quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Harry Potter e o Cálice de Fogo (6/7)

CAPÍTULO VINTE E SEIS A Segunda Tarefa — Você disse que já tinha decifrado a pista daquele ovo! — exclamou Hermione indignada. — Fala baixo! — disse Harry aborrecido. — Só preciso... Dar uns retoques, tá bem? Ele, Rony e Hermione estavam no fundo da classe de Feitiços dividindo uma mesa. Deviam estar praticando o oposto do Feitiço Convocatório — o Feitiço Expulsório. Em vista do elevado potencial de acidentes graves, pois os objetos não paravam de voar pela sala, o Professor Flitwick entregara a cada aluno uma pilha de almofadas com as quais praticarem, baseado na teoria de que não machucariam ninguém se errassem o alvo. Era uma boa teoria, mas não estava funcionando muito bem. A mira de Neville era tão ruim, que a toda hora ele atirava acidentalmente pela sala objetos bem mais pesados — o Professor Flitwick, por exemplo. — Esqueçam o ovo um minuto, está bem? — sibilou Harry, quando o professor passou voando resignadamente e foi aterrissar no alto de um grande armário. — Estou tentando contar a vocês sobre o Snape e o Moody... Essa aula era ideal para disfarçar uma conversa particular, porque todos se divertiam demais para dar atenção ao que eles faziam. Harry passou a última meia hora narrando suas aventuras aos cochichos e em prestações. — Snape disse que Moody tinha revistado a sala dele também? — sussurrou Rony, seus olhos brilhando de interesse enquanto usava a varinha para expulsar uma almofada (ela subiu no ar e derrubou o chapéu de Parvati). — Quê?... Então você acha que o Moody está aqui para ficar de olho no Snape e no Karkaroff? — Bem, não sei se foi isso que Dumbledore pediu a ele para fazer, mas não tenho dúvida de que é isso que ele está fazendo — disse Harry agitando a varinha sem prestar muita atenção, ao que sua almofada executou uma estranha cambalhota antes de se erguer da mesa. — Moody falou que Dumbledore só deixa o Snape continuar aqui porque está dando a ele uma segunda chance ou uma coisa assim... — Quê? — exclamou Rony, arregalando os olhos, e sua almofada seguinte rodopiou bem alto no ar, ricocheteou no lustre e caiu pesadamente sobre a escrivaninha de Flitwick. — Harry... Vai ver Moody acha que foi Snape quem pôs o seu nome no Cálice de Fogo! — Ah, Rony — disse Hermione, sacudindo a cabeça ceticamente —, já achamos que Snape estava tentando matar o Harry e acabou que estava tentando salvar a vida dele, lembra? Hermione expulsou uma almofada que saiu voando pela sala e aterrissou dentro da caixa para a qual todos deviam estar mirando. Harry olhou para a amiga, pensando... Era verdade que Snape uma vez salvara sua vida, mas o estranho era que Snape decididamente o detestava, da mesma forma que detestara o pai de Harry quando freqüentaram a escola juntos. Snape adorava descontar pontos de Harry e certamente jamais perdera uma oportunidade de castigá-lo ou até de sugerir que ele fosse suspenso da escola. — Não importa o que Moody diz — continuou Hermione —, Dumbledore não é burro. Teve razão em confiar no Hagrid e no Professor Lupin, mesmo que um monte de gente não quisesse dar emprego aos dois, então por que não estaria certo a respeito de Snape, mesmo que Snape seja um pouco... — ... Maligno — completou Rony prontamente. — Ora vamos, Hermione, então por que todos esses captores de bruxos das trevas estão revistando a sala dele? — Por que o Sr. Crouch está fingindo que ficou doente? — perguntou Hermione, não dando atenção a Rony. — É meio estranho, não é, que ele não consiga comparecer ao Baile de Inverno, mas possa vir aqui no meio da noite quando dá na telha? — Você não gosta do Crouch por causa daquele elfo doméstico, Winky — disse Rony, fazendo a almofada voar pela janela. — Você quer pensar que Snape está armando alguma coisa — disse Hermione, mandando a almofada bem no fundo da caixa. — Eu só queria saber o que foi que Snape fez com a primeira chance, se agora está na segunda — disse Harry sério, e, para sua grande surpresa, a almofada saiu voando pela sala e aterrissou bem em cima da de Hermione. Harry, obedecendo ao desejo de Sirius de saber de qualquer coisa anormal que acontecesse em Hogwarts, lhe mandou, naquela noite, por uma coruja marrom, uma carta explicando toda a história da invasão da sala de Snape pelo Sr. Crouch, e a conversa entre Moody e Snape. Depois, com seriedade, voltou sua atenção para o problema mais urgente que tinha diante de si, como sobreviver uma hora debaixo d’água no dia vinte e quatro de fevereiro. Rony gostou da idéia de usar outra vez um Feitiço Convocatório — Harry lhe falara dos aqualungs, e Rony não via razão para o amigo não convocar um equipamento desses da cidade trouxa mais próxima. Hermione arrasou o plano mostrando que, no caso improvável de Harry conseguir aprender como operar um aqualung dentro da hora concedida, ele certamente seria desqualificado por violar o Código Internacional de Segredo em Magia — era demais esperar que nenhum trouxa visse o aqualung sobrevoando os campos a caminho de Hogwarts. — Claro, a solução ideal seria você se transfigurar em submarino ou outra coisa assim — disse ela. — Se ao menos já tivéssemos dado Transformação Humana! Mas acho que só vamos ter essa matéria no sexto ano, e o resultado pode ser catastrófico se a pessoa não souber o que está fazendo... — É, acho que não vou gostar de andar por aí com um periscópio saindo da cabeça — disse Harry. — Imagino que sempre é possível atacar alguém na frente de Moody, e, quem sabe, ele fizesse isso por mim... — Mas acho que Moody não iria deixar você escolher a coisa em que quer ser transformado — comentou Hermione séria. — Não, acho que a sua melhor chance é usar algum feitiço. Então, Harry, achando que logo, logo iria tomar um cansaço tão grande de biblioteca que ia durar para o resto da vida, enterrou-se mais uma vez entre os livros empoeirados, à procura de um feitiço que permitisse a um ser humano sobreviver sem oxigênio. Mas, embora ele, Rony e Hermione procurassem nas horas de almoço, noites e fins de semana inteiros — embora Harry pedisse a Professora McGonagall uma permissão escrita para usar a Seção Reservada, e chegasse até a pedir ajuda à irritável Madame Pince, a bibliotecária que lembrava um urubu —, os garotos não encontraram nadinha que permitisse a Harry passar uma hora embaixo d’água e sobreviver para contar a história. Episódios já familiares de pânico estavam começando a perturbar o garoto agora e, mais uma vez, ele sentia dificuldade de se concentrar nas aulas. O lago, que Harry sempre encarara como mais um elemento na paisagem dos jardins, atraía seu olhar sempre que ele se aproximava da janela de uma sala de aula, uma grande massa cinza-grafite de água friissima, cujas profundezas sombrias e enregelantes começavam a parecer distantes como a lua. Do mesmo jeito que acontecera antes, quando ele precisara enfrentar o Rabo-Córneo, o tempo estava correndo como se alguém tivesse enfeitiçado os relógios para andarem em alta velocidade. Faltava somente uma semana para o dia vinte e quatro de fevereiro (ainda havia tempo)... Faltavam cinco dias (logo ele ia achar alguma coisa)... Faltavam três dias (por favor, tomara que eu ache alguma coisa... Por favor...). Faltando apenas dois dias, Harry começou a perder o apetite. A única coisa boa do café da manhã de segunda-feira foi o regresso da coruja marrom que ele enviara a Sirius. Harry soltou o pergaminho, desenrolou-o e viu a menor carta que o padrinho já lhe escrevera. “Mande dizer a data do próximo fim de semana em Hogsmeade pela mesma coruja”. Harry virou e revirou o pergaminho, e olhou o verso na esperança de ver mais alguma coisa, mas estava em branco. — Sem ser este, o próximo fim de semana — cochichou Hermione, que lera a carta por cima do ombro de Harry. — Toma aqui a minha pena e manda logo essa coruja de volta. O garoto rabiscou a data no verso da carta de Sirius, amarrou-a na perna da ave e observou-a levantar vôo. Que é que ele tinha esperado? Conselhos para sobreviver debaixo d’água? Estivera tão preocupado em contar a Sirius o que havia acontecido entre Snape e Moody, que se esquecera completamente de mencionar a pista do ovo. — Para que é que ele quer saber a data do próximo fim de semana de Hogsmeade? — perguntou Rony. — Não sei — respondeu Harry sem emoção. A felicidade momentânea que lampejara em seu peito ao ver a coruja se apagara. — Vamos... Trato das Criaturas Mágicas. Fosse porque Hagrid estava tentando compensar o fiasco dos explosivins ou porque agora só restavam dois bichos, ou ainda porque ele estava tentando provar que era capaz de fazer tudo que a Professora Grubbly-Plank fazia, o fato é que ele deu continuidade às aulas dela sobre unicórnios, desde sua volta ao trabalho. Os alunos ficaram sabendo que Hagrid conhecia tanto a respeito de unicórnios quanto de monstros, embora ficasse evidente que parecia desapontado que os bichos não tivessem presas envenenadas. Para hoje, ele conseguira capturar dois filhotes de unicórnio. Ao contrário dos animais adultos, estes eram absolutamente dourados. Parvati e Lilá tiveram arroubos de prazer ao vê-los, e até Pansy Parkinson teve que se esforçar para esconder o quanto gostava dos filhotes. — Mais fáceis de localizar que os adultos — disse Hagrid à turma. — Eles ficam prateados aí pelos dois anos de idade e ganham chifres por volta dos quatro. Só ficam branco-puro quando atingem a idade adulta, aí pelos sete anos. São um pouco mais confiantes quando filhotes... Não se incomodam tanto com os garotos... Vamos, cheguem mais perto para poderem fazer carinho neles se quiserem... Dêem a eles alguns torrões de açúcar... — Você está bem, Harry? — murmurou Hagrid, afastando-se um pouco para o lado, enquanto a maioria dos alunos se aglomerava em torno dos bebês unicórnios. — Tô. — Só nervoso, não é? — Um pouco. — Harry — disse Hagrid, fechando a mão maciça no ombro do garoto, fazendo seus joelhos cederam sob aquele peso —, estive preocupado antes de ver você enfrentar aquele Rabo-Córneo, mas agora sei que está à altura. Você vai se dar bem. Já decifrou a nova pista, não? Harry confirmou com a cabeça mas, ao fazer isso, se apoderou dele uma vontade louca de confessar que não tinha a menor idéia como iria sobreviver no fundo do lago durante uma hora. Ele ergueu os olhos para Hagrid — quem sabe o amigo precisava entrar no lago algumas vezes para cuidar das criaturas que viviam lá? Afinal, ele cuidava de todo o resto na propriedade... — Você vai vencer — rosnou Hagrid, dando mais algumas palmadinhas no ombro de Harry que chegou a sentir que afundara alguns centímetros no chão lamacento. — Sei disso. Posso até sentir. Você vai vencer, Harry. Harry simplesmente não teve coragem de apagar o sorriso feliz e confiante do rosto de Hagrid. Fingindo que estava interessado nos filhotes de unicórnio, forçou um sorriso para o amigo e se adiantou para acariciar os animais com os colegas. Na noite que antecedeu a segunda tarefa, Harry já se sentia como se estivesse paralisado por um pesadelo. Tinha plena consciência que se conseguisse, mesmo por milagre, encontrar um feitiço que servisse, seria um trabalho de Hércules aprendê-lo da noite para o dia. Como podia ter deixado isto acontecer? Por que não começara a trabalhar na pista do ovo mais cedo? Por que deixara seus pensamentos vagarem durante as aulas — e se um professor tivesse mencionado como respirar debaixo d’água? Ele, Rony e Hermione estavam sentados na biblioteca quando o sol se pôs lá fora, virando febrilmente páginas e mais páginas de feitiços, escondidos um do outro por pilhas maciças de livros em cima das mesas de cada um. O coração de Harry dava um enorme salto cada vez que ele via a palavra "água" em uma página, mas um número bem maior de vezes era apenas “Meça um litro de água, duzentos e cinqüenta gramas de folhas de mandrágora picadas e pegue um tritão...” — Acho que não é possível — disse a voz de Rony do lado oposto da mesa. — Não tem nada. Nadinha. O mais próximo que chegamos foi aquela coisa para secar poças e poços, aquele Feitiço Secante, mas nem de longe teria potência para secar o lago. — Tem que haver alguma coisa — murmurou Hermione, trazendo uma vela para mais perto. Seus olhos estavam tão cansados que ela estava lendo as letrinhas miúdas de Encantamentos e Fei tiços Antigos e Esquecidos com o nariz a dois centímetros da página. — Nunca teriam proposto uma tarefa que fosse inviável. — Pois propuseram — disse Rony. — Harry, amanhã, vá até o lago, meta a cabeça dentro dele e grite para os sereianos devolverem o que afanaram, e vê se eles mandam a coisa de volta. É o melhor que você tem a fazer, companheiro. — Existe uma maneira de fazer! — disse Hermione zangada. — Simplesmente tem que existir! Ela parecia estar tomando como ofensa pessoal o fato de a biblioteca não ter informações úteis sobre o assunto, a biblioteca jamais lhe falhara antes. — Eu sei o que deveria ter feito — disse Harry, descansando a cabeça sobre o livro Truques Marotos Para Marotos de Astutos. — Eu devia ter aprendido a virar um animago como Sirius. — É, você poderia se transformar num peixinho dourado sempre que quisesse! — exclamou Rony. — Ou num sapo — bocejou Harry. Estava exausto. — Leva anos para alguém virar um animago, depois ele tem que se registrar e tudo o mais — disse Hermione vagamente, agora espremendo os olhos para ler o índice de Estranhos Dilemas da Magia e Suas Soluções. — A Professora McGonagall falou para a gente, lembram... A pessoa tem que se registrar na Seção de Prevenção do Uso Indevido da Magia... Dizer em que animal se transforma, quais as marcas características, por isso não pode abusar... — Mione, eu estava brincando — disse Harry exausto. — Eu sei que não tenho a menor chance de me transformar em sapo até amanhã de manhã... — Ah, isto aqui não adianta nada — exclamou Hermione, fechando o livro com violência. — Quem é que vai querer que os pêlos do nariz cresçam em cachinhos? — Eu não me importaria — disse a voz de Fred Weasley. — Seria um grande tópico para estimular conversas, não acham não? Harry, Rony e Hermione levantaram a cabeça. Fred e Jorge tinham acabado de sair de trás de umas estantes. — Que é que vocês dois estão fazendo aqui? — perguntou Rony. — Procurando vocês — disse Jorge. — McGonagall quer ver você, Rony. E você Mione. — Por quê? — perguntou a garota, parecendo surpresa. — Sei lá... Mas estava com a cara meio fechada — informou Fred. — Disse que era para levarmos vocês à sala dela — disse Jorge. Rony e Hermione olharam para Harry, que sentiu o estômago despencar. Será que a Professora McGonagall ia brigar com Mione e Rony? Talvez ela tivesse notado que os dois o estavam ajudando à beça, quando ele devia estar procurando sozinho uma solução para realizar a tarefa? — Encontramos você na sala comunal — disse Hermione a Harry, ao se levantar para acompanhar Rony, os dois pareciam muito ansiosos. — Leva o maior número de livros que puder, OK? — OK. — disse Harry inquieto. Lá pelas oito horas, Madame Pince apagara as luzes e apareceu para expulsar Harry da biblioteca. Cambaleando sob o peso do maior número de livros que pôde carregar, Harry voltou à sala comunal da Grifinória, puxou uma mesa para um canto e continuou a busca. Não havia nada em Mágicas Malucas Para Bruxos Doidões... Nada em Um Guia Para a Feitiçaria Medieval, para não mencionar as Proezas Submarinas na Antologia de Feitiços do Século XVIII, ou em Habitantes Medonhos das Profundezas ou Poderes que Você Desconhecia Possuir e o Que Fazer Com Eles Agora Que os Descobriu. Bichento subiu ao colo de Harry e se enroscou ronronando profundamente. A sala comunal foi se esvaziando aos poucos a volta de Harry. As pessoas não paravam de lhe desejar boa sorte para a manhã seguinte, com vozes animadas e confiantes como a de Hagrid, todos aparentemente convencidos de que ele estava prestes a fazer outra fantástica demonstração como a da primeira tarefa. Harry não conseguia responder aos colegas, simplesmente acenava com a cabeça, com a sensação de que havia uma bola de golfe entalada em sua garganta. Por volta da meia-noite, ele ficou sozinho na sala com Bichento. Procurara em todos os livros restantes e Rony e Hermione não tinham voltado. Terminou tudo, disse ele a si mesmo. Você não vai dar conta. Simplesmente terá que ir até o lago de manhã e dizer aos juizes... Imaginou-se explicando que não seria capaz de executar a tarefa. Visualizou os olhos de Bagman arregalados de surpresa, o sorriso cheio de dentes amarelos de Karkaroff expressando sua satisfação. Conseguiu até ouvir Fleur Delacour comentar: — Eu sabia... ele é jóvan demais, é apenes uma crriança. Ele viu Malfoy fazendo o distintivo “POTTER FEDE” lampejar sentado bem na frente dos espectadores, viu o rosto incrédulo e cabisbaixo de Hagrid... Esquecido de que Bichento estava em seu colo, Harry se levantou muito de repente, o gato bufou zangado ao aterrissar no chão, lançou ao garoto um olhar de desagrado e se retirou com o rabo de escova de garrafa no ar, mas Harry já ia correndo escada acima para o dormitório... Apanharia a Capa da Invisibilidade e voltaria à biblioteca, ficaria lá a noite inteira se fosse preciso... — Lumus — sussurrou ele quinze minutos depois, ao abrir a porta da biblioteca. A ponta da varinha acesa, ele andou ao longo das estantes, apanhando mais livros — livros de azarações e feitiços, livros sobre sereianos e monstros aquáticos, livros sobre bruxas e bruxos famosos, sobre invenções mágicas, sobre qualquer coisa que pudesse incluir uma referência passageira à sobrevivência debaixo d’água. Carregou-os para uma mesa, então pôs mãos à obra, examinando-os com o feixe de luz fino de sua varinha, ocasionalmente consultando seu relógio... Uma hora da manhã... Duas horas... A única maneira de continuar era dizer a si mesmo, repetidamente: Próximo livro... No próximo... No próximo... A sereia no quadro do banheiro dos monitores-chefe estava dando risadas. Harry flutuava como uma rolha na água borbulhante próximo ao rochedo do quadro, enquanto ela agitava a Firebolt dele na mão. — Venha buscá-la! — riu a sereia maliciosamente. — Anda, salta! — Não posso — ofegou Harry, tentando arrebatar a Firebolt ao mesmo tempo em que lutava para não afundar. — Me dá a vassoura! Mas a sereia apenas o cutucava dolorosamente do lado do corpo com o cabo da vassoura, caçoando dele. — Isso dói, sai para lá, ai... — Harry Potter precisa acordar, meu senhor! — Pára de me cutucar... — Dobby tem que cutucar Harry Potter, meu senhor, ele tem que acordar! Harry abriu um olho. Ainda estava na biblioteca, a Capa da Invisibilidade escorregara de sua cabeça e ele adormecera, e um lado do seu rosto estava colado na página de Onde Há Uma Varinha, Há Uma Saída. Ele se sentou, ajeitou os óculos, piscando para a intensa claridade do dia. — Harry Potter precisa se apressar! — guinchou Dobby. — A segunda tarefa vai começar dentro de dez minutos e Harry Potter... — Dez minutos? — grasnou Harry. — Dez... Dez minutos? Ele olhou para o relógio de pulso. Dobby tinha razão. Eram nove e vinte. Um enorme peso morto pareceu escorregar do peito de Harry para o seu estômago. — Depressa, Harry Potter! — guinchou Dobby, puxando a manga do garoto. — O senhor devia estar lá embaixo no lago como os outros campeões, meu senhor! — Tarde demais, Dobby — disse Harry sem esperanças. — Não vou fazer a tarefa, não sei como... — Harry Potter vai fazer a tarefa! Dobby soube que Harry não encontrou o livro certo, então Dobby encontrou para ele! — Quê? — exclamou Harry. — Mas você não sabe qual é a segunda tarefa... — Dobby sabe, meu senhor! Harry Potter tem que entrar no lago e procurar o Wheezy dele... — Procurar o meu o quê? — ... E recuperar o Wheezy dele que está com os sereianos! — O que é um Wheezy? — O seu Wheezy, meu senhor, o seu Wheezy, Wheezy que dá a Dobby o suéter! Dobby deu uns puxões no suéter marrom, que fora encolhido, e que ele estava usando por cima dos calções. — Quê!— ofegou Harry. — Eles estão... Eles estão com o Rony? — A coisa que mais fará falta a Harry Potter, meu senhor! — guinchou Dobby. — Mas passada a hora... Adeus esperança de achar — recitou Harry, arregalando os olhos para o elfo, horrorizado. — Tarde demais, foi-se, jamais voltara... Dobby, o que é que eu tenho que fazer? — O senhor tem que comer isto, meu senhor! — guinchou o elfo, e levando a mão ao bolso dos calções retirou uma bola que parecia feita de rabos de rato, viscosos e verde-acinzentados. — Na hora em que for entrar no lago, meu senhor... Guelricho! — Que é que isso faz? — perguntou Harry olhando para a erva. — Vai fazer Harry Potter respirar embaixo d’água, meu senhor! — Dobby — disse Harry histérico — escuta aqui, você tem certeza? O garoto não esquecera de todo que a última vez que Dobby tentara "ajudá-lo", ele acabara sem ossos no braço direito. —... Absoluta certeza, meu senhor! — disse o elfo sério. Dobby escuta coisas, meu senhor, ele é um elfo doméstico, anda por todo o castelo quando acende as lareiras e limpa os pisos. Dobby ouviu a Professora McGonagall e o Professor Moody na sala de professores, conversando sobre a próxima tarefa... Dobby não pode deixar Harry Potter perder o Wheezy dele! As dúvidas de Harry desapareceram. Pondo-se em pé de um salto, ele despiu a Capa da Invisibilidade, guardou-a na mochila, agarrou o guelricho, enfiou-o no bolso e saiu correndo da biblioteca com Dobby nos calcanhares. — Dobby devia estar na cozinha, meu senhor! — guinchou o elfo quando desembestavam pelo corredor. — Vão dar falta de Dobby, boa sorte, Harry Potter, meu senhor, boa sorte! — Vejo você depois, Dobby! — gritou Harry, e saiu desembalado pelo corredor, descendo as escadas três degraus de cada vez. No saguão de entrada havia uns poucos retardatários, todos saindo do Salão Principal depois do café em direção às portas duplas de carvalho da entrada, para ir assistir à segunda tarefa. Ficaram olhando Harry passar correndo e mandar Colin e Denis Creevey pelo ar ao saltar os degraus de acesso aos jardins ensolarados e frios. Enquanto corria pelos gramados, viu que as arquibancadas que tinham rodeado o picadeiro dos dragões em novembro agora estavam dispostas ao longo da margem oposta do lago, quase explodindo de tão lotadas, e que se refletiam nas águas embaixo; a algazarra excitada dos espectadores ecoava estranhamente pela superfície das águas enquanto Harry corria pela outra margem do lago em direção aos juizes, sentados a uma mesa coberta com tecido dourado. Cedrico, Fleur e Krum estavam parados ao lado da mesa, observando Harry se aproximar correndo. — Estou... Aqui... — ofegou Harry, derrapando na lama ao parar e, acidentalmente, sujando as vestes de Fleur. — Onde é que você esteve? — disse uma voz autoritária censurando-o. — A tarefa vai começar. — Harry olhou para os lados. Percy Weasley estava sentado à mesa dos juizes — o Sr. Crouch mais uma vez não comparecera. — Ora, vamos, Percy! — disse Ludo Bagman, que parecia extremamente aliviado de ver Harry. — Deixe-o recuperar o fôlego! Dumbledore sorriu para Harry, mas Karkaroff e Madame Maxime não pareceram nem um pouco satisfeitos de vê-lo... Era óbvio, pela expressão dos seus rostos, que tinham pensado que o campeão não ia aparecer. Harry dobrou o corpo, as mãos nos joelhos, procurando respirar; sentia uma pontada do lado do corpo que lhe dava a sensação de ter uma faca enfiada nas costelas, mas não havia tempo para se livrar dela, Ludo Bagman agora andava entre os campeões, espaçando-os pela margem a intervalos de três metros. Harry ficou bem no fim da fila, ao lado de Krum, que estava de calções de banho e segurava a varinha em posição. — Tudo bem, Harry? — sussurrou Bagman, afastando Harry um pouco mais de Krum. — Sabe o que é que tem de fazer? — Sei — ofegou o garoto, massageando as costelas. Bagman lhe deu um breve aperto no ombro e voltou à mesa dos juizes, depois apontou a varinha para a própria garganta como fizera na Copa Mundial, disse "Sonorus!" e sua voz reboou sobre as águas escuras até as arquibancadas. — Bem, os nossos campeões estão prontos para a segunda tarefa, que começará quando eu apitar. Eles têm exatamente uma hora para recuperar o que foi tirado deles. Então, quando eu contar três. Um... Dois... Três! O apito produziu um som agudo no ar frio e parado, as arquibancadas explodiram em vivas e palmas, sem se virar para ver o que os outros campeões estavam fazendo, Harry descalçou os sapatos e as meias, tirou um punhado de guelricho do bolso, meteu-o na boca e entrou no lago. O lago estava tão frio que ele sentiu a pele das pernas arder como se estivesse no fogo e não na água, à medida que ele foi se aprofundando no lago, agora a água lhe batia pelos joelhos, e seus pés, que rapidamente perdiam a sensibilidade, escorregavam pelo lodo e as pedras chatas e limosas. Harry mastigou o guelricho com mais força e pressa que pôde, era borrachudo e viscoso como tentáculos de polvo. Com a água gélida pela cintura ele parou, engoliu a erva e esperou que alguma coisa acontecesse. Ouviu os espectadores rirem e concluiu que devia estar com cara de idiota, entrando no lago sem dar sinal algum de poder mágico. A parte do seu corpo ainda seca se encheu de arrepios, semi-imerso na água gelada, uma brisa impiedosa levantando seus cabelos, Harry Potter começou a tremer violentamente. Evitou olhar para as arquibancadas; as risadas estavam mais altas e ele ouvia assovios e vaias de alunos da Sonserina... Então, inesperadamente, Harry teve a sensação de que uma almofada invisível estava cobrindo sua boca e seu nariz. Ele tentou respirar, mas isto fez sua cabeça girar; seus pulmões se esvaziaram e ele sentiu uma dor súbita e lancinante dos dois lados do pescoço... Harry levou as mãos à garganta e sentiu duas grandes aberturas abaixo das orelhas abanando no ar frio... Ganhara guelras. Sem parar para pensar, ele fez a única coisa que lhe pareceu ajuizada — se atirou no lago. O primeiro gole de água gelada do lago lhe pareceu um sopro de vida. Sua cabeça parou de girar, ele tomou mais um gole e sentiu-o passar suavemente pelas guelras e bombear oxigênio para o seu cérebro. Ele estendeu as mãos para frente e olhou-as. Pareciam verdes e fantasmagóricas debaixo d’água e haviam nascido membranas entre os dedos. Ele se contorceu para ver os pés descalços — tinham se alongado e igualmente ganho membranas, parecia também que saíam nadadeiras do seu corpo. A água não parecia mais gelada, tampouco... Pelo contrário, se tornara agradavelmente fresca e muito leve... Harry recomeçou a bracejar, admirando-se como seus pés com nadadeiras o impeliam pela água e registrando que estava enxergando com muita clareza e não sentia mais necessidade de piscar. Logo nadara uma distância tão grande em direção ao meio do lago que deixara de ver seu leito. Deu uma cambalhota e mergulhou em suas profundezas. O silêncio pesou em seus ouvidos ao nadar por uma paisagem estranha, escura e enevoada. Só conseguia ver três metros ao redor, por isso à medida que se deslocava novos cenários pareciam surgir repentinamente da escuridão à sua frente, florestas ondulantes de plantas emaranhadas e escuras, extensões de lodo coalhadas de pedras lisas e brilhantes. Ele nadava cada vez mais para o fundo e para o centro do lago, os olhos abertos, espiando, através da misteriosa claridade cinzenta que iluminava as águas, rumando para as sombras além, em que as águas se tornavam opacas. Pequenos peixes passavam velozes por ele como flechas prateadas. Uma ou duas vezes ele viu um vulto maior nadando mais — adiante, mas quando se aproximou, descobriu que era apenas um grande tronco enegrecido ou uma moita densa de plantas. Não viu sinal algum dos outros campeões, nem dos sereianos, nem de Rony — nem, graças a Deus, da lula gigante. Plantas verde-claras se estendiam à sua frente até onde sua vista podia alcançar, como um prado coberto de relva muito crescida. Harry olhava para frente sem piscar, tentando discernir as formas na obscuridade... E então, sem aviso, alguma coisa agarrou seu tornozelo. Harry se virou e viu um grindylow, um pequeno demônio aquático de chifres, que saía do meio das plantas, seus dedos compridos apertando a perna de Harry, as presas pontiagudas à mostra — o garoto enfiou a mão palmada depressa dentro das vestes e procurou a varinha, até conseguir apanhá-la, mais dois grindylows tinham emergido das plantas, agarrado as vestes de Harry e tentavam arrastá-lo para o fundo. — Relaxo! — disse ele, só que não produziu som algum... Uma grande bolha saiu de sua boca, e sua varinha, em vez de atirar faíscas contra os grindylows, golpeou-os com algo que pareceu um jato de água fervendo, pois onde os atingiu surgiram manchas muito vermelhas em sua pele verde. Harry livrou o tornozelo do aperto dos demônios e nadou o mais rápido que pôde, ocasionalmente disparando, a esmo, mais jatos de água quente por cima do ombro, de vez em quando ele sentia um grindylow prender novamente seu pé e o chutava com força, por fim, seu pé fez contato com um crânio chifrudo e, olhando para trás, ele viu um grindylow se afastar boiando, vesgo, enquanto seus companheiros sacudiam os punhos para Harry e tornavam a submergir entre as plantas. Harry diminuiu um pouco a velocidade, guardou a varinha nas vestes e olhou ao redor, apurando os ouvidos. Fez uma volta completa na água, o silêncio pesava mais que nunca em seus tímpanos. Sabia que devia estar bem mais fundo, mas nada se mexia exceto as plantas ondulantes. — Como é que você está indo? Harry achou que estava tendo um ataque cardíaco. Virou-se depressa e viu a Murta Que Geme flutuando difusamente diante dele, fitando-o através dos grossos óculos perolados. — Murta! — Harry tentou gritar, porém, mais uma vez, não saiu nenhum som de sua boca, apenas uma grande bolha. A Murta Que Geme chegou a dar risadinhas abafadas. — Você vai precisar experimentar para aquele lado lá! — disse ela apontando. — Não vou acompanhar você... Não gosto muito deles, sempre me perseguem quando me aproximo demais... Harry levantou o polegar à guisa de agradecimento, e recomeçou a nadar, tendo o cuidado de se colocar um pouco acima das plantas para evitar mais grindylows que por acaso estivessem escondidos ali. Ele continuou a nadar por uns vinte minutos ou assim lhe pareceu. Atravessava agora grandes extensões de lodo escuro, que redemoinhavam sujando a água agitada por ele. Então, finalmente, ouviu um trecho da música misteriosa dos sereianos. “Uma hora inteira você deverá buscar, Para recuperar o que lhe tiramos...” Harry nadou mais rápido e não tardou a ver um grande penhasco emergindo na água lodosa à frente. Nele havia pinturas de sereiano, carregavam lanças e caçavam algo que parecia ser a lula gigante. Harry deixou o penhasco para trás seguindo a música dos sereianos, “Já se passou meia hora, Por isso não tarde Ou o que você busca apodrecerá aqui...” Um punhado de casas toscas de pedra, manchadas de algas, tomou forma de repente no lusco-fusco que rodeava o garoto. Aqui e ali, às janelas escuras, Harry viu rostos... Rostos que não tinham qualquer semelhança com o quadro da sereia no banheiro dos monitores-chefe... Os sereianos tinham peles cinzentas e longos cabelos desgrenhados e verdes. Seus olhos eram amarelos, como seus dentes quebrados, e eles usavam grossas cordas de seixos no pescoço. Lançaram olhares desconfiados quando Harry passou. Um ou dois saíram das tocas para examiná-lo melhor, seus fortes rabos de peixe prateados golpeando a água, as lanças nas mãos. Harry continuou a nadar veloz, olhando para os lados, e logo as casas se tornaram mais numerosas: havia jardins de folhagens ao redor de algumas, e ele chegou a ver um grindylow amarrado a uma estaca do lado de fora de uma porta. Os sereianos apareciam por todos os lados agora, observando-o ansiosos, apontando para suas mãos palmadas e guelras, falando entre si, com a mão encobrindo a boca. Harry virou um canto e deparou com uma cena estranha. Um grande número de sereianos flutuava diante de casas enfileiradas que pareciam uma versão local de uma praça de povoado. Um coro cantava no centro, chamando os campeões e, por trás, erguia-se uma estátua tosca, um gigantesco sereiano esculpido em um pedregulho. Quatro pessoas estavam firmemente amarradas à cauda da estátua. Rony estava amarrado entre Hermione e Cho Chang. Havia ainda uma garota que não aparentava ter mais de oito anos e cujas nuvens de cabelos prateados deu a Harry a certeza de que era irmã de Fleur Delacour. Os quatro pareciam profundamente adormecidos. Suas cabeças balançavam molemente sobre os ombros e um fluxo contínuo de pequenas bolhas saía de suas bocas. Harry correu em direção aos reféns, meio que esperando os sereianos baixarem as lanças para o atacarem, mas eles nada fizeram. As cordas que atavam os reféns à estátua eram grossas, viscosas e muito fortes. Por um instante fugaz ele pensou no canivete que Sirius lhe presenteara no Natal — guardado em seu malão no castelo a uns quatrocentos metros de distância, não tinha a menor utilidade. Harry olhou ao redor. Muitos sereianos que cercavam os reféns seguravam lanças. O garoto nadou rápido para um deles, com uns dois metros de altura, uma longa barba verde e uma gargantilha de dentes de tubarão, e tentou, por meio de mímica, pedir a lança emprestada. O sereiano riu e sacudiu a cabeça. — Não ajudamos — disse ele numa voz áspera e rouca. — Ora vamos! — disse Harry com ferocidade (mas apenas bolhas saíram de sua boca), e ele tentou tirar a lança do sereiano, que a puxou para si, ainda sacudindo a cabeça e rindo. Harry deu uma volta completa no corpo, olhando. Alguma coisa afiada, qualquer coisa... Havia muitas pedras no leito do lago. Ele mergulhou e apanhou uma de aspecto afiado e voltou à estátua. Começou, então, a golpear a corda que prendia Rony e, depois de alguns minutos de esforço, elas se romperam. Rony flutuou, inconsciente a alguns centímetros do leito do lago, acompanhando o movimento da água. Harry correu o olhar à volta. Não viu sinal dos outros campeões. De que é que estavam brincando? Por que não se apressavam? Ele se virou para Hermione, ergueu a pedra afiada e começou a golpear as cordas dela também... Na mesma hora, vários pares de fortes mãos cinzentas o seguraram. Meia dúzia de sereianos começaram a afastá-lo de Hermione, balançando as cabeças de cabelos verdes e dando risadas. — Você leva o seu refém — disse um deles. — Deixe os outros... — Nem pensar! — respondeu Harry indignado, mas apenas duas bolhas saíram de sua boca. — Sua tarefa é resgatar o seu amigo... Deixe os outros... — Ela é minha amiga, também! — berrou Harry, gesticulando em direção a Hermione, uma enorme bolha prateada desprendendo-se silenciosamente dos seus lábios. — E tampouco quero que os outros morram! A cabeça de Cho descansava no ombro de Hermione, a garotinha de cabelos prateados parecia pálida e fantasmagoricamente esverdeada. Harry lutou para afastar os sereianos, mas eles riam com mais vontade que nunca, empurrando-o para trás. O garoto olhou alucinado para os lados. Onde estavam os outros campeões? Será que ele teria tempo de levar Rony até a superfície e voltar para buscar Hermione e as outras? Será que ele conseguiria encontrá-las de novo? Consultou o relógio para ver quanto tempo lhe sobrava — o relógio parara de trabalhar. Mas, então, os sereianos que o rodeavam começaram a apontar excitados para alguma coisa acima da cabeça dele. Harry ergueu os olhos e viu Cedrico nadando em direção ao grupo. Havia uma enorme bolha em torno de sua cabeça, que fazia suas feições parecerem estranhamente largas e esticadas. — Me perdi! — disse ele silenciosamente, com uma expressão de pânico. — Fleur e Krum estão vindo agora! Sentindo-se imensamente aliviado, Harry viu Cedrico puxar uma faca do bolso e libertar Cho. Ele a puxou para cima e desapareceu de vista. Harry olhou para os lados, aguardando. Onde estavam Fleur e Krum? O tempo ia se esgotando e, segundo a música, os reféns jamais voltariam... Os sereianos começaram a guinchar excitados. Os que seguravam Harry afrouxaram o aperto, olhando para trás. Harry se virou e viu algo monstruoso cortando as águas em direção a eles: um corpo humano de calções de banho com uma cabeça de tubarão... Era Krum. Parecia ter se transformado — mas de maneira incompleta. O homem-tubarão nadou direto para Hermione e começou a puxar e a morder as cordas que a prendiam, o problema é que os novos dentes de Krum estavam posicionados de forma imprópria para morder qualquer coisa menor do que um golfinho, e Harry tinha quase certeza de que se Krum não tivesse cuidado, ia cortar Hermione ao meio. Correndo para ele, Harry bateu com força em seu ombro e estendeu a pedra afiada. Krum agarrou-a e começou a libertar Hermione. Em segundos, ele terminou: agarrou Hermione pela cintura e, sem ao menos olhar para trás, começou a subir rapidamente com a garota para a superfície. — E agora?, pensou Harry desesperado. Se ele pudesse ter certeza de que Fleur estava a caminho... Mas não havia nem sinal. Não havia jeito... Ele agarrou a pedra que Krum largara, mas os sereianos voltaram a se aproximar de Rony e da garotinha, balançando a cabeça para Harry. O garoto puxou a varinha. — Saiam da frente! Somente bolhas voaram de sua boca, mas ele teve a nítida impressão de que os sereianos o haviam entendido, porque subitamente pararam de rir. Seus olhos amarelos se fixaram na varinha de Harry e eles revelaram medo. Eram muitos e Harry era apenas um, mas o garoto percebeu, pela expressão dos seus rostos, que os sereianos conheciam tanta magia quanto a lula gigante. — Vocês têm até três! — gritou Harry; um grande jorro de bolhas saiu de sua boca, e ele ergueu três dedos para ter certeza de que os sereianos tinham entendido a mensagem. — Um... — ele ergueu um dedo — Dois... — ergueu o segundo... Eles se dispersaram. Harry se adiantou depressa e começou a golpear as cordas que prendiam a garotinha à estátua e finalmente libertou-a. Ele a agarrou pela cintura, agarrou a gola das vestes de Rony e deu impulso para a superfície. Foi uma subida muito lenta. Ele já não podia usar as mãos palmadas para se impulsionar, bateu as nadadeiras furiosamente, mas Rony e a irmã de Fleur eram verdadeiros sacos de batatas que o arrastavam para o fundo... Harry firmou a vista em direção ao céu, embora soubesse que ainda devia estar muito fundo, as águas acima estavam tão escuras... Os sereianos o seguiram na subida. Harry os via rodando à sua volta sem esforço, vendo-o lutar para vencer a força das águas... Será que o puxariam de volta às profundezas quando seu tempo se esgotasse? Será que comiam seres humanos? As pernas de Harry se moviam lentamente com o esforço de nadar, seus ombros doíam horrivelmente com o esforço de arrastar Rony e a garota... Ele inspirava com extrema dificuldade. Voltou a sentir a dor dos lados do pescoço... Aos poucos foi se tornando consciente da umidade da água em sua boca... Mas decididamente a obscuridade estava raleando agora... Já conseguia ver a luz do dia no alto... Bateu as nadadeiras com força e descobriu que já não havia nada além de pés... A água entrava aos borbotões em sua boca e invadia seus pulmões... Ele estava começando a sentir tonteira, mas sabia que a luz e o ar estavam a apenas três metros acima... Tinha que chegar lá... Tinha que... Harry sacudiu as pernas com tanta força e rapidez que teve a sensação de que seus músculos gritavam em protesto, o próprio cérebro parecia encharcado de água, ele não conseguia respirar, precisava de oxigênio, tinha que continuar, não podia parar... Então sentiu sua cabeça varar a superfície do lago, um ar maravilhoso, frio, claro, fez seu rosto molhado arder, ele o engoliu, tendo a sensação de que jamais o respirara antes como devia e, ofegante, puxou Rony e a menininha com ele. A toda volta, cabeças com cabelos verdes emergiram da água, mas sorriam para ele. Os espectadores nas arquibancadas faziam um estardalhaço, gritavam, berravam, todos pareciam estar de pé, Harry teve a impressão de que pensavam que Rony e a menininha poderiam estar mortos, mas tinham se enganado... Os dois tinham aberto os olhos, a menina parecia apavorada e confusa, mas Rony meramente expeliu um grande jato de água, piscou para a claridade, virou-se para Harry e comentou: — Um bocado molhado, não? — Depois viu a irmã de Fleur. — Para que foi que você trouxe a garota? — Fleur não apareceu. Eu não podia largar ela lá — ofegou Harry. — Harry, seu débil — disse Rony. — Você não levou aquela música a sério, levou? Dumbledore não teria deixado nenhum de nós morrer afogado! — Mas a música dizia... — Só para garantir que você voltasse dentro do prazo dado! Espero que você não tenha perdido tempo lá embaixo bancando o herói! Harry se sentiu no mesmo instante idiota e chateado. Estava tudo muito bem para Rony, ele estivera adormecido, não sentira como era fantasmagórico lá no lago, cercado por sereianos armados de lanças com cara de que eram bem capazes de matar. — Vamos — disse Harry com rispidez —, me ajude com a garota, acho que ela não sabe nadar muito bem. Os dois puxaram a irmã de Fleur pela água, até a margem, onde os juizes aguardavam de pé observando-os, vinte sereianos acompanhavam os garotos como uma guarda de honra, cantando aquelas horríveis músicas agudas. Harry viu Madame Pomfrey cuidando de Hermione, Krum, Cedrico e Cho, todos enrolados em grossos cobertores. Dumbledore e Ludo Bagman estavam parados na margem, e sorriram para Harry e Rony quando eles se aproximaram, mas Percy, que parecia muito pálido e, por alguma razão, mais jovem do que era, saiu espalhando água ao encontro deles. Entrementes, Madame Maxime tentava conter Fleur Delacour, que estava muito nervosa, lutando com unhas e dentes para voltar à água. — Gabrielle! Gabrielle! Ela está viva? Ela está machucada? — Ela está ótima! — Harry tentou lhe dizer, mas se sentia tão exausto que mal conseguia falar, quanto menos gritar. Percy agarrou Rony e saiu arrastando-o para a margem ("Sai pra lá, Percy, eu estou bem!"), Dumbledore e Bagman ergueram Harry, Fleur se desvencilhara de Madame Maxime e abraçava a irmã. — Forram os g-rrindylows... Eles me atacarron... Ah, Gabrrielle, pensei... Pensei... — Venha aqui, você — ouviu-se a voz de Madame Pomfrey, ela agarrou Harry e levou-o até Hermione e os outros, embrulhou-o num cobertor tão apertado que ele se sentiu preso numa camisa de força, e empurrou uma dose de uma poção muito quente pela garganta do garoto. Saiu vapor por suas orelhas. — Muito bem, Harry! — exclamou Hermione. — Você conseguiu, você descobriu como conseguir, sozinho! — Bem... — disse Harry. Ele teria contado a ela sobre Dobby, mas acabara de notar que Karkaroff o observava. Era o único juiz que não abandonara a mesa, o único juiz que não dava sinais de satisfação nem alívio que Harry, Rony e a irmã de Fleur tivessem voltado sãos e salvos. — É, é verdade — disse Harry, levantando ligeiramente a voz para Karkaroff poder ouvi-lo. — Você tem um besourro-d’água prreso nos cabelos, Hermi-ônini — disse Krum. Harry teve a impressão de que Krum estava tentando fazer a garota voltar sua atenção para ele, talvez para lembrá-la que ele acabara de resgatá-la do lago, mas Hermione sacudiu o besouro para longe com impaciência. — Mas você ultrapassou muito o tempo dado, Harry... Você levou muito tempo para nos encontrar? — Não... Encontrei vocês logo... A sensação de burrice de Harry foi crescendo. Agora que estava fora da água, pareceu-lhe perfeitamente claro que as precauções de segurança tomadas por Dumbledore não teriam permitido a morte de um refém porque o campeão não aparecera. Por que ele simplesmente não apanhara Rony e viera embora? Teria sido o primeiro a voltar... Cedrico e Krum não tinham perdido tempo se preocupando com mais ninguém, não tinham levado a música dos sereianos a sério... Dumbledore se encontrava agachado à beira da água, absorto em conversa com alguém que parecia ser o chefe dos sereianos, uma fêmea particularmente selvagem, de aspecto feroz. Emitia o mesmo tipo de guinchos que o de seus companheiros quando estavam embaixo da água, era óbvio que Dumbledore sabia falar serêiaco. Finalmente ele se ergueu, virou-se para os demais juizes e disse: — Acho que precisamos conversar antes de dar as notas. Os juizes se agruparam. Madame Pomfrey tinha ido salvar Rony dos abraços de Percy; ela o levou para onde estavam os outros garotos, deu-lhe um cobertor e um pouco de Poção Estimulante, depois foi buscar Fleur e a irmã. Fleur tinha muitos cortes no rosto e nos braços, e suas vestes estavam rasgadas, mas ela não parecia se importar, nem queria deixar Madame Pomfrey tratá-la. — Cuide da Gabrrielle — disse a garota virando-se para Harry. — Você salvou minha irrmá — disse ofegante. — Mesmo ela não sendo sua rrefém. — Foi — disse Harry, que agora desejava de todo o coração ter deixado as garotas amarradas à estátua. Fleur se abaixou, beijou Harry nas duas bochechas (ele sentiu o rosto queimando e não ficaria surpreso se estivesse pondo vapor pelas orelhas outra vez), em seguida disse a Rony: — E você, também... Você ajudou... — Foi — disse ele parecendo extremamente esperançoso —, foi, um pouquinho... Fleur se curvou para ele, também, e o beijou. Hermione pareceu simplesmente furiosa, mas naquele instante, a voz magicamente ampliada de Ludo Bagman reboou ao lado deles, pregando-lhes um susto e fazendo os espectadores nas arquibancadas mergulharem num grande silêncio. — Senhoras e senhores, já chegamos a uma decisão. A chefe dos sereianos, Murcus, nos contou exatamente o que aconteceu no fundo do lago e, portanto, em um máximo de cinqüenta, decidimos atribuir a cada campeão, as seguintes notas... A Srta. Fleur Delacour, embora tenha feito uma excelente demonstração do Feitiço Cabeça-de-bolha, foi atacada por grindylows ao se aproximar do alvo e não conseguiu resgatar sua refém. Recebeu vinte e cinco pontos. Aplausos das arquibancadas. — Eu merrecia zerro — disse Fleur com uma voz gutural, sacudindo a magnífica cabeça. — O Sr. Cedrico Diggory, que também usou o Feitiço Cabeça-de-bolha, foi o primeiro a voltar com a refém, embora tenha chegado um minuto depois da hora marcada. — Ouviram-se grandes aplausos dos alunos da Corvinal entre os espectadores, Harry viu Cho lançar um olhar feio a Cedrico. — Portanto, recebeu quarenta e sete pontos. O ânimo de Harry despencou. Se Cedrico ultrapassara o limite de tempo, com certeza ele fizera o mesmo. — O Sr. Vítor Krum usou uma forma de transformação incompleta, mas ainda assim eficiente, e foi o segundo a voltar com a refém. Recebeu quarenta pontos. Karkaroff bateu palmas com especial entusiasmo, fazendo ar de superioridade. — O Sr. Harry Potter usou guelricho com grande eficácia — continuou Bagman. — Ele voltou por último e ultrapassou em muito o prazo de uma hora. Contudo, a chefe dos sereianos nos informou que o Sr. Potter foi o primeiro a chegar aos reféns, e o atraso na volta se deveu à sua determinação de trazer todos os reféns à segurança e não apenas o seu. Rony e Hermione lançaram a Harry olhares meio exasperados, meio penalizados. — A maioria dos juizes — e aqui Bagman olhou com muita indignação para Karkaroff — acha que tal atitude revela fibra moral e merece o número máximo de pontos. Mas... O Sr. Potter recebeu quarenta e cinco pontos. O estômago de Harry deu um solavanco — agora ia disputar o primeiro lugar com Cedrico. Rony e Hermione, apanhados de surpresa, olharam para Harry, começaram a rir e a aplaudir com entusiasmo com o resto dos espectadores. — Lá vai você, Harry! — gritou Rony sobrepondo-se ao tumulto. — Afinal você não agiu como débil, revelou fibra moral! Fleur também o aplaudia freneticamente, mas Krum não pareceu nada feliz. Tentou puxar conversa com Hermione outra vez, mas ela estava ocupada demais aplaudindo Harry para lhe dar ouvidos. — A terceira e última tarefa será realizada ao anoitecer do dia vinte e quatro de junho — continuou Bagman. — Os campeões serão informados do que os espera exatamente um mês antes. Agradecemos a todos o apoio dado aos campeões. Terminou, pensou Harry atordoado, quando Madame Pomfrey começou a arrebanhar os campeões e reféns em direção ao castelo para trocarem roupas secas... Terminara, ele conseguira... Não precisava se preocupar com coisa alguma agora até o dia vinte e quatro de junho... Da próxima vez que estivesse em Hogsmeade, resolveu ele, ao subir os degraus de pedra do castelo, ia comprar para Dobby um par de meias para cada dia do ano. CAPÍTULO VINTE E SETE A volta de Almofadinhas Uma das melhores conseqüências da segunda tarefa foi que todo mundo ficou muito interessado em saber os detalhes do que acontecera no fundo do lago, o que significou que, uma vez na vida, Rony estava conseguindo dividir as luzes da ribalta com Harry. Este reparou que a versão do seu amigo sobre os acontecimentos mudava sutilmente cada vez que ele os contava. A princípio, Rony narrava o que parecia ter sido a verdade, pelo menos batia com a história de Hermione — Dumbledore havia mergulhado os reféns em um sono encantado na sala da Professora McGonagall, depois de garantir a todos que estariam seguros e que despertariam quando voltassem à superfície da água. Uma semana mais tarde, no entanto, Rony já estava contando uma história emocionante de seqüestro, em que ele lutara sozinho contra cinqüenta sereianos armados até os dentes que precisaram dominá-lo a pancada antes de amarrá-lo. — Mas eu levei a minha varinha escondida na manga — Rony tranqüilizou Padma Parvat, que parecia bem mais interessada agora que o garoto andava recebendo tanta atenção, e fazia questão de falar com ele todas as vezes que se encontravam nos corredores. — Eu poderia ter enfrentado aqueles sereidiotas a qualquer hora que quisesse. — Que é que você ia fazer, atacar os caras a roncos? — perguntou Hermione alfinetando-o. Tinham caçoado tanto dela por ser a coisa de que Vítor Krum mais sentiria falta que ela andava meio mal humorada. As orelhas de Rony ficaram vermelhas e dali em diante ele reverteu à versão do sono encantado. Quando março começou, o tempo ficou mais seco, mas ventos cortantes esfolavam o rosto e as mãos todas as vezes que as pessoas saíam aos jardins. Havia atrasos no correio porque o vento não parava de tirar as corujas da rota. A coruja marrom que Harry enviara a Sirius com a data do fim de semana em Hogsmeade apareceu na hora do café da manhã de sexta-feira com metade das penas viradas pelo avesso, Harry mal acabara de desprender a resposta de Sirius, a coruja levantou vôo, visivelmente receosa de que fosse ser despachada outra vez. A carta de Sirius era quase tão curta quanto a anterior. “Esteja nos degraus no fim da estrada que sai de Hogsmeade (depois da Dervixes & Bangues) às duas horas da tarde de sábado. Traga o máximo de comida que puder.” — Ele não voltou a Hogsmeade? — perguntou Rony, incrédulo. — É que parece, não é? — disse Hermione. — Não dá para acreditar — disse Harry tenso. — Se ele for apanhado... — Mas até agora não foi, não é? — disse Rony. — E agora o lugar nem está mais infestado de dementadores. Harry dobrou a carta, pensativo. Se fosse honesto consigo mesmo admitiria que queria realmente rever Sirius. Seguiu, portanto, para a última aula da tarde — os dois tempos de Poções — sentindo-se muitíssimo mais animado do que era o seu normal quando descia as escadas para as masmorras. Malfoy, Crabbe e Goyle estavam parados à porta da sala de aula com o grupinho de garotas da Sonserina que andava com Pansy Parkinson. Todas estavam olhando alguma coisa que Harry não pôde ver e davam risadinhas animadas. A cara de buldogue de Pansy espiava excitada por trás das largas costas de Goyle quando Harry, Rony e Hermione se aproximaram. — Eles vêm vindo aí, eles vêm vindo aí! — disse ela entre risadinhas e o ajuntamento de alunos da Sonserina se desfez. Harry viu que Pansy tinha nas mãos uma revista — o Semanário das Bruxas. A foto animada na capa mostrava uma bruxa de cabelos crespos, com um sorriso cheio de dentes, que apontava com a varinha para um grande bolo de claras. — Talvez você encontre aí uma coisa de seu interesse, Granger! — disse Pansy em voz alta e atirou a revista para Hermione, que a aparou, fazendo cara de espanto. Naquele momento, a porta da masmorra se abriu e Snape fez sinal para todos entrarem. Hermione, Harry e Rony se dirigiram a uma mesa no fundo da sala como de costume. Quando Snape deu as costas à turma para escrever no quadro-negro os ingredientes da poção do dia, Hermione folheou rapidamente a revista, por baixo da mesa. Finalmente, nas páginas centrais, ela encontrou o que estava procurando. Harry e Rony se aproximaram. Uma foto colorida de Harry encimava uma pequena notícia intitulada: "A MAGOA SECRETA DE HARRY POTTER" Um garoto excepcional, talvez, mas um garoto que sofre todas as dores comuns da adolescência, escreve Rita Skeeter. Privado do amor desde o trágico falecimento dos pais, Harry Potter, catorze anos, pensou que tinha achado consolo com sua namorada firme em Hogwarts, a garota nascida trouxa, Hermione Granger. Mal sabia que em breve estaria sofrendo mais um revés emocional numa vida afligida por perdas pessoais. A Srta. Granger, uma garota sem atrativos, mas ambiciosa, parece ter uma queda por bruxos famosos que somente Harry não basta para satisfazer. Desde que Vitor Krum, o apanhador búlgaro e herói da última Copa Mundial de Quadribol, chegou em Hogwarts a Srta. Granger tem brincado com as aflições dos dois rapazes. Krum, que está visivelmente apaixonado pela dissimulada Srta. Granger, já a convidou para visitá-lo na Bulgária nas férias de verão e insiste que "nunca se sentiu assim com nenhuma outra garota”. Contudo, talvez não tenham sido os duvidosos encantos naturais da Srta. Granger que conquistaram o interesse desses pobres rapazes. "Ela é realmente feia" diz Pansy Parkinson, uma estudante bonita e viva do quarto ano, "mas é bem capaz de preparar uma Poção do Amor, tem bastante inteligência para isso. Acho que foi isso que ela fez.” As poções do amor são naturalmente proibidas em Hogwarts, e sem dúvida Alvo Dumbledore irá querer apurar essas afirmações. Entrementes, os simpatizantes de Harry Potter fazem votos que, da próxima vez, ele entregue seu coração a uma candidata que o mereça. — Eu disse a você! — sibilou Rony para Hermione que continuava a olhar o artigo abobada. — Eu disse pra você não aborrecer Rita Skeeter! Ela fez você parecer uma espécie de... Jezabel! Hermione desfez o ar perplexo e soltou uma risada abafada. — Jezabel! — repetiu ela, sacudindo o corpo de tanto conter o riso e olhando para Rony. — O que mamãe diz que elas são — murmurou Rony, suas orelhas tornando a corar. — Se isso é o melhor que Rita é capaz de escrever, então ela está perdendo o jeito — disse Hermione, ainda dando risadinhas e atirando o Semanário das Bruxas em uma cadeira vazia do lado. — Que monte de lixo. Hermione olhou para os colegas da Sonserina, que observavam ela e Harry com atenção, do outro lado da sala, para ver se tinham se chateado com o artigo. A garota deu um sorriso irônico e acenou para o grupinho. Em seguida ela, Harry e Rony começaram a desempacotar os ingredientes que iriam precisar para a Poção da Sagacidade. — Mas tem uma coisa engraçada — disse Hermione dez minutos depois, segurando o pilão suspenso sobre uma tigela de escaravelhos. — Como é que a Rita Skeeter poderia ter sabido...? — Sabido o quê? — perguntou Rony depressa. — Você não andou preparando Poções de Amor, andou? — Deixe de ser retardado — retorquiu Hermione, recomeçando a pilar os escaravelhos. — Não, é só que... Como foi que ela soube que Vítor me convidou para visitá-lo no verão? Hermione ficou escarlate ao dizer isso e deliberadamente evitou os olhos de Rony. — Quê? — exclamou Rony, deixando cair o pilão com estrépito. — Ele me convidou logo depois de ter me tirado do lago — murmurou Hermione. — Assim que se livrou da cabeça de tubarão. Madame Pomfrey nos deu cobertores e então ele meio que me puxou para longe dos juizes, para eles não ouvirem, e me perguntou, se eu não estivesse fazendo nada no verão, se eu gostaria de... — E o que foi que você respondeu? — perguntou Rony, que apanhara o pilão e estava amassando a mesa, a bem quinze centímetros do caldeirão, porque não tirava os olhos de Hermione. — E ele realmente disse que nunca se sentira desse jeito com nenhuma garota — continuou ela, tão vermelha agora que Harry até podia sentir o calor que emanava do corpo dela —, mas como é que Rita Skeeter poderia ter ouvido? Ela não estava lá... Ou estava? Vai ver ela tem uma Capa da Invisibilidade, vai ver entrou escondida na propriedade para assistir à segunda tarefa... — E que foi que você respondeu? — repetiu Rony, batendo o pilão com tanta força que fez uma mossa na mesa. — Bem, eu estava tão ocupada vendo se você e Harry estavam OK. Que... — Por mais fascinante, sem dúvida, que seja sua vida social, Srta. Granger — disse uma voz gélida bem atrás deles —, devo lhe pedir para não discuti-la em minha aula. Dez pontos a menos para Grifinória. Snape havia deslizado silenciosamente até a mesa dos garotos enquanto eles conversavam. A turma inteira agora foi se virando para olhá-los, Malfoy aproveitou a oportunidade para lampejar o “POTTER FEDE” lá do outro lado da masmorra. — Ah... E lendo revistas embaixo da mesa? — acrescentou Snape, agarrando o exemplar do Semanário das Bruxas. — Outros dez pontos a menos para Grifinória... Ah, mas naturalmente... — os olhos negros de Snape brilharam ao recair sobre o artigo de Rita Skeeter. — Potter tem que manter em dia os seus recortes de jornais e revistas sobre ele... A masmorra ecoou as risadas dos alunos da Sonserina, e um sorriso desagradável crispou a boca fina de Snape. Para fúria de Harry, o professor começou a ler o artigo em voz alta: — A mágoa secreta de Harry Potter... Ai, ai, ai, Potter, onde é que está doendo agora? Um garoto excepcional, talvez... Harry sentia o rosto arder agora. Snape parava ao fim de cada frase para permitir aos alunos da Sonserina rirem à vontade. O artigo parecia dez vezes pior lido pelo professor. — Os simpatizantes de Harry Potter fazem votos que, da próxima vez, ele entregue seu coração a uma candidata que o mereça. Que coisa comovente — debochou Snape, enrolando a revista ao som das gargalhadas dos garotos da Sonserina. — Bem, acho melhor separar vocês três, para que possam se concentrar nas poções em lugar dos desencontros de suas vidas primorosas. Weasley, fique onde está. Srta. Granger, lá, ao lado da Srta. Parkinson. Potter, naquela carteira em frente à minha escrivaninha. Mexam-se. Agora. Furioso, Harry jogou seus ingredientes e a mochila no caldeirão e arrastou-o até uma mesa vazia na frente da sala. Snape o acompanhou, sentou-se à própria escrivaninha e observou Harry descarregar o caldeirão. Decidido a não olhar para Snape, Harry retomou a tarefa de pilar os escaravelhos, imaginando que cada um deles tinha a cara do professor. — Toda essa atenção da imprensa parece ter inchado a sua cabeça que já é demasiado grande, Potter — disse Snape em voz baixa, depois que o restante da turma se aquietou. Harry não respondeu. Sabia que o professor estava tentando provocá-lo, já fizera isso antes. Sem dúvida esperava ter uma desculpa para descontar cinqüenta pontos redondos da Grifinória antes do fim da aula. — Você talvez esteja vivendo a ilusão de que o mundo da magia inteiro está impressionado com você — continuou Snape, em voz tão baixa que mais ninguém podia ouvi-lo (Harry continuou a pilar os escaravelhos, embora já os tivesse reduzido a um pó muito fino) —, mas eu não me impressiono com o número de vezes que sua foto aparece nos jornais. Para mim, Potter, você não passa de um menininho mau caráter que acha que está acima dos regulamentos. Harry virou os escaravelhos pulverizados no caldeirão e começou a cortar as raízes de gengibre. Suas mãos tremiam levemente de raiva, mas ele mantinha os olhos baixos, como se nem ouvisse o que Snape dizia. — Portanto, eu vou lhe dar um aviso, Potter — continuou o professor, num tom de voz mais suave e perigoso — seja você uma celebridade mirim ou não, se eu o apanhar invadindo a minha sala outra vez... — Eu não cheguei nem perto da sua sala! — disse Harry com raiva, esquecendo sua fingida surdez. — Não minta para mim sibilou Snape, — seus abissais olhos negros perfurando os de Harry. — Ararambóia, Guelricho. Ambos saíram do meu estoque particular e eu sei quem foi que os roubou. Harry sustentou o olhar de Snape, decidido a não piscar, nem fazer cara de culpado. Na verdade, ele não roubara nenhuma das duas coisas de Snape. Hermione tirara a ararambóia no segundo ano — tinham precisado dela para a Poção Polissuco —, e embora Snape suspeitasse de Harry na ocasião, nunca pudera comprovar sua suspeita. Dobby, naturalmente, roubara o guelricho. — Não sei do que o senhor está falando — mentiu Harry com frieza. — Você estava fora da cama na noite em que a minha sala foi invadida! — sibilou Snape. — Eu sei disso, Potter! Agora talvez Olho-Tonto Moody tenha entrado para o seu fã-clube, mas eu não vou tolerar o seu comportamento! Mais um passeio noturno à minha sala, Potter, e você vai me pagar! — Certo! — respondeu Harry calmamente, voltando sua atenção para as raízes de gengibre. — Me lembrarei disso se algum dia sentir um impulso de entrar lá. Os olhos de Snape faiscaram. Ele mergulhou a mão nas vestes negras. Por um segundo delirante Harry pensou que ele ia puxar a varinha e amaldiçoá-lo. Então viu que o professor tirara um frasquinho de cristal com uma poção totalmente cristalina. Harry ficou olhando fixamente para o frasco. — Sabe o que é isso, Potter? — perguntou Snape, com os olhos mais uma vez brilhando perigosamente. — Não — respondeu Harry desta vez com absoluta honestidade. — É Veritaserum, uma Poção da Verdade tão potente que três gotas fariam você confessar os seus segredos mais íntimos para a turma inteira ouvir — disse Snape maldosamente. — Agora, o uso desta poção é controlado por rigorosas diretrizes do Ministério. Mas a não ser que você tome cuidado com o que faz, vai acabar descobrindo que a minha mão pode escorregar sem querer — ele sacudiu de leve o frasquinho de cristal — bem em cima do seu suco de abóbora da noite. Então, Potter... Então descobriremos se você esteve ou não na minha sala. Harry não respondeu. Voltou mais uma vez sua atenção para as raízes de gengibre, apanhou uma faca e começou a cortá-las. Não gostou nem um pouco daquela história de Poção da Verdade, nem duvidou que Snape fosse capaz de ministrá-la furtivamente. Conteve um tremor ao pensar no que poderia sair sem querer de sua boca se tomasse a poção... Sem falar que deixaria um bocado de gente em apuros — Hermione e Dobby, para começar —, havia ainda todo o resto que ele estava escondendo... Como o fato de estar em contato com Sirius... E — suas entranhas reviraram só de pensar — seus sentimentos por Cho... O garoto acrescentou as raízes de gengibre ao caldeirão e se perguntou se deveria, se guiar pela cartilha de Moody e começar a beber apenas de um frasco de bolso só seu. Houve uma batida na porta da masmorra. — Entre — disse Snape, com a sua voz habitual. A turma olhou quando a porta se abriu. O Professor Karkaroff entrou. Todos o observaram se dirigir à escrivaninha de Snape. Estava enrolando o dedo na barbicha outra vez e parecia agitado. — Precisamos conversar — disse Karkaroff abruptamente, ao chegar perto de Snape. Parecia tão decidido a não deixar ninguém ouvir o que estava dizendo que mal abria a boca, era como se fosse um ventríloquo medíocre. Harry manteve os olhos nas raízes de gengibre, mas apurou os ouvidos. — Falarei com você quando terminar a aula, Karkaroff. — murmurou Snape, mas o colega o interrompeu. — Quero falar agora, que você não pode fugir, Severo. Você tem me evitado. — Depois da aula — retrucou Snape com rispidez. Sob o pretexto de erguer uma xícara graduada e ver se medira suficiente bile de tatu, Harry arriscou um olhar de esguelha para os dois. Karkaroff parecia extremamente preocupado e Snape, aborrecido. Karkaroff ficou rondando atrás da escrivaninha de Snape durante o resto da aula. Parecia decidido a impedir que o colega escapulisse no fim da aula. Interessado em ouvir o que Karkaroff queria dizer, Harry derrubou intencionalmente um frasco de bile de tatu dois minutos antes de tocar a sineta, o que lhe deu uma desculpa para se agachar atrás do caldeirão e limpar o chão, enquanto o restante da turma se deslocava ruidosamente para a porta. — Que é que é tão urgente assim? — o garoto ouviu Snape sibilar para Karkaroff. — Isto — disse Karkaroff, e Harry, espiando por cima do caldeirão, viu o bruxo levantar a manga esquerda das vestes e mostrar a Snape alguma coisa do lado interno do antebraço. — Então? — disse Karkaroff, ainda fazendo esforço para não mexer a boca. — Está vendo? Nunca esteve tão nítida assim, nunca desde... — Cubra isso! — rosnou Snape, seus olhos negros percorrendo a sala. — Mas você deve ter reparado — começou Karkaroff com a voz agitada. — Podemos conversar mais tarde, Karkaroff — vociferou Snape. — Potter! Que é que você está fazendo? — Limpando a minha bile de tatu, professor — disse o garoto inocentemente, se erguendo e mostrando o trapo encharcado que tinha nas mãos. Karkaroff deu meia-volta e saiu da masmorra. Parecia ao mesmo tempo preocupado e aborrecido. Não querendo ficar sozinho com um Snape excepcionalmente raivoso, Harry atirou os livros e os ingredientes para dentro da mochila e saiu bem depressinha para contar a Rony e Hermione o que acabara de presenciar. Os três saíram do castelo ao meio-dia no dia seguinte e depararam com um jardim iluminado por um sol fraco. O tempo estava mais ameno do que estivera o ano inteiro e na altura em que chegaram a Hogsmeade os garotos já haviam despido as capas e jogado-as sobre os ombros. A comida que Sirius pedira para eles trazerem ia na mochila de Harry; tinham surrupiado uma dúzia de coxas de galinha, uma fôrma de pão e uma garrafa de suco de abóbora da mesa do almoço. Foram até a Trapo Belo Moda Mágica comprar um presente para Dobby, onde se divertiram escolhendo as meias mais espalhafatosas que conseguiram encontrar, inclusive um par com estrelas douradas e prateadas que piscavam, e outro que berrava quando ficava fedorento demais. Então, à uma e meia eles subiram a rua Principal, passaram a Dervixes & Bangues e saíram em direção aos arredores do povoado. Harry nunca fora para aqueles lados antes. A estradinha serpeante os levou para os campos sem cultivo em torno de Hogsmeade. As casas ficavam mais espaçadas ali e os jardins maiores, os garotos caminhavam em direção ao morro a cuja sombra se situava Hogsmeade. Então fizeram uma curva e viram a escada no fim da estradinha. À espera deles, as patas dianteiras apoiadas no degrau mais alto, havia um enorme cão preto, que segurava alguns jornais na boca e parecia bastante familiar... — Olá, Sirius — disse Harry, quando chegaram mais perto. O cachorro farejou, ansioso, a mochila de Harry, abanou uma vez o rabo, depois deu as costas e começou a se afastar atravessando o mato ralo que subia ao encontro do sopé rochoso do morro. Os garotos subiram os degraus e seguiram o cachorro. Sirius levou-os exatamente para o sopé do morro, onde o terreno era coberto de pedras e pedregulhos. Era fácil para ele com suas quatro patas, mas os garotos logo ficaram sem fôlego. Continuaram a acompanhar Sirius, que começou a subir o morro propriamente dito. Durante quase meia hora escalaram uma trilha íngreme, serpeante e pedregosa, atrás de Sirius que abanava o rabo, suando ao sol, as tiras da mochila de Harry cortando os ombros do garoto. Então, finalmente, Sirius desapareceu de vista, e quando eles chegaram ao lugar em que ele desaparecera, viram uma fenda estreita na rocha. Espremeram-se por ela e se viram em uma caverna fresca e fracamente iluminada. Preso a um canto, uma ponta da corda passada em volta de um pedregulho, estava Bicuço, o hipogrifo. Metade cavalo cinzento, metade enorme águia, os olhos ferozes e alaranjados do animal brilharam ao ver os visitantes. Os três fizeram uma profunda reverência para Bicuço que, depois de fitá-los, imperiosamente, por um momento, dobrou o joelho escamoso e permitiu que Hermione corresse para acariciar o seu pescoço coberto de penas. Harry, porém, observava o cachorro preto que acabara de se transformar em seu padrinho. Sirius estava usando vestes cinzentas rasgadas; as mesmas que usava quando deixara Azkaban. Os cabelos negros estavam mais compridos do que da última vez que aparecera na lareira, e novamente malcuidados e embaraçados. Parecia muito magro. — Galinha! — exclamou, rouco, depois de tirar os exemplares do Profeta Diário da boca e atirá-los ao chão da caverna. Harry abriu depressa a mochila e lhe entregou o embrulho de coxas de galinha e pão. — Obrigado — disse Sirius, abrindo-o, agarrando uma coxa, sentando-se no chão da caverna e cortando um bom pedaço com os dentes. — Quase que só tenho comido ratos. Não posso roubar muita comida de Hogsmeade; chamaria atenção para mim. Ele sorriu para Harry, mas o garoto relutou a retribuir o sorriso. — Que é que você está fazendo aqui, Sirius? — perguntou. — Cumprindo minhas obrigações de padrinho — disse Sirius, mordendo o osso de galinha de um jeito muito canino. — Não se preocupe comigo, estou fingindo ser um adorável cão vadio. Ele ainda sorria, mas, ao ver a ansiedade no rosto de Harry, continuou com mais seriedade: — Quero estar em cima do lance. A sua última carta... Bem, digamos que as coisas estão começando a cheirar pior. E tenho roubado jornais todas as vezes que alguém joga um fora e, pelo que parece, eu não sou o único que está ficando preocupado. Ele indicou com a cabeça os exemplares amarelados do Profeta Diário no chão da caverna, e Rony apanhou uns e abriu-os. Harry, no entanto, continuou a encarar o padrinho. — E se eles pegarem você? E se virem você? — Vocês três e Dumbledore são os únicos por aqui que sabem que eu sou um animago — disse Sirius sacudindo os ombros e continuando a devorar a galinha. Rony cutucou Harry e lhe passou os exemplares do Profeta Diário. Havia dois, o primeiro tinha a manchete Doença misteriosa de Bartolomeu Crouch, e o segundo, Bruxa do Ministério continua desaparecida — o Ministério da Magia agora está pessoalmente envolvido. Harry correu os olhos pelo artigo sobre Crouch. Frases soltas destacaram-se sob seus olhos: Não é visto em público desde novembro... casa parece deserta...O Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos não quer comentar... Ministério se recusa a confirmar os boatos sobre doença grave... — Estão fazendo parecer que ele está morrendo — disse Harry lentamente. — Mas não deve estar se conseguiu vir até aqui... — Meu irmão é assistente pessoal de Crouch — informou Rony a Sirius. — Ele diz que o cara está sofrendo de estresse. — Veja bem, ele realmente parecia doente na última vez que eu o vi de perto — disse Harry devagar, ainda lendo o artigo. — Na noite que o meu nome foi escolhido pelo Cálice... — Está recebendo o que merecia por despedir Winky, não? — comentou Hermione friamente. Ela acariciava Bicuço, que mastigava os ossos de galinha deixados por Sirius. — Aposto como gostaria de não ter feito isso, aposto como sente a diferença agora que ela não está mais lá para cuidar dele. — Mione está obcecada por elfos domésticos — murmurou Rony para Sirius, lançando à garota um olhar aborrecido. Sirius, no entanto, pareceu interessado. — Crouch despediu o elfo doméstico dele? — Despediu na Copa Mundial de Quadribol — disse Harry e começou a contar a história do aparecimento da Marca Negra, de Winky ter sido encontrada com a varinha de Harry na mão e da fúria do Sr. Crouch. Quando Harry terminou, Sirius se levantou novamente e começou a andar para cima e para baixo na caverna. — Deixe-me entender isso direito — disse ele depois de algum tempo, brandindo mais uma coxa de galinha. — Primeiro você viu o elfo no camarote de honra. Estava guardando um lugar para Crouch, certo? — Certo — disseram Harry, Rony e Hermione juntos. — Mas Crouch não apareceu para assistir ao jogo? — Não — confirmou Harry. — Acho que ele disse que esteve ocupado demais. Sirius deu outra volta na caverna em silêncio. Então disse: — Harry, você procurou sua varinha nos bolsos depois que deixou o camarote de honra? — Hum... — Harry se concentrou. — Não — respondeu finalmente. — Não precisei usá-la até chegarmos à floresta. Então meti a mão no bolso e só encontrei o meu onióculo. — Ele olhou para Sirius. — Você está dizendo que quem conjurou a Marca furtou minha varinha no camarote de honra? — É possível — disse Sirius. — Winky não furtou a varinha! — protestou Hermione com voz aguda. — O elfo não era o único ocupante do camarote — disse Sirius, enrugando a testa e continuando a andar. — Quem mais estava sentado atrás de você? — Um monte de gente — respondeu Harry. — Uns ministros búlgaros... Cornélio Fudge... Os Malfoy... — Os Malfoy! — exclamou Rony subitamente, tão alto que sua voz ecoou pelas paredes da caverna o que fez Bicuço agitar a cabeça nervosamente. — Aposto como foi o Lúcio Malfoy! — Mais alguém? — perguntou Sirius. — Não. — Ah, sim, tinha o Ludo Bagman — lembrou Hermione a Harry. — Ah, foi... — Não sei nada sobre o Bagman, exceto que costumava bater para os Wimbourne Wasps — disse Sirius, ainda andando. — Que tal é ele? — OK. — disse Harry. — Fica o tempo todo se oferecendo para me ajudar no Torneio Tribruxo. — Fica, é? — perguntou Sirius, aprofundando as rugas na testa. — Por que será que ele faria isso? — Disse que se afeiçoou a mim. — Hum — murmurou Sirius pensativo. — Nós o vimos na floresta pouco antes da Marca Negra aparecer — contou Hermione a Sirius. — Vocês lembram? — perguntou ela a Harry e Rony. — Lembramos, mas ele não ficou na floresta, não foi? — disse Rony. — Assim que falamos do tumulto, ele saiu para o acampamento. — Como é que você sabe? — disparou Hermione. — Como é que você sabe para onde foi que ele desaparatou? — Pode parar — disse Rony incrédulo —, você está dizendo que acha que Ludo Bagman conjurou a Marca Negra? — É mais provável que ele tenha feito isso do que Winky — retrucou a menina teimosamente. — Eu lhe disse — falou Rony dando um olhar significativo para Sirius —, eu lhe disse que ela está obcecada por elfos... Mas Sirius ergueu a mão para calar Rony. — Depois que a Marca Negra foi conjurada e o elfo descoberto segurando a varinha de Harry, que foi que o Crouch fez? — Foi procurar no meio das moitas — disse Harry —, mas não havia mais ninguém lá. — Claro — murmurou Sirius andando para cima e para baixo —, claro, ele teria querido pôr a culpa em qualquer um menos no próprio elfo... E então o despediu? — Foi — disse Hermione num tom acalorado —, despediu, só porque ela não tinha ficado na barraca esperando ser pisoteada... — Hermione, será que você pode dar um tempo com esse elfo? — pediu Rony. Mas Sirius balançou a cabeça e disse; — Ela avaliou Crouch melhor do que você, Rony. Se você quer saber como um homem é veja como ele trata os inferiores, e não os seus iguais. O bruxo passou a mão pelo rosto barbudo, evidentemente se concentrando. — Todas essas ausências de Bartô Crouch... Ele se dá ao trabalho de garantir que seu elfo guarde um lugar para ele na Copa Mundial de Quadribol, mas não se importa de ir assistir. Ele trabalha com afinco para restabelecer o Torneio Tribruxo, e em seguida pára de comparecer também... Isto não se parece nada com o Crouch. Se ele alguma vez tiver faltado ao trabalho por causa de doença, eu como o Bicuço. — Você conhece o Crouch, então? — perguntou Harry. O rosto de Sirius ficou sombrio. Inesperadamente pareceu tão ameaçador quanto na noite em que Harry o viu pela primeira vez, quando o garoto ainda acreditava que o padrinho fosse um assassino. — Ah, eu conheço Crouch, sim — disse ele em voz baixa. — Foi quem deu a ordem para me mandar para Azkaban, sem julgamento. — Quê?— exclamaram Rony e Hermione juntos. — Você está brincando! — disse Harry. — Não, não estou — respondeu Sirius, enchendo a boca de galinha. — Crouch costumava ser chefe do Departamento de Execução das Leis da Magia, vocês não sabiam? Harry, Rony e Hermione balançaram as cabeças. — Previa-se que ele fosse o próximo Ministro da Magia. Ele é um grande bruxo, Bartô Crouch, de grande poder mágico, e de grande fome de poder. Ah, nunca foi partidário de Voldemort — acrescentou, ao ver a expressão no rosto de Harry. — Não, Bartô Crouch sempre foi abertamente contra o partido das trevas. Mas, por outro lado, muita gente que era contra o lado das trevas... Bem, vocês não entenderiam... São muito jovens... — Foi isso que papai me disse na Copa Mundial — disse Rony, com um quê de irritação na voz. — Experimente nos contar. Um sorriso perpassou o rosto magro de Sirius. — Está bem, vou experimentar... Ele andou até um lado da caverna, voltou e então disse: — Imaginem que Voldemort detivesse o poder agora. Vocês não sabem quem são os partidários dele, não sabem quem está e quem não está trabalhando para ele, vocês sabem que ele é capaz de controlar as pessoas para que façam coisas terríveis sem conseguir se conter. Vocês próprios estão apavorados, suas famílias e amigos, também. Toda semana vocês têm notícias de mais mortes, mais desaparecimentos, mais torturas... O Ministério da Magia está desestruturado, não sabe o que fazer, tenta ocultar dos trouxas o que está acontecendo, mas nesse meio tempo os trouxas estão morrendo também. Terror por toda parte... Pânico... Confusão... Era assim que costumava ser. — Bem, tempos assim fazem vir à tona o que alguns têm de melhor e o que outros têm de pior. Os princípios de Crouch podem ter sido bons no início, eu não saberia dizer. Ele subiu rapidamente no Ministério e começou a mandar executar medidas muito severas contra os partidários de Voldemort. Os aurores receberam novos poderes, para matar em vez de capturar, por exemplo. E eu não fui o único a ser entregue diretamente aos dementadores sem julgamento. Crouch combateu violência com violência e autorizou o uso das Maldições Imperdoáveis contra os suspeitos. Eu diria que ele se tornou tão impiedoso e cruel quanto muitos do lado das trevas. Ele tinha os seus partidários, me entendam, muita gente achava que ele estava tratando o problema corretamente, e havia bruxas e bruxos exigindo que ele assumisse o Ministério da Magia. — Quando Voldemort sumiu, pareceu que era apenas uma questão de tempo para Crouch assumir o posto maior no Ministério. Mas então aconteceu uma infelicidade... — Sirius sorriu amargurado. — O único filho de Crouch foi apanhado com um grupo de Comensais da Morte que tinham conseguido sair de Azkaban contando uma boa história. Aparentemente pretendiam encontrar Voldemort para reconduzi-lo ao poder. — O filho de Crouch foi apanhado? — exclamou Hermione. — Foi — disse Sirius, atirando o osso de galinha para Bicuço, e voltando a se sentar ao lado da fôrma de pão, que ele cortou ao meio. — Imagino que tenha sido um choque e tanto para o velho Bartô. Deveria ter passado mais tempo em casa com a família, não acham? Deveria ter saído do escritório mais cedo um dia... Procurado conhecer o filho. Sirius começou a devorar grandes bocados de pão. — O filho dele era mesmo um Comensal da Morte? — perguntou Harry. — Não faço idéia — respondeu o padrinho, enfiando mais pão na boca. — Eu próprio estava em Azkaban quando o trouxeram. Descobri a maior parte do que estou contando depois que saí. O rapaz foi sem a menor dúvida apanhado em companhia de gente que, posso apostar minha vida, era Comensal da Morte, mas ele talvez estivesse no lugar errado na hora errada, como esse elfo doméstico. — Crouch tentou e conseguiu livrar o filho? — sussurrou Hermione. Sirius deu uma risada que pareceu muito mais um latido. — Crouch livrou o filho? Achei que você o tinha avaliado corretamente, Hermione. Qualquer coisa que ameaçasse manchar a reputação dele precisava ser afastada, ele dedicou a vida inteira a chegar a Ministro da Magia. Vocês viram ele dispensar um dedicado elfo doméstico porque o associou com a Marca Negra, isso não diz a vocês que tipo de pessoa ele é? O máximo a que sua afeição paternal chegou foi dar ao filho um julgamento e, é voz geral, que isso não passou de uma desculpa para Crouch mostrar como detestava o rapaz... depois mandou-o direto para Azkaban. — Ele entregou o próprio filho aos dementadores? — perguntou Harry em voz baixa. — Isso mesmo — disse Sirius e ele não parecia estar achando graça alguma então. — Eu vi os dementadores trazerem o rapaz preso, observei-os pelas grades da porta da minha cela. Não devia ter mais de dezenove anos. Foi encarcerado em uma cela perto da minha. Ao cair da noite ele já estava gritando pela mãe. Mas, depois de alguns dias, se calou... No fim todos se calam... Exceto quando gritam durante o sono... Por um momento, a expressão mortiça nos olhos de Sirius se tornou mais acentuada que nunca, como se as janelas tivessem se fechado por trás deles. — Então ele ainda está em Azkaban? — perguntou Harry. — Não — disse Sirius sem emoção. — Não, ele não está mais lá. Morreu um ano depois de o levarem para lá. — Morreu? — Ele não foi o único — disse Sirius com amargura. — A maioria enlouquece lá, e muitos param de comer quando se aproximam do fim. Perdem a vontade de viver. A gente sempre sabia quando a morte estava próxima, porque os dementadores pressentiam e ficavam excitados. O rapaz tinha um ar bem doentio quando chegou. — Por ser um importante funcionário do Ministério, Crouch e a mulher receberam permissão para visitá-lo no leito de morte. Foi a última vez que vi Bartô Crouch, meio que carregando a mulher ao passar no corredor diante da minha cela. Parece que ela também morreu pouco depois. Tristeza. Definhou como o filho. Crouch nunca foi buscar o corpo do rapaz. Os dementadores o enterraram do lado de fora da fortaleza, eu fiquei assistindo. Sirius pôs de lado o pão que acabara de levar à boca e, em lugar disso, apanhou a garrafa de suco de abóbora e a esvaziou. — Então o velho Crouch perdeu tudo, quando achou que chegara ao topo — continuou ele, limpando a boca com as costas da mão. — Num momento, um herói, pronto a se tornar Ministro da Magia... No momento seguinte, o filho morto, a mulher morta, o nome da família desonrado e, pelo que ouvi desde que fugi, uma grande queda na popularidade. Depois que o rapaz morreu, as pessoas começaram a sentir um pouco mais de simpatia por ele, e começaram a indagar como é que um rapaz de boa família tinha entortado daquele jeito. A conclusão foi de que o pai nunca se preocupara muito com ele. Então Cornélio Fudge ganhou o lugar de ministro e Crouch foi deslocado para o Departamento de Cooperação Internacional em Magia. Houve um longo silêncio. Harry ficou pensando no jeito com que os olhos de Crouch tinham saltado quando ele encarou o elfo desobediente lá na floresta, no final da Copa Mundial de Quadribol. Isto então devia ter sido a razão da reação exagerada de Crouch ao saber que Winky fora encontrada embaixo da Marca Negra. A cena lhe trouxera lembranças do filho, do antigo escândalo e de sua queda no Ministério. — Moody diz que Crouch é obcecado por caçar bruxos das trevas — disse Harry a Sirius. — É, ouvi falar que se tornou uma espécie de mania nele — disse Sirius concordando com a cabeça. — Se você quer saber a minha opinião, ele ainda acha que pode recuperar a antiga popularidade capturando mais um Comensal da Morte. — E ele veio escondido a Hogwarts para revistar a sala de Snape! — exclamou Rony com ar de triunfo, olhando para Hermione. — É, e isso não faz o menor sentido — disse Sirius. — Claro que faz! — disse Rony excitado. Mas Sirius balançou a cabeça. — Escute aqui, se Crouch quisesse investigar Snape, por que então não tem ido julgar o torneio? Seria a desculpa ideal para fazer visitas regulares à escola e ficar de olho em Snape. — Então você acha que Snape pode estar aprontando alguma? — perguntou Harry, mas Hermione os interrompeu. — Olhem, eu não acredito no que vocês estão dizendo, Dumbledore confia em Snape... — Ah, corta essa, Hermione — disse Rony impaciente. — Eu sei que Dumbledore é genial e tudo o mais, mas isto não significa que um bruxo das trevas realmente inteligente não possa enganar ele... — Por que foi, então, que Snape salvou a vida de Harry no primeiro ano? Por que simplesmente não o deixou morrer? — Não sei, vai ver pensou que Dumbledore lhe daria um chute... — Que é que você acha Sirius? — perguntou Harry em voz alta, e Rony e Hermione pararam de discutir para escutar. — Acho que os dois têm uma certa razão — disse Sirius, olhando pensativo para Rony e Hermione. — Desde que descobri que Snape estava ensinando na escola, tenho pensado por que Dumbledore o contratou. Snape sempre foi fascinado pelas artes das trevas, era famoso por isso na escola. Um garoto esquivo, seboso, os cabelos gordurosos — acrescentou Sirius, e Harry e Rony se entreolharam rindo. — Snape conhecia mais feitiços quando chegou na escola do que metade dos garotos do sétimo ano e fazia parte de uma turma da Sonserina, que, na maioria, acabou virando Comensal da Morte. Sirius ergueu a mão e começou a contar nos dedos. — Rosier e Wilkes, os dois foram mortos por aurores um ano antes da queda de Voldemort. Os Lestranges se casaram, estão em Azkaban. Avery pelo que ouvi dizer livrou a cara dizendo que tinha agido sob o efeito da Maldição Imperius, continua solto. Mas até onde sei, Snape nunca foi acusado de ser Comensal da Morte, não que isto signifique grande coisa. Muitos deles jamais foram presos. E Snape certamente é muito inteligente e astuto para conseguir ficar de fora. — Snape conhece Karkaroff muito bem, mas não quer divulgar isso — disse Rony. — É, você devia ver a cara de Snape quando Karkaroff apareceu na aula de Poções ontem! — disse Harry depressa. — Karkaroff queria falar com Snape, disse que o professor andava evitando ele. Karkaroff parecia realmente preocupado. Mostrou a Snape alguma coisa no braço, mas não pude ver o que era. — Ele mostrou a Snape alguma coisa no braço? — exclamou Sirius, parecendo sinceramente espantado. Passou os dedos, distraído, pelos cabelos imundos, depois encolheu os ombros. — Bem, não faço idéia do que possa ser... Mas se Karkaroff está genuinamente preocupado, procurou Snape para obter respostas... Sirius ficou olhando para a parede da caverna, depois fez uma careta de frustração. — Mas ainda temos o fato de que Dumbledore confia em Snape, sei que Dumbledore confia no que muita gente não confiaria, mas não consigo vê-lo deixando Snape ensinar em Hogwarts se algum dia tivesse trabalhado para Voldemort. — Então por que Moody e Crouch estão tão interessados em entrar na sala de Snape? — insistiu Rony. — Bem — respondeu Sirius lentamente —, eu não duvidaria que Olho-Tonto tivesse revistado as salas de todos os professores quando chegou em Hogwarts. Ele leva a sério a Defesa contra as Artes das Trevas. Não tenho certeza de que ele confie em alguém, e depois das coisas que tem visto, isto não é surpresa. Mas vou dizer uma coisa a favor do Moody, ele nunca matou ninguém se pudesse evitar. Sempre capturou as pessoas vivas, quando era possível. Ele é durão, mas nunca desceu ao nível dos Comensais da Morte. Já Crouch é outra conversa... Ele está mesmo doente? Se está, por que fez o esforço de se arrastar até o escritório de Snape? E se não está... O que é que ele anda tramando? Que é que ele estava fazendo de tão importante durante a Copa Mundial que não apareceu no camarote de honra? Que é que ele está fazendo enquanto devia estar julgando o torneio? Sirius caiu em silêncio, ainda fitando a parede da caverna. Bicuço fuçava o chão empedrado à procura de ossos que pudesse ter deixado passar. Finalmente Sirius ergueu os olhos para Rony. — Você disse que seu irmão é assistente pessoal do Crouch? Você tem jeito de perguntar se ele tem visto Crouch ultimamente? — Posso tentar — disse Rony em dúvida. — Mas é melhor não parecer que desconfio que Crouch esteja fazendo alguma coisa escondido. Percy adora Crouch. — E poderia, ao mesmo tempo, tentar descobrir se encontraram alguma pista da Berta Jorkins — disse Sirius, apontando para o segundo exemplar do Profeta Diário. — Bagman me disse que não tinham — informou Harry. — É, ele é citado no artigo do Profeta. Alardeando que a memória de Berta é bem ruizinha. Bem, talvez ela tenha mudado desde que eu a conheci, mas a Berta que conheci não era nada desmemoriada, muito ao contrário. Era um pouco obtusa, mas tinha uma excelente memória para fofocas. Isso costumava metê-la em muita confusão, nunca sabia quando ficar de boca calada. Posso entender que representasse um certo risco para o Ministério da Magia... Talvez tenha sido por isso que Bagman não se importou de procurar por ela tanto tempo... Sirius deu um enorme suspiro e esfregou os olhos contornados de sombras escuras. — Que horas são? Harry consultou o relógio, então se lembrou de que não estava funcionando desde que passara uma hora dentro do lago. — São três e meia — informou Hermione. — É melhor vocês voltarem para a escola — disse Sirius, se levantando. — Agora, escutem aqui... — E olhou mais insistentemente para Harry. — Não quero vocês saindo escondidos da escola para me ver, certo? Me mandem bilhetes para cá. Continuo querendo saber de qualquer coisa estranha. Mas vocês não devem sair de Hogwarts sem permissão, seria uma oportunidade ideal para alguém atacá-los. — Até agora ninguém tentou me atacar, exceto o dragão e uns dois grindylows — disse Harry. Mas Sirius amarrou a cara para ele. — Não quero saber... Vou respirar outra vez em paz quando esse torneio terminar, o que não vai acontecer até junho. E não se esqueçam, se estiverem falando de mim entre vocês, me chamem de Snuffles, OK? Ele devolveu a Harry a garrafa e o guardanapo vazios e foi dar uma palmadinha de despedida em Bicuço. — Acompanho vocês até a entrada do povoado — disse Sirius —, vou ver se consigo catar mais um jornal. Ele se transformou no enorme cão preto antes de deixarem a caverna, e juntos desceram a encosta do morro, atravessaram o terreno pedregoso e voltaram à escada. Ali ele deixou cada um dos garotos lhe acariciar a cabeça e, em seguida, virou as costas e saiu correndo pela periferia do povoado. Harry, Rony e Hermione voltaram para Hogsmeade e dali para Hogwarts. — Será que o Percy conhece toda essa história sobre o Crouch? — comentou Rony quando subiam a estrada do castelo. — Mas vai ver ele não se importa... Provavelmente ia admirar o Crouch ainda mais. É, o Percy adora regulamentos. Ia dizer que o Crouch se recusou a infringir os regulamentos em favor do próprio filho. — Percy não atiraria nenhuma pessoa da família dele aos dementadores — disse Hermione com severidade. — Não sei, não — respondeu Rony. — Se achasse que estávamos atrapalhando a carreira dele... Percy é realmente ambicioso, sabem... Eles subiram os degraus de pedra e entraram no saguão do castelo, onde vieram ao seu encontro os cheiros gostosos do jantar no Salão Principal. — Coitado do velho Snuffles — disse Rony inspirando profundamente. — Ele deve realmente gostar de você, Harry... Imagine ter que comer ratos para sobreviver. CAPÍTULO VINTE E OITO A Loucura do Sr. Crouch No domingo, Harry, Rony e Hermione subiram ao corujal depois do café da manhã, para enviar uma carta a Percy, perguntando, conforme Sirius sugerira, se ele tinha visto o Sr. Crouch ultimamente. Usaram Edwiges, porque fazia muito tempo que ela não recebia uma tarefa. Depois que a viram desaparecer no horizonte pela janela do corujal, desceram à cozinha para dar a Dobby as meias novas. Os elfos domésticos receberam os garotos com grande alegria, fazendo mesuras e reverências e se apressando em preparar um chá. Dobby ficou extasiado com o presente. — Harry Potter é bom demais para Dobby! — guinchou ele, secando as grossas lágrimas que marejavam seus olhos enormes. — Você salvou minha vida com aquele guelricho, Dobby, verdade — disse Harry. — Alguma chance de terem sobrado bombas de creme? — perguntou Rony, olhando para os elfos sorridentes e cheios de mesuras. — Você acabou de tomar café! — exclamou Hermione irritada, mas uma grande travessa de prata contendo bombas de creme já vinha voando na direção do garoto, trazida por quatro elfos. — Devíamos arranjar alguma coisa para mandar a Snuffles — murmurou Harry. — Boa idéia — aprovou Rony. — Dar a Píchi o que fazer. Vocês poderiam nos dar um pouco mais de comida? — perguntou Rony aos elfos que os rodeavam, e eles se inclinaram prazerosamente e correram a apanhar alguma coisa. — Dobby, onde está Winky? — perguntou Hermione, olhando para os lados. — Winky está ali adiante junto ao fogo, senhorita — respondeu Dobby em voz baixa, suas orelhas caindo ligeiramente. — Essa, não! — exclamou Hermione ao localizar Winky. Harry também olhou para o fogo. Winky estava sentada no mesmo banquinho que da última vez, mas ficara tão imunda que não se conseguia distingui-la imediatamente dos tijolos enegrecidos de fumaça atrás dela. Suas roupas estavam rasgadas e sujas. Segurava uma garrafa de cerveja amanteigada e cambaleava um pouco no banquinho, olhando fixamente para as chamas do fogão. Enquanto eles a observavam, ela soltou um imenso soluço. — Winky está entornando seis garrafas por dia agora — Dobby cochichou a Harry. — Bem, não é uma bebida muito forte — ponderou Harry. Mas Dobby sacudiu a cabeça. — É forte para um elfo doméstico, meu senhor. Winky soltou outro soluço. Os elfos que tinham trazido as bombas de creme lançaram a ela um olhar de censura antes de voltarem aos seus afazeres. — Winky está definhando, Harry Potter — disse Dobby tristemente. — Winky quer ir para casa. Winky ainda acha que o Sr. Crouch é o amo dela, meu senhor, e nada que Dobby diga consegue convencer ela de que o Professor Dumbledore é o novo amo da gente. — Oi, Winky — disse Harry, tomado de súbita inspiração, indo até o fogão e se abaixando para falar com ela —, você por acaso saberia me dizer o que é que o Sr. Crouch pode estar fazendo? Porque ele parou de aparecer para julgar o Torneio Tribruxo. Os olhos de Winky pestanejaram. Suas enormes pupilas focalizaram Harry. Ela cambaleou ligeiramente e perguntou: — M-meu amo parou, hic, de vir? — Foi — confirmou Harry —, não o vemos desde a primeira tarefa. O Profeta Diário diz que ele está doente. Winky balançou mais um pouco, encarando Harry com os olhos baços. — M-meu amo, hic, doente? O lábio inferior do elfo começou a tremer. — Mas não temos certeza de que seja verdade — acrescentou Hermione depressa. — Meu amo está precisando da, hic, Winky dele! — choramingou o elfo. — Meu amo não, hic, sabe, hic, se cuidar sozinho... — Outras pessoas conseguem fazer o trabalho de casa sozinhas, sabe, Winky — lembrou Hermione com severidade. — Winky, hic, não faz só, hic, trabalho de casa para o Sr. Crouch! — guinchou Winky indignada, cambaleando mais que nunca e derramando cerveja amanteigada na blusa já bastante suja. — Meu amo, hic, confiou a Winky, hic, o segredo dele, hic, mais importante, o mais secreto... — Quê? — exclamou Harry. Mas Winky sacudiu a cabeça com força, derramando mais cerveja amanteigada pela roupa. — Winky guarda, hic, os segredos do amo dela — disse com rebeldia, oscilando fortemente para os lados agora, franzindo a testa para Harry com os olhos vesgos. — Você está, hic, bisbilhotando, está sim. — Winky não deve falar assim com Harry Potter! — disse Dobby aborrecido. — Harry Potter é corajoso e nobre e Harry Potter não é bisbilhoteiro! — Ele está metendo o nariz, hic, nos segredos e particulares, hic, do meu amo, hic, Winky é um bom elfo doméstico, hic, Winky fica calada, hic, gente querendo, hic, tirar informações, hic... — As pálpebras de Winky se fecharam e, de repente, sem aviso, ela escorregou do banquinho e caiu no fogão, roncando alto. A garrafa vazia de cerveja amanteigada rolou pelo chão lajeado. Meia dúzia de elfos domésticos se adiantaram correndo, com ar de repugnância. Um deles apanhou a garrafa, os outros cobriram Winky com uma grande toalha xadrez de mesa e prenderam os lados e pontas por baixo do corpo para escondê-la de vista. — A gente lamenta que os senhores e a senhorita tenham que assistir a isso! — guinchou um elfo próximo, balançando a cabeça e parecendo muito envergonhado. — A gente espera que os senhores não julguem a gente pela Winky! — Ela está infeliz! — exclamou Hermione exasperada. — Por que vocês não tentam animar Winky em vez de a esconder? — Me perdoa, senhorita — disse um elfo fazendo uma grande reverência —, mas elfos domésticos não têm o direito de ficar infelizes quando têm trabalho a fazer e amos para servir. — Ora, francamente! — exclamou Hermione enraivecida. — Escutem aqui, vocês todos! Vocês têm tanto direito de se sentir infelizes quanto os bruxos! Vocês têm direito a salário, férias e roupas decentes, não têm que fazer tudo o que mandam, olhem só o Dobby! — Senhorita, por favor, deixa o Dobby fora disso — murmurou o elfo, com uma expressão amedrontada. Os sorrisos alegres desapareceram dos rostos dos elfos na cozinha. De repente fitaram Hermione como se ela fosse louca e perigosa. — A gente separou a comida extra! — guinchou um elfo ao cotovelo de Harry empurrando um grande presunto, uma dúzia de bolos e umas frutas nos braços do garoto. — Tchau. Os elfos domésticos se aglomeraram ao redor de Harry, Rony e Hermione e começaram a levar os garotos lentamente para fora da cozinha, muitas mãozinhas os empurraram pela cintura. — Obrigado pelas meias, Harry Potter! — gritou Dobby desalentado lá do fogão, onde se achava parado ao lado da toalha que cobria as formas de Winky. — Você não podia ter ficado calada, não é, Mione? — exclamou Rony enraivecido quando a porta da cozinha se fechou às costas deles. — Agora eles não vão querer receber visitas nossas! Poderíamos ter tentado extrair de Winky mais alguma coisa sobre o Crouch! — Ah, como se você se importasse com isso! — desdenhou Hermione. — Você só gosta de vir aqui embaixo para comer! Foi um dia meio irritante depois disso. Harry ficou tão cansado de Rony e Hermione se agredirem durante o dever de casa, na sala comunal, que, naquela noite, levou sozinho a comida de Sirius para o corujal. Pichitinho era demasiado pequeno para transportar sozinho um presunto inteiro até a montanha, por isso Harry recrutou a ajuda de mais duas corujas-das-torres. Quando o grupo de aves saiu pelo crepúsculo, parecendo esquisitíssimo com aquele enorme pacote entre elas, Harry se apoiou no parapeito da janela para contemplar os jardins ao anoitecer, as copas farfalhantes das árvores da Floresta Proibida, as velas enfunadas no navio de Durmstrang. Um mocho atravessou a serpentina de fumaça que saía da chaminé de Hagrid, voou em direção ao castelo, contornou o corujal e desapareceu de vista. Olhando para baixo, Harry viu Hagrid cavando energicamente a terra diante de sua cabana. E se perguntou o que o amigo estaria fazendo, parecia estar preparando mais um canteiro de hortaliças. Enquanto ele observava, Madame Máxime saiu da carruagem da Beauxbatons e se dirigiu a Hagrid. Pelo jeito estava tentando puxar conversa. Hagrid se apoiou na pá, mas não pareceu estar muito interessado em prolongar o diálogo, porque a bruxa voltou à carruagem pouco depois. Sem vontade de voltar à Torre da Grifinória e ouvir Rony e Hermione rosnarem um para o outro, o garoto ficou observando Hagrid cavar até a escuridão engoli-lo e as corujas ao seu redor começarem a acordar, passarem por ele e desaparecerem na noite. No dia seguinte, à hora do café da manhã, o mau humor de Rony e Hermione já se desgastara e, para alívio de Harry, as previsões sombrias de Rony de que os elfos domésticos mandariam comida de qualidade abaixo do normal para a mesa da Grifinória, porque Hermione os ofendera, se provaram falsas, o bacon com ovos e o peixe defumado estavam bons como sempre. Quando o correio-coruja chegou, Hermione ergueu os olhos, ansiosa; parecia estar à espera de alguma coisa. — Ainda não deu tempo para Percy responder — disse Rony. — Só despachamos a Edwiges ontem. — Não, não é isso — falou Hermione. — Fiz outra nova assinatura do Profeta Diário, estou cheia de descobrir o que acontece pela boca da turma da Sonserina. — Bem pensado! — exclamou Harry, também erguendo os olhos para as corujas. — Ei, Mione acho que você está com sorte... — Uma coruja cinzenta vinha descendo em direção à garota. — Mas ela não está trazendo nenhum jornal — comentou Hermione, com ar de desapontamento. — Mas para seu espanto, a coruja cinzenta pousou diante do seu prato acompanhada de perto por mais quatro corujas de igreja, uma coruja parda e uma avermelhada. — Quantas assinaturas você fez? — perguntou Harry agarrando a taça de Hermione antes que ela fosse derrubada pelo ajuntamento de corujas, todas se empurrando para chegar mais perto e entregar as cartas que traziam primeiro. — Que diabo...? — exclamou Hermione, tirando a carta da coruja cinzenta e abrindo a para ler. — Ora francamente! — disse ela com veemência, corando. — Que é? — perguntou Rony. — É, ora que ridículo... — A garota empurrou a carta para Harry, que observou que não era manuscrita, mas composta por letras aparentemente recortadas do Profeta Diário. “Você não PresTA. HaRRy PottEr meREce umA gaRotA melhoR Volte paRa o seu lugAR trOUxa”. — São todas iguais! — exclamou Hermione desesperada, abrindo uma carta atrás da outra. "Harry Potter pode arranjar uma namorada melhor do que alguém da sua laia...” "Você merece ser cozida com ovas de rã..." — Ai! Hermione abrira o último envelope e um líquido verde-amarelado, que cheirava fortemente a gasolina, derramou-se em suas mãos, fazendo irromper nelas grandes tumores amarelos. — Pus de bubotúbera puro! — disse Rony, apanhando, desajeitado, o envelope e cheirando-o. — Ai! — exclamou Hermione, as lágrimas enchendo seus olhos quando tentou limpar as mãos em um guardanapo, mas seus dedos agora estavam tão cobertos de feridas dolorosas que ela parecia até estar usando um par de grossas luvas com bolotas. — É melhor você ir depressa à ala hospitalar — disse Harry, quando as corujas ao redor da amiga levantaram vôo — diremos à Professora Sprout aonde é que você foi... — Eu avisei a ela! — disse Rony quando Hermione saiu correndo do Salão Principal aninhando as mãos no colo. — Avisei a ela para não aborrecer Rita Skeeter! Olhe só esta aqui... — Ele leu uma das cartas que Hermione tinha deixado para trás. "Li no Semanário das Bruxas como você está enganando o Harry Potter, um garoto que já teve uma vida bastante atribulada, por isso no próximo correio vou lhe mandar um feitiço, é só eu encontrar um envelope suficientemente grande.” — Caracas, é melhor ela se cuidar! Hermione não apareceu na aula de Herbologia. Quando Harry e Rony deixaram a estufa para a aula de Trato das Criaturas Mágicas, viram Malfoy, Crabbe e Goyle descendo os degraus da entrada do castelo. Pansy Parkinson cochichava e ria atrás deles com a turminha de garotas da Sonserina. Ao avistar Harry, ela gritou: — Potter, você já brigou com a sua namorada? Por que ela estava tão perturbada no café da manhã? Harry ignorou-a, não queria dar a Pansy a satisfação de saber quanto mal o artigo do Semanário das Bruxas causara. Hagrid, que avisara na aula anterior que haviam terminado com os unicórnios, estava aguardando os alunos à frente da cabana, com um estoque recém-chegado de caixotes, abertos aos seus pés. O ânimo de Harry afundou ao avistar os caixotes — com certeza não era outra ninhada de explosivins? —, mas quando se aproximou o suficiente para ver dentro, deparou com uma quantidade de bichos peludos e negros com longos focinhos. As patas dianteiras eram curiosamente chatas como pás, e eles erguiam os olhos piscando para a classe, parecendo educadamente intrigados com toda aquela atenção. — São pelúcios — anunciou Hagrid, quando a turma se agrupou ao seu redor. — São encontrados principalmente em minas. Gostam de coisas brilhantes... aí vêm eles, olhem. Um dos bichos tinha saltado repentinamente e tentado arrancar o relógio de ouro de Pansy Parkinson do pulso. Ela gritou e deu um pulo para trás. — São bastante úteis para procurar pequenos tesouros — disse Hagrid satisfeito. — Achei que podíamos nos divertir com eles hoje. Estão vendo ali adiante? — Ele apontou para um terreno em que a terra fora recentemente revolvida e que Harry o vira preparar da janela do corujal. — Enterrei ali algumas moedas de ouro. Tenho um prêmio para quem apanhar o pelúcio que encontrar mais moedas. Guardem as coisas valiosas que estiverem usando, escolham um bicho e se preparem para soltá-lo. Harry tirou o relógio que ele continuava usando só por hábito, porque não funcionava mais, e enfiou-o no bolso. Depois apanhou um pelúcio. O bicho enfiou o longo focinho na orelha de Harry e cheirou-a entusiasmado. Era realmente muito fofo. — Esperem um instante — disse Hagrid olhando para dentro do caixote —, tem um pelúcio sobrando aqui... Quem está faltando? Onde está Hermione? — Ela precisou ir à ala hospitalar — informou Rony. — A gente explica mais tarde — murmurou Harry; Pansy Parkinson estava escutando. Foi sem dúvida a maior diversão que já tinham tido em Trato das Criaturas Mágicas. Os pelúcios entravam e saiam da terra como se fossem água, cada qual correndo de volta ao aluno que o soltara e cuspindo ouro em suas mãos. O de Rony foi particularmente eficiente, não tardou a encher seu colo de moedas. — Pode se comprar um desses como bicho de estimação, Hagrid? — perguntou o garoto excitado, quando o pelúcio dele tornou a mergulhar no solo sujando suas vestes de lama. — Sua mãe não iria ficar feliz, Rony — disse Hagrid sorrindo —, eles destroem uma casa, esses pelúcios. Calculo que agora eles já encontraram tudo que enterrei — acrescentou, andando pelo terreno, enquanto os bichos continuavam a mergulhar. — Só enterrei cem moedas. Ah, aí está você, Hermione! A garota vinha atravessando o gramado em direção à turma. Tinha as mãos enfaixadas e parecia bem infeliz. Pansy Parkinson a observou com desconfiança. — Bem, vamos verificar como foi que vocês se saíram! — disse Hagrid. — Contem suas moedas! E não adianta tentar roubar nenhuma, Goyle — acrescentou ele, estreitando os olhos negros de besouro. — É ouro de duende irlandês, de leprechaun. Desaparece depois de algumas horas. Goyle esvaziou os bolsos, emburradissimo. O resultado final foi que o pelúcio de Rony tinha sido o mais bem-sucedido, então Hagrid entregou ao garoto o prêmio: uma enorme barra de chocolate da Dedosdemel. A sineta ecoou pelos jardins anunciando o almoço, o restante da turma saiu em direção ao castelo, mas Harry, Rony e Hermione ficaram para ajudar Hagrid a guardar os pelúcios nos caixotes. Harry notou que Madame Maxime os observava da janela da carruagem. — Que foi que você fez com as suas mãos, Mione? — perguntou Hagrid, com o ar preocupado. A garota lhe contou sobre as cartas anônimas que recebera àquela manhã e sobre o envelope cheio de pus de bubotúberas. — Aaah, não se preocupe — disse Hagrid brandamente, fitando-a. — Recebo cartas assim desde que a Rita escreveu sobre minha mãe. "Você é um monstro e devia ser morto." "Sua mãe matou gente inocente e se você tivesse alguma decência se atiraria no lago.” — Não! — exclamou Hermione chocada. — Sim! — respondeu Hagrid, erguendo os caixotes de pelúcios para guardá-los junto à parede da cabana. — É gente que não bate bem, Mione. Não abra mais cartas quando as receber. Jogue todas direto na lareira. — Você perdeu uma aula realmente boa — comentou Harry com Hermione quando regressavam ao castelo. — São legais, os pelúcios, não são Rony? Rony, porém, estava franzindo a testa para o chocolate dado por Hagrid. Parecia absolutamente desapontado com alguma coisa. — Que foi? — perguntou Harry. — Sabor errado? — Não — disse Rony com rispidez. — Por que você não me falou do ouro? — Que ouro? — perguntou Harry. — O ouro que lhe dei na Copa Mundial de Quadribol — disse Rony. — O ouro de leprechaun que lhe paguei pelos meus onióculos. No camarote de honra. Por que você não me contou que ele desapareceu? Harry teve que pensar um instante para entender do que é que Rony estava falando. — Ah... — disse, quando finalmente se lembrou. — Não sei... Nunca reparei que tinha desaparecido. Eu estava mais preocupado com a minha varinha, não era? Os três subiram os degraus para o saguão de entrada e foram para o Salão Principal almoçar. — Deve ser legal — falou Rony abruptamente, depois que se sentaram e começaram a se servir de rosbife e pudim de Yorkshire, massa assada embaixo de carne sangrenta. — Ter tanto dinheiro que nem se repara que os galeões guardados no bolso desapareceram. — Escuta aqui, eu tinha outras preocupações na cabeça aquela noite! — retrucou Harry com impaciência. — Todos tínhamos, lembra? — Eu não sabia que ouro de leprechaun desaparecia — murmurou Rony. — Achei que estava lhe pagando. Você não devia ter me dado aquele boné do Chudley Cannon no Natal. — Esquece isso, tá? — disse Harry. Rony espetou uma batata assada com o garfo e ficou olhando para ela. Depois disse: — Detesto ser pobre. Harry e Hermione se entreolharam. Nenhum dos dois sabia realmente o que dizer. — É uma droga — disse Rony, ainda encarando a batata. — Não posso culpar o Fred e o Jorge por tentarem ganhar um dinheirinho extra. Gostaria de saber fazer o mesmo. Gostaria de ter um pelúcio. — Bem, então já sabemos o que comprar para você no próximo Natal — disse Hermione animada. Mas vendo que o amigo continuava chateado, acrescentou: — Vamos Rony, podia ser pior. Pelo menos os seus dedos não estão cheios de pus. — Hermione estava encontrando muita dificuldade para usar os talheres, de tão inchados e duros que seus dedos estavam. — Odeio aquela Skeeter! — explodiu a garota com raiva. — Vou me vingar dela nem que seja a última coisa que eu faça! As cartas anônimas continuaram a chegar para Hermione nas semanas seguintes e, embora ela tivesse seguido o conselho de Hagrid e parado de abri-las, vários remetentes odiosos mandaram berradores, que explodiam à mesa da Grifinória gritando-lhe ofensas que o salão inteiro podia ouvir. Até as pessoas que não liam o Semanário das Bruxas agora sabiam tudo sobre o suposto triângulo Harry-Krum-Hermione. Harry estava ficando farto de explicar a todo mundo que Hermione não era sua namorada. — Mas isso vai passar — disse ele à amiga —, é só a gente ignorar... As pessoas já acharam um tédio o último artigo que ela escreveu sobre mim... — Quero saber como é que ela está conseguindo escutar conversas particulares se supostamente foi banida dos terrenos da escola! — disse Hermione zangada. Ela continuou na sala quando terminou a aula seguinte de Defesa contra as Artes das Trevas para fazer uma pergunta ao Professor Moody. O restante da turma estava ansioso para sair, o professor lhes dera uma prova tão difícil sobre deflexão de feitiços que alguns alunos estavam cuidando de pequenos ferimentos. Harry teve um caso grave de Comichão nas Orelhas e precisou tampá-las com as mãos ao sair da sala. — Bem, decididamente Rita não está usando uma Capa da Invisibilidade! — ofegou Hermione ao alcançar Harry e Rony cinco minutos mais tarde, no saguão de entrada, e puxar a mão de Harry para afastá-la de uma orelha que se contorcia sozinha, para que o garoto pudesse ouvi-la. — Moody disse que não viu Skeeter nas proximidades da mesa dos juizes no dia da segunda tarefa, nem em lugar algum perto do lago! — Hermione, será que adianta lhe dizer para deixar isso para lá? — perguntou Rony. — Não! — exclamou a garota teimosamente. — Quero saber como foi que ela me ouviu falando com o Vítor! E como foi que ela descobriu a história da mãe de Hagrid! — Talvez ela tenha posto um grampo em você — disse Harry. — Um grampo? — perguntou Rony sem entender. — O quê... pôs um prendedor no cabelo dela ou outra coisa assim? Harry começou a explicar os microfones escondidos e os equipamentos de gravação. Rony ficou fascinado, mas Hermione os interrompeu. — Será que vocês nunca vão ler “Hogwarts: Uma História”? — Para quê? — respondeu Rony. — Você conhece o livro de cor, é só a gente lhe perguntar. — Todas as alternativas para a magia que os trouxas usam, eletricidade, computadores, radar, etc., entram em pane perto de Hogwarts, tem magia demais no ar. Não, Rita está usando magia para escutar conversas, se eu ao menos conseguisse descobrir o que é... Aah, se for ilegal, eu pego ela... — Será que a gente já não tem bastante preocupação? — perguntou Rony à amiga. — Temos que começar também uma vendeta contra a Rita? — Não estou pedindo a você para ajudar! — retrucou Hermione. — Vou fazer isso sozinha! E subiu a escadaria de mármore sem sequer olhar para trás. Harry tinha certeza absoluta de que ela estava indo à biblioteca. — Quer apostar que ela volta com uma caixa cheia de distintivos “Odeio Rita Skeeter!”? Hermione, porém, não pediu a Harry e Rony para ajudá-la a se vingar de Rita Skeeter, pelo que os dois ficaram muito gratos, porque a carga de deveres dos garotos aumentou muito nos dias que antecederam as férias da Páscoa. Harry ficou maravilhado que Hermione pudesse pesquisar métodos mágicos para a pessoa escutar sem ser vista e ainda dar conta de todas as tarefas que tinha que fazer. Ele mesmo estava trabalhando sem descanso só para conseguir terminar todos os deveres, embora fizesse questão de mandar, regularmente, pacotes de comida para a caverna de Sirius, no morro, depois das férias de verão Harry ainda não esquecera o que era ficar continuamente esfomeado. Incluía neles bilhetes a Sirius informando que não acontecera nada de extraordinário e que continuavam aguardando uma resposta de Percy. Edwiges só voltou no fim das férias da Páscoa. A carta de Percy veio acompanhando um pacote de ovos de Páscoa enviado pela Sra. Weasley. Os de Harry e Rony eram do tamanho de ovos de dragão e cheios de caramelos caseiros. O de Hermione, porém, era menor do que um ovo de galinha. A garota ficou desapontada ao recebê-lo. — Por acaso sua mãe lê o Semanário das Bruxas, Rony? — perguntou ela baixinho. — Lê — disse Rony, que tinha a boca cheia de caramelos. — Tem assinatura por causa das receitas de comida. Hermione ficou olhando tristemente o ovinho recebido. — Não quer ver o que Percy escreveu? — perguntou Harry a ela, depressa. A carta de Percy era curta e irritada. “Conforme canso de dizer ao Profeta Diário, o Sr. Crouch está tirando um merecido descanso. Ele me manda, regularmente, corujas trazendo instruções. Não, na realidade não o tenho visto, mas acho que podem acreditar que conheço a caligrafia do meu superior. Tenho muito que fazer no momento, sem precisar estar desmentindo esses boatos ridículos. Por favor, não me incomodem mais a não ser que seja para alguma coisa importante. Feliz Páscoa”. O início do trimestre de verão normalmente significava que Harry estaria treinando com vontade para a última partida de Quadribol da temporada. Este ano, porém, era para a terceira e última tarefa do Torneio Tribruxo que ele precisava se preparar, mas o garoto ainda não sabia qual ia ser. Finalmente, na última semana de maio, a Professora McGonagall o reteve depois da aula de Transformação. — Você deve ir ao campo de Quadribol hoje à noite, às nove horas, Potter –disse ela. — O Sr. Bagman vai estar lá para falar aos campeões sobre a terceira tarefa. Então, às oito e meia da noite, Harry deixou Rony e Hermione na Torre da Grifinória e desceu a escada. Quando atravessou o saguão de entrada, Cedrico vinha subindo da sala comunal da Corvinal. — Que é que você acha que vai ser? — perguntou ele a Harry, quando desciam juntos os degraus para o jardim e para a noite nebulosa. — Fleur não pára de falar em túneis subterrâneos, acha que vamos ter que encontrar um tesouro. — Isso não seria nada mau — comentou Harry, pensando que bastaria pedir a Hagrid um pelúcio para realizar sua tarefa. Eles caminharam pelos gramados escuros até o estádio de Quadribol, atravessaram uma abertura sob as arquibancadas e saíram no campo. — Que foi que fizeram com o campo? — exclamou Cedrico indignado, parando de chofre. O campo de Quadribol deixara de ser plano e liso. Parecia que alguém andara construindo por todo ele muretas longas, que seguiam em meandros e o cruzavam em todas as direções. — São sebes! — exclamou Harry, se curvando para examinar a mais próxima. — Alô, vocês aí! — gritou uma voz animada. Ludo Bagman estava parado no meio do campo em companhia de Krum e Fleur. Harry e Cedrico procuraram chegar até o grupo, saltando por cima das sebes. Fleur abriu um grande sorriso para Harry quando ele se aproximou. Sua atitude para com o garoto mudara completamente desde que ele tirara sua irmã do lago. — Bem, que é que vocês acham? — perguntou Bagman alegre, quando Harry e Cedrico transpuseram a última sebe. — Estão crescendo bem, não? Dêem mais um mês e Hagrid vai fazê-las alcançar cinco metros de altura. Não se preocupem — acrescentou ele ao ver as expressões pouco satisfeitas no rosto de Harry e Cedrico —, vocês vão ter o seu campo de Quadribol normal depois que terminarem a tarefa! Agora, imagino que podem adivinhar o que estamos fazendo aqui? Ninguém falou por um momento. Depois... — Labirinto — resmungou Krum. — Acertou! — disse Bagman. — Um labirinto. A terceira tarefa na realidade é muito simples. A taça do Torneio Tribruxo será colocada no centro do labirinto. O primeiro campeão que puser a mão nela recebe a nota máxima. — Temes samplement que atravessar o labirinto? — perguntou Fleur. — Haverá obstáculos — disse Bagman alegremente, balançando-se sobre a sola dos pés. — Hagrid está providenciando algumas criaturas... E haverá também feitiços que vocês precisarão desfazer... Essas coisas que vocês já conhecem. Agora, os campeões que estão liderando a contagem de pontos entrarão primeiro no labirinto. — Bagman sorriu para Harry e Cedrico. — Depois entrará o Sr. Krum... Depois a Srta. Delacour. Mas todos terão a mesma possibilidade de vencer, dependendo da perícia com que superarem os obstáculos. Será divertido, não acham? Harry, que sabia muito bem que tipo de criaturas Hagrid iria arranjar para um evento de tal porte, achou muito improvável que fosse divertido. Contudo, concordou educadamente com a cabeça, como os demais campeões. — Muito bem... Se não tiverem nenhuma pergunta a fazer, vamos voltar para o castelo, está meio frio... Bagman apressou-se a caminhar ao lado de Harry quando começaram a deixar o labirinto em crescimento. O garoto teve a impressão de que o bruxo ia começar a oferecer ajuda novamente, mas nesse instante, Krum bateu em seu ombro. — Posso falarr com focê? — Claro que sim — disse Harry ligeiramente surpreso. — Focê pode andarr um pouco comigo? — OK. — disse o garoto curioso. Bagman pareceu ligeiramente perturbado. — Esperarei por você, Harry, está bem? — Não, está tudo OK, Sr. Bagman — disse Harry contendo um sorriso. — Acho que posso encontrar o caminho para o castelo sozinho, obrigado. Harry e Krum saíram juntos do estádio, mas Krum não tomou o rumo do navio de Durmstrang. Em vez disso, dirigiu-se à Floresta. — Para que estamos indo nesta direção? — perguntou Harry, ao passarem pela cabana de Hagrid e a carruagem iluminada da Beauxbatons. — Non querro que me ouçam — disse o rapaz secamente. Quando finalmente chegaram a um trecho sossegado, a poucos passos do picadeiro dos cavalos da Beauxbatons, Krum parou à sombra de um grupo de árvores e se virou para encarar Harry. — Querro saberr — disse ele amarrando a cara — que é que há entre focê e Hermi-ô-nini. Harry, que pela maneira sigilosa de Krum esperara algo muito mais sério que aquilo, ergueu os olhos para Krum, admirado. — Nada — disse ele. Mas Krum amarrou a cara, e Harry, mais uma vez admirado com o tamanho de Krum, explicou melhor. — Somos amigos. Ela não é minha namorada nem nunca foi. Aquela tal da Skeeter está inventando coisas. — Hermi-ô-nini fala muito de focê — disse Krum, olhando desconfiado para Harry. — Claro, porque somos amigos. Ele não estava conseguindo acreditar muito bem que estivesse tendo aquela conversa com Vítor Krum, o famoso jogador internacional de Quadribol. Era como se o Krum, com seus dezoito anos, achasse que ele, Harry, fosse seu igual, um rival de verdade... — Focê nunca... focê non... — Não — disse Harry com firmeza. Krum pareceu um pouco mais feliz. Fitou Harry durante alguns segundos, depois disse: — Focê foa muito bem. Fiquei assistindo a você durante a primeira tarefa. — Obrigado — disse Harry com um grande sorriso, se sentindo subitamente muito maior. — Vi você na Copa Mundial de Quadribol. Naquela Finta de Wronski, você realmente... Mas alguma coisa se mexeu às costas de Krum, entre as árvores, e Harry, que tinha alguma experiência com coisas que rondam a Floresta, instintivamente agarrou Krum pelo braço e o puxou para um lado. — Que foi? Harry balançou a cabeça, examinando com atenção o lugar em que percebera o movimento. Meteu a mão dentro das vestes à procura da varinha. No momento seguinte um homem saiu cambaleando de trás de um alto carvalho. Por um instante Harry não o reconheceu... Depois percebeu que era o Sr. Crouch. Tinha a aparência de quem estava viajando há dias. Os joelhos de suas vestes estavam rasgados e ensangüentados, seu rosto estava arranhado e ele, barbudo e cinzento de exaustão. Os cabelos e bigodes sempre impecáveis estavam precisando de um xampu e de um corte. Sua estranha aparência, porém, não era nada comparada à maneira com que estava agindo. Resmungava e gesticulava, parecia estar falando com alguém que somente ele conseguia ver. Lembrava a Harry vividamente um velho vagabundo que o garoto vira quando fora às compras com os Dursley. O tal homem também conversava, alterado, com o vento, tia Petúnia agarrara Duda pela mão e o arrastara para o outro lado da rua para evitar o homem, tio Válter então brindara a família com um longo discurso sobre o que gostaria de fazer com mendigos e vagabundos. — Ele non erra um dos juizes? — perguntou Krum de olhos arregalados para o Sr. Crouch. — Non é do seu ministérrio? Harry confirmou com um aceno de cabeça, hesitou por um instante, depois se dirigiu lentamente ao Sr. Crouch, que não olhou para ele, mas continuou a falar com uma árvore próxima: — ... E depois que fizer isso, Weatherby, mande uma coruja a Dumbledore confirmando o número de estudantes de Durmstrang que virão ao torneio, Karkaroff acabou de mandar uma mensagem dizendo que serão doze... — Sr. Crouch? — chamou Harry cautelosamente. — ... E depois mande outra coruja à Madame Maxime, porque ela talvez queira aumentar o número de estudantes que vai trazer, agora que Karkaroff arredondou para uma dúzia... Faça isso, Weatherby, por favor? Por favor? Por... — Os olhos do Sr. Crouch estavam saltados. Ele continuou encarando a árvore, resmungando silenciosamente para ela. Então, cambaleou para os lados e caiu de joelhos. — Sr. Crouch? — chamou Harry em voz alta. — O senhor está bem? Os olhos de Crouch reviravam nas órbitas. Harry olhou para os lados procurando Krum, que o seguira até as árvores e olhava para Crouch assustado. — Que é que ele tem? — Não faço idéia — murmurou Harry. — Escuta aqui, é melhor você ir buscar alguém... — Dumbledore! — arquejou o Sr. Crouch. Ele esticou a mão e agarrou com firmeza as vestes de Harry e arrastou-o para perto, embora seus olhos estivessem olhando por cima da cabeça de Harry. — Preciso... Ver... Dumbledore. — OK — disse Harry —, se o senhor se levantar, Sr. Crouch, podemos ir até... — Fiz... Uma... Idiotice... — murmurou o Sr. Crouch. Parecia completamente demente. Revirava os olhos esbugalhados e um fio de saliva escorria pelo seu queixo. Cada palavra que ele dizia parecia custar um esforço terrível. — Preciso... Falar... Dumbledore... — Levante, Sr. Crouch — disse Harry em alto e bom som. — Levante e eu levo o senhor a Dumbledore! Os olhos de Crouch giraram focalizando Harry. — Quem é você? — sussurrou o bruxo. — Sou aluno da escola — disse Harry, olhando para Krum à procura de ajuda, mas o outro mantinha-se um pouco afastado, parecendo extremamente nervoso. — Você não é... Dele? — sussurrou Crouch, deixando o queixo cair. — Não — respondeu Harry, sem ter a menor idéia do que Crouch estava falando. — De Dumbledore? — Isso mesmo — disse Harry. Crouch puxou o garoto mais para perto, Harry tentou soltar a mão do bruxo que agarrava suas vestes, mas ele era demasiado forte. — Avise... Dumbledore... — Vou buscar Dumbledore se o senhor me largar — disse Harry. — Me largue Sr. Crouch, e eu vou buscar o diretor... — Obrigado, Weatherby, e quando você terminar isso, eu gostaria de tomar uma xícara de chá. Minha mulher e meu filho vão chegar daqui a pouco, vamos assistir a um concerto hoje à noite com o Sr. e a Sra. Fudge. — Crouch voltara a falar fluentemente com a árvore e parecia completamente despercebido da presença de Harry, o que surpreendeu o garoto de tal modo que ele nem reparou que Crouch o soltara. — Meu filho recentemente obteve doze N.O.M.’s com boas notas, obrigado, claro, realmente muito orgulhosos. Agora se você puder me trazer aquele memorando do Ministério da Magia de Andorra, acho que terei tempo de preparar uma resposta... — Você fica aqui com ele! — disse Harry a Krum. — Eu vou buscar Dumbledore, faço isso mais rápido, sei onde é o escritório dele... — Ele está doido — disse Krum hesitante, olhando para Crouch, que ainda tagarelava com a árvore, aparentemente convencido de que falava com Percy. — Só precisa ficar aqui com ele — falou Harry começando a se levantar, mas seu movimento pareceu disparar outra mudança súbita no Sr. Crouch, que o agarrou com força pelos joelhos e o puxou de volta ao chão. — Não... Me... Deixe! — sussurrou ele, os olhos se esbugalhando outra vez. — Eu... Fugi... Preciso avisar... Preciso contar... Ver Dumbledore... Minha culpa... Tudo minha culpa... Berta... Morta... Tudo minha culpa... Meu filho... Minha culpa... Diga a Dumbledore... Harry Potter... O Lord das Trevas... Mais forte... Harry Potter... — Vou buscar Dumbledore se o senhor me deixar ir, Sr. Crouch! — disse Harry. Ele olhou indignado para Krum. — Quer me ajudar, por favor? Com um ar extremamente apreensivo, Krum se adiantou e se acocorou ao lado do Sr. Crouch. — Não deixa ele sair daqui — disse Harry se desvencilhando do Sr. Crouch. — Eu volto com Dumbledore. — Non demorre, por favorr — Krum gritou quando Harry se afastou correndo da Floresta e já ia subindo os gramados na escuridão. Estavam desertos, Bagman, Cedrico e Fleur haviam desaparecido. Harry galgou aos saltos os degraus da entrada, passou pelas portas de carvalho e continuou pela escadaria de mármore acima em direção ao segundo andar. Cinco minutos depois precipitava-se em direção a uma gárgula de pedra que ficava no meio de um corredor vazio. — Sorvete de limão!— ofegou ele. Essa era a senha para a escada oculta que levava ao escritório de Dumbledore, ou pelo menos tinha sido dois anos atrás. Porém, a senha evidentemente mudara, porque a gárgula de pedra não criou vida nem saltou para o lado, mas continuou imóvel encarando Harry com malevolência. — Mexa-se! — Harry gritou para o ornamento. — Anda! Mas nada em Hogwarts jamais se mexia só porque alguém mandava, ele sabia que não adiantava. Olhou para um lado e outro do corredor. Quem sabe Dumbledore estaria na sala dos professores? Ele começou a correr o mais rápido que pôde em direção à escada... — POTTER! Harry parou derrapando e olhou para trás. Snape acabara de emergir da escada oculta atrás da gárgula de pedra. A parede ia outra vez se fechando atrás dele, na hora exata em que mandou Harry voltar. — Que é que você está fazendo aqui, Potter? — Preciso ver o Professor Dumbledore! — disse Harry, correndo de volta, e novamente derrapando até parar diante de Snape. — É o Sr. Crouch... Ele acabou de aparecer... Está na Floresta... Está pedindo... — Que tolice é essa? — exclamou Snape, seus olhos negros faiscando. — Do que é que você está falando? — O Sr. Crouch — gritou Harry. — Do Ministério! Ele está doente ou outra coisa qualquer, está na Floresta, quer ver Dumbledore! Me diga qual é a senha para entrar... — O diretor está ocupado, Potter — informou Snape, sua boca fina se crispando num sorriso desagradável. — Tenho que informar a Dumbledore! — berrou Harry. — Você não escutou o que eu disse, Potter? Harry podia perceber que Snape estava se divertindo intensamente em recusar o que ele queria ao vê-lo em pânico. — Olhe — disse Harry com raiva —, Crouch não está bem... Ele está... Ele está delirando... Diz que precisa prevenir... A parede de pedra às costas de Snape se abriu. Dumbledore surgiu à entrada, trajando longas vestes verdes e tinha uma expressão de curiosidade no rosto. — Algum problema? — perguntou ele, olhando de Harry para Snape. — Professor! — disse Harry, dando um passo para o lado antes que Snape pudesse responder. — O Sr. Crouch está aqui, está lá na floresta, diz que quer falar com o senhor! Harry esperava que Dumbledore fizesse perguntas, mas, para seu alívio, ele não fez nada disso. — Leve-me até lá — disse o diretor prontamente, e saiu para o corredor acompanhando Harry e deixando Snape parado ao lado da gárgula com uma cara duas vezes mais feia. — Que foi que o Sr. Crouch disse, Harry? — perguntou Dumbledore enquanto desciam apressados a escadaria de mármore. — Disse que quer prevenir o senhor... Disse que fez uma coisa horrível... Mencionou o filho... E Berta Jorkins... E... E Voldemort... Alguma coisa sobre Voldemort estar ficando mais forte... — De fato — disse Dumbledore e apertou o passo quando saíram para a escuridão de breu. — Ele não está agindo normalmente — disse Harry correndo ao lado de Dumbledore. — Parece que não sabe onde está. Fala o tempo todo como se achasse que Percy Weasley está lá e depois muda e diz que precisa ver o senhor. Deixei-o com Vítor Krum. — Deixou? — exclamou Dumbledore com severidade e começou a dar passadas ainda maiores, de modo que Harry precisou correr para acompanhá-lo. — Você sabe se mais alguém viu o Sr. Crouch? — Não — respondeu Harry. — Krum e eu estávamos conversando, o Sr. Bagman tinha acabado de nos falar sobre a terceira tarefa, ficamos para trás e então vimos o Sr. Crouch saindo da Floresta... — Onde é que eles estão? — perguntou Dumbledore ao ver a carruagem da Beauxbatons emergir da escuridão. — Ali na frente — disse Harry adiantando-se ao diretor Dumbledore e mostrando o caminho entre as árvores. Ele não ouvia mais a voz de Crouch, mas sabia onde estava indo, não era muito além da carruagem... Em algum lugar por aqui... — Vítor? — chamou Harry. Ninguém respondeu. — Deixei os dois aqui — disse Harry a Dumbledore. — Decididamente estavam em algum lugar por aqui... — Lumus — ordenou Dumbledore, acendendo sua varinha e erguendo-a. O feixe fino de luz se deslocou de um tronco a outro, iluminando o chão. Então recaiu sobre dois pés. Harry e Dumbledore acorreram. Krum estava estatelado no chão da Floresta. Parecia ter perdido os sentidos. Não havia nem sinal do Sr. Crouch. Dumbledore se curvou para Krum e gentilmente ergueu uma de suas pálpebras. — Estuporado — comentou baixinho. Seus oclinhos de meia-lua cintilaram à luz da varinha quando ele examinou as árvores que os rodeavam. — O senhor quer que eu vá buscar alguém? — perguntou Harry. — Madame Pomfrey? — Não — disse Dumbledore na mesma hora. — Fique aqui. O diretor ergueu a varinha e apontou-a para a cabana de Hagrid. Harry viu-a disparar uma coisa prateada que voou entre as árvores como um pássaro fantasmagórico. Então Dumbledore tornou a se curvar para Krum, apontou a varinha para o rapaz e murmurou: — Enervate. Krum abriu os olhos. Parecia atordoado. Quando viu Dumbledore, tentou se sentar, mas o diretor pousou a mão no ombro dele e o fez continuar deitado. — Ele me atacou! — murmurou Krum, levando a mão à cabeça. — O velho doido me atacou! Eu estava olhando parra os lados parra verr onde Potterr tinha ido e ele me atacou pelas costas! — Fique deitado um pouco — mandou Dumbledore. Um reboar de fortes passadas chegou aos ouvidos do grupo e Hagrid apareceu ofegante com Canino nos calcanhares. Trazia o arco. — Professor Dumbledore! — disse ele arregalando os olhos. — Harry que dia...? — Hagrid, preciso que você vá buscar o Professor Karkaroff — disse Dumbledore. — O aluno dele foi atacado. Quando terminar, por favor, alerte o Professor Moody... — Não é necessário, Dumbledore — ouviu-se um rosnado asmático —, já estou aqui. — Moody vinha mancando em direção a eles, apoiado na bengala, a varinha acesa. — Porcaria de perna — reclamou furioso. — Teria chegado mais rápido... Que foi que houve? Snape me disse alguma coisa sobre Crouch... — Crouch? — repetiu Hagrid sem entender. — Karkaroff, por favor, Hagrid! — disse Dumbledore energicamente. — Ah, sim... Certo, professor... — disse Hagrid e, dando as costas, desapareceu entre as árvores escuras, Canino trotando ao seu lado. — Não sei aonde foi parar Bartô Crouch — disse Dumbledore a Moody —, mas é essencial que o encontremos. — Já estou indo — rosnou Moody e, puxando a varinha, saiu coxeando pela Floresta. Nem Dumbledore nem Harry tornaram a falar até ouvirem os sons inconfundíveis de Hagrid e Canino voltando. Karkaroff seguia apressado atrás deles. Usava suas elegantes peles prateadas e parecia pálido e agitado. — Que é isso? — exclamou, quando viu Krum no chão, e Dumbledore e Harry ao lado do rapaz. — Que é que está acontecendo? — Fui atacado! — informou Krum, agora se sentando e esfregando a cabeça. — O Sr. Crrouch ou que nome tenha... — Crouch o atacou? Crouch atacou você? O juiz do Tribruxo? — Igor — começou a falar Dumbledore, mas Karkaroff se erguera puxando as peles para perto do corpo, o rosto lívido. — Traição! — urrou ele apontando para Dumbledore. — É uma conspiração! Você e o seu Ministro da Magia me atraíram até aqui sob falsos pretextos, Dumbledore! Isto não é uma competição honesta! Primeiro você sorrateiramente inscreve Potter no torneio, embora ele seja menor de idade! Agora um dos seus amigos do Ministério tenta pôr o meu campeão fora de ação! Estou farejando falsidade e corrupção nesse torneio todo e você, Dumbledore, você, com a sua conversa de estreitar os vínculos entre os bruxos estrangeiros, de refazer velhos laços, de esquecer as velhas diferenças, isto é o que penso de você! Karkaroff cuspiu no chão aos pés de Dumbledore. Com um movimento rápido, Hagrid agarrou o bruxo pela gola das peles, ergueu-o no ar e empurrou-o contra uma árvore próxima. — Peça desculpas! — rosnou Hagrid, enquanto Karkaroff tentava respirar com aquele punho maciço em sua garganta, seus pés balançando no ar. — Hagrid, não! — gritou Dumbledore com os olhos faiscando. Hagrid soltou a mão que prendia Karkaroff contra a árvore, o bruxo escorregou pelo tronco e desmontou numa massa informe aos seus pés, alguns gravetos caíram em sua cabeça. — Tenha a bondade de acompanhar Harry até o castelo, Hagrid — disse Dumbledore energicamente. Respirando ruidosamente, Hagrid lançou a Karkaroff um olhar carrancudo. — Talvez seja melhor eu ficar aqui, diretor... — Você vai levar Harry de volta ao castelo, Hagrid — repetiu Dumbledore com firmeza. — Leve-o diretamente à Torre da Grifinória. E Harry, quero que fique lá. Qualquer coisa que queira fazer, corujas que queira despachar, pode esperar até de manhã, está me entendendo bem? — Hum, sim, senhor — aquiesceu Harry, com os olhos no diretor. Como Dumbledore soubera que naquele exato momento ele estava pensando em mandar Pichitinho direto a Sirius para lhe contar o que acontecera? — Vou deixar Canino com o senhor, diretor — disse Hagrid, ainda olhando ameaçadoramente para Karkaroff, que continuava caído ao pé da árvore enredado em peles e raízes. — Parado, Canino. Vamos, Harry. Eles passaram em silêncio pela carruagem da Beauxbatons e subiram em direção ao castelo. — Como é que ele se atreve — rosnou Hagrid, quando margeavam o lago. — Como é que ele se atreve a acusar Dumbledore. Como se Dumbledore fosse capaz de uma coisa dessas. Como se Dumbledore quisesse que você participasse do torneio, para começar. Preocupado! Não me lembro de ter visto Dumbledore mais preocupado do que tem estado ultimamente. E você! — disse Hagrid voltando-se zangado para Harry, que ergueu os olhos para ele, espantado. — Que é que você estava fazendo andando por aí com esse desgraçado do Krum? Ele é aluno de Durmstrang, Harry! Podia ter azarado você ali mesmo, não podia? Será que Moody não lhe ensinou nada? Imagina deixar ele afastar você dos outros... — Krum é legal! — interrompeu-o Harry, quando subiam os degraus para o saguão de entrada. — Ele não estava tentando me azarar, só queria conversar comigo sobre a Mione... — Eu é que vou ter uma conversinha com ela — falou Hagrid mal-humorado, subindo os degraus com estrondo. — Quanto menos vocês tiverem contato com esses estrangeiros, melhor vão ficar. Não se pode confiar em nenhum deles. — Você parece que está se dando muito bem com a Madame Maxime — respondeu Harry, aborrecido. — Não fale dela comigo! — disse Hagrid, e naquele instante parecia assustador. — Agora já sei quem ela é! Tentando voltar às minhas boas graças para eu contar a ela qual vai ser a terceira tarefa. Ah! Não se pode confiar em nenhum deles! Hagrid estava tão mal-humorado que Harry ficou feliz de se despedir dele diante do quadro da Mulher Gorda. Passou pelo buraco do retrato, desembocando na sala comunal e correu direto para o canto em que Rony e Hermione estavam sentados, para narrar aos dois o que acontecera. CAPÍTULO VINTE E NOVE O Sonho — A coisa se resume no seguinte — disse Hermione esfregando a testa —, ou o Sr. Crouch atacou Vítor ou outra pessoa atacou os dois, quando Vítor não estava olhando. — Deve ter sido o Crouch — disse Rony na mesma hora. — por isso que ele já tinha desaparecido quando Harry e Dumbledore chegaram lá. Deu no pé. — Acho que não — disse Harry balançando a cabeça. — Ele parecia realmente fraco, acho que não tinha forças para desaparatar nem nada. — Ninguém pode desaparatar nas terras de Hogwarts, já não disse isso a vocês um montão de vezes? — reclamou Hermione. — OK.... Então que tal esta outra teoria — propôs Rony excitado: — Krum atacou Crouch, não, peraí, então se estuporou! — E o Sr. Crouch se evaporou, não é mesmo? — disse Hermione com frieza. — Ah, é... O dia estava amanhecendo. Harry, Rony e Hermione tinham saído muito cedo dos seus dormitórios e corrido até o corujal, juntos, a despachar um bilhete para Sirius. Agora estavam parados contemplando os jardins cobertos de névoa. Os três estavam pálidos, os olhos inchados, porque ficaram conversando até tarde sobre o Sr. Crouch. — Vamos recapitular, Harry — disse Hermione. — Que foi que o Sr. Crouch realmente disse? — Já falei que ele não estava fazendo muito sentido — repetiu Harry. — Disse que queria prevenir Dumbledore sobre alguma coisa. Tenho certeza de que ele mencionou Berta Jorkins e parecia achar que ela estava morta. Não parava de repetir que muita coisa era culpa dele... Mencionou o filho. — Bem, isso foi culpa dele — disse Hermione irritada. — Ele estava delirando — continuou Harry. — Metade do tempo dava a impressão de acreditar que a mulher e o filho ainda estavam vivos, e ele não parava de falar com Percy sobre serviço e de lhe dar instruções. — E... O que foi mesmo que ele disse sobre Você-Sabe-Quem? — perguntou Rony inseguro. — Eu já contei — respondeu Harry chateado. — Disse que ele está ficando mais forte. Houve uma pausa. Então Rony num tom de falsa segurança disse: — Mas ele estava delirando, conforme você falou, portanto metade disso provavelmente era só delírio... — Ele ficava mais sensato quando tentava falar de Voldemort — disse Harry, não dando atenção à careta de Rony. — Estava realmente com dificuldade para formar frases, mas isso era quando parecia que sabia onde estava e o que queria fazer. Ele não parava de dizer que queria ver Dumbledore. Harry se afastou da janela e olhou para os caibros do telhado. Metade dos numerosos poleiros estava vazia, de vez em quando, mais uma coruja entrava voando por uma das janelas, voltando de uma caçada noturna com um rato no bico. — Se Snape não tivesse me atrasado — comentou Harry-, talvez a gente tivesse chegado lá a tempo. "O diretor está ocupado Potter... que tolice é essa, Potter?" Por que ele simplesmente não saiu do caminho? — Talvez não quisesse que vocês chegassem lá! — disse Rony depressa. — Talvez, calma aí, com que rapidez você acha que ele poderia ter ido até a Floresta? Você acha que ele podia ter chegado lá antes de você e Dumbledore? — Não, a não ser que ele seja capaz de se transformar num morcego ou outra coisa do gênero. — Eu não duvido nada — murmurou Rony. — Precisamos ver o Professor Moody — disse Hermione. — Precisamos descobrir se ele encontrou o Sr. Crouch. — Se tivesse levado o Mapa do Maroto com ele, teria sido fácil — disse Harry. — A não ser que Crouch já tivesse saído de Hogwarts — lembrou Rony — porque o mapa só mostra o que está dentro dos limites, não... — Psiu! — exclamou Hermione de repente. Alguém estava subindo a escada para o corujal. Harry ouviu duas vozes discutindo, cada vez mais próximas. — ... Isso é chantagem, é o que é, e poderíamos nos meter em uma baita enrascada por causa disso... Tentamos ser gentis, está na hora de jogar sujo com o cara. Ele não ia gostar que o Ministério da Magia soubesse o que ele fez... — Estou falando, se você puser isto por escrito, será chantagem! — É, mas você não ia reclamar se conseguíssemos um bom pagamento por isso, ia? A porta do corujal se abriu com estrondo. Fred e Jorge apareceram no portal e em seguida congelaram ao verem Harry, Rony e Hermione. — Que é que vocês estão fazendo aqui? — perguntaram Rony e Fred ao mesmo tempo. — Despachando uma carta — responderam Harry e Jorge em uníssono. — Quê, a esta hora? — se admiraram Hermione e Fred. Fred sorriu. — Ótimo, nós não perguntamos o que vocês estão fazendo, se vocês não nos perguntarem — disse ele. Ele segurava um envelope fechado na mão. Harry deu uma olhada, mas Fred, fosse por acaso ou de propósito, escorregou a mão, tampando o nome do destinatário. — Bem, não se prendam por nós — disse ele, fazendo uma reverência cômica e indicando a porta. Rony não se mexeu. — Quem é que vocês estão chantageando? — perguntou. O sorriso desapareceu do rosto de Fred. Harry viu Jorge olhar Fred de relance antes de sorrir para Rony. — Não seja idiota, eu só estava brincando — disse ele à vontade. — Não parecia — insistiu Rony. Fred e Jorge se entreolharam. Então Fred disse abruptamente: — Já lhe avisamos antes, Rony, não meta o nariz se gosta do feitio que ele tem. Não vejo por que você iria meter, mas... — Mas é da minha conta se vocês estiverem chantageando alguém. Jorge tem razão, vocês poderiam acabar numa baita enrascada. — Já lhe disse, eu estava brincando — disse Jorge. Ele foi até Fred, tirou a carta das mãos do irmão e começou a prendê-la à perna da coruja-de-igreja mais próxima. — Você está começando a falar como o nosso querido irmão mais velho, sabe, Rony. Continue assim e vai acabar monitor-chefe. — Não, não vou, não! — protestou Rony indignado. Jorge levou a coruja até a janela e deixou-a levantar vôo. Ele se virou e sorriu para Rony. — Bem, então pare de dizer às pessoas o que fazer. Até mais tarde. Ele e Fred saíram do corujal. Harry, Rony e Hermione ficaram se entreolhando. — Vocês não acham que eles sabem alguma coisa dessa história toda, acham? — sussurrou Hermione. — Do Crouch e todo o resto? — Não — disse Harry. — Se fosse uma coisa séria assim eles contariam a alguém. Contariam a Dumbledore. Rony, no entanto, estava com um ar constrangido. — Que foi? — perguntou Hermione. — Bem... — respondeu Rony lentamente — não sei se contariam. Eles... Ultimamente estão obcecados com a idéia de fazer dinheiro, notei isso quando estava andando com eles, quando... Vocês sabem... — Nós dois não estávamos nos falando — Harry terminou a frase para ele. — É, mas chantagem... — É essa idéia deles de abrirem uma loja de logros. Pensei que estivessem falando nisso só para aborrecer mamãe, mas estão realmente falando sério, querem abrir uma loja. Só falta um ano para eles terminarem Hogwarts, eles não param de falar que está na hora de pensar no futuro e papai não pode ajudá-los, precisam de ouro para começar um negocio. Agora era Hermione que estava com um ar constrangido. — Sei, mas... Eles não fariam nada contra a lei para conseguir ouro. Fariam? — Se fariam? — disse Rony com uma expressão de ceticismo. — Não sei... Eles não se importam muito de desrespeitar o regulamento, não é mesmo? — É, mas estamos falando da Lei — disse Hermione, parecendo amedrontada. — Não é de um simples regulamento de escola... Vão receber mais que detenção por uma chantagem! Rony... Talvez seja melhor contar ao Percy... — Você ficou maluca? — exclamou Rony. — Contar ao Percy? Ele provavelmente ia fazer como o Crouch, e entregaria os dois. — Ele ficou olhando a janela por onde partira a coruja de Fred e Jorge, depois disse: — Vamos gente, vamos tomar café. — Vocês acham que é muito cedo para procurar o Professor Moody? — perguntou Hermione quando desciam a escada circular. — Acho — respondeu Harry. — Ele provavelmente nos detonaria pela porta se nós o acordássemos com o dia nascendo. Ia pensar que estamos querendo atacá-lo dormindo. Vamos esperar até a hora do intervalo. A aula de História da Magia jamais transcorrera tão lentamente. Harry não parava de consultar o relógio de Rony, tendo finalmente jogado fora o seu, mas o do amigo estava andando tão devagar que ele poderia jurar que parara de funcionar também. Os três garotos estavam tão cansados que teriam gostado de descansar as cabeças nas carteiras e dormir; nem Hermione estava fazendo as anotações de costume, sentava-se com a cabeça apoiada na mão, mirando o Professor Binns com os olhos fora de foco. Quando a sineta finalmente tocou, eles saíram correndo pelo corredor em direção à sala de Defesa das Artes das Trevas e encontraram o Professor Moody de saída. Ele parecia tão cansado quanto os três se sentiam. A pálpebra do seu olho normal estava caída, dando ao seu rosto uma aparência ainda mais torta do que a habitual. — Professor Moody? — chamou Harry, enquanto atravessavam o ajuntamento de alunos até o professor. — Olá, Potter — rosnou Moody. Seu olho mágico acompanhou uns alunos de primeiro ano que iam passando e que aceleraram o passo demonstrando nervosismo, depois o olho girou para a nuca do professor e observou-os virar o canto, só então ele voltou a falar: — Entrem. Afastou-se, então, para deixá-los entrar em sua sala de aula vazia, entrou em seguida mancando, e fechou a porta. — O senhor o encontrou? — perguntou Harry sem preâmbulos.— O Sr. Crouch? — Não — respondeu Moody. Ele foi até a escrivaninha, sentou-se, esticou a perna de pau com um breve gemido e puxou um frasco de bolso. — O senhor usou o mapa? — perguntou Harry. — Naturalmente — disse o professor tomando um gole do frasco. — Fiz igualzinho a você, Potter. Convoquei o mapa do meu escritório para a Floresta. O homem não estava em lugar algum. — Então ele desaparatou? — perguntou Rony. — Não se pode desaparatar nos terrenos da escola, Rony! — disse Hermione. — Não existem outras maneiras que ele poderia ter usado para desaparecer, existem, professor? O olho mágico de Moody estremeceu ao pousar em Hermione. — Você é outra que poderia pensar numa carreira de auror — disse ele à garota. — Sua cabeça funciona na direção certa, Granger. Hermione corou de prazer. — Bem, ele não estava invisível — falou Harry —, o mapa mostra pessoas invisíveis. Então ele deve ter deixado Hogwarts. — Mas com as próprias pernas? — perguntou Hermione ansiosa. — Ou alguém o fez deixar? — É, alguém poderia ter feito isso, montar o Grouch numa vassoura e levar ele embora, não poderia? — perguntou Rony depressa, olhando esperançoso para Moody, como se também quisesse ouvir que tinha talento para auror. — Não podemos excluir um seqüestro — rosnou Moody. — Então — disse Rony — o senhor acha que ele está em algum lugar de Hogsmeade? — Poderia estar em qualquer lugar — respondeu Moody balançando a cabeça. — A única coisa de que temos certeza é que ele não está aqui. O professor deu um grande bocejo, suas cicatrizes se esticaram e sua boca torta deixou entrever que lhe faltavam vários dentes. Então disse: — Agora, Dumbledore me contou que vocês três se imaginam investigadores, mas não há nada que possam fazer por Crouch. O Ministério vai procurá-lo agora, Dumbledore já mandou uma notificação. Potter, e você se concentre na terceira tarefa. — Quê? — disse Harry. — Ah, sim... Ele ainda não parara um instante sequer para pensar no labirinto desde que deixara Krum na noite anterior. — Deve ser bem a sua praia, essa — disse o professor, erguendo os olhos para Harry e coçando o queixo barbado e cheio de cicatrizes. — Pelo que Dumbledore me contou, você já conseguiu fazer coisas parecidas muitas vezes. Venceu uma série de obstáculos que guardavam a Pedra Filosofal no primeiro ano, não foi? — Nós ajudamos — disse Rony depressa. — Eu e Mione ajudamos. Moody riu. — Bem, então ajude-o a treinar para esse e ficarei muito surpreso se ele não vencer. Nesse meio tempo... Vigilância constante, Potter. Vigilância constante. — Ele tomou mais um longo gole do frasco de bolso e seu olho mágico girou para a janela. Por ali via-se a vela principal do navio de Durmstrang. — Vocês dois — seu olho normal estava posto em Rony e Hermione — fiquem colados no Potter, sim? Eu estou de olho nas coisas, mas assim mesmo... Nunca há olhos demais para se vigiar. Sirius devolveu a coruja dos garotos na manhã seguinte. Ela esvoaçou ao lado de Harry no mesmo instante em que uma coruja castanho-amarelada pousou diante de Hermione, trazendo um exemplar do Profeta Diário no bico. Ela apanhou o jornal, deu uma olhada nas primeiras páginas e disse: — Ela não ouviu falar do Crouch! — comentou antes de se juntar a Rony e Harry para ler o que Sirius mandara dizer sobre os misteriosos acontecimentos da antevéspera. “Harry, Que brincadeira é essa de sair para a Floresta Proibida com Vítor Krum? Quero que você jure, na volta deste correio, que não vai sair andando com mais ninguém à noite. Há alguém perigosíssimo em Hogwarts. Para mim está muito claro que esse alguém queria impedir Crouch de ver Dumbledore e você provavelmente esteve a poucos passos dele no escuro. Poderia ter sido morto. O seu nome não foi parar no Cálice de Fogo por acaso. Se alguém está tentando atacá-lo, essa é a última chance. Fique perto de Rony e Hermione, não saia da Grifinória tarde da noite e se prepare para a terceira tarefa. Pratique estuporamento e desarmamento. Algumas azarações viriam a calhar. Não há nada que você possa fazer por Crouch. Não se exponha e se cuide. Estarei esperando a carta em que me dará sua palavra de que não vai mais ultrapassar os limites da escola. Sirius”. — Quem é ele para me fazer sermão por ultrapassar os limites da escola? — disse Harry ligeiramente indignado enquanto dobrava a carta de Sirius e a guardava no bolso interno das vestes. — Depois de tudo que ele aprontou na escola! — Ele está preocupado com você! — lembrou Hermione com rispidez. — E o mesmo se aplica a Moody e Hagrid! Por isso escute o que eles estão lhe dizendo! — Ninguém nem tentou me atacar este ano — disse Harry. — Ninguém nem me fez absolutamente nada... — Exceto colocarem o seu nome no Cálice de Fogo — disse Hermione. — E devem ter tido um bom motivo para isso, Harry. Snuffles tem razão. Talvez estejam esperando a hora certa. Talvez a terceira tarefa seja a que vão pegar você. — Olhem — disse Harry impaciente —, digamos que Snuffles tenha razão e alguém estuporou Krum para seqüestrar Crouch. Bem, ele estaria escondido entre as árvores perto de nós, certo? Mas esperou eu estar fora do caminho para agir, não foi? Portanto não está parecendo que eu seja o alvo deles, não é? — Eles não poderiam fazer parecer um acidente se tivessem matado você na Floresta. Mas se você morresse durante a tarefa... — Eles não se importaram de atacar Krum, não foi? Por que não aproveitaram para acabar comigo também? Poderiam ter feito parecer que Krum e eu tínhamos duelado ou outra coisa qualquer. — Harry, eu também não entendo — disse Hermione desesperada. — Só sei que há um monte de coisas estranhas acontecendo e que não estou gostando nada... Moody está certo, Snuffles está certo, você tem que começar a treinar logo para a terceira tarefa. E não se esqueça de responder a Sirius e prometer que não vai sair por aí sozinho outra vez. Os jardins de Hogwarts nunca pareceram mais convidativos do que quando Harry foi obrigado a permanecer no castelo. Nos dias que se seguiram ele passou quase todo o tempo livre na biblioteca com Hermione e Rony, consultando livros sobre azarações ou então em salas de aula desocupadas, em que eles entravam às escondidas para praticar. Harry se concentrou no Feitiço Estuporante, que ele nunca usara antes. O problema era que sua prática exigia certos sacrifícios de Rony e Hermione. — Não podíamos seqüestrar Madame Nor-r-ra? — sugeriu Rony durante a hora de almoço na segunda-feira, ainda deitado de barriga para cima no meio da sala de Feitiços, onde acabara de ser estuporado e reanimado por Harry pela quinta vez seguida. — Vamos estuporar a gata para variar. Ou quem sabe você podia usar o Dobby, Harry, aposto que ele faria qualquer coisa para ajudar você. Não estou reclamando nem nada — o garoto se levantou esfregando as costas —, mas estou todo doído... — Bem, você sempre sai de cima das almofadas, não é? — disse Hermione com impaciência, rearrumando a pilha de almofadas usadas para o Feitiço Expulsório que Flitwick deixara guardadas em um armário. — Experimente cair de costas! — Quando a gente está sendo estuporado, não consegue mirar muito bem, Hermione! — defendeu-se Rony aborrecido. — Por que você não experimenta uma vez? — Bem, acho que Harry já pegou o jeito — disse a garota apressada. — E não precisamos nos preocupar com o desarmamento, porque ele já sabe fazer isso há séculos... Acho que hoje à noite devíamos começar algumas azarações. A garota percorreu com os olhos a lista que tinham feito na biblioteca. — Gosto da cara desta aqui — disse ela —, da Azaração de Impedimento. Deve retardar qualquer coisa que esteja tentando atacar você, Harry. Vamos começar por ela. A sineta tocou. Apressadamente eles enfiaram as almofadas no armário de Flitwick e saíram com cautela da sala de aula. — Vejo vocês no jantar! — disse Hermione e foi para a aula de Aritmancia, enquanto Harry e Rony seguiam para a aula de Adivinhação na Torre Norte. Grandes feixes de sol, radiosamente dourados, vindos das altas janelas, cortavam o corredor. O céu lá fora estava tão intensamente azul que parecia esmaltado. — Vai estar uma sauna na sala da Trelawney, ela nunca apaga aquela lareira — comentou Rony, quando começaram a subir a escada circular que levava à escada prateada e ao alçapão. E ele estava certo. A sala mal iluminada estava incomodamente quente. A fumaça da lareira perfumada estava mais densa que nunca. Harry sentiu a cabeça tontear ao se dirigir a uma das janelas de cortinas corridas. Enquanto a Professora Sibila estava olhando para o outro lado, tentando soltar o xale de um abajur, ele abriu a janela uns dois dedinhos e tornou a se sentar em sua cadeira forrada de chintz, de modo que uma brisa suave correu pelo seu rosto. Ele se sentiu muitíssimo confortável. — Meus queridos — disse a professora, sentando-se em sua bergere diante da turma e percorrendo-a com seus olhos estranhamente aumentados —, estamos quase no fim dos nossos estudos sobre adivinhação planetária. Hoje, no entanto, teremos uma excelente oportunidade de examinar os efeitos de Marte, porque ele está em uma posição muitíssimo interessante neste momento. Se vocês todos olharem para cá, eu vou diminuir a luz... Ela acenou com a varinha e as luzes se apagaram. A lareira ficou sendo a única fonte de claridade. A Professora Sibila se curvou e tirou de baixo da poltrona um modelo do sistema solar, protegido por uma redoma de vidro. Era uma bela peça, cada uma das luas cintilantes estavam dispostas em torno dos nove planetas e do sol esbraseado, todos suspensos no ar sob o vidro. Harry acompanhou indolentemente a professora começar a apontar o ângulo fascinante que Marte formava com Netuno. A fumaça muito perfumada o envolveu e a brisa vinda da janela brincou pelo seu rosto. Ele ouviu um inseto zumbir suavemente em algum lugar atrás da cortina. Suas pálpebras começaram a pesar... Ele estava cavalgando às costas de um corujão, voando por um claro céu azul em direção a uma casa velha e coberta de hera, situada no alto de uma encosta. Eles foram voando cada vez mais baixo, o vento passando agradavelmente pelo rosto de Harry, até chegarem a uma janela escura e desmantelada no primeiro andar da casa, pela qual entraram. Agora estavam voando por um corredor sombrio e chegaram a um quarto bem no final... cruzaram a porta entraram nesse quarto escuro cujas janelas estavam pregadas... Harry desmontara das costas do corujão... E observou-o esvoaçar pelo quarto e pousar em uma poltrona virada de costas para ele... Havia duas formas escuras no chão ao lado da cadeira... As duas se mexiam... Uma era uma enorme cobra... A outra, um homem... Um homem baixo, meio careca, um homem com olhos aquosos e um nariz pontudo... Ele arfava e soluçava no tapete diante da lareira... — Você está com sorte, Rabicho — disse uma voz fria e aguda do fundo da poltrona em que o corujão pousara. — Você tem de fato muita sorte. O seu erro não chegou a arruinar tudo. Ele está morto. — Milorde! — ofegou o homem no chão. — Milorde, estou... Estou tão satisfeito... E tão arrependido... — Nagini — disse a voz fria —, você está sem sorte. Afinal, não é hoje que vou lhe dar Rabicho para comer... Mas não se incomode, não se incomode... Ainda tem o Harry Potter... A cobra sibilou. Harry viu a língua dela se agitar. — Agora, Rabicho — disse a voz fria —, talvez mais um lembrete de por que não vou tolerar mais nenhum erro seu... — Milorde... Não... Eu suplico... A ponta de uma varinha ergueu-se do fundo da poltrona. Mirou Rabicho. — Crucio — disse a voz fria. Rabicho berrou, berrou como se cada nervo do seu corpo estivesse em fogo, os berros encheram os ouvidos de Harry, ao mesmo tempo que a cicatriz em sua testa queimou de dor; ele estava berrando, também... Voldemort iria ouvi-lo, saberia que ele estava ali... — Harry! Harry. Harry abriu os olhos. Estava caído no chão da sala da Professora Sibila, cobrindo o rosto com as mãos. Sua cicatriz ardia com tanta intensidade que seus olhos chegavam a lacrimejar. A dor fora real. A turma inteira estava parada à volta dele, e Rony se ajoelhara de um lado, com uma expressão de terror no rosto. — Você está bem? — perguntou. — É claro que não está! — disse a professora, parecendo alvoroçadíssima. Seus grandes olhos miraram Harry, ameaçadores. — Que foi, Potter? Uma premonição? Uma aparição? Que foi que você viu? — Nada — mentiu Harry. Ele se sentou. Sentia os próprios tremores. Não conseguia parar de olhar para todo lado, para as sombras às suas costas. A voz de Voldemort soara tão próxima... — Você estava apertando sua cicatriz! — disse a professora. — Você estava rolando no chão, apertando sua cicatriz! Ora vamos, Potter, eu tenho experiência nesses assuntos! Harry levantou a cabeça para olhá-la. — Preciso ir à ala hospitalar, acho. Dor de cabeça muito forte. — Meu querido, sem dúvida você foi estimulado pelas extraordinárias vibrações premonitórias da minha sala! Se você sair agora, poderá perder a oportunidade de ver mais longe do que jamais... — Eu não quero ver nada, a não ser um remédio para minha dor de cabeça. Harry se levantou. A turma recuou. Todos pareciam nervosos. — Vejo você mais tarde — murmurou ele para Rony e, apanhando a mochila, rumou para o alçapão, sem dar atenção à Professora Sibila, que revelava no rosto uma grande frustração, como se alguém a tivesse privado de um prazer real. Quando Harry chegou ao fim da escada, porém, não rumou para a ala hospitalar. Não tinha a menor intenção de ir até lá. Sirius lhe dissera o que fazer se a cicatriz tornasse a doer e ele ia seguir o conselho do padrinho: ir direto ao escritório de Dumbledore. Ele atravessou os corredores, decidido, pensando no que vira no sonho... Fora tão vivido como o outro que o despertara na Rua dos Alfeneiros... Ele repassou mentalmente os detalhes, procurando se certificar de que não os esqueceria... Ouvira Voldemort acusar Rabicho de cometer um erro... Mas a coruja trouxera boas notícias, o erro fora consertado, alguém estava morto... Por isso Rabicho não ia servir de alimento para a cobra... Em seu lugar, Harry é quem iria... O garoto passou direto pela gárgula que guardava a entrada do escritório de Dumbledore sem reparar. Ele piscou, olhou em volta, percebeu a distração, refez seus passos e parou diante do ornato. Então se lembrou que não conhecia a senha. — Sorvete de limão? — experimentou. A gárgula não se moveu. — OK. — disse Harry encarando-a. — Drops de pêra. Varinha. alcaçuz. Delícia gasosa. Chicle de baba-bola. Feijõezinhos de todos os sabores... Ah, não, ele não gosta desses, ou gosta?... Ah, abra logo, será que não pode? — exclamou o garoto aborrecido. — Eu realmente preciso ver o diretor, é urgente! A gárgula continuou imóvel. Harry chutou-a, mas não conseguiu nada, exceto sentir uma dor excruciante no dedão do pé. — Sapo de chocolate! — berrou com raiva, parado num pé só. — Pena de açúcar! Torrão de barata! A gárgula ganhou vida e saltou para o lado. Harry piscou os olhos. — Torrão de barata! — exclamou admirado. — Eu estava só brincando... Ele passou depressa pela abertura nas paredes e pisou no patamar de uma escada em espiral, que se deslocou lentamente para o alto, ao mesmo tempo em que as portas se fechavam às suas costas, levando-o até uma porta de carvalho polido com uma maçaneta de latão. Ele ouviu vozes no escritório. Saltou da escada em movimento e hesitou, escutando. — Dumbledore, receio não ver a relação, não a vejo mesmo! — Era a voz do Ministro da Magia, Cornélio Fudge. — Ludo diz que Berta é perfeitamente capaz de se perder. Concordo que era de esperar que, a esta altura, ela já tivesse sido encontrada, mas mesmo assim, não temos evidência alguma de crime, Dumbledore, nenhuma. Quanto ao desaparecimento dela estar ligado ao de Bartô Crouch! — E o que é que o senhor acha que aconteceu com Bartô Crouch, ministro? — perguntou Moody num rosnado. — Vejo duas possibilidades, Alastor — disse Fudge. — Ou Crouch finalmente enlouqueceu, o que é muito provável e tenho certeza de que você concorda, dada a sua história pessoal, perdeu o juízo e saiu vagando por aí... — Ele vagou muitíssimo depressa, se esse for o caso, Cornélio — comentou Dumbledore calmamente. — Ou então, bem... — Fudge pareceu constrangido. — Bem, não vou julgar até depois de ver o local onde ele foi encontrado, mas você diz que foi um pouco além da carruagem da Beauxbatons? Dumbledore, você sabe quem é aquela mulher? — Considero-a uma diretora competente e uma excelente dançarina — acrescentou Dumbledore rapidamente. — Ora, vamos Dumbledore! — disse Fudge irritado. — Você não acha que pode estar predisposto a favorecê-la por causa de Hagrid? Nem todos eles são inofensivos, se é que se pode chamar Hagrid de inofensivo, com aquela fixação monstruosa que ele tem... — Tenho tantas suspeitas de Madame Maxime quanto tenho de Hagrid — disse Dumbledore com a mesma calma. — Acho que é possível que você esteja predisposto a condená-la, Cornélio. — Será que podemos fechar esta discussão? — rosnou Moody. — Sim, sim, vamos descer aos jardins, então — disse Cornélio impaciente. — Não, não é isso — falou Moody —, é que Potter quer dar uma palavra com você, Dumbledore. Ele está aí do outro lado da porta. CAPÍTULO TRINTA A Penseira A porta do escritório se abriu. — Olá, Potter — disse Moody. — Então, entre. Harry entrou. Já estivera uma vez no escritório de Dumbledore, era uma bela sala circular, coberta de retratos de diretores e diretoras que o antecederam em Hogwarts, os quais dormiam a sono solto, o peito arfando suavemente. Cornélio Fudge estava em pé do lado da escrivaninha de Dumbledore, usando sua habitual capa listrada e segurando seu chapéu-coco verde-limão. — Harry! — cumprimentou o ministro jovialmente, adiantando-se. — Como vai? — Ótimo — mentiu Harry. — Estávamos justamente falando da noite em que o Sr. Crouch apareceu nos terrenos da escola — disse Fudge. — Foi você quem o encontrou, não foi? — Foi — confirmou Harry. Depois sentindo que não adiantava fingir que não escutara o que eles estavam dizendo, acrescentou: — Mas não vi Madame Máxime em lugar nenhum, e ela teria uma trabalheira para se esconder, não? Dumbledore sorriu para Harry pelas costas de Fudge, com os olhos cintilantes. — Bem, teria — respondeu Fudge constrangido —, íamos sair para dar uma volta pelos terrenos da escola, Harry, se você nos der licença... Quem sabe você volta às suas aulas... — Eu queria falar com o senhor, professor — disse Harry depressa, olhando para Dumbledore, que lhe lançou um olhar breve e penetrante. — Espere por mim aqui, Harry — disse. — Nosso exame da propriedade não vai demorar. Os três passaram por ele em silêncio e fecharam a porta. Mais ou menos um minuto depois, Harry ouviu o toque-toque da perna de pau de Moody desaparecendo no corredor embaixo. Olhou para os lados. — Alô, Fawkes — cumprimentou ele. Fawkes, a fênix de Dumbledore estava parada em seu poleiro de ouro ao lado da porta. Do tamanho de um cisne, uma magnífica plumagem vermelha e dourada, a ave balançou sua longa cauda e piscou bondosamente para Harry. Harry se sentou em uma cadeira diante da escrivaninha de Dumbledore. Durante vários minutos, ficou sentado contemplando os velhos diretores e diretoras cochilando em seus quadros, pensando no que acabara de ouvir e acariciando a cicatriz. Parara de doer agora. O garoto se sentia muito mais calmo agora que se achava no escritório de Dumbledore, pois em breve estaria lhe contando seu sonho. Harry ergueu os olhos para as paredes atrás da escrivaninha. O Chapéu Seletor, remendado e esfiapado, estava pousado em uma prateleira. Ao seu lado, uma redoma protegia uma magnífica espada de prata, com o punho cravejado de grandes rubis, em que Harry reconheceu a que ele próprio tirara do Chapéu Seletor no segundo ano. A espada pertencera outrora a Godrico Gryffindor, fundador da Casa de Harry. Ele a examinava, lembrando como a espada viera em seu auxílio em um momento em que pensara que não havia mais esperanças, quando notou uma malha de luz prateada que dançava e refulgia sobre a redoma. Ele procurou a fonte da luz e viu uma nesga de luz branco-prateada que saía de um armário escuro às suas costas, cuja porta não fora bem fechada. Harry hesitou, olhou para Fawkes, depois se levantou, atravessou a sala e escancarou a porta do armário. Havia ali uma bacia de pedra rasa, com entalhes estranhos na borda, runas e símbolos que Harry não reconheceu. A luz prateada vinha do conteúdo da bacia, que não lembrava nada que Harry tivesse visto antes. Ele não sabia dizer se a substância era líquida ou gasosa. Era brilhante, branco-prateada e se movia sem cessar; sua superfície se encapelava como água sob a ação do vento e, então, como uma nuvem, se dividia e girava lentamente. Parecia luz liquefeita — ou vento solidificado —, Harry não conseguia decidir. Teve vontade de tocá-la, de descobrir como era ao tato, mas quase quatro anos de experiência no mundo da magia lhe diziam que meter a mão em uma bacia cheia de uma substância desconhecida era uma grande burrice. Ele, portanto, puxou a varinha de dentro das vestes, lançou um olhar nervoso pelo escritório, tornou a olhar para o conteúdo da bacia e tocou-a. A superfície da substância prateada dentro da bacia começou a girar muito depressa. Harry se curvou mais para perto, enfiando a cabeça no armário. A substância prateada se tornara transparente, parecia vidro. Ele espiou dentro dela, esperando ver o fundo de pedra da bacia — mas, em vez disso, viu uma sala enorme sob a superfície da misteriosa substância, uma sala para a qual ele aparentemente espiava por uma janela circular no teto. A sala era mal iluminada; o garoto achou que talvez fosse subterrânea, pois não havia janelas, apenas archotes presos às paredes como os que iluminavam Hogwarts. Baixando o rosto de modo a ficar com o nariz a apenas dois centímetros da substância vítrea, Harry viu que havia filas e mais filas de bruxos e bruxas sentados ao redor das paredes no que lhe pareceram bancos escalonados. Uma cadeira vazia fora colocada bem no centro da sala. Alguma coisa nela produziu em Harry um mau pressentimento. Havia correntes envolvendo seus braços, como se quem a ocupasse sempre estivesse preso a ela. Onde seria esse lugar? Certamente não era em Hogwarts, ele nunca vira uma sala igual àquela no castelo. Além do mais, as pessoas reunidas na misteriosa sala no fundo da bacia eram, em sua maioria, adultos e Harry sabia que não havia tantos professores assim em Hogwarts. E pareciam estar aguardando alguma coisa e, embora o garoto só pudesse ver a ponta dos seus chapéus cônicos, todos davam a impressão de estar olhando para o mesmo lado e ninguém falava com ninguém. Uma vez que a bacia era redonda e a sala que ele observava, circular, Harry não conseguia divisar o que estaria acontecendo nos cantos. Ele se curvou para mais perto ainda, inclinou a cabeça, procurou enxergar... A ponta do seu nariz tocou a estranha substância que ele estava mirando. O escritório de Dumbledore deu um tremendo solavanco — Harry foi projetado para frente e mergulhou de cabeça na substância da bacia... Mas a cabeça do garoto não bateu no fundo de pedra. Ele foi caindo por alguma coisa gelada e escura, era como se estivesse sendo sugado por um redemoinho negro... E inesperadamente ele se viu sentado em um banco no fundo da sala dentro da bacia, um banco mais acima dos outros. Ergueu os olhos para o alto teto de pedra, esperando ver a janela circular pela qual estivera espiando, mas não havia nada lá exceto a pedra sólida e escura. Respirando com força e depressa, Harry olhou ao seu redor. Nenhum dos bruxos nem bruxas na sala (e havia pelo menos uns duzentos) estava olhando para ele. Nenhum deles parecia ter reparado que um garoto de catorze anos acabara de cair do teto no meio da reunião. Harry se virou para o bruxo mais próximo no banco e soltou um grito de surpresa que ecoou pela sala silenciosa. Sentara-se bem ao lado de Alvo Dumbledore. — Professor! — exclamou Harry, numa espécie de sussurro estrangulado. — Sinto muito, não tive intenção, estava apenas olhando dentro da bacia no seu armário, eu... Onde estamos? Mas Dumbledore não se mexeu nem falou. Ignorou Harry completamente. Como os demais bruxos sentados nos bancos, o diretor tinha os olhos fixos no canto mais afastado da sala, onde havia uma porta. Harry olhou, confuso, para Dumbledore, depois para os bruxos atentos e silenciosos, e tornou a olhar para Dumbledore. Então compreendeu... Já tinha havido uma vez em que Harry se vira em um lugar em que ninguém podia velo ou ouvi-lo. Naquela ocasião, ele entrara nas páginas de um diário enfeitiçado, diretamente na memória de alguém... E, a não ser que estivesse muito enganado, alguma coisa assim estava acontecendo de novo... Harry ergueu a mão direita, hesitou, depois agitou-a energicamente diante do rosto de Dumbledore. O diretor não piscou nem olhou para ele e tampouco se mexeu de modo algum. E isso, na opinião de Harry, resolvia a questão. Dumbledore não o ignoraria daquela maneira. Ele estava dentro de uma lembrança e aquele não era o Dumbledore atual. Contudo, não poderia ter sido há muito tempo... O Dumbledore sentado ao seu lado tinha cabelos prateados, igualzinho ao Dumbledore dos dias de hoje. Mas que lugar era este? Que é que todos aqueles bruxos estavam aguardando? Harry olhou para os lados mais detidamente. A sala, como ele suspeitara quando a observara do alto, era quase certamente subterrânea — mais uma masmorra do que uma sala, pensou o garoto. A atmosfera era desolada e hostil naquele lugar; não havia quadros nas paredes, nem decorações, apenas as filas de bancos, que subiam em níveis escalonados ao redor da sala, dispostos de maneira a proporcionar uma visão clara da cadeira com correntes nos braços. Antes que Harry pudesse chegar a alguma conclusão sobre o lugar em que se encontravam, ele ouviu passos. A porta no canto da masmorra se abriu e três pessoas entraram — ou pelo menos um homem, ladeado por dois dementadores. As entranhas de Harry gelaram. Os dementadores, altos, encapuzados, os rostos ocultos, deslizaram lentamente em direção à cadeira no centro da sala, cada um segurando um braço do homem com suas mãos de cadáver, de aspecto podre. O homem entre os dois parecia prestes a desmaiar e Harry não poderia culpá-lo... Sabia que os dementadores não poderiam tocá-lo dentro de uma lembrança, mas se lembrava muito bem do poder que tinham. Os bruxos se encolheram ligeiramente quando os dementadores sentaram o homem na cadeira com correntes e deslizaram para fora da sala. A porta se fechou ao passarem. Harry olhou para o homem que agora estava sentado na cadeira e viu que era Karkaroff. Ao contrário de Dumbledore, Karkaroff parecia muito mais novo, seus cabelos e barba eram negros. Não estava vestido com peles elegantes, mas com vestes ralas e esfarrapadas. Tremia. Bem na hora em que Harry o observava, as correntes nos braços da cadeira produziram um reflexo dourado e se enroscaram pelos seus braços, prendendo-os ali. — Igor Karkaroff — disse uma voz ríspida à esquerda de Harry. O garoto olhou e viu o Sr. Crouch se levantar no meio do banco ao lado. Seus cabelos eram escuros, seu rosto muito menos enrugado, ele parecia em boa forma e lúcido. — Você foi trazido de Azkaban para prestar depoimento ao Ministério da Magia. Você nos deu a entender que tem importantes informações para nos dar. Karkaroff se endireitou o melhor que pôde, firmemente preso à cadeira. — Tenho, sim senhor — respondeu ele e embora sua voz soasse muito temerosa, Harry pôde perceber o quê de untuosidade que tão bem conhecia. — Quero ser útil ao Ministério. Quero ajudar. Sei que o Ministério está tentando prender os últimos seguidores do Lord das Trevas. Estou ansioso para cooperar de todas as maneiras que puder... Um murmúrio percorreu os bancos. Alguns bruxos e bruxas examinaram Karkaroff com interesse, outros com acentuada desconfiança. Então Harry ouviu, muito claramente, do outro lado de Dumbledore, uma voz rosnada e familiar exclamar "Gentalha". Harry se curvou à frente para poder ver além de Dumbledore. Olho-Tonto Moody estava sentado ali — embora houvesse uma nítida diferença em sua aparência. Ele não tinha um olho mágico, mas dois normais. Ambos fixavam Karkaroff e ambos estavam apertados revelando intenso desagrado. — Crouch vai soltá-lo — murmurou Moody baixinho a Dumbledore. — Fez um trato com ele. Levei seis meses para caçá-lo e Crouch vai soltá-lo se ele tiver um número suficiente de nomes novos. Vamos ouvir suas informações, digo eu, e atirá-lo de volta aos braços dos dementadores. Dumbledore fez um barulhinho de discordância pelo nariz longo e torto. — Ah, eu ia me esquecendo... você não gosta de dementadores, não é mesmo, Alvo? — disse Moody com um sorriso sardônico. — Não — respondeu Dumbledore calmamente. — Receio que não. Há muito tempo venho achando que o Ministério faz mal em se aliar a essas criaturas. — Mas para uma gentalha dessas... — disse Moody baixinho. — Você diz que tem nomes para nos informar, Karkaroff — recomeçou o Sr. Grouch. — Por favor, queremos ouvi-los. — O senhor deve compreender — disse Karkaroff na mesma hora — que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado sempre operou no maior sigilo... Ele preferia que nós, quero dizer, seus seguidores, e me arrependo agora, profundamente, de ter-me incluído entre eles... — Ande logo com isso — disse Moody com desdém. — ... Nunca soubemos os nomes de todos os seus seguidores, somente ele sabia exatamente quem éramos... — O que era uma atitude sensata, não é, pois impedia que alguém como você, Karkaroff, entregasse todos — murmurou Moody. — Contudo, você diz que tem alguns nomes para nos informar? — disse o Sr. Crouch. — Tenho... Tenho — respondeu Karkaroff sem fôlego. — E note que eram seguidores importantes. Gente que eu vi com os meus próprios olhos cumprindo as ordens dele. Presto estas informações como prova de minha total renúncia a ele, e de que estou tão roído de remorsos que mal... — Os nomes são? — tornou o Sr. Crouch com rispidez. Karkaroff inspirou profundamente. — Antônio Dolohov. Vi-o torturar inúmeros trouxas e... Não seguidores do Lord das Trevas. — E ajudou-o a fazer isso — murmurou Moody. — Já prendemos Dolohov — disse Crouch. — Foi capturado pouco depois de você. — Verdade? — admirou-se Karkaroff arregalando os olhos. — Fico... Fico satisfeito em saber! Mas não parecia nada satisfeito. Harry percebeu que a notícia fora um verdadeiro golpe para ele. Esse nome era, portanto, inútil. — Mais algum? — perguntou Crouch friamente. — É claro que sim... Havia Rosier — acrescentou Karkaroff depressa. — Evan Rosier. — Rosier está morto. Foi capturado pouco depois de você, também. Preferiu lutar do que aceitar a prisão, e foi morto ao resistir. — Mas levou um pedaço de mim com ele — sussurrou Moody, à direita de Harry O garoto virou mais uma vez a cabeça para olhá-lo e viu que ele apontava o pedaço que lhe faltava no nariz para Dumbledore. — Era... Era o que Rosier merecia! — disse Karkaroff, agora com uma perceptível nota de pânico na voz. Harry percebeu que ele estava começando a se preocupar que nenhuma de suas informações tivesse utilidade para o Ministério. Os olhos de Karkaroff correram para a porta no canto, atrás da qual sem dúvida os dementadores continuavam parados à espera. — Mais algum? — perguntou Crouch. — Sim! Havia o Travers, ele ajudou a assassinar os McKinnons! Mulciber, era especialista na Maldição Imperius, forçou inúmeras pessoas a fazerem coisas horrendas! Rookwood, que era espião e passava Àquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado informações úteis de dentro do Ministério! Harry percebeu que, desta vez, Karkaroff encontrara ouro. Todos os bruxos presentes começaram a murmurar ao mesmo tempo. — Rookwood? — disse o Sr. Crouch à bruxa que estava sentada à sua frente e que começou a tomar notas em um pergaminho. — Augusto Rookwood do Departamento de Mistérios? — Esse mesmo — confirmou Karkaroff pressuroso. — Creio que ele usava uma rede de bruxos bem colocados, tanto dentro quanto fora do Ministério, para colher informações... — Mas Travers e Mulciber nós já prendemos. Muito bem Karkaroff, se são só esses, você será reconduzido a Azkaban enquanto decidimos... — Ainda não! — gritou Karkaroff, parecendo bastante desesperado. — Espere, tenho mais! Harry observou que ele suava à luz dos archotes, sua pele branca contrastava fortemente com o negro dos cabelos e da barba. — Snape! — exclamou ele. — Severo Snape! — Snape já foi inocentado por este conselho — disse Crouch friamente. — Dumbledore testemunhou em favor dele. — Não! — gritou Karkaroff, forçando as correntes que o prendiam à cadeira. — Garanto ao senhor! Severo Snape é um Comensal da Morte! Dumbledore se erguera. — Eu já prestei depoimento sobre esse caso — disse calmamente. — Severo Snape foi de fato um Comensal da Morte. Porém, voltou para o nosso lado antes da queda de Lord Voldemort e virou nosso espião, se expondo a grande perigo. Hoje ele é tão Comensal da Morte quanto eu. Harry se virou para olhar Olho-Tonto Moody. Revelava no rosto uma expressão de profundo ceticismo, por trás de Dumbledore. — Muito bem, Karkaroff — disse Crouch friamente —, você ajudou. Vou rever o seu caso. Entrementes voltará para Azkaban... A voz do Sr. Crouch foi morrendo. Harry olhou para os lados, a masmorra estava desaparecendo gradualmente como se fosse feita de fumaça, tudo estava desaparecendo, ele só conseguia ver o próprio corpo, todo o resto era um redemoinho de escuridão... Então, a masmorra reapareceu. Harry estava sentado em outro lugar; ainda no banco mais alto, mas agora à esquerda do Sr. Crouch. A atmosfera parecia bem diferente, descontraída, quase animada. As bruxas e bruxos ao redor conversavam entre si, quase como se estivessem assistindo a um evento esportivo. Uma bruxa no meio dos bancos defronte a Harry chamou a atenção do garoto. Tinha cabelos louros e curtos, usava vestes magenta, e chupava a ponta de uma pena verde-ácido. Era, inconfundivelmente, uma Rita Skeeter mais moça. Harry olhou para os lados, Dumbledore estava outra vez sentado ao seu lado, usando outras vestes. O Sr. Crouch parecia mais cansado, mais feroz, mais descarnado... O garoto compreendeu. Era uma lembrança diferente, um dia diferente... Um julgamento diferente. A porta ao canto se abriu e Ludo Bagman entrou na sala. Não era, porém, um Ludo Bagman envelhecido, mas um Ludo Bagman que visivelmente se achava no auge de sua forma de jogador de Quadribol. Seu nariz não estava quebrado, ele era alto, magro e musculoso. Bagman parecia nervoso quando se sentou na cadeira com as correntes, mas elas não o prenderam, como haviam feito com Karkaroff, e Bagman, talvez animado por isso, correu os olhos pelos bruxos reunidos, acenou para alguns e até deu um sorrisinho. — Ludo Bagman, você foi trazido perante o Conselho das Leis da Magia para responder às acusações relacionadas com as atividades dos Comensais da Morte — disse o Sr. Crouch. — Já ouvimos as provas contra você e estamos prestes a alcançar um veredicto. Você tem algo mais a acrescentar ao seu depoimento antes de lavrarmos a sentença? Harry não conseguiu acreditar no que estava ouvindo. Ludo Bagman, um Comensal da Morte? — Apenas que — respondeu o bruxo, sorrindo sem graça —, bem, sei que estive agindo como um idiota... Uns espectadores nos bancos sorriram com indulgência. O Sr. Crouch não parecia compartir esse sentimento. Encarou Ludo Bagman com uma expressão de grande severidade e desagrado. — Você nunca disse nada mais verdadeiro, moleque — murmurou alguém secamente a Dumbledore, atrás de Harry. Ele virou a cabeça e viu Moody sentado ali de novo. — Se eu não soubesse que ele sempre foi débil, eu diria que alguns balaços devem ter afetado permanentemente o cérebro dele... — Ludovico Bagman, você foi apanhado passando informações aos seguidores de Lord Voldemort — disse o Sr. Crouch. — Por isso, proponho que cumpra sentença de prisão em Azkaban com uma duração mínima de... Ouviram-se protestos zangados para todos os lados. Vários bruxos e bruxas se levantaram, balançando a cabeça e até mesmo erguendo os punhos contra o Sr. Crouch. — Mas eu já declarei que não fazia idéia! — disse Bagman com veemência, sobrepondo-se à balbúrdia vinda dos bancos, arregalando seus redondos olhos azuis. — Nenhuma! O velho Rookwood era amigo do meu pai... Jamais me passou pela cabeça que ele estivesse com Você-Sabe-Quem! Pensei que estava colhendo informações para o nosso lado! E Rookwood falava o tempo todo em me arranjar um emprego no Ministério mais tarde... Quando terminassem meus dias de Quadribol, sabem... Quero dizer, não podia ficar levando balaços o resto da vida, podia? Ouviram-se risinhos nervosos entre os presentes. — Vou levar isso à votação — disse o Sr. Crouch friamente. E, virando-se para o lado direito da masmorra. — Jurados, por favor, ergam a mão... Os que forem a favor da prisão... Harry olhou para a direita da masmorra. Ninguém levantou a mão. Muitos bruxos e bruxas nos bancos começaram a bater palmas. Uma das bruxas no júri se levantou. — Pois não? — ladrou Crouch. — Gostaríamos de cumprimentar o Sr. Bagman por seu esplêndido desempenho no jogo de Quadribol da Inglaterra contra a Turquia no sábado passado — disse a bruxa ofegante. O Sr. Crouch fez uma cara furiosa. A masmorra agora ressoava de aplausos. Bagman se levantou e fez uma reverência, sorrindo. — Desprezível — vociferou o Sr. Crouch para Dumbledore, sentando-se na hora em que Bagman saía da masmorra. — Rookwood ia lhe arranjar um emprego, francamente... O dia que Ludo Bagman se juntar a nós será um dia muito triste para o Ministério... E a masmorra tornou a se dissolver. Quando reapareceu, Harry olhou para os lados. Ele e Dumbledore continuavam sentados ao lado do Sr. Crouch, mas a atmosfera não poderia ser mais diferente. Havia um silêncio absoluto, interrompido apenas pelos soluços de uma bruxa miudinha ao lado do Sr. Crouch. Apertava um lenço contra a boca com as mãos trêmulas. Harry ergueu os olhos para Crouch e viu que ele parecia mais descarnado e grisalho que nunca. Um nervo tremia em sua têmpora. — Pode trazê-los — disse, e sua voz ecoou pela masmorra silenciosa. A porta no canto abriu-se mais uma vez. E desta vez, entraram seis dementadores, ladeando um grupo de quatro pessoas. Harry viu os bruxos presentes erguerem os olhos para o Sr. Crouch. Alguns cochicharam entre si. Os dementadores sentaram cada uma das quatro pessoas nas quatro cadeiras de braços com correntes agora no centro da masmorra. Havia um homem corpulento que fixava Crouch com o olhar parado, outro mais magro e mais nervoso, cujos olhos percorriam ligeiros a assembléia, uma mulher, com cabelos espessos e brilhantes e olhos grandes e semicerrados, sentada à cadeira como se esta fosse um trono e um rapaz adolescente, que parecia no mínimo petrificado. Ele tremia, tinha os cabelos cor de palha espalhados pelo rosto, a pele sardenta e branca como o leite. A bruxa miudinha ao lado de Crouch começou a se balançar para frente e para trás no banco, abafando o choro com um lenço. Crouch se levantou. Olhou para os quatro prisioneiros e havia ódio absoluto em seu rosto. — Vocês foram trazidos aqui perante o Conselho das Leis da Magia — disse ele com clareza — para serem julgados por um crime tão hediondo... — Pai — disse o rapaz de cabelos cor de palha. — Pai... Por favor... —... De que raramente se ouviu falar neste tribunal — disse Crouch, alteando a voz, abafando as palavras do filho. — Ouvimos as provas contra vocês. E vocês foram acusados de capturar o auror, Frank Longbottom, e de submetê-lo à Maldição Cruciatus, acreditando que ele tivesse conhecimento do paradeiro atual do seu amo exilado, Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado... — Pai, eu não fiz isso! — gritou o rapaz acorrentado à cadeira. — Eu não fiz isso, pai, não me mande de volta aos dementadores... — Vocês são ainda acusados — berrou o Sr. Crouch — de usar a Maldição Cruciatus contra a mulher de Frank Longbottom, quando ele se recusou a dar informações. Vocês planejaram reconduzir Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado ao poder e de retomar a vida de violência que presumivelmente levavam quando ele detinha o poder. Agora peço aos jurados... — Mãe! — gritou o rapaz, e a bruxa miudinha ao lado de Crouch começou a soluçar, se balançando para frente e para trás. — Mãe, faça ele parar, mãe, eu não fiz isso, não fui eu! — Eu agora peço aos jurados — gritou o Sr. Crouch — que levantem as mãos se acreditarem, como eu, que estes crimes merecem uma sentença de prisão perpétua em Azkaban. Unânimes, as bruxas e bruxos do lado direito da masmorra ergueram as mãos. A assembléia ao redor começou a aplaudir como fizera no julgamento de Bagman, seus rostos expressavam selvagem triunfo. O rapaz começou a gritar. — Não! Mãe, não! Eu não fiz isso, eu não fiz isso, eu não sabia! Não me mande para lá, não deixe o pai me mandar! Os dementadores voltaram a deslizar pela sala. Os três companheiros do rapaz se levantaram silenciosamente das cadeiras, a mulher de olhos grandes e semicerrados olhou para Crouch e gritou: — O Lord das Trevas voltará a se erguer, Crouch! Joguem-nos em Azkaban, nós esperaremos! Ele se reerguerá e virá nos buscar e nos recompensará mais que aos seus outros seguidores! Somente nós permanecemos fiéis! Somente nós tentamos encontrá-lo. Mas o rapaz procurava se desvencilhar dos dementadores, embora Harry percebesse que o desumano poder de sugar energia daquelas criaturas começava a afetá-lo. Os bruxos presentes riam e caçoavam, alguns de pé, enquanto a mulher saía majestosamente da masmorra e o rapaz continuava a se debater. — Sou seu filho! — berrava ele para Crouch. — Sou seu filho! — Você não é meu filho! — berrou o Sr. Crouch, os olhos saltando subitamente das órbitas. — Não tenho filho! A bruxa miudinha ao lado de Crouch ficou sem ar e desabou na cadeira. Desmaiara, o marido pareceu não ter notado. — Levem-nos embora! — berrou para os dementadores, o cuspe saltando de sua boca. — Levem-nos embora, que eles apodreçam lá! — Pai, eu não estava envolvido! Não! Não! Pai, por favor! — Acho, Harry, que já é hora de voltar ao meu escritório — disse baixinho uma voz ao ouvido do garoto. Ele se assustou. Olhou para um lado. Depois para o outro. Havia um Alvo Dumbledore sentado à sua direita, observando o filho de Crouch sair arrastado pelos dementadores — e havia um Alvo Dumbledore à sua esquerda, olhando bem para ele. — Venha — disse o Dumbledore à sua esquerda, segurando o cotovelo de Harry. O garoto sentiu que o erguiam no ar, a masmorra desapareceu à sua volta; por um momento tudo ficou escuro, então teve a impressão de que estava dando uma cambalhota em câmara lenta e, repentinamente caiu de pé, no que concluiu ser a claridade ofuscante do escritório do diretor. A bacia de pedra tremeluzia no armário à sua frente e Alvo Dumbledore estava parado ao seu lado. — Professor — exclamou Harry —, eu sei que eu não devia ter... Não tive intenção, a porta do armário estava entreaberta e... — Eu compreendo — disse Dumbledore. E erguendo a bacia, levou-a até a escrivaninha, pousou-a sobre sua superfície reluzente e se sentou na cadeira à escrivaninha. Fez sinal ao garoto para que se sentasse defronte dele. Harry obedeceu, com os olhos postos na bacia de pedra. O conteúdo voltara ao seu estado original branco-prateado girando e ondulando ao seu olhar. — Que é isso? — perguntou Harry trêmulo. — Isso? Chama-se Penseira, às vezes eu acho, e tenho certeza de que você conhece a sensação, que simplesmente há pensamentos e lembranças demais enchendo minha cabeça. — Hum — fez Harry, que não podia realmente dizer que já tivesse sentido nada igual. — Nessas ocasiões — continuou Dumbledore indicando a bacia de pedra — uso a Penseira. Escôo o excesso de pensamentos da mente, despejo-os na bacia e examino-os com calma. Assim fica mais fácil identificar padrões e ligações, compreende, quando estão sob esta forma. — O senhor quer dizer... Que isso aí são os seus pensamentos? — disse Harry, olhando a substância branca que redemoinhava na bacia. — Sem dúvida. Deixe-me mostrar. Dumbledore puxou a varinha de dentro das vestes e pousou sua ponta sobre seus cabelos prateados, próximos à têmpora. Quando afastou a varinha, os cabelos pareciam estar grudados nela, mas Harry viu que eram, na realidade, fios brilhantes da mesma substância estranha e branco-prateada que enchia a Penseira. Dumbledore acrescentou novos pensamentos à bacia, e Harry, espantado, viu seu próprio rosto boiando na superfície da substância. Dumbledore colocou suas longas mãos dos lados da Penseira e sacudiu-a, como faria um garimpeiro à procura de pepitas de ouro... E o garoto viu o próprio rosto se transformar suavemente no de Snape, que abriu a boca, e falou para o teto, fazendo sua voz ecoar levemente: Está voltando... A de Karkaroff também... Mais clara e forte que nunca... — Uma ligação que eu teria feito sem ajuda de ninguém — suspirou Dumbledore —, mas não faz mal. — Por cima dos seus oclinhos de meia-lua, ele mirou Harry, que acompanhou boquiaberto o rosto de Snape girar continuamente na bacia. — Eu estava usando a Penseira quando o Sr. Fudge chegou para a reunião e guardei-a apressado. Com certeza não fechei o armário direito. É natural que ela tenha atraído sua atenção. — Me desculpe — murmurou Harry. Dumbledore balançou a cabeça. — A curiosidade não é um pecado — disse ele. — Mas devemos ser cautelosos com a nossa curiosidade... Sem dúvida... Enrugando ligeiramente a testa, o diretor tornou a empurrar seus pensamentos para dentro da bacia com a ponta da varinha. Instantaneamente, emergiu dela um vulto, uma menina gordinha de cara mal-humorada de uns dezesseis anos, que começou a girar lentamente, com os pés ainda na bacia. Ela não prestou a menor atenção a Harry nem ao Professor Dumbledore. Quando falou, sua voz ecoou como fizera a de Snape, como se viesse das profundezas da bacia de pedra: "Ele me azarou, Professor Dumbledore, e eu só estava brincando, só disse que o tinha visto beijando Florência atrás das estufas na quinta-feira passada...” — Mas por que, Berta — disse Dumbledore tristemente, fitando a menina que agora girava silenciosamente —, por que você teve que segui-lo, para começar? — Berta? — sussurrou Harry, olhando para a garota. — Ela é... Era a Berta Jorkins? — Era — disse Dumbledore mais uma vez revolvendo os pensamentos na bacia, Berta voltou a afundar neles, e tudo se tornou mais uma vez prateado e opaco. — É a Berta como me lembro dela na escola. A claridade prateada da Penseira iluminou o rosto de Dumbledore e ocorreu a Harry, repentinamente, que o diretor parecia velhíssimo. Ele sabia, era claro, que Dumbledore estava envelhecendo, mas por alguma razão nunca pensara no diretor como um velho. — Então, Harry — disse Dumbledore baixinho. — Antes de se perder nos meus pensamentos, você queria me contar alguma coisa. — Verdade. Professor, eu estava na aula de Adivinhação agorinha e... Hum... Cochilei. Ele hesitou neste ponto, imaginando se iria levar uma bronca, mas Dumbledore apenas disse: — Muito compreensível. Continue. — Bem, eu tive um sonho. Um sonho com Lord Voldemort. Ele estava torturando Rabicho... O senhor sabe quem é Rabicho... — Sei — disse Dumbledore, prontamente. — Por favor, continue. — Voldemort recebeu uma carta levada por uma coruja. E falou uma coisa mais ou menos assim: que o erro de Rabicho tinha sido reparado. Falou que alguém estava morto. Depois falou que ia atirar Rabicho para servir de comida à cobra, tinha uma cobra ao lado da poltrona dele. Falou também que em vez do Rabicho, ele ia jogar a mim. Depois lançou a Maldição Cruciatus em Rabicho, e a minha cicatriz doeu. Doeu tanto que me acordou. Dumbledore apenas fitou Harry. — Hum, foi só isso — disse Harry. — Entendo — disse Dumbledore em voz baixa. — Agora, a sua cicatriz já doeu alguma outra vez este ano, além daquela em que o acordou durante as férias de verão? — Não, eu... Como foi que o senhor soube que ela me acordou no verão? — perguntou Harry espantado. — Você não é o único que se corresponde com Sirius — disse Dumbledore. — Também tenho estado em contato com ele desde que fugiu de Hogwarts no ano passado. Fui eu quem sugeriu a caverna na encosta da montanha como o lugar mais seguro para ele se esconder. Dumbledore se levantou e começou a andar para cima e para baixo atrás da escrivaninha. De vez em quando, levava a varinha à têmpora, retirava mais um pensamento prateado e o acrescentava à Penseira. Os pensamentos dentro dela começaram a girar tão rápido que Harry não conseguia distinguir nada muito claramente, apenas um borrão de cor. — Professor? — disse Harry baixinho, depois de uns minutos. Dumbledore parou de andar e encarou Harry. — Perdão — disse ele em voz baixa. E tornou a se sentar em sua cadeira. — Professor, o senhor sabe por que minha cicatriz dói? O diretor fitou Harry com muita atenção por um momento, depois disse: — Eu tenho uma teoria, não é nada mais que isso... Acredito que a sua cicatriz dói quando Lord Voldemort anda por perto ou quando tem um assomo particularmente intenso de ódio. — Mas... Por quê? — Porque você e ele estão ligados pelo feitiço que falhou. Isto não é uma cicatriz comum. — Então o senhor acha... Esse sonho... Ele realmente aconteceu? — É possível. Eu diria, provavelmente, Harry, você viu Voldemort? — Não — respondeu Harry. — Somente as costas da poltrona dele. Mas... Não haveria muita coisa que ver, haveria? Quero dizer, ele não tem corpo, tem? Mas... Mas por outro lado como é que ele poderia ter segurado a varinha? — disse Harry lentamente. — Como, não é mesmo? — murmurou o diretor. — Como mesmo... Nem Dumbledore nem Harry falaram por algum tempo. O diretor tinha o olhar perdido no outro lado da sala, de vez em quando apoiava a ponta da varinha na têmpora e acrescentava mais um pensamento de prata refulgente à massa que fervilhava na Penseira. — Professor — disse Harry finalmente —, o senhor acha que ele está ficando mais forte? — Voldemort? — indagou ele, olhando para o garoto por cima da Penseira. Era o olhar penetrante e característico que Dumbledore já lhe dera em outras ocasiões, e sempre fizera o garoto ter a sensação de que o diretor estava enxergando através dele, de uma maneira que nem o olho mágico de Moody seria capaz. — Mais uma vez, Harry, só posso expressar suspeitas. — Dumbledore suspirou outra vez e seu rosto pareceu mais velho e mais cansado que nunca. — A ascensão de Voldemort ao poder — disse ele — foi marcada por desaparições. Berta Jorkins desapareceu sem deixar vestígio no lugar em que se sabe que Voldemort esteve por último. O Sr. Crouch, também, desapareceu... Aqui nos terrenos da escola. E houve uma terceira desaparição, uma que o Ministério, lamento dizer, não considera ser importante, porque diz respeito a um trouxa. O nome dele era Franco Bryce, vivia na aldeia em que o pai de Voldemort se criou, e os habitantes do lugar não o vêem desde agosto. Como vê, leio os jornais dos trouxas, ao contrário da maioria dos meus amigos do Ministério. Dumbledore encarou Harry muito sério. — Essas desaparições me parecem estar interligadas. O Ministério discorda, como você deve ter ouvido, enquanto esperava do lado de fora do meu escritório. Harry confirmou com a cabeça. Fez-se novo silêncio entre os dois, Dumbledore extraindo pensamentos de quando em quando. Harry achou que estava na hora de ir, mas sua curiosidade o segurava sentado. — Professor? — falou ele outra vez. — Sim, Harry? — Hum... Será que eu posso perguntar ao senhor sobre... Aquela cena do tribunal em que eu estive na... Penseira? — Pode — disse Dumbledore com um peso no coração. — Estive presente muitas vezes, mas alguns julgamentos voltam à lembrança mais claramente que outros... Particularmente agora... — O senhor sabe, o senhor sabe o julgamento em que me encontrou? O do filho de Crouch? Bem... Era dos pais de Neville que eles estavam falando? Dumbledore lançou um olhar muito sagaz a Harry. — Neville nunca lhe contou por que foi criado pela avó? Harry balançou a cabeça, imaginando ao mesmo tempo, porque jamais perguntara isso a Neville em quase quatro anos de conhecimento. — Era, estavam falando dos pais de Neville. O pai, Frank, era auror como o Professor Moody. Ele e a mulher foram torturados para darem informações sobre o paradeiro de Voldemort depois que ele perdeu os poderes, conforme você ouviu. — Então estão mortos? — perguntou Harry baixinho. — Não — disse Dumbledore, a voz cheia de uma amargura que Harry nunca ouvira nele antes —, enlouqueceram. Os dois estão no Hospital St. Mungus para Doenças e Acidentes Mágicos. Creio que Neville os visita, com a avó, durante as férias. Os pais não o reconhecem. Harry ficou sentado ali, horrorizado. Nunca soubera... Nunca, em quatro anos, se preocupara em descobrir... — Os Longbottom eram um casal muito querido — disse Dumbledore. — Os ataques a eles começaram depois da queda de Voldemort, quando todos pensavam que estavam a salvo. Os ataques causaram uma onda de fúria nunca vista. O Ministério ficou sob grande pressão para capturar quem tinha feito aquilo. Infelizmente, o depoimento dos Longbottom não foi, dada a condição em que estavam, nada confiável. — Então, talvez o filho do Sr. Crouch não estivesse envolvido? — perguntou Harry lentamente. Dumbledore balançou a cabeça. — Quanto a isso não faço idéia. Harry ficou em silêncio mais uma vez, observando o conteúdo da Penseira redemoinhar. Havia mais duas perguntas que estava em cócegas para fazer... Mas diziam respeito à culpa de gente viva... — Hum — começou ele —, o Sr. Bagman... — ... Nunca mais foi acusado de nenhuma atividade maligna deste então — disse Dumbledore calmamente. — Certo — apressou-se Harry a dizer, fitando novamente o conteúdo da Penseira, que girava mais lentamente agora que Dumbledore parara de lhe acrescentar pensamentos. — E... Hum... Mas a Penseira parecia estar fazendo a pergunta por ele. O rosto de Snape apareceu novamente flutuando à superfície. Dumbledore olhou para dentro da bacia e depois ergueu os olhos para Harry. — Tampouco o Professor Snape — disse. Harry fitou os olhos azul-claros de Dumbledore e a coisa que realmente queria saber escapou de sua boca antes que ele pudesse se refrear. — Que foi que levou o senhor a pensar que ele realmente parou de apoiar Voldemort, professor? Dumbledore sustentou o olhar de Harry por alguns segundos e então disse: — Isto, Harry, é um assunto entre mim e o Professor Snape. Harry percebeu que a entrevista terminara; Dumbledore não parecia zangado, contudo havia um tom conclusivo em sua voz que informou ao garoto que era hora de se retirar. Ele se levantou e o diretor também. — Harry — disse ele, quando o garoto chegou à porta. — Por favor, não comente sobre os pais de Neville com mais ninguém. Ele tem o direito de informar às pessoas quando estiver preparado para isso. — Sim senhor, professor — disse Harry virando-se para ir embora. -E... Harry virou a cabeça para trás. Dumbledore estava parado diante da Penseira, seu rosto iluminado pelos pontos de luz prateada, parecendo mais velho que nunca. O diretor fitou Harry por um momento e em seguida disse: — Boa sorte na terceira tarefa.

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