, mas...
— Minha cara senhora! — rugiu Fudge, que parecia igualmente mais zangado do que Harry jamais o vira. — Como Ministro da Magia, sou eu quem decide se quero trazer uma proteção pessoal quando vou entrevistar alguém possivelmente perigoso...
Mas a voz da Professora McGonagall abafou a de Fudge.
— No momento em que aquela... Aquela coisa entrou na sala — berrou ela, apontando para Fudge, o corpo todo tremendo — o dementador avançou para Crouch e... E...
Harry sentiu um frio no estômago, enquanto a professora procurava encontrar palavras para descrever o que acontecera. Harry não precisou que ela terminasse a frase. Sabia o que o dementador devia ter feito. Aplicara o beijo fatal em Bartô Crouch. Sugara a alma do rapaz pela boca. Ele estava pior do que morto.
— Pelo que todos dizem, não se perdeu nada! — vociferou Fudge. — Ele parece ter sido responsável por várias mortes!
— Mas ele agora não pode prestar depoimento, Cornélio — disse Dumbledore, encarando Fudge com insistência, como se o visse direito pela primeira vez. — Ele não pode testemunhar por que matou essas pessoas.
— Por que ele as matou? Ora, isso não é mistério, é? — esbravejou o ministro. — Ele é doido de pedra! Pelo que Severo e Minerva me disseram, ele parecia pensar que tinha feito tudo isso seguindo instruções de Você-Sabe-Quem!
— É ele estava seguindo instruções de Lord Voldemort, Cornélio — respondeu Dumbledore. — A morte dessas pessoas foi apenas um produto secundário do plano para restaurar as forças de Voldemort. O plano foi bem sucedido. Voldemort recuperou seu corpo.
Fudge parecia ter levado uma pancada violenta no rosto. Atordoado e piscando, ele olhou para Dumbledore como se não conseguisse acreditar no que acabara de ouvir. Começou a balbuciar, ainda de olhos arregalados para o diretor.
— Você-Sabe-Quem... Retornou? Absurdo. Ora, vamos, Dumbledore...
— Conforme Minerva e Severo sem dúvida lhe contaram, ouvimos Bartô Crouch confessar. Sob a influência do Veritaserum, ele nos disse como foi contrabandeado para fora de Azkaban e como Voldemort, tendo sabido por Berta Jorkins que ele continuava vivo, foi libertá-lo da guarda do pai, e usou-o para capturar Harry. O plano funcionou, posso lhe garantir. Crouch ajudou Voldemort a retornar.
— Olhe aqui, Dumbledore — disse Fudge, e Harry ficou espantado de ver o sorrisinho que apareceu no rosto do ministro —, você... Você não acredita seriamente nisso. Você-Sabe-Quem voltou? Ora, vamos, ora vamos... Com certeza Crouch deve ter acreditado que estava agindo sob as ordens de Você-Sabe-Quem, mas aceitar a palavra de um doido daqueles, Dumbledore...
— Quando Harry tocou na Taça Tribruxo esta noite, ele foi transportado diretamente até Voldemort — disse Dumbledore com firmeza. — Ele presenciou o renascimento de Lord Voldemort. Explicarei tudo a você se quiser vir ao meu escritório.
Dumbledore olhou para Harry e viu que o garoto estava acordado, mas sacudiu a cabeça e disse:
— Receio que não possa permitir que você interrogue Harry hoje.
O curioso sorriso de Fudge perdurou. Ele também olhou para Harry, depois se voltou para Dumbledore:
— Você está... Hum... Disposto a aceitar a palavra de Harry neste caso, Dumbledore?
Houve um momento de silêncio, interrompido por um rosnado de Sirius. Tinha os pêlos do pescoço em pé e seus dentes se arreganharam para Fudge.
— Certamente que acredito em Harry — disse Dumbledore. Seus olhos brilharam de fúria. — Ouvi a confissão de Crouch e ouvi o relato de Harry sobre o que aconteceu quando ele tocou a Taça Tribruxo, as duas histórias fazem sentido, explicam tudo que tem acontecido desde que Berta Jorkins desapareceu no verão passado.
Fudge ainda conservava aquele sorriso estranho no rosto. Olhou mais uma vez para Harry antes de responder.
— Você está disposto a acreditar que Lord Voldemort voltou, porque assim dizem um assassino louco e um garoto que... Bem... Fudge lançou a Harry mais um olhar, e o garoto subitamente compreendeu.
— O senhor tem andado lendo Rita Skeeter, Sr. Fudge — disse ele calmamente.
Rony, Hermione, a Sra. Weasley e Gui, todos se assustaram. Nenhum deles percebera que Harry estava acordado. Fudge corou ligeiramente, mas surgiu em seu rosto uma expressão de desafio e obstinação.
— E se tiver? — perguntou, fitando Dumbledore. — E se descobri que você me tem ocultado certos fatos sobre o garoto? Ofidioglota, é? E tem desmaios esquisitos a toda hora?...
— Presumo que você esteja se referindo às dores que Harry tem sentido na cicatriz? — perguntou Dumbledore friamente.
— Você admite que ele tem tido dores, então? — perguntou Fudge depressa. — Dores de cabeça? Pesadelos? Possivelmente... Alucinações?
— Escute aqui, Cornélio — disse Dumbledore dando um passo para perto de Fudge, e mais uma vez parecendo irradiar aquela indefinível aura de poder que Harry sentira quando estuporou o jovem Crouch.
— Harry é tão mentalmente são quanto eu ou você. Aquela cicatriz na testa não afetou o cérebro dele. Acredito que doa quando Lord Voldemort está por perto ou experimente sentimentos assassinos.
Fudge se afastara meio passo de Dumbledore, mas não parecia menos obstinado.
— Você vai me perdoar, Dumbledore, mas ouvi falar em uma cicatriz deixada por um feitiço funcionar como uma campainha de alarme antes...
— Olhe, eu vi Voldemort ressurgir! — gritou Harry. Ele tentou novamente se levantar da cama, mas a Sra. Weasley forçou-o a deitar. — Eu vi os Comensais da Morte! Posso dar os nomes! Lúcio Malfoy...
Snape fez um movimento repentino, mas quando Harry se virou, o olhar do professor retornara a Fudge.
— Malfoy foi inocentado! — disse Fudge visivelmente afrontado. — Uma família muito antiga, doações para causas excelentes...
— Mcnair! — continuou Harry.
— Também inocentado! Agora trabalha para o Ministério!
— Avery, Nott, Crabbe, Goyle.
— Você está apenas repetindo os nomes dos que foram absolvidos da acusação de serem Comensais da Morte há treze anos! — disse Fudge zangado. — Poderia ter achado esses nomes em relatórios antigos sobre os julgamentos! Pelo amor de Deus, Dumbledore, o garoto esteve com a cabeça cheia de histórias malucas no fim do ano passado, também, as invencionices dele estão cada vez mais mirabolantes, e você continua a engoli-las, o garoto é capaz de falar com cobras, Dumbledore, e você ainda acha que ele merece confiança?
— Seu tolo! — exclamou a Professora McGonagall. — Cedrico Diggory! O Sr. Crouch! Estas mortes não foram o trabalho aleatório de um doido!
— Não vejo nenhuma evidência em contrário! — gritou Fudge, agora equiparando sua raiva à da professora, o rosto roxo. — Parece-me que vocês estão decididos a começar uma onda de pânico que irá desestabilizar tudo pelo que trabalhamos nesses últimos treze anos!
Harry não conseguiu acreditar no que estava ouvindo. Sempre pensara em Fudge como uma pessoa bondosa, um pouco espalhafatosa, um pouco pomposa, mas de índole essencialmente boa. Mas agora via à sua frente um bruxo baixo e furioso, que se recusava terminantemente a aceitar a perspectiva de um esfacelamento do seu mundo confortável e ordeiro, a acreditar que Voldemort pudesse ter ressurgido.
— Voldemort retornou — repetiu Dumbledore. — Se você aceitar imediatamente este fato, Fudge, e tomar as medidas necessárias, talvez ainda possamos salvar a situação. O primeiro passo, e o mais essencial, é retirar Azkaban do controle dos dementadores...
— Que despropósito! — gritou outra vez Fudge. — Retirar os dementadores! Eu seria chutado do Ministério se sugerisse uma coisa dessas! Metade da população só se sente segura quando se deita à noite porque sabe que os dementadores estão guardando Azkaban!
— A outra metade não dorme tão bem, Cornélio, porque sabe que você deixou os seguidores mais perigosos de Lord Voldemort aos cuidados de criaturas que irão se juntar a ele no momento em que ele pedir! — retorquiu Dumbledore. — Eles não irão permanecer leais a você, Fudge! Voldemort pode oferecer um espaço muito maior para os poderes e prazeres deles do que você! Com os dementadores a apoiá-lo, e a volta dos seus antigos seguidores, você vai ter muita dificuldade para impedi-lo de reconquistar o poder que tinha há treze anos!
Fudge abria e fechava a boca como se não tivesse palavras para expressar sua indignação.
— A segunda medida que você precisa tomar, e imediatamente — continuou Dumbledore —, é mandar enviados aos gigantes.
— Enviados aos gigantes! — gritou o ministro em tom agudo, afinal recuperando a fala. — Que loucura é essa?
— Estenda-lhes a mão da amizade, agora, antes que seja tarde demais ou Voldemort irá persuadi-los, como já fez antes, que somente ele entre os bruxos concederá aos gigantes direitos e liberdade!
— Você... Você não pode estar falando sério! — exclamou Fudge, sacudindo a cabeça e se afastando um pouco mais de Dumbledore. — Se a comunidade mágica ouvir falar que eu procurei os gigantes, as pessoas os odeiam, Dumbledore... A minha carreira termina...
— Você está cego de amor — disse Dumbledore, sua voz elevando-se agora, a aura de poder palpável ao seu redor, seus olhos mais uma vez em brasas — pelo cargo que ocupa Cornélio! Você atribui demasiada importância, como sempre fez, à chamada pureza do sangue! Você não consegue reconhecer que não faz diferença quem a pessoa é ao nascer, mas o que ela vai ser ao crescer! O seu dementador acabou de destruir o último membro de uma família de sangue puro tão antiga quanto a de outros, e veja em que foi que ele transformou a própria vida! Digo-lhe agora, tome as medidas que sugeri e você será lembrado, no cargo ou fora dele, como um dos Ministros da Magia mais corajosos e sábios que já conhecemos. Não faça nada, e a história irá lembrá-lo como o homem que se omitiu e permitiu que Voldemort tivesse uma segunda oportunidade de destruir o mundo que tentamos reconstruir!
— Está demente — sussurrou Fudge, ainda se afastando. — Enlouqueceu...
E então, todos se calaram. Madame Pomfrey estava postada, imóvel aos pés da cama de Harry, as mãos cobrindo a boca. A Sra. Weasley continuava curvada para Harry, a mão no ombro do garoto para impedi-lo de se levantar. Gui, Rony e Hermione tinham os olhos arregalados para Fudge.
— Se a sua determinação de fechar os olhos levou você a esse ponto, Cornélio — disse Dumbledore —, chegou o momento em que os nossos caminhos se separam. Você fará o que acha que deve. E eu agirei como acho que devo.
A voz de Dumbledore não continha sequer uma sugestão de ameaça, parecia fazer uma simples constatação, mas Fudge se encrespou como se Dumbledore estivesse avançando para ele com a varinha em punho.
— Agora, escute aqui Dumbledore — disse sacudindo o dedo na cara do diretor. — Eu sempre o deixei agir livremente. Tenho muito respeito por você. Posso não ter concordado com algumas de suas decisões, mas fiquei calado. Não existe muita gente que deixaria você contratar lobisomens ou manter Hagrid ou decidir o que ensinar aos seus alunos, sem consultar o Ministério. Mas se você vai trabalhar contra mim...
— A única pessoa contra quem pretendo trabalhar é Lord Voldemort. Se você é contra ele, então continuamos, Cornélio, do mesmo lado.
Aparentemente Fudge não conseguiu pensar que resposta dar a Dumbledore. Balançou-se para frente e para trás sobre os pés diminutos por um momento, girando o chapéu-coco nas mãos. Finalmente, disse, com um quê de súplica na voz:
— Ele não pode estar de volta, Dumbledore, simplesmente não pode...
Snape se adiantou, passou por Dumbledore, ao mesmo tempo em que levantava a manga esquerda de suas vestes. Esticou o braço e mostrou-o a Fudge, que se retraiu.
— Olhe — disse Snape asperamente. — Olhe. A Marca Negra. Não está tão nítida quanto estava há pouco mais de uma hora, quando ficou realmente negra, mas o senhor ainda pode vê-la. O Lord das Trevas marcou com este sinal todos os Comensais da Morte. Era uma maneira de nos reconhecermos e um meio de nos convocar à presença dele. Quando ele tocava a Marca de qualquer comensal, devíamos desapararar e apararar instantaneamente ao seu lado. A Marca se tornou mais nítida durante esse ano. A de Karkaroff também. Por que o senhor acha que o professor fugiu esta noite? Nós dois sentimos a Marca queimar. Nós dois sabíamos que ele havia voltado. Karkaroff teme a vingança do Lord das Trevas. Ele traiu muitos companheiros comensais para ter ilusões de ser bem recebido no seio do rebanho.
Fudge recuou para longe de Snape, também. Sacudiu a cabeça. Não parecia ter absorvido uma única palavra do que Snape dissera. Olhava, aparentemente repugnado, para a feia Marca no braço de Snape, depois ergueu os olhos para Dumbledore e murmurou:
— Não sei do que você e seus professores estão brincando, Dumbledore, mas já ouvi o bastante. Não tenho nada a acrescentar. Entro em contato com você amanhã para discutirmos a administração da escola. Preciso voltar ao Ministério.
Já chegara quase à porta quando parou. Virou-se, voltou para a enfermaria e se deteve junto à cama de Harry.
— Seu prêmio — disse brevemente, tirando uma grande bolsa de ouro do bolso e largando-a na mesa-de-cabeceira do garoto. — Mil galeões. Deveria ter havido uma cerimônia de premiação, mas nas circunstâncias...
E enfiando seu chapéu-coco na cabeça, ele saiu da enfermaria, batendo a porta ao passar. No instante em que desapareceu, Dumbledore se voltou para o grupo ao redor da cama de Harry.
— Temos trabalho a fazer — disse. — Molly... Estou certo em pensar que posso contar com você e Arthur?
— Claro que pode — disse a Sra. Weasley. Estava pálida até nos lábios, mas parecia decidida. — Ele sabe quem Fudge é. É a afeição de Arthur por trouxas que o tem mantido no Ministério todos esses anos. O ministro acha que falta a ele o orgulho que espera de um bruxo.
— Então preciso mandar uma mensagem a ele — disse Dumbledore. — Todos os que pudermos persuadir da verdade devem ser avisados imediatamente, e Arthur está bem colocado para entrar em contato com as pessoas no Ministério que não sejam tão míopes quanto o Cornélio.
— Vou procurar papai — disse Gui, levantando-se. — Vou agora.
— Excelente — exclamou Dumbledore. — Diga-lhe o que aconteceu. Diga-lhe que entrarei em contato com ele em breve. Mas que ele precisa ser discreto. Se Fudge achar que estou interferindo no Ministério...
— Pode deixar comigo — disse Gui.
O rapaz deu uma palmadinha no ombro de Harry, beijou a mãe no rosto, vestiu a capa e saiu rapidamente da enfermaria.
— Minerva — disse Dumbledore virando-se para a Professora McGonagall —, quero ver Hagrid no meu escritório o mais depressa possível. E também, se ela concordar em vir, Madame Maxime.
A professora aquiesceu com um aceno de cabeça e saiu sem dizer nada.
— Papoula — disse Dumbledore a Madame Pomfrey —, será que você me faria a gentileza de ir à sala do Professor Moody, onde acho que encontrará lá um elfo doméstico chamado Winky em grande sofrimento? Faça o que puder por ela e leve-a de volta à cozinha. Acho que Dobby cuidará dela para nós.
— Claro... Claro que sim — respondeu a enfermeira parecendo espantada, e ela também saiu.
Dumbledore certificou-se de que a porta estava trancada e que o ruído dos passos de Madame Pomfrey tinha morrido na distância, antes de tornar a falar.
— E agora — disse ele — está na hora de duas pessoas deste grupo se reconhecerem pelo que são. Sirius... Se puder retomar sua forma habitual.
O cachorrão preto ergueu a cabeça para o diretor, depois, num segundo, voltou a ser homem. A Sra. Weasley gritou e se afastou da cama.
— Sirius Black! — tornou a gritar ela com voz aguda, apontando para o bruxo.
— Mamãe, cala a boca! — berrou Rony. — Está tudo bem!
Snape não gritara nem saltara para trás, mas a expressão do seu rosto era uma mescla de fúria e horror.
— Ele! — rosnou o professor, arregalando os olhos para Sirius, cujo rosto exprimia igual desagrado. — Que é que ele está fazendo aqui?
— Está aqui a meu convite — disse Dumbledore, olhando para ambos — como você, Severo. Confio nos dois. Está na hora de porem de lado as velhas diferenças e confiarem um no outro.
Harry achou que Dumbledore estava pedindo quase um milagre. Sirius e Snape se entreolhavam com a maior repugnância.
— Aceitarei, a curto prazo — disse Dumbledore, com uma certa impaciência na voz —, que suspendam as hostilidades ostensivas. Os dois apertem as mãos. Estão do mesmo lado agora. O tempo é curto e, a não ser que os poucos de nós que conhecem a verdade se mantenham unidos, não haverá esperança para ninguém.
Muito devagar, mas ainda se olhando feio como se não desejassem um ao outro se não o mal, Sirius e Snape se aproximaram e apertaram as mãos. Mas as soltaram bem rápido.
— Já é o bastante para começar — disse o diretor se interpondo aos dois homens mais uma vez. — Agora tenho trabalho para cada um de vocês. A atitude de Fudge, embora não seja inesperada, muda tudo, Sirius. Preciso que você comece imediatamente. Alerte Remo Lupin, Arabella Figg, Mundungo Fletcher, a turma antiga. Fique escondido com Lupin por enquanto, entrarei em contato com você lá.
— Mas... — começou Harry.
O garoto queria que Sirius ficasse. Não queria dizer adeus novamente tão depressa.
— Você voltará a me ver em breve, Harry — disse Sirius, virando-se para o afilhado. — Prometo. Mas preciso fazer o que posso, você compreende, não?
— Claro. Claro... Que sim.
Sirius apertou a mão de Harry brevemente, se despediu de Dumbledore com um aceno da cabeça, voltou a se transformar em cachorro preto e correu para a porta, cuja maçaneta abriu com a pata. Então desapareceu.
— Severo — disse Dumbledore, voltando-se para Snape —, você sabe o que preciso lhe pedir para fazer. Se estiver disposto... Se estiver preparado...
— Estou — disse Snape.
O professor parecia um pouco mais pálido do que o habitual, e seus olhos frios e negros brilharam estranhamente.
— Então, boa sorte — e o diretor acompanhou, com uma certa apreensão no rosto, Snape partir em seguida a Sirius sem dizer palavra. Passaram-se vários minutos até Dumbledore tornar a falar.
— Preciso ir lá embaixo — disse finalmente. — Preciso ver os Diggory. Harry, tome o resto da sua poção. Verei todos vocês mais tarde.
Harry se deixou cair nos travesseiros enquanto Dumbledore desaparecia.
Hermione, Rony e a Sra. Weasley ficaram olhando para o garoto. Nenhum deles falou durante muito tempo.
— Você tem que tomar o resto da sua poção, Harry — disse finalmente a Sra. Weasley. Ao apanhar o frasco e a taça, ela bateu com a mão no saco de ouro à mesa-de-cabeceira.
— Durma bastante. Tente pensar em outra coisa por um tempo... Pense no que vai comprar com o seu prêmio!
— Não quero esse ouro — falou Harry com a voz sem emoção. — Pode ficar com ele. Qualquer um pode ficar com ele. Eu não deveria ter ganho. Deveria ter sido de Cedrico.
A coisa contra a qual ele estivera lutando intermitentemente, desde que saíra do labirinto, ameaçava engolfá-lo. Sentiu uma ardência, um formigamento nos cantos internos dos olhos. Ele piscou e ficou encarando o teto.
— Não foi sua culpa, Harry — sussurrou a Sra. Weasley.
— Eu disse a ele que apanhasse a Taça comigo.
Agora a sensação de ardência passara à garganta, também. Ele desejou que Rony olhasse para outro lado.
A Sra. Weasley deixou a poção em cima da mesinha, abaixou-se e passou os braços em volta de Harry. O garoto não tinha lembrança de jamais ter sido abraçado assim, como faria uma mãe. Todo o peso do que vira aquela noite pareceu desabar sobre ele quando a Sra. Weasley o apertou contra o peito. O rosto de sua mãe, a voz de seu pai, a visão de Cedrico morto no chão, tudo começou a girar em sua cabeça até ele não conseguir mais agüentar, até seu rosto se contrair todo para conter o uivo de infelicidade que lutava para escapar de dentro dele.
Ouviu-se uma pancada e a Sra. Weasley e Harry se separaram. Hermione estava parada junto à janela. Apertava alguma coisa com força na mão.
— Desculpem — sussurrou.
— Sua poção, Harry — disse a Sra. Weasley depressa, enxugando os olhos com as costas da mão.
Harry bebeu a poção de um só gole. O efeito foi instantâneo. Ondas pesadas e irresistíveis de sono sem sonhos o envolveram, ele tombou sobre os travesseiros e não pensou mais.
CAPÍTULO TRINTA E SETE
O Começo
Quando relembrou os acontecimentos, mesmo um mês depois, Harry descobriu que havia pouco a se lembrar dos dias que se sucederam. Era como se ele tivesse passado por coisas em excesso para poder absorver mais alguma. As lembranças que guardara eram muito dolorosas. A pior talvez tivesse sido o encontro com os Diggory, que ocorreu na manhã seguinte.
Eles não o culparam pelo que acontecera; pelo contrário, ambos lhe agradeceram por ter trazido o corpo do filho de volta. O Sr. Diggory soluçou a maior parte da entrevista. A dor da Sra. Diggory parecia ter ultrapassado o consolo das lágrimas.
— Ele sofreu pouco, então — disse ela, depois que Harry lhe contou como Cedrico havia morrido. — Afinal, Amos... Ele morreu no momento em que venceu o torneio. Devia estar muito feliz.
Ao se levantarem, ela olhou para Harry e disse:
— Cuide-se bem.
Harry apanhou o saco de ouro na mesa-de-cabeceira.
— Podem levar — murmurou para a senhora. — Deveria ter sido de Cedrico, ele chegou à Taça primeiro, levem...
Mas ela se afastou dele.
— Ah, não, é seu, querido, não poderíamos... Fique para você.
Harry voltou à Torre da Grifinória na noite seguinte. Pelo que Hermione e Rony lhe contaram, Dumbledore se dirigira à escola naquela manhã, ao café.
Pedira apenas que deixassem Harry em paz, que ninguém lhe fizesse perguntas nem o aborrecesse pedindo que contasse o que acontecera no labirinto. A maioria dos colegas, reparou Harry, estava lhe dando distância nos corredores, evitando olhá-lo. Alguns cochichavam tampando a boca com as mãos quando o garoto passava. Ele imaginou que muitos teriam acreditado no artigo de Rita Skeeter sobre sua perturbação mental e a possibilidade de ser perigoso.
Talvez estivessem formulando as próprias teorias sobre a morte de Cedrico.
Ele descobriu que não fazia muita diferença. Gostava mais quando estava com Rony e Hermione e conversavam de outras coisas ou então eles o deixavam ficar calado enquanto jogavam xadrez. Sentia que os três haviam chegado a um entendimento que não precisava ser expresso com palavras, que cada um estava à espera de um sinal, uma palavra, sobre o que estava acontecendo fora dos muros de Hogwarts — e que era inútil especular até que soubessem de alguma coisa ao certo. A única vez em que tocaram no assunto foi quando Rony contou a Harry sobre o encontro que a Sra. Weasley tivera com Dumbledore antes de voltar para casa.
— Ela foi perguntar ao diretor se você poderia ir direto para nossa casa no verão. Mas o diretor quer que você vá para a casa dos Dursley, pelo menos no começo.
— Por que — perguntou Harry.
— Ela disse que Dumbledore tem lá as razões dele — explicou Rony, balançando a cabeça sombriamente. — Suponho que temos de confiar nele, não é?
A única pessoa além de Rony e Hermione com quem Harry se sentia capaz de falar era Hagrid. E como não havia mais professor de Defesa contra as Artes das Trevas, tinham o tempo dessa aula livre.
Usaram o da tarde de quinta-feira para visitar Hagrid em casa. Fazia um dia claro e ensolarado, Canino saltou pela porta aberta quando eles se aproximaram, latindo e abanando o rabo feito louco.
— Quem está aí? — perguntou Hagrid chegando até a porta. — Harry!
E saiu ao encontro dos garotos, puxando Harry para um abraço com uma das mãos e despenteando os cabelos dele com a outra disse:
— Que bom ver você companheiro. Que bom ver você.
Os três viram duas xícaras do tamanho de baldes sobre a mesa de madeira diante da lareira quando entraram na cabana.
— Tomando uma xícara de chá com Olímpia — disse Hagrid —, ela acabou de sair.
— Quem? — perguntou Rony curioso.
— Madame Maxime, é claro! — explicou Hagrid.
— Vocês dois fizeram as pazes, então? — perguntou Rony;
— Não sei do que você está falando — disse Hagrid com displicência, indo buscar mais xícaras na cômoda. Depois de preparar o chá e oferecer um prato de biscoitos massudos, ele se sentou e examinou Harry mais de perto com aqueles seus olhos de besouros negros.
— Você está bem? — perguntou rouco.
— Claro.
— Não, não está. Claro que não está. Mas vai ficar.
Harry não respondeu nada.
— Eu sabia que ele ia voltar — disse Hagrid, e Harry, Rony e Hermione olharam para ele chocados. — Sei há anos, Harry. Sabia que estava lá fora, esperando a hora. Tinha que acontecer. Bom, agora aconteceu, e vamos ter de conviver com isso. Vamos lutar. Talvez a gente consiga deter o homem antes que ele se firme. Pelo menos esse é o plano de Dumbledore. Grande homem. Dumbledore. Enquanto contarmos com ele, não estou muito preocupado.
Hagrid ergueu as sobrancelhas espessas ao ver a expressão de incredulidade nos rostos dos garotos.
— Não adianta a gente ficar sentado se preocupando. O que tiver que ser será, e nós o enfrentaremos quando vier. Dumbledore me contou o que você fez, Harry.
O peito de Hagrid inchou ao fitar Harry.
— Você fez tanto quanto o seu pai teria feito e não posso lhe fazer elogio maior.
Harry retribuiu o sorriso do amigo. Era a primeira vez que sorria em dias.
— Que foi que Dumbledore lhe pediu para fazer, Hagrid? — perguntou o garoto. — Ele mandou a Professora Minerva convidar você e Madame Maxime para irem à sala dele... Naquela noite.
— Tem um trabalhinho para mim durante o verão — disse Hagrid. — Mas é segredo. Não tenho licença para falar, nem para vocês. Olímpia, Madame Máxime para vocês, talvez vá comigo. Acho que irá. Acho que a convenci.
— Tem ligação com Voldemort?
Hagrid fez uma careta ao ouvir aquele nome.
— Talvez — respondeu evasivamente. — Agora... Quem gostaria de visitar o último explosívín comigo? Brincadeirinha, brincadeirinha! — acrescentou ele depressa, ao ver a cara dos garotos.
Foi com uma opressão no peito que Harry arrumou seu malão no dormitório, na véspera do seu regresso à Rua dos Alfeneiros. Estava com medo da Festa de Despedida, que normalmente era motivo de comemoração, pois nela anunciavam o vencedor do campeonato entre as Casas. Ele andava evitando o Salão Principal quando estava cheio, desde que deixara a ala hospitalar, dando preferência a comer quando ficava quase vazio, para evitar os olhares dos colegas.
Quando ele, Rony e Hermione entraram no salão, notaram imediatamente que não havia as decorações de costume. O Salão Principal em geral era enfeitado com as cores da Casa vencedora na Festa de Despedida. Esta noite, no entanto, havia panos pretos na parede ao fundo onde ficava a mesa dos professores. Harry percebeu instantaneamente que eram um sinal de respeito por Cedrico. O verdadeiro Olho-Tonto Moody estava à mesa, a perna de pau e o olho mágico nos lugares. Mostrava-se extremamente inquieto e assustadiço todas as vezes que alguém lhe falava. Harry não pôde culpá-lo, o medo que Moody tinha de ser atacado com certeza havia crescido depois de ficar preso no seu próprio malão durante dez meses. O lugar do Professor Karkaroff estava vazio. Harry se perguntou, ao sentar-se com os colegas da Grifinória, onde andaria o bruxo, se Voldemort já o teria alcançado.
Madame Maxime continuava em Hogwarts. Estava sentada ao lado de Hagrid. Falavam entre si baixinho. Mais adiante na mesa, ao lado da Professora McGonagall, estava Snape.
Seus olhos se demoraram em Harry por um momento quando o garoto olhou em sua direção. Sua expressão era difícil de traduzir. Parecia tão amargurado e desagradável como sempre. Harry continuou a observá-lo muito depois de o professor ter desviado o olhar.
Que será que Snape fizera por ordem de Dumbledore, na noite em que Voldemort ressurgira? E por que... Por que... Dumbledore tinha tanta convicção de que Snape estava realmente do lado deles? Espionara para eles, dissera Dumbledore na Penseira. "Snape espionara Voldemort correndo grandes riscos pessoais." Seria essa a tarefa que retomara? Teria feito contato com os Comensais da Morte, talvez? Fingira que jamais se passara realmente para o lado de Dumbledore, que estivera, a exemplo do próprio Voldemort, aguardando sua hora?
As indagações de Harry foram interrompidas pelo Professor Dumbledore, que se levantou à mesa dos professores. O Salão Principal, que por sinal tinha estado menos barulhento do que costumava ser em uma Festa de Despedida, ficou muito silencioso.
— O fim — disse Dumbledore olhando para todos — de mais um ano.
Ele fez uma pausa e seu olhar pousou na mesa da Lufa-Lufa. A mais silenciosa de todas antes do diretor se levantar, e continuava a ser a mais triste e de rostos mais pálidos do salão.
— Há muita coisa que eu gostaria de dizer a todos vocês esta noite, mas primeiro, quero lembrar a perda de uma excelente pessoa, que deveria estar sentado aqui — ele fez um gesto em direção à mesa da Lufa-Lufa —, festejando conosco. Eu gostaria que todos os presentes, por favor, se levantassem e fizessem um brinde a Cedrico Diggory.
Todos obedeceram; os bancos se arrastaram e os alunos no salão se levantaram e ergueram seus cálices e ouviu-se um eco uníssono, alto, grave e ressonante: “Cedrico Diggory”.
De relance, Harry viu Cho entre os colegas. Havia lágrimas silenciosas correndo pelo seu rosto. Ele baixou os olhos para a própria mesa quando todos tornaram a se sentar.
— Cedrico era o aluno que exemplificava muitas das qualidades que distinguem a Casa da Lufa-Lufa — continuou Dumbledore. — Era um amigo bom e leal, uma pessoa aplicada, valorizava o jogo limpo. Sua morte nos afetou a todos, quer vocês o conhecessem bem ou não. Portanto, creio que vocês têm o direito de saber exatamente como aconteceu.
Harry ergueu a cabeça e encarou Dumbledore.
— Cedrico Diggory foi morto por Lord Voldemort.
Um murmúrio de pânico varreu o Salão Principal. As pessoas olharam para Dumbledore incrédulas, horrorizadas. Ele parecia perfeitamente calmo ao observar os presentes até pararem de murmurar.
— O Ministro da Magia — continuou Dumbledore — não quer que eu lhes diga isto. É possível que alguns pais se horrorizem com o que acabo de fazer, ou porque não acreditam que Lord Voldemort tenha ressurgido ou porque acham que eu não deva lhes informar isto por serem demasiado jovens. Creio, no entanto, que a verdade é, em geral, preferível às mentiras, e qualquer tentativa de fingir que Cedrico Diggory morreu em conseqüência de um acidente ou de algum erro que cometeu é um insulto à sua memória.
Atordoados e temerosos, cada rosto no salão voltava-se para Dumbledore agora... Ou quase todos. Na mesa da Sonserina, Harry viu Draco Malfoy cochichar alguma coisa para Crabbe e Goyle. O garoto sentiu no estômago um espasmo nauseante e quente de raiva. Forçou-se a olhar para Dumbledore.
— Há mais alguém que deve ser mencionado com relação à morte de Cedrico — continuou Dumbledore. — Estou me referindo, naturalmente, a Harry Potter.
Um murmúrio atravessou o salão e algumas cabeças se viraram em direção ao garoto antes de tornarem a fitar Dumbledore.
— Harry Potter conseguiu escapar de Lord Voldemort. E arriscou a própria vida para trazer o corpo de Cedrico de volta a Hogwarts. Ele demonstrou, sob todos os aspectos, uma bravura que poucos bruxos jamais demonstraram diante de Lord Voldemort e, por isso, eu o homenageio.
Dumbledore virou-se solenemente para Harry e ergueu sua taça mais uma vez. Quase todos os presentes no Salão Principal seguiram seu exemplo. E murmuraram seu nome, conforme tinham murmurado o de Cedrico, e beberam em sua homenagem. Mas, por uma brecha entre os que estavam de pé, Harry viu que Malfoy, Grabbe, Goyle e muitos alunos da Sonserina, num gesto de desafio, tinham permanecido sentados, os cálices intocados. Dumbledore, que afinal de contas não possuía olhos mágicos, não os viu. Quando todos se sentaram mais uma vez, o diretor continuou:
— O objetivo do Torneio Tribruxo era aprofundar e promover o entendimento no mundo mágico. À luz do que aconteceu, o ressurgimento de Lord Voldemort, esses laços se tornam mais importantes do que nunca.
O olhar do diretor foi de Madame Maxime e Hagrid a Fleur Delacour e seus colegas de Beauxbatons, daí para Krum e os alunos de Durmstrang à mesa da Sonserina. Krum, Harry observou, parecia preocupado, quase temeroso, como se esperasse Dumbledore dizer alguma coisa desagradável.
— Cada convidado neste salão — disse o diretor e seu olhar se demorou nos alunos de Durmstrang — será bem-vindo se algum dia quiser voltar para cá. Repito a todos, à luz do ressurgimento de Lord Voldemort, seremos tão fortes quanto formos unidos e tão fracos quanto formos desunidos. O talento de Lord Voldemort para disseminar a desarmonia e a inimizade é muito grande. Só podemos combatê-lo mostrando uma ligação igualmente forte de amizade e confiança. As diferenças de costumes e língua não significam nada se os nossos objetivos forem os mesmos e os nossos corações forem receptivos.
— Creio — e nunca tive tanta esperança de estar enganado — que estamos diante de tempos negros e difíceis. Alguns de vocês, neste salão, já sofreram diretamente nas mãos de Lord Voldemort. As famílias de muitos já foram despedaçadas. Há apenas uma semana, um aluno foi levado do nosso meio. Lembrem-se de Cedrico Diggory. Lembrem-se, se chegar a hora de terem de escolher entre o que é certo e o que é fácil, lembrem-se do que aconteceu com um rapaz que era bom, generoso e corajoso, porque ele cruzou o caminho de Lord Voldemort. Lembrem-se de Cedrico Diggory.
O malão de Harry estava pronto, Edwiges, presa na gaiola em cima do malão. Harry, Rony e Hermione aguardavam no saguão de entrada lotado, com os demais alunos do quarto ano, as carruagens que deviam levá-los à estação de Hogsmeade. Fazia mais um belo dia de verão. Harry supôs que a Rua dos Alfeneiros estaria quente e cheia de folhas, os canteiros de flores em uma profusão de cores, quando ele chegasse lá à noite. O pensamento não lhe trouxe prazer algum.
— Arry!
Ele olhou. Fleur Delacour vinha entrando no castelo correndo. Para além da garota, lá longe no jardim, Harry viu Hagrid ajudando Madame Maxime a atrelar os cavalos à carruagem. A carruagem de Beauxbatons estava prestes a partir.
— Nos verremes utrra vez, esperro — disse Fleur, que estendeu a mão quando o alcançou. — Estou querrendo arranjar um emprrego aqui para melhorrar o meu inglês.
— Já é bastante bom — disse Rony com a voz meio estrangulada. Fleur sorriu para ele, Hermione amarrou a cara para o amigo.
— Adeus, Arry — disse Fleur, virando-se para ir embora. — Foi um prrazer conhecerr você!
O estado de ânimo de Harry não pôde deixar de melhorar um pouquinho ao observar Fleur correr pelos gramados de volta a Madame Maxime, seus cabelos prateados ondeando ao sol.
— Como será que os alunos de Durmstrang vão voltar para casa? — indagou Rony. — Vocês acham que eles são capazes de comandar aquele navio sem o Karkaroff?
— Karkaroff non comandou — disse uma voz ríspida. — Ficou na cabine e deixou o trrabalho conosco. — Krum viera se despedir de Hermione. — Posso lhe darr uma palavrrinha? — pediu ele.
— Ah... Claro... Tudo bem — respondeu a garota, e parecendo ligeiramente afobada acompanhou. Krum pela aglomeração de alunos até desaparecer de vista.
— É melhor você se apressar! — gritou Rony para ela. — As carruagens vão chegar a qualquer momento!
Mas ele deixou com Harry a tarefa de vigiar a chegada das carruagens e passou os minutos seguintes esticando o pescoço por cima dos colegas para tentar ver o que Krum e Hermione poderiam estar fazendo. Os dois voltaram bem depressa, mas o rosto da garota estava impassível.
— Eu gostava de Diggory — disse Krum abruptamente a Harry. — Erra semprre educado comigo. Semprre. Mesmo eu sendo de Durrmstrrang, com Karkaroff — acrescentou ele, fechando a cara.
— Vocês já têm um novo diretor? — perguntou Harry.
Krum sacudiu os ombros. Depois estendeu a mão, como fizera Fleur, apertou a de Harry e em seguida a de Rony. Rony parecia estar sofrendo um doloroso conflito interior.
Krum já começara a se afastar quando ele falou de supetão.
— Pode me dar seu autógrafo?
Hermione se virou rindo para as carruagens sem cavalos, que agora vinham sacolejando pelo caminho, quando Krum, com ar de surpresa, mas muito satisfeito, assinou um pedaço de pergaminho para Rony.
O tempo não poderia estar mais diferente na viagem de volta a King’s Cross do que estivera na vinda para Hogwarts, em setembro. Não havia uma única nuvem no céu.
Harry, Rony e Hermione tinham conseguido uma cabine só para eles.
Pichitinho mais uma vez viajava escondida sob as vestes a rigor de Rony para não ficar piando continuamente. Edwiges cochilava, a cabeça debaixo de uma asa, e Bichento se enroscara em um lugar vazio como uma grande almofada peluda cor de gengibre. Harry, Rony e Hermione conversaram mais longa e livremente do que haviam feito durante toda a semana, enquanto o trem os levava para o sul.
Harry teve a impressão de que o discurso de Dumbledore na Festa de Despedida de alguma forma o desbloqueara. Tornara-se menos doloroso para ele falar sobre o que acontecera. Os amigos somente interromperam a conversa sobre as medidas que Dumbledore poderia estar tomando naquele instante para deter Voldemort, quando o carrinho de comida chegou.
Ao voltar do carrinho, Hermione guardou o troco na mochila e apanhou um exemplar do Profeta Diário que levava ali. Harry olhou para o jornal, pouco seguro se realmente gostaria de saber o que dizia, mas Hermione, vendo-o olhar, disse calmamente:
— Não tem nada aqui. Pode ver por você mesmo, não tem nada aqui. Estive verificando todos os dias. Só uma pequena noticia no dia seguinte à terceira tarefa, dizendo que você ganhou o torneio. O jornal sequer mencionou Cedrico. Nenhum comentário sobre nada. Se vocês me perguntarem, acho que Fudge está obrigando o jornal a se calar.
— Ele jamais faria Rita se calar — disse Harry. — Não sobre uma história dessas.
— Ah, Rita não tem escrito nada desde a terceira tarefa — disse Hermione, com uma voz estranhamente contida. — Aliás — acrescentou, agora com a voz ligeiramente trêmula —, Rita Skeeter não vai escrever nadinha por algum tempo. A não ser que queira que eu ponha a boca no trombone sobre ela.
— Do que é que você está falando? — perguntou Rony.
— Descobri como é que ela fazia para escutar conversas particulares já que estava proibida de entrar nos terrenos da escola — explicou a garota depressa.
Harry teve a impressão de que Hermione andava há dias doidinha para contar a eles, mas se contivera por conta de tudo o mais que havia acontecido.
— Como é que ela fazia? — perguntou Harry na mesma hora.
— Como foi que você descobriu? — perguntou Rony, olhando admirado para a amiga.
— Bom, na realidade foi você, Harry, quem me deu a idéia.
— Eu? — exclamou Harry perplexo. — Como?
— Grampo — disse a garota satisfeita.
— Mas você disse que não funcionava...
— Ah, não um grampo eletrônico. Não, sabe... Rita Skeeter — a voz de Hermione tremeu de silencioso triunfo — é um animago clandestino. Ela pode se transformar... — Hermione tirou um frasco lacrado de dentro da mochila. — ... Em besouro.
— Você está brincando — exclamou Rony. — Você não... Ela não está...
— Ah, está — respondeu Hermione com ar de felicidade, mostrando o frasco para os amigos. Dentro havia uns gravetos e folhas e um grande e gordo besouro.
— Nunca... Você está brincando... — sussurrou Rony, erguendo o frasco à altura dos olhos.
— Não, não estou — disse Hermione, com um largo sorriso. — Apanhei-a no peitoril da janela da enfermaria. Olhe com atenção e você vai notar as marcas em volta das antenas exatamente iguais as daqueles óculos horrorosos que ela usa.
Harry olhou e viu que a garota tinha razão. E ele também se lembrou de uma coisa.
— Havia um besouro em cima da estátua na noite em que ouvimos Hagrid falando com Madame Maxime sobre a mãe dele!
— Exatamente — confirmou Hermione. — E Vítor tirou um besouro dos meus cabelos quando estávamos conversando na beira do lago. E, a não ser que eu esteja muito enganada, Rita estava no peitoril da janela da classe de Adivinhação no dia em que sua cicatriz doeu. Ela andou besourando pela escola o ano inteiro.
— Quando vimos Malfoy debaixo daquela árvore... — lembrou Rony lentamente.
— Ele estava falando com a Rita segura na mão — disse Hermione. — Ele sabia, é claro. Foi assim que ela fez aquelas entrevistas simpáticas com os alunos da Sonserina. Aqueles garotos não ligariam se ela estivesse fazendo uma coisa ilegal, desde que pudessem contar barbaridades sobre Hagrid e nós.
Hermione apanhou o frasco da mão de Rony e sorriu para o besouro, que zuniu irritado contra o vidro.
— Já avisei a ela que só vou soltá-la quando chegarmos a Londres. Lancei um Feitiço Antiquebra no frasco, entendem, para ela não poder se transformar. E avisei, também, que vai ter que guardar a pena só para ela durante um ano. Vamos ver se ela não perde o hábito de escrever mentiras horríveis sobre as pessoas.
Sorrindo serenamente, Hermione tornou a guardar o besouro na mochila. A porta da cabine se abriu.
— Muito esperta, Granger — exclamou Draco Malfoy.
Crabbe e Goyle vinham atrás dele. Os três pareciam mais satisfeitos com eles mesmos, mais arrogantes e mais ameaçadores, do que Harry jamais os vira.
— Então — disse Malfoy, entrando lentamente na cabine e olhando para os três, um sorrisinho brincando em seus lábios. — Vocês apanharam uma repórter patética, e Potter voltou a ser o aluno favorito de Dumbledore. Grande coisa.
Seu sorriso se alargou. Crabbe e Goyle fizeram cara de desdém.
— Estamos tentando não pensar naquilo, é? — disse ele calmamente, continuando a se dirigir aos três. — Tentando fingir que não aconteceu?
— Dá o fora — disse Harry. Ele não chegava perto de Malfoy desde que o vira cochichando com Crabbe e Goyle durante o discurso de Dumbledore sobre Cedrico. Sentiu uma espécie de zumbido nos ouvidos. Sua mão agarrou a varinha sob as vestes.
— Você escolheu o lado perdedor, Potter! Eu lhe avisei! Eu lhe disse que devia escolher com quem anda com mais cuidado, lembra? Quando nos encontramos no trem, no primeiro dia de Hogwarts? Eu lhe disse para não andar com ralé desse tipo! — Ele indicou Rony e Hermione com a cabeça. — Tarde demais agora, Potter! Eles serão os primeiros a ir, agora que o Lord das Trevas voltou! Sangue-ruins e amantes de trouxas primeiro! Bom, em segundo lugar, Diggory foi o pr...
Foi como se alguém tivesse explodido uma caixa de fogos na cabine pelo clarão dos feitiços que voaram em todas as direções, surdo pela série de estampidos, Harry piscou olhando para o chão. Malfoy, Crabbe e Goyle estavam caídos inconscientes à porta.
Ele, Rony e Hermione estavam de pé, depois de cada um ter usado um feitiço diferente. E não tinham sido os únicos a fazer isso.
— Achamos que devíamos dar uma olhada no que os três iam aprontar — disse Fred factualmente, pisando em cima de Goyle, no que foi imitado por Jorge, que teve o cuidado de pisar em Malfoy ao entrar com o irmão na cabine.
— Que efeito interessante! — exclamou Jorge, olhando para Crabbe. — Quem usou o Feitiço Furunculus?
— Eu — respondeu Harry.
— Que estranho! — disse Jorge descontraído. — Eu usei o das Pernas- Bambas. Parece que não se deve misturar os dois. Brotaram pequenos tentáculos pela cara dele toda. Bom, não vamos deixar os três aqui, eles não contribuem nada para a decoração.
Rony, Harry e Jorge chutaram, rolaram e empurraram os inconscientes Malfoy, Crabbe e Goyle — cada um com a aparência pior, dada a mistura de feitiços com que tinham sido atingidos — até o corredor, depois voltaram para a cabine e fecharam a porta.
— Alguém topa um Snap Explosivo? — convidou Jorge puxando um baralho.
Já estavam no meio da quinta partida quando Harry resolveu fazer a eles a pergunta.
— Então vão nos contar? — dirigiu-se ele a Jorge. — Quem é que vocês estavam chantageando?
— Ah — disse Jorge misteriosamente. — Aquilo.
— Vamos deixar pra lá — disse Fred, balançando a cabeça impaciente. — Não foi nada importante. Pelo menos a essa altura.
— Desistimos — disse Jorge encolhendo os ombros.
Mas Harry, Rony e Hermione continuaram insistindo e finalmente Fred falou:
— Está bem, está bem, se vocês querem mesmo saber... Era Ludo Bagman.
— Bagman? — disse Harry na mesma hora. — Vocês estão dizendo que ele estava envolvido...
— Não — disse Jorge desanimado. — Nada a ver. Um debilóide. Não teria cérebro para tanto.
— Então, quem?
Fred hesitou,depois disse:
— Vocês se lembram da aposta que fizemos com ele na Copa Mundial de Quadribol? Que a Irlanda ia ganhar, mas Krum capturaria o pomo?
— Lembro — disseram Harry e Rony lentamente.
— Bom, o babaca nos pagou com aquele ouro de leprechaun que os mascotes da Irlanda tinham jogado.
— E daí?
— E daí — disse Fred impaciente — desapareceu, não é? Na manhã seguinte, tinha desaparecido!
— Mas... Deve ter sido sem querer, não? — perguntou Hermione.
Jorge riu muito amargurado.
— É, foi o que nós pensamos a princípio. Achamos que se escrevêssemos a ele e disséssemos que tinha havido um engano, ele nos pagaria direito. Mas nada feito. Nem deu bola para a nossa carta. Continuamos tentando falar com ele sobre isso em Hogwarts, mas estava sempre arranjando uma desculpa para se afastar.
— No fim ele começou a engrossar — comentou Fred. — Disse que éramos muito jovens para apostar em jogos de azar e que ele não ia nos dar nada.
— Então pedimos a ele que devolvesse o nosso dinheiro — disse Jorge amarrando a cara.
— Ele não teve a coragem de recusar! — exclamou Hermione.
— Acertou na primeira — disse Fred.
— Mas eram todas as economias de vocês! — disse Rony.
— Me conta uma novidade — disse Jorge. — Claro que acabamos descobrindo o que estava rolando. O pai de Lino Jordan também tinha tido um trabalho danado para receber algum dinheiro de Bagman. O caso é que ele estava encalacrado até o pescoço com os duendes. Tinha pedido emprestado a eles uma montanha de dinheiro. Uma turma encurralou Bagman na floresta depois da Copa Mundial e tirou todo o ouro que ele levava nos bolsos, mas ainda não era suficiente para cobrir as dividas. Os duendes o seguiram até Hogwarts para ficar de olho nele. O cara tinha perdido tudo no jogo. Não tinha mais nem dois galeões para esfregar um no outro. E sabe como foi que o idiota tentou pagar aos duendes?
— Como? — perguntou Harry.
— Apostou em você companheiro — disse Fred. — Fez uma aposta enorme que você ganharia o torneio. Apostou com os duendes.
— Então foi por isso que ele ficou tentando me ajudar a ganhar! — disse Harry. — Bom, e eu ganhei, não é mesmo? Então ele já pode pagar o ouro de vocês!
— Não — respondeu Jorge, balançando a cabeça. — Os duendes jogaram sujo com ele. Disseram que você ganhou com Diggory, e Bagman tinha apostado que você ganharia sozinho. Então Bagman teve que se mandar para salvar a pele. E foi o que fez logo depois da terceira tarefa.
Jorge deu um profundo suspiro e começou a dar as cartas outra vez.
O resto da viagem foi bem agradável, Harry na verdade desejou que ela pudesse ter continuado pelo verão afora, e que nunca chegassem a King"s Cross... Mas como aprendera a duras penas aquele ano, o tempo não desacelerava quando alguma coisa desagradável estava à espera da gente, e logo, logo o Expresso de Hogwarts estaria entrando na plataforma 9 e ½. O barulho e a confusão de sempre encheram os corredores do trem quando os alunos começaram a desembarcar. Rony e Hermione lutaram para passar com as malas ao largo de Malfoy, Crabbe e Goyle. Harry, no entanto, ficou parado.
— Fred, Jorge, esperem aí.
Os gêmeos se viraram. Harry abriu o malão e tirou a bolsa com o prêmio do Torneio Tribruxo.
— Para vocês — disse ele, e enfiou a bolsa nas mãos de Jorge.
— Quê? — exclamou Fred, aparvalhado.
— Para vocês — repetiu Harry com firmeza. — Eu não quero.
— Você pirou — disse Jorge, tentando empurrar a bolsa de volta para o garoto.
— Não, não pirei. Fiquem com ele e continuem inventando. É para a loja de logros.
— Ele pirou — disse Jorge, com assombro na voz.
— Escutem — disse Harry decidido. — Se vocês não aceitarem eu vou jogar fora. Não quero o ouro e não preciso dele. Mas dar umas boas gargalhadas bem que ajudaria. Tenho a impressão de que vamos precisar delas mais do que de costume e não vai demorar muito.
— Harry — disse Jorge sem muita convicção, pesando a bolsa de dinheiro nas mãos —, deve ter uns mil galeões aqui.
— Tem — disse Harry sorrindo. — Pensem quantos Cremes de Canário vão poder fabricar.
Os gêmeos ficaram olhando para ele.
— Só não contem à sua mãe onde arranjaram o ouro... Embora, pensando bem, ela talvez não esteja mais querendo tanto que vocês entrem para o Ministério...
— Harry — começou Fred, mas o garoto empunhou a varinha.
— Olhem — disse em tom de quem não admite contestação —, ou levam ou azaro vocês. Conheço umas boas azarações agora. Mas me façam um favor, OK? Comprem umas roupas a rigor diferentes para Rony e digam que é presente de vocês.
Harry deixou a cabine antes que os gêmeos pudessem dizer mais alguma coisa, pulando por cima de Malfoy, Crabbe e Goyle, que continuavam caídos no chão, cobertos de feitiços.
Tio Válter estava aguardando do outro lado da barreira. A Sra. Weasley muito próxima dele. Ela deu um abraço apertado em Harry quando o viu e cochichou em seu ouvido:
— Acho que Dumbledore vai deixar você ficar conosco mais para o fim do verão. Fique em contato, Harry.
— A gente se vê Harry — disse Rony lhe dando uma palmadinha nas costas.
— Tchau, Harry! — disse Hermione e fez uma coisa que nunca fizera antes, deu-lhe um beijo na bochecha.
— Harry, obrigado — murmurou Jorge, enquanto Fred concordava animado acenando com a cabeça, ao lado do irmão.
Harry piscou para os dois, virou-se para o tio Válter e o acompanhou silenciosamente para fora da estação. Não adiantava começar a se preocupar, disse a si mesmo, quando embarcou no banco traseiro do carro dos Dursley.
Conforme dissera Hagrid, o que tiver de ser, será... E ele teria que enfrentar o que fosse quando viesse.
FIM.
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