CAPÍTULO
DOZE
O
Patrono
Harry
sabia que Hermione tivera boa intenção, mas isso não o impedia de estar
aborrecido com a amiga. Ele fora dono da melhor vassoura do mundo por
breves horas e agora, por interferência dela, não sabia se iria rever a
vassoura.
Harry
tinha certeza de que, no momento, não havia problema algum com a Firebolt,
mas em que estado ela ficaria depois de ser submetida a todo tipo de
teste antifeitiço?
Rony
também estava furioso com Hermione. Na sua opinião, desmontar uma Firebolt
nova em folha era nada menos que um ato criminoso.
Hermione,
que continuava convicta de que agira visando o bem do amigo, começou a
evitar a sala comunal. Os dois garotos supunham que ela se refugiara na
biblioteca e não tentaram persuadi-la a voltar. Em tudo por tudo,
eles ficaram felizes quando o restante da escola voltou, pouco depois do
Ano-Novo, e a Torre da Grifinória novamente se encheu de gente e
ruídos.
Olívio
procurou Harry na véspera do novo trimestre começar.
—
Teve um bom Natal? — perguntou ele e, em seguida, sem esperar resposta, se
sentou, baixou a voz e disse: — Andei pensando durante o Natal,
Harry. Depois da última partida,
entende. Se os dementadores forem ao próximo... Quero dizer... Não podemos nos
dar ao luxo de você... Bem...
Olívio
parou, parecendo constrangido.
—
Já estou cuidando disso — falou Harry depressa. — O Profº. Lupin prometeu
que me ensinaria a afastar os dementadores. Devemos começar esta semana. Ele
falou que teria tempo depois do Natal.
—
Ah — respondeu Olívio, o rosto se desanuviando. — Bem, nesse caso... Eu
não queria realmente perder você como apanhador, Harry já encomendou uma
vassoura nova?
—
Não.
—
Quê! É melhor você se mexer, sabe, não vai poder montar aquela Shooting
Star contra o time da Corvinal!
—
Ele ganhou uma Firebolt de Natal — disse Rony.
—
Uma Firebolt? Não! Sério? Uma Firebolt de verdade?
—
Não precisa se excitar, Olívio — disse Harry deprimido.
—
Não está mais comigo. Foi confiscada. — E explicou tudo sobre
a Firebolt e como estava sendo verificada para saber se fora
enfeitiçada.
—
Enfeitiçada? Como poderia ter sido enfeitiçada?
—
Sirius Black — disse Harry, cansado. — Dizem que ele está querendo me
pegar. Então McGonagall calculou que poderia ter me mandado a vassoura.
Descartando
a informação de que um assassino famoso estava atrás do seu apanhador,
Olívio disse:
—
Mas Black não poderia ter comprado uma Firebolt! Ele está fugindo! O país
inteiro está à procura dele! Como é que iria simplesmente entrar na
Artigos de Qualidade para Quadribol e comprar uma vassoura?
—
Eu sei, mas ainda assim McGonagall quer desmontá-la...
Olívio
empalideceu.
—
Vou falar com ela, Harry — prometeu. — Vou chamá-la à razão... Uma
Firebolt... Uma autêntica Firebolt, no nosso time... Ela quer
que Grifinória ganhe tanto quanto nós... Vou fazê-la ver o absurdo.
Uma Firebolt...
As
aulas recomeçaram no dia seguinte. A última coisa que alguém ia
querer fazer era passar duas horas lá fora em uma fria manhã de
janeiro, mas Hagrid providenciara uma fogueira cheia de salamandras para
alegria dos alunos, que passaram uma aula incomumente boa juntando
madeira e folhas secas para manter o fogo alto enquanto os bichinhos,
que adoram chamas, subiam e desciam pelas toras embranquecidas de calor. A
primeira aula de Adivinhação do novo trimestre foi bem menos divertida; a
Profª. Sibila estava agora começando a ensinar quiromancia à turma e não
perdeu tempo para informar Harry de que ele possuía a menor linha da vida
que ela já vira.
Mas
era à aula de Defesa contra as Artes das Trevas que ele estava ansioso
para chegar; depois da conversa com Olívio, queria começar as aulas
antidementadores o mais cedo possível.
—
Ah, é verdade — disse Lupin quando Harry o lembrou da promessa no final da
aula. — Vejamos... Que tal às oito horas da noite na quinta? A sala
de aula de História da Magia deve ser suficientemente grande... Tenho
que pensar muito como vamos fazer.
Não podemos trazer um dementador real ao castelo para praticar...
—
Ele continua com cara de doente, não acha? — perguntou Rony quando
caminhavam pelo corredor para ir jantar. — Que é que você acha que ele
tem?
Ouviram
um alto muxoxo de impaciência atrás deles. Era Hermione que estivera
sentada ao pé de uma armadura, rearrumando a mochila, tão cheia de livros
que não fechava.
—
E por que é que você esta fazendo muxoxo para a gente? — perguntou Rony,
irritado.
—
Por nada — respondeu Hermione em tom de superioridade, passando a mochila
pelo ombro.
—
Nada, não — disse Rony. — Eu estava imaginando qual seria o problema de
Lupin, e você...
—
Bem, será que não está óbvio? — disse a garota com um olhar de superioridade
de dar nos nervos.
—
Se você não quer dizer, não diga — retrucou Rony com rispidez.
—
Ótimo — disse Hermione, arrogante, e foi-se embora.
—
Ela não sabe — disse Rony, olhando, rancoroso, para a garota que se
afastava. — Só está tentando fazer a gente voltar a falar com ela.
Oito
horas da noite de quinta-feira, Harry saiu da Torre da Grifinória para a
sala de História da Magia. Quando chegou, a sala estava escura e vazia,
mas ele acendeu as luzes com a varinha e já estava esperando havia uns
cinco minutos quando o Profº. Lupin apareceu, trazendo uma grande caixa,
que depositou em cima da escrivaninha do Profº. Binns.
—
Que é isso? — perguntou Harry.
—
Outro bicho-papão — respondeu Lupin
tirando a capa. — andei passando um pente fino no castelo desde terça-feira
e por sorte encontrei este aqui escondido no arquivo do Sr. Filch. É
o mais próximo que chegaremos de um dementador de verdade, O bicho-papão se transformará
em um dementador quando o vir, então poderemos praticar. Posso guardá-lo
na minha sala quando não estiver em uso; tem um armário embaixo da
minha escrivaninha de que ele vai gostar.
—
Tudo bem — disse Harry procurando falar como se não estivesse nada
apreensivo, mas apenas feliz por Lupin ter encontrado um substituto tão
bom para um dementador real.
—
Então... — O Profº. Lupin apanhou a varinha e fez sinal para Harry
imitá-lo. — O feitiço que vou tentar lhe ensinar faz parte da magia muito
avançada, Harry, muito acima do Nível Normal de Bruxaria. É chamado o Feitiço do Patrono.
—
O que é que ele faz? — perguntou Harry nervoso.
—
Bem, quando funciona corretamente, ele conjura um Patrono, que é uma
espécie de antidementador, um guardião que age como um escudo entre você e
o dementador.
Harry
teve uma súbita visão de si mesmo agachado atrás de um vulto do tamanho de
Hagrid segurando um enorme bastão. O Profº. Lupin continuou:
—
O Patrono é um tipo de energia positiva, uma projeção da própria coisa de
que o dementador se alimenta: esperança, felicidade, desejo de
sobrevivência, mas ele não consegue sentir desesperança, como um ser
humano real, por isso o dementador não pode afetá-lo. Mas preciso
preveni-lo, Harry, de que o feitiço talvez seja demasiado avançado
para você. Muitos bruxos habilitados têm dificuldade de executá-lo.
—
Que aspecto tem um Patrono? — perguntou Harry, curioso.
—
Cada um é único para o bruxo que o conjura.
—
E como se conjura?
—
Com uma fórmula mágica, que só fará efeito se você estiver concentrado,
com todas as suas forças, em uma única lembrança muito feliz.
Harry
procurou em sua mente uma lembrança feliz. Com certeza, nada que tivesse
lhe acontecido na casa dos Dursley iria servir. Por fim, decidiu-se pelo
momento em que voou numa vassoura pela primeira vez.
—
Certo — disse, procurando lembrar o mais exatamente possível da maravilhosa
sensação de voar.
—
A fórmula é a seguinte — Lupin pigarreou para limpar a garganta. — Expecto Patronum!
—
Expecto Patronum! — repetiu Harry em
voz baixa —, Expecto...
—
Está se concentrando com todas as forças em sua lembrança feliz?
—
Ah... Estou — respondeu Harry, forçando depressa seu pensamento a retornar
àquele primeiro vôo de vassoura. — Expecto patrono. Não, patronum... Desculpe... Expecto Patronum! Expecto Patronum!... — Alguma coisa se
projetou subitamente da ponta de sua varinha; parecia um fiapo de gás prateado.
—
O senhor viu isso? — perguntou Harry, excitado. — Aconteceu uma coisa!
—
Muito bem — aprovou Lupin sorrindo. — Certo, então, está pronto para
experimentar com um dementador?
—
Estou — disse o garoto, segurando sua varinha com firmeza e indo para o
meio da sala de aula deserta. Tentou manter o pensamento no vôo, mas
alguma coisa não parava de interferir... A qualquer segundo agora, poderia
tornar a ouvir sua mãe... Mas ele não devia pensar nisso ou tornaria a
ouvi-la, e ele não queria... Ou será que queria?
Lupin
segurou a tampa da caixa e levantou-a.
Um
dementador se ergueu lentamente da caixa, o rosto encapuzado virado
para Harry, uma mão luzidia, coberta de cascas de feridas, segurando a
capa.
As
luzes em volta da sala de aula piscaram e se apagaram. O dementador saiu
da caixa e começou a se deslocar silenciosamente em direção a
Harry, respirando profundamente, uma respiração vibrante. Uma onda de
frio intensa o engolfou...
—
Expecto patronum! — berrou Harry. — Expecto Patronum!
Mas
a sala e o dementador foram se dissolvendo... Harry se viu caindo outra
vez por um denso nevoeiro branco, e a voz de sua mãe mais alta que nunca,
ecoava em sua cabeça... “Harry não!
Harry não! Por favor... farei qualquer coisa...”
"Afaste-se. Afaste-se, menina...”
—
Harry!
Harry
de repente recuperou os sentidos. Estava deitado de costas no chão. As
luzes da sala tinham reacendido. Ele não precisou perguntar o que
acontecera.
—
Desculpe — murmurou, se sentando e sentindo o suor frio escorrer por dentro
dos óculos.
—
Você está bem? — perguntou Lupin.
—
Estou... — Harry usou uma carteira para se levantar, apoiando-se nela.
—
Tome aqui — Lupin lhe deu um sapo de chocolate. — Coma isso antes de
tentarmos outra vez. Eu não esperava que você conseguisse da primeira vez;
de fato, ficaria assombrado se tivesse conseguido.
—
Está piorando — murmurou Harry, mordendo a cabeça do sapo. — Eu a ouvi
mais alto dessa vez... E ele... Voldemort.
Lupin
parecia mais pálido do que de costume.
—
Harry, se você não quiser continuar, vou compreender muito bem...
—
Eu quero! — exclamou Harry com vigor, enfiando o resto do sapo de
chocolate na boca. — Tenho que continuar! O que vai acontecer se os
dementadores aparecerem na partida contra Corvinal? Não posso me dar ao
luxo de cair outra vez. Se perdermos a partida, perderemos a Taça de
Quadribol!
—
Muito bem, então... — disse Lupin. — Talvez queira escolher outra
lembrança, uma lembrança feliz, quero dizer, para se concentrar... Essa
primeira parece que não foi bastante forte...
Harry
fez um esforço mental e concluiu que sua emoção quando Grifinória ganhara
o Campeonato das Casas, no ano anterior, fora decididamente uma
lembrança muito feliz. Segurou a varinha com força, outra vez, e tomou
posição no meio da sala.
—
Pronto? — perguntou Lupin segurando a tampa da caixa.
—
Pronto — disse Harry, tentando por tudo encher a cabeça de pensamentos
felizes sobre a vitória de Grifinória, em lugar dos pensamentos
sombrios sobre o que ia acontecer quando a caixa se abrisse.
—
Já! — disse Lupin destampando a caixa. A sala ficou gelada e escura mais
uma vez. O dementador avançou deslizando, inspirando com força; a mão
podre estendida para Harry...
—
Expecto Patronum! — berrou Harry. – Expecto Patronum! Expecto Pat...
Um
nevoeiro branco obscureceu seus sentidos... Vultos grandes e difusos
moveram-se à sua volta... Então ele ouviu uma nova voz, uma voz de homem,
gritando em pânico... "Lílian, leve
Harry e vá! É ele! Vá! Corra! Eu o atraso...”
Os
ruídos de alguém saindo aos tropeços de uma sala... Uma porta se
escancarando... Uma gargalhada aguda...
—
Harry! Harry. Acorde...
Lupin
dava tapinhas em seu rosto. Desta vez levou um minuto até Harry entender
por que estava deitado no chão empoeirado de uma sala de aula.
—
Ouvi meu pai — murmurou Harry — É a primeira vez que o ouço, ele tentou
enfrentar Voldemort sozinho, para dar à minha mãe tempo de fugir...
O
garoto de repente percebeu que havia em seu rosto lágrimas misturadas ao
suor. Abaixou a cabeça o mais que pôde e enxugou as lágrimas nas vestes, fingindo
estar amarrando um sapato, para Lupin não ver.
—
Você ouviu Tiago? — disse Lupin numa voz estranha.
—
Ouvi... — O rosto seco, Harry ergueu a cabeça. — Por quê... O senhor
conheceu meu pai?
—
Eu... Para falar a verdade, conheci. Fomos amigos em Hogwarts. Escute,
Harry... Talvez devêssemos parar por hoje. Este feitiço é
absurdamente avançado... Eu não devia ter sugerido que você se submetesse
a essa...
—
Não! — disse Harry e tornou a se levantar. — Vou tentar mais uma vez! Não
estou pensando em lembranças muito felizes, é só isso... Espere aí...
O
garoto puxou pela memória. Uma lembrança realmente,
mas realmente feliz... Uma que ele pudesse transformar em
um Patrono válido e forte...
O
momento em que ele descobrira que era bruxo e ia deixar a casa dos Dursley
para freqüentar Hogwarts! Se isso não fosse uma lembrança feliz,
ele não sabia qual seria... Concentrando-se com todas as forças no
que sentira quando compreendeu que ia deixar a Rua dos Alfeneiros, Harry
se levantou e ficou de frente para a caixa mais uma vez.
—
Pronto? — perguntou Lupin, que parecia fazer isso contrariando o seu bom
senso. — Concentrou-se com firmeza? Muito bem... Já!
Ele
tirou a tampa da caixa pela terceira vez, e o dementador se levantou; a
sala esfriou e escureceu.
—
EXPECTO PATRONUM! — berrou Harry. — EXPECTO PATRONUM! EXPECTO PATRONUM!
A
gritaria dentro da cabeça de Harry recomeçara — exceto que desta vez,
parecia vir de um rádio mal sintonizado — fraca e forte e fraca outra
vez... ele continuava a ver o dementador — que parara — então, um enorme
vulto prateado irrompeu da ponta de sua varinha e ficou pairando entre ele
e o dementador, e, embora suas pernas tivessem perdido as forças,
Harry continuava de pé, por quanto tempo ele não tinha muita certeza...
—
Riddikulus. — bradou Lupin saltando à
frente.
Ouviu-se
um estalo muito alto e o diáfano Patrono desapareceu juntamente com o
dementador; o garoto afundou em uma cadeira, sentindo a exaustão de quem
correra mais de um quilômetro, e as pernas trêmulas. Pelo canto do olho,
viu o Profº. Lupin enfiar, à força, o bicho-papão
na caixa, com a varinha; ele se transformou mais uma vez em uma bola
prateada.
—
Excelente! — exclamou Lupin, aproximando-se do garoto. — Excelente Harry!
Decididamente foi um começo!
—
Podemos tentar mais uma vez? Só mais umazinha?
—
Agora, não — disse Lupin com firmeza. — Você já fez o bastante por uma
noite. Tome...
E
deu a Harry uma enorme barra do melhor chocolate da Dedosdemel.
—
Coma bastante ou Madame Pomfrey vai querer me matar. À mesma hora na
semana que vem?
—
Ok — concordou Harry. Ele deu uma dentada no chocolate enquanto observava
Lupin apagar as luzes que tinham reacendido com o desaparecimento do
dementador.
Acabava
de lhe ocorrer um pensamento.
—
Profº. Lupin, se o senhor conheceu meu pai, então deve ter conhecido
Sirius Black, também.
Lupin
se virou na mesma hora.
—
Que foi que lhe deu essa idéia? — perguntou ele com rispidez.
—
Nada... Quero dizer, eu soube que eles também eram amigos em Hogwarts...
O
rosto de Lupin se descontraiu.
—
É, eu o conheci — disse brevemente. — Ou pensei que o conhecia. É melhor você
ir andando, Harry, está ficando tarde.
O
garoto saiu da sala, andou um pouco pelo corredor, dobrou um canto, depois
se desviou para trás de uma armadura e se sentou em sua base para terminar
o chocolate, desejando que não tivesse mencionado Black, pois Lupin
obviamente não gostava de tocar nesse assunto. Então os pensamentos de
Harry foram vagando aos poucos para sua mãe e seu pai.
Ele
se sentiu esgotado e estranhamente vazio, ainda que estivesse empanturrado
de chocolate. Por mais horrível que fosse ouvir os últimos momentos de
seus pais repassarem por sua cabeça, eles tinham sido os únicos em que Harry ouvira as
vozes dos dois desde que era pequeno. Mas ele não seria capaz de produzir
um Patrono adequado se ficasse desejando ouvir os pais novamente...
—
Eles estão mortos — disse a si mesmo com severidade. — Estão mortos e
ficar ouvindo seus ecos não vai trazê-los de volta. É melhor você se
controlar se quiser aquela Taça de Quadribol.
Ele
se levantou, atochou o último pedaço de chocolate na boca e rumou para a
Torre da Grifinória.
Corvinal
jogou contra Sonserina uma semana depois do inicio do semestre.
Sonserina ganhou, mas foi uma vitória apertada.
Segundo Olívio,
isto era uma boa notícia para Grifinória, que tiraria o segundo lugar
se também batesse Corvinal. Portanto, o capitão aumentou o número de
treinos para cinco por semana. Isto significou que com as aulas
antidementadores de Lupin, que em si eram mais exaustivas que os
treinos de Quadribol, só sobrara a Harry uma noite por semana para fazer
todos os deveres de casa. Ainda assim, ele não estava aparentando
tanto desgaste quanto Hermione, cuja imensa carga de trabalho parecia
estar finalmente cansando-a. Todas as noites, sem falta, Hermione era
vista a um canto da sala comunal, várias mesas cheias de livros,
tabelas de Aritmancia, dicionários de runas, diagramas de trouxas
levantando grandes objetos e ainda fichários e mais fichários de extensas
anotações; ela pouco falava com os colegas e respondia mal quando era
interrompida.
—
Como é que ela está fazendo isso? — murmurou Rony para Harry certa
noite, quando este se sentara para preparar uma redação difícil sobre
venenos indetectáveis pedida por Snape. Harry ergueu a cabeça. Mal
conseguiu divisar Hermione por trás da pilha instável de livros.
—
Isso o quê?
—
Assistindo a todas as aulas! — disse Rony. — Ouvi Mione conversando com a
Profª. Vector, aquela bruxa da Aritmancia, hoje de manhã. Estavam
discutindo a aula de ontem, mas Mione não podia ter estado lá, porque
estava conosco na de Trato das Criaturas Mágicas! E Ernesto McMillan me
disse que ela nunca faltou a nenhuma aula de Estudos dos Trouxas, mas
metade das aulas são no mesmo horário de Adivinhação, e ela também nunca
faltou a nenhuma lá!
Harry
não tinha tempo, naquele momento, para desvendar o mistério dos horários
impossíveis de Hermione; ele realmente precisava terminar o trabalho
para Snape. Dois segundos depois, no entanto, foi novamente
interrompido, desta vez por Olívio.
—
Más notícias Harry. Acabei de ir falar com a Profª. McGonagall sobre a
Firebolt. Ela... Hum... Foi um pouco
grossa comigo. Me disse que as minhas prioridades estavam trocadas.
Parece que entendeu que eu estava mais preocupado em ganhar a Taça do que
com as suas chances de sobrevivência. Só porque eu disse que não me
importava se a vassoura o derrubasse, desde que você apanhasse o pomo
primeiro. — Olívio sacudiu a cabeça, incrédulo. — Francamente, o jeito
como ela gritou comigo dava até para pensar que eu tinha dito alguma
coisa horrível.. Então perguntei quanto tempo mais ela ia ficar com a
vassoura... — Olívio amarrou a cara e imitou a voz severa da
professora: “O tempo que for preciso,
Wood"... Acho que está na hora de você encomendar uma vassoura
nova, Harry. Tem um formulário de pedido no final do Qual...
Vassoura... você podia comprar uma Nimbus 2001, como a do Malfoy.
—
Não vou comprar nada que Malfoy ache bom — disse Harry em tom definitivo.
Janeiro
transitou para fevereiro imperceptivelmente, sem alteração no frio extremo
que fazia. A partida contra Corvínal estava cada dia mais próxima, mas
Harry ainda não encomendara a vassoura nova. Ele agora pedia à Profª.
McGonagall notícias da Firebolt depois da aula de Transformação. Rony
parava, cheio de esperança, ao lado dele, Hermione passava depressa
com o rosto virado.
—
Não, Potter, ainda não posso devolvê-la — disse a professora na décima
segunda vez que isto aconteceu, antes mesmo que ele abrisse a boca para
perguntar. — Já a verificamos com relação à maioria dos feitiços comuns,
mas o Profº. Flitwíck acredita que a vassoura possa estar carregando um
Feitiço de Velocidade. Eu o informarei quando tivermos terminado a
verificação. Agora, por favor, pare de me pressionar.
Para
piorar as coisas, as aulas antidementadores não estavam correndo tão bem
quanto Harry esperara. Em várias sessões ele fora capaz de produzir um
vulto indistinto e prateado, todas as vezes que o dementador se
aproximara dele, mas era um Patrono demasiado fraco para afugentar o
dementador. A única coisa que fazia era pairar no ar, como uma nuvem
semitransparente, e esgotar a energia de Harry enquanto o garoto lutava
para mantê-lo presente. Harry sentiu raiva de si mesmo, e culpa pelo
desejo secreto de ouvir mais uma vez as vozes dos pais.
—
Você está esperando demais de si mesmo — disse o Profº. Lupin com
severidade, na quarta semana de treino. — Para um bruxo de treze anos, até
mesmo um Patrono pouco nítido é um grande feito. Você não está desmaiando
mais, não é?
—
Eu pensei que um Patrono... Transformasse os dementadores em alguma coisa
— disse Harry desanimado. — Fizesse-os desaparecer...
—
O verdadeiro Patrono de fato faz isso. Mas você já conseguiu muito em
pouquíssimo tempo. Se os dementadores aparecerem na sua próxima
partida de Quadribol, você poderá mantê-los à distância em
tempo suficiente para voltar ao chão.
—
O senhor disse que é mais difícil quando há um monte deles.
—
Tenho total confiança em você — respondeu Lupin sorrindo. — Tome... Você
mereceu uma bebida, uma coisa do Três Vassouras. Você não deve ter provado
antes...
O
professor tirou duas garrafinhas da maleta.
—
Cerveja amanteigada! — exclamou Harry sem pensar. — Ah, eu gosto disso!
Lupin
ergueu uma sobrancelha.
—
Ah... Rony e Hermione trouxeram para mim de Hogsmeade — mentiu Harry
depressa.
—
Entendo — disse Lupin, embora continuasse a parecer ligeiramente
desconfiado. — Bem... Vamos brindar à vitória de Grifinória sobre
Corvinal! Não que, como professor, eu deva tomar partido... — acrescentou
ele depressa.
Os
dois beberam a cerveja amanteigada em silêncio, até que Harry disse uma
coisa que o estava deixando intrigado havia algum tempo.
—
Que é que tem por baixo do capuz do dementador?
O
professor baixou a garrafinha pensativo.
—
Hummm... Bem, as únicas pessoas que realmente sabem não estão em condições
de nos responder. Veja, o dementador tira o capuz somente para usar sua
última arma, a pior.
—
Que é qual?
—
O Beijo do Dementador — disse Lupin
com um sorriso enviesado. — É o que dão naqueles que eles querem destruir
completamente. Suponho que devam ter algum tipo de boca sob o capuz,
porque ferram as mandíbulas na boca da vítima... E sugam sua alma.
Harry,
sem querer, cuspiu um pouco de cerveja amanteigada.
—
Quê... Eles matam...?
—
Ah, não — disse Lupin. — Fazem muito pior. A pessoa pode viver sem alma,
sabe, desde que o cérebro e o coração continuem trabalhando. Mas perde a
consciência do eu, a memória... Tudo. Não tem chance alguma de
se recuperar. Apenas... Existe. Como uma concha vazia. E a alma fica para sempre...
Perdida.
Lupin
bebeu mais um pouco da cerveja, depois continuou:
—
É o destino que espera Sirius Black. Li no Profeta Diário hoje de manhã, o
ministro deu aos dementadores permissão para fazerem isso se o
encontrarem.
Harry
ficou confuso por um instante com a idéia de alguém ter a alma sugada pela
boca. Mas depois pensou em Black.
—
Ele merece — disse de repente.
—
Você acha? — perguntou Lupin sem pensar muito. — Você acha mesmo que
alguém merece isso?
—
Acho — disse Harry resistindo. — Por... Causa de umas coisas...
Ele
gostaria de ter contado a Lupin a conversa que ouvira no Três Vassouras a
respeito de Black ter traído seus pais, mas isto teria implicado em
revelar que fora a Hogsmeade sem autorização, e ele sabia que o professor
não ia gostar nem um pouco disso. Então, terminou a cerveja
amanteigada, agradeceu a Lupin e deixou a sala de História da Magia.
Harry
gostaria de não ter perguntado o que havia por baixo do capuz de um
dementador, a resposta fora horrível, e ele ficou tão perdido em
considerações sobre o que seria ter a alma sugada que deu um encontrão na
Profª. Minerva no meio da escada.
—
Preste atenção por onde anda, Potter!
—
Desculpe, professora...
—
Estive agorinha mesmo procurando você na sala comunal da Grifinória. Bem,
tome aqui, fizemos tudo que pudemos imaginar, e parece que não há
nada errado com a vassoura. Você tem um ótimo amigo em algum lugar,
Potter...
O
queixo de Harry caiu. A professora estava lhe devolvendo a Firebolt, cujo
aspecto continuava magnífico como sempre fora.
—
Posso ficar com ela? — perguntou Harry com a voz fraca. — Sério?
—
Sério — disse a professora sorrindo. — Acho que você vai precisar pegar o
jeito dela antes da partida de sábado, não? E Potter... Faça força
para ganhar, sim? Ou vamos ficar fora do campeonato pelo oitavo ano
seguido, como o Profº. Snape teve a bondade de me lembrar ainda ontem à
noite...
Sem
fala, Harry carregou a Firebolt escada acima para a Torre da Grifinória.
Quando dobrou um canto, viu Rony, que corria ao seu encontro, rindo de
orelha a orelha.
—
Ela devolveu? Que maravilha! Escuta, posso dar aquela voltinha? Amanhã?
—
Claro... Qualquer coisa... — disse Harry seu coração mais leve do que
estivera naquele último mês. — Quer saber de uma coisa... Devíamos fazer
as pazes com a Mione... Ela só estava querendo ajudar...
—
Tudo bem — concordou Rony. — Ela está na sala comunal agora, estudando,
para variar...
Quando
entraram no corredor para a Torre da Grifinória, viram Neville Longbottom
insistindo com Sir Cadogan, que aparentemente se recusava a deixá-lo
entrar.
—
Eu anotei! — dizia Neville com voz de choro. — Mas devo ter deixado cair
em algum lugar!
—
Vou mesmo acreditar! — bradou Sir Cadogan. Depois, avistando Harry e Rony.
— Boa noite, meus valentes soldados! Venham meter este louco a
ferros. Ele está tentando entrar à força
nas câmaras interiores!
—
Ah, cala a boca — exclamou Rony quando ele e Harry emparelharam com
Neville.
—
Perdi a senha! — contou o garoto, infeliz. — Fiz Sir Cadogan me dizer
quais eram as senhas que ia usar esta semana, porque ele não pára de mudar
e agora não sei o que fiz com elas!
—
Odsbôdiquins — disse Harry a Sir
Cadogan, que ficou desapontadíssimo e, com relutância, girou o quadro para
a frente para deixá-los entrar na sala comunal. Houve um súbito murmúrio
de excitação em que todas as cabeças se viraram e, no
momento seguinte Harry foi cercado pelos colegas que exclamavam,
assombrados com a Firebolt.
—
Onde foi que você arranjou essa vassoura, Harry?
—
Deixa eu dar uma voltinha?
—
Você já andou nela, Harry?
—
Corvinal não vai ter a menor chance, o pessoal lá usa Cleansweep Sevens!
—
Me deixa só segurá-la um pouquinho, Harry?
Passados
uns dez minutos mais ou menos, durante os quais a Firebolt passou de mão
em mão, e foi admirada de todos os ângulos, a garotada se dispersou e Harry e
Rony puderam ver Hermione direito, a única pessoa que não tinha corrido ao
encontro dos garotos, curvada sobre seu trabalho, evitando encontrar
o olhar deles.
Harry
e Rony se aproximaram da mesa e finalmente Hermione ergueu a cabeça.
—
Me devolveram a vassoura — disse Harry, sorrindo para a amiga e erguendo a
Firebolt no ar.
—
Está vendo, Mione? Não havia nada errado com ela — disse Rony.
—
Bem... Mas podia ter havido! Quero dizer, pelo menos agora você sabe que
ela é segura!
—
É, suponho que sim — disse Harry. — É melhor eu ir guardá-la lá em cima...
—
Eu levo! — disse Rony ansioso. — Tenho que dar o tônico a Perebas.
Rony
apanhou a vassoura e, segurando-a como se fosse de vidro, levou-a escada
acima para o dormitório dos meninos.
—
Posso me sentar, então? — perguntou Harry a Hermione.
—
Suponho que sim — disse a garota, tirando uma grande pilha de pergaminhos
de uma cadeira.
Harry
deu uma olhada na mesa atravancada, no longo trabalho de Aritmancia em que
a tinta ainda estava molhada, no trabalho ainda mais longo de Estudos
dos Trouxas ("Explique por que
os trouxas precisam de eletricidade") e na tradução de runas em
que Hermione trabalhava agora.
—
Como é que você está conseguindo dar conta de tudo isso? — perguntou o garoto.
—
Ah, bem... Você sabe, trabalhando à beça. — De perto, Harry viu que ela
parecia quase tão cansada quanto Lupin.
—
Por que você não tranca algumas matérias? — perguntou o garoto,
observando-a erguer os livros para procurar o dicionário de runas.
—
Eu não poderia fazer isso! — respondeu Hermione, escandalizada.
—
Aritmancia parece horrível — comentou Harry, apanhando uma complicada
tabela numérica.
—
Ah, não, é maravilhosa! — respondeu Hermione séria. — É a minha matéria
favorita! É...
Mas
exatamente o que era maravilhoso na Aritmancia, Harry jamais chegou a
saber. Naquele exato momento, um grito estrangulado ecoou pela
escada do dormitório dos meninos. Todos na sala se calaram e olharam
petrificados para a subida. Então ouviram os passos apressados de Rony,
cada vez mais fortes... E em seguida ele apareceu, arrastando um lençol.
—
OLHA! — berrou ele, se dirigindo à mesa de Hermione. — OLHA! — berrou de novo,
sacudindo o lençol na cara da garota.
—
Rony, que...?
—
PEREBAS! OLHE! PEREBAS!
Hermione
procurava afastar o corpo, com uma expressão de total perplexidade. Harry
olhou para o lençol que Rony segurava. Havia alguma coisa vermelha nele.
Alguma
coisa que se parecia horrivelmente com...
—
SANGUE! — bradou Rony no silêncio de atordoamento que invadiu a sala. —
ELE DESAPARECEU! E SABE O QUE TINHA NO CHÃO?
—
N... Não — respondeu Hermione com a voz trêmula.
Rony
atirou uma coisa em cima da tradução de runas de Hermione. Ela e Harry se
curvaram para ver.
Em
cima das estranhas formas pontiagudas havia vários pêlos de
felino, compridos e amarelo-avermelhados.
CAPÍTULO
TREZE
Grifinória versus Corvinal
Parecia
o fim da amizade entre Rony e Hermione. Estavam tão zangados um com o
outro que Harry não conseguia ver como poderiam, um dia, fazer as pazes.
Rony
estava enfurecido porque Hermione nunca levara a sério as tentativas de
Bichento para devorar Perebas, não se dera o trabalho de vigiá-lo de perto
e continuava fingindo que o gato era inocente, sugerindo que
Rony procurasse Perebas embaixo das camas dos garotos. Por sua vez,
Hermione insistia ferozmente que Rony não tinha provas de que
Bichento devorara Perebas, que os pêlos talvez estivessem no dormitório
desde o Natal, e que o garoto alimentara preconceitos contra o
gato desde que Bichento aterrissara na cabeça dele na Animais Mágicos.
Pessoalmente,
Harry tinha certeza de que Bichento comera Perebas, e quando tentou
mostrar a Hermione que todas as evidências apontavam nessa direção, a
garota zangara-se com ele também.
—
Tudo bem, fique do lado do Rony, eu sabia que você ia fazer isso! — disse
ela com voz aguda. — Primeiro a Firebolt, agora Perebas, tudo é
minha culpa, não é? Então me deixe em paz, Harry tenho muito trabalho a
fazer.
Rony
estava realmente sofrendo muito com a perda do rato.
—
Vamos, Rony, você vivia dizendo que Perebas era chato — disse Fred para
consolá-lo. — E seu rato estava doente havia séculos, estava
definhando. Provavelmente foi melhor
para ele morrer depressa, de uma engolida, provavelmente nem sofreu.
—
Fred! — exclamou Gina, indignada.
—
Ele só fazia comer e dormir, Rony, você mesmo dizia — argumentou Jorge.
—
Ele mordeu Goyle para nos defender uma vez! — disse Rony, infeliz.
— Lembra, Harry?
—
É, é verdade — confirmou o amigo.
—
Foi o ponto alto da vida dele — disse Fred, incapaz de manter a cara
séria. — Que a cicatriz no dedo de Goyle seja uma homenagem eterna a
memória de Perebas. Ah, sai dessa, Rony, vai até Hogsmeade e compra um
rato novo. Que adianta ficar se lamentando?
Numa
última tentativa de animar Rony, Harry o convenceu a ir ao último treino
do time da Grifinória, antes da partida com Corvinal, para poder dar uma
volta na Firebolt quando terminassem. Isto pareceu, por um momento,
desviar os pensamentos de Rony em Perebas ("Grande! Posso tentar fazer uns gols montado na
vassoura?"), e os dois saíram para o campo de Quadribol juntos.
Madame
Hooch, que continuava a supervisionar os treinos da Grifinória para vigiar
Harry, ficou tão impressionada com a Firebolt quanto todo mundo que a
vira.
A
professora pegou a vassoura antes da decolagem e expôs aos jogadores sua
opinião profissional.
—
Olhem só o equilíbrio deste modelo! Se a série Nimbus tem algum defeito, é
uma ligeira queda para a cauda, observa-se que depois de alguns
anos isto se transforma num arrasto. Atualizaram o cabo também, mais fino
do que as Cleansweeps, lembra as antigas Silver Arrows, uma pena que
tenham parado de fabricá-las. Foi nelas que aprendi a voar, e também eram
excelentes vassouras...
E
a professora continuou nessa disposição por algum tempo até que Olívio a
interrompeu:
—
Hum... Madame Hooch? Será que a senhora podia devolver a vassoura a Harry?
Temos que treinar...
—
Ah, certo... Tome aqui, Potter — disse ela. — Vou me sentar ali adiante
com Weasley...
Ela
e Rony deixaram o campo e foram se sentar na arquibancada, e o time da
Grifinória se agrupou em torno de Olívio para ouvir as últimas instruções
para o jogo do dia seguinte.
—
Harry, acabei de descobrir quem vai jogar como apanhador na Corvinal. É a
Cho Chang: uma garota do quarto ano e muito boa... Para ser sincero
eu tinha esperanças de que ela não tivesse voltado à forma, ela teve
alguns problemas com contusões... — Olívio fez cara feia para assinalar
seu desagrado pela plena recuperação de Cho Chang, depois continuou:
— Por outro lado ela monta uma Comet 260, que vai parecer uma piada
ao lado da Firebolt. — Olívio lançou um olhar de fervorosa admiração à
vassoura de Harry, depois disse: — Muito bem, pessoal, vamos...
Então,
finalmente, Harry montou na Firebolt, e deu impulso para levantar vôo.
Foi
melhor do que ele jamais sonhara. A Firebolt virava ao menor toque;
parecia obedecer a seus pensamentos em vez de suas mãos; ela atravessou o
campo a tal velocidade que o estádio se transformou em um borrão verde e
cinza;
Harry
mudou de direção tão instantaneamente que Alicia Spinnet soltou um grito,
e no instante seguinte ele entrou em um mergulho absolutamente controlado,
raspando o gramado com as pontas dos pés antes de tornar a subir nove,
doze, quinze metros no ar.
—
Harry, vou soltar o pomo! — gritou Olívio.
O
garoto virou a vassoura e apostou corrida com um balaço em direção às
balizas; venceu-o com facilidade, viu o pomo disparar das costas de
Olívio e em dez segundos já o tinha seguro na mão.
O
time aplaudiu enlouquecido. Harry tornou a soltar o pomo, deu-lhe um
minuto de dianteira e disparou atrás dele, desviando-se dos outros
jogadores; depois, localizou-o próximo ao joelho de Katie Beli, fez uma volta
em torno da garota e apanhou o pomo mais uma vez.
Foi
o melhor treino que ele já fizera; os jogadores, inspirados pela presença
da Firebolt na equipe, realizavam movimentos impecáveis, e, no momento em
que voltaram ao chão, Olívio não teve uma única crítica a fazer, o que,
como Jorge Weasley enfatizou, era a primeiríssima vez que acontecia.
—
Não vejo o que é que vai nos deter amanhã! — disse Olívio. — A não ser
que... Harry, você resolveu o seu problema com o dementador, não resolveu?
—
Resolvi — disse Harry pensando no seu débil Patrono e desejando que ele
fosse mais forte.
—
Os dementadores não vão aparecer outra vez, Olívio. Dumbledore explodiria —
disse Fred, confiante.
—
Bem, esperemos que não — disse Olívio. — Em todo o caso... Bom trabalho,
pessoal. Vamos voltar para a Torre... Dormir cedo...
—
Eu vou ficar mais um pouco; Rony quer dar uma volta na Firebolt — avisou
Harry a Olívio, e, enquanto os outros jogadores se dirigiam aos
vestiários, Harry foi ao encontro de Rony, que saltou a barreira que
separava o campo das arquibancadas com o mesmo fim. Madame Hooch
adormecera onde estava.
—
Manda ver — disse Harry, entregando ao amigo a Firebolt.
Rony,
uma expressão de êxtase no rosto, montou na vassoura e disparou pela
crescente escuridão, enquanto Harry andava em volta do campo,
observando-o. Já anoitecera quando Madame Hooch acordou assustada, ralhou
com os garotos por não a terem acordado e insistiu que voltassem ao
castelo.
Harry
pôs a Firebolt no ombro, e ele e Rony saíram do estádio sombrio,
discutindo o desempenho suavíssimo da vassoura, sua fenomenal aceleração e
suas curvas precisas. Estavam na metade do trajeto para o castelo quando
Harry, olhando para a esquerda, viu uma coisa que fez seu coração dar
uma cambalhota no peito — um par de olhos que luziam na escuridão.
Harry
paralisou, o coração martelando as costelas.
—
Que foi? — perguntou Rony.
Harry
apontou. Rony puxou a varinha e murmurou:
—
Lumus!
Um
raio de luz se projetou pelo gramado, bateu no pé de uma árvore e iluminou
seus ramos; lá, agachado entre as folhas que brotavam, estava Bichento.
—
Dá o fora daqui! — bradou Rony curvando-se para apanhar uma pedra caída no
chão, mas antes que pudesse fazer mais alguma coisa, Bichento havia
desaparecido com um único movimento do longo rabo amarelo-avermelhado.
—
Está vendo? — exclamou Rony, furioso, largando a pedra no chão. — Ela continua
deixando o gato andar por onde quer, provavelmente comendo uns dois
passarinhos como guarnição para acompanhar o Perebas...
Harry
não comentou nada. Inspirou profundamente sentindo o alívio invadi-lo; por
um momento tivera certeza de que aqueles olhos pertenciam ao Sinistro.
Os dois garotos retomaram, mais uma vez, a caminhada para o castelo.
Um pouco envergonhado pelo momento de pânico, Harry não comentou nada
com Rony, nem olhou mais para a esquerda nem para a direita até
chegarem ao bem iluminado saguão de entrada.
Harry
desceu para tomar café na manhã seguinte com os outros garotos do
dormitório, todos os quais pareciam achar que a Firebolt merecia uma
espécie de guarda de honra. Quando Harry entrou no Salão Principal, as
cabeças se voltaram para a vassoura, e houve muitos comentários excitados.
Harry viu, com enorme satisfação, que todo o time da Sonserina
fazia cara de assombro.
—
Você viu a cara dele? — perguntou Rony com vontade de rir, virando-se para
olhar Malfoy. — Ele nem consegue acreditar! Genial!
Olívio,
também, usufruía da glória que a Firebolt refletia.
—
Ponha ela aqui, Harry — sugeriu o capitão, ajeitando a vassoura no meio da
mesa e girando-a cuidadosamente de modo a deixar a marca visível.
Os alunos das mesas da Corvinal e da Lufa-Lufa não demoraram a ir olhá-la
de perto. Cedrico Diggory se aproximou para cumprimentar Harry por
ter adquirido uma substituta tão esplêndida para sua Nimbus e a
namorada de Percy, Penelope Clearwater, da Corvinal, chegou a perguntar se
podia segurar a Firebolt.
—
Ora, ora, Penelope, nada de sabotagem! — disse Percy cordialmente,
enquanto ela mirava a Firebolt.
—
Penelope e eu fizemos uma aposta — contou ele ao time. — Dez galeões no
vencedor da partida!
A
garota tornou a pousar a vassoura, agradeceu a Harry e voltou à sua mesa.
—
Harry, não deixe de ganhar — recomendou Percy num sussurro urgente. —
Eu não tenho dez galeões. Estou indo, Penny! — E correu para comer
uma torrada com a garota.
—
Tem certeza que você sabe montar nessa vassoura, Potter? — disse uma voz
arrastada e fria.
Draco
Malfoy chegara para dar uma espiada, seguido de perto por Crabbe e Goyle.
—
Acho que sim — disse Harry, descontraído.
—
Tem muitas características especiais, não é? — disse Malfoy, os olhos
brilhando de malícia. — Pena que não venha com um pára-quedas, para o caso
de você chegar muito perto de um dementador.
Crabbe
e Goyle deram risadinhas.
—
Pena que você não possa acrescentar braços na sua, Draco — retrucou Harry.
— Assim ela poderia apanhar o pomo para você.
Os
jogadores da Grifínória deram grandes gargalhadas. Os olhos claros de
Draco se estreitaram e ele se afastou. Os dois garotos observaram Draco se
reunir aos demais jogadores da Sonserina, que juntaram as cabeças, sem
dúvida para perguntar a ele se a vassoura de Harry era realmente uma
Firebolt.
As
quinze para as onze, o time da Grifinória saiu em direção ao vestiário. O
tempo não poderia estar mais diferente do que o do dia da partida com
Lufa-Lufa.
Fazia
um dia claro e frio com uma levíssima brisa; desta vez não
haveria problemas de visibilidade e Harry, embora nervoso, estava
começando a sentir a excitação que somente uma partida de Quadribol
era capaz de produzir. Eles ouviram o resto da escola entrando, mais além,
no estádio. Harry despiu as vestes negras da escola, tirou a varinha
do bolso e enfiou-a na camiseta que ia usar por baixo do uniforme de
Quadribol. Só esperava que não fosse preciso usá-la. De repente lhe
ocorreu uma dúvida: Se o Profº.
Lupin estaria no meio da multidão, assistindo à partida.
—
Vocês sabem o que temos de fazer — disse Olívio quando o time se preparava
para deixar o vestiário. — Se perdermos esta partida, estaremos
fora do campeonato. Vocês só têm que voar como fizeram no treino de ontem,
e vamos nos dar bem!
Os
jogadores saíram do vestiário para o campo debaixo de tumultuosos aplausos.
O time da Corvinal, vestido de azul, já estava parado no meio do campo.
A apanhadora, Cho Chang, era a única menina da equipe. Era mais baixa
do que Harry quase uma cabeça, e, por mais nervoso que estivesse, ele
não pôde deixar de reparar que era uma garota muito bonita. Cho
sorriu para ele quando os times ficaram frente a frente, atrás dos
capitães, e o garoto sentiu uma ligeira pulsação na região do baixo
ventre que ele achou que não tinha relação alguma com o seu nervosismo.
—
Wood, Davies, apertem-se as mãos — disse Madame Hooch, eficiente, e Olívio
apertou a mão do capitão de Corvinal. — Montem nas vassouras... Quando eu
apitar... Três, dois, um...
Harry
deu o impulso para subir, e a Firebolt voou mais alto e mais veloz do que
qualquer outra vassoura; ele sobrevoou o estádio e começou a espiar
para todos os lados à procura do pomo, prestando atenção aos comentários
que estavam sendo irradiados pelo amigo dos gêmeos Weasley, Lino Jordan.
—
Foi dado início à partida, e a grande
novidade é a Firebolt que Harry Potter está montando pelo time da
Grifinória. Segundo a Qual Vassoura, a Firebolt será a montaria
escolhida pelos times nacionais para o Campeonato Mundial deste ano...
—
Jordan, você se importa de nos dizer o que está acontecendo no campo? —
interrompeu-o a voz da Profª. McGonagall.
—
Certo, professora, eu só estava situando os ouvintes... A Firebolt, aliás, tem um freio automático e...
—
Jordan!
—
Ok, Ok, Grifinória tem a posse da goles,
Katie Bell da Grifinória está voando em direção à baliza...
Harry
passou veloz por Katie, à procura de um reflexo dourado, e reparou que Cho
Chang o seguia muito de perto. Não havia dúvida de que a garota era um
excelente piloto — não parava de cortar sua frente, forçando-o a mudar de
direção.
—
Mostre a ela sua aceleração, Harry! — berrou Fred ao passar disparado em
perseguição de um balaço que seguia na direção de Alicia.
Harry
impulsionou a Firebolt quando contornaram as balizas da Corvinal, e Cho
ficou para trás. No momento exato em que Katie conseguia marcar o primeiro
gol da partida e o lado do campo da Grifinória enlouquecia de
entusiasmo, Harry viu... O pomo estava perto do chão, esvoaçando
próximo à barreira.
Harry
mergulhou; Cho percebeu o seu movimento e disparou atrás dele. O garoto
foi aumentando a velocidade, tomado de excitação; os mergulhos eram
sua especialidade, estava a três metros...
Então
um balaço, arremessado por um dos batedores de Corvinal, saiu a roda,
Harry nem viu de onde; ele mudou de rumo, evitando o petardo por um dedo,
e, naqueles segundos cruciais, o pomo sumiu.
Houve
um grande "ooooooh" de desapontamento da torcida de Grifinória,
mas muitos aplausos de Corvinal para o seu batedor. Jorge Weasley deu
vazão ao que sentia lançando um segundo balaço diretamente contra o autor
do arremesso, que, por sua vez, foi forçado a dar uma cambalhota em pleno
ar para evitar a colisão.
— Grifinória lidera por oitenta pontos a
zero, e olhe só o desempenho daquela Firebolt! Potter agora está realmente
mostrando o que ela é capaz de fazer, vejam como muda de direção — a
Comet de Chang simplesmente não é páreo para ela, o balanceamento preciso
da Firebolt é visível nesses longos...
—
JORDAN! VOCÊ ESTÁ GANHANDO PARA ANUNCIAR A FIREBOLT? VOLTE A IRRADIAR O
JOGO!
Corvinal
começou a jogar na retranca; já tinha marcado três gols, o que deixava
Grifinória apenas cinqüenta pontos à frente e se Cho apanhasse o pomo
antes deles, Corvinal ganharia a partida.
Harry
reduziu a altitude, evitando por um triz um artilheiro de Corvinal, e
esquadrinhou nervosamente o campo, um lampejo de ouro, um adejar de
asinhas, o pomo estava circulando a baliza de Grifinória...
Harry
acelerou, os olhos fixos no pontinho dourado à frente, mas nesse
instante, Cho apareceu de repente, bloqueando sua visão...
—
HARRY, ISSO NÃO É HORA PARA CAVALHEIRISMOS! — berrou Olívio quando o
garoto deu uma guinada para evitar a colisão. — SE FOR PRECISO, DERRUBE-A
DA VASSOURA!
Harry
se virou e avistou Cho; a garota estava sorrindo.
O
pomo sumira outra vez. Ele apontou a vassoura para o alto e logo chegou a
sessenta metros sobre o campo. Pelo canto do olho, ele viu Cho
seguindo-o... Ela resolvera marcá-lo em vez de procurar o pomo
sozinha. Muito bem, então... Se queria segui-lo, teria que arcar com
as conseqüências...
Harry
mergulhou outra vez, e Cho, pensando que ele avistara o pomo, tentou
acompanhá-lo; ele desfez o mergulho abruptamente; Cho continuou a descida
veloz; ele subiu mais uma vez, como uma bala, e então viu-o, pela terceira
vez, o pomo cintilava muito acima do campo, do lado da Corvinal.
Harry
acelerou; a muitos metros abaixo Cho fez o mesmo.
Ele foi
reduzindo a distância, se aproximando mais do pomo a cada segundo...
Então...
—
Oh! — gritou Cho, apontando.
Distraído,
Harry olhou para baixo.
Três
dementadores, três dementadores altos, negros, lá embaixo, olhavam para
ele.
Harry
nem parou para pensar. Enfiou a mão pelo decote de suas vestes, sacou
a varinha e berrou:
—
Expecto patronum!
Uma
coisa branco-prateada, uma coisa enorme, irrompeu de sua varinha. Ele
percebeu que apontara diretamente para os dementadores, mas não parou
para ver o efeito; sua mente continuava milagrosamente clara, ele olhou
para a frente estava quase lá.
Estendeu
a mão que ainda segurava a varinha e conseguiu fechar os dedos sobre
o pequeno pomo que se debatia.
Soou
o apito de Madame Hooch. Harry se virou no ar e viu seis borrões
vermelhos voando em sua direção; no momento seguinte, o time o abraçava
com tanta força que ele quase foi arrancado da vassoura. Ouvia-se lá
embaixo os brados da torcida da Grifinória em meio aos espectadores.
—
Aí, garoto! — Olívio não parava de berrar. Alicia, Angelina e Katie,
todas, tinham beijado Harry; Fred o abraçara com tanta força que ele
achou que sua cabeça ia saltar do corpo. Em completa desordem, o time
conseguiu voltar ao campo. Harry desmontou a vassoura, levantou a cabeça e
viu um bando de torcedores da Grifinória saltar para dentro do
campo, Rony à frente. Antes que desse por si, fora engolfado pela turma
que gritava aplaudindo-o.
—
Sim! — gritava Rony, puxando com força o braço de Harry e erguendo-o
no ar. — Sim! Sim!
—
Grande partida, Harry! — disse Percy, feliz. — Dez galeões para mim!
Preciso procurar Penelope, com licença...
—
Parabéns, Harry! — bradou Simas Finnigan.
—
Brilhante! — berrou Hagrid por cima das cabeças dos alunos da Grifinória
que acorriam.
—
Foi um Patrono impressionante — disse uma voz no ouvido de Harry.
Harry
se virou e viu o Profº. Lupin, que parecia ao mesmo tempo abalado e
satisfeito.
—
Os dementadores não me afetaram nada! — exclamou Harry excitado, — Eu não
senti nada!
—
Foi porque eles... Hum... Não eram dementadores — explicou o professor. —
Venha ver...
Ele
desvencilhou Harry da aglomeração até poderem ver a lateral do campo.
—
Você deu um grande susto no Sr. Malfoy — disse Lupin.
Harry
arregalou os olhos. Amontoados no chão estavam Malfoy, Crabbe, Goyle
e Marcos Flint, o capitão do time da Sonserína, lutando para se despir das
vestes negras e longas com capuzes. Pelo jeito Malfoy estivera em pé nos
ombros de Goyle. Parada ao lado deles, com uma expressão de fúria no
rosto, estava a Profª. Minerva.
—
Um truque indigno! — bradava ela. — Uma tentativa baixa e covarde de
sabotar o apanhador de Grifinória! Detenção para todos e menos cinqüenta
pontos para Sonserina! Vou falar com o Profº. Dumbledore, não se iludam! Ah, aí
vem ele agora!
Se
alguma coisa podia selar a vitória de Grifinória, era isso.
Ron,
que pelejara para chegar até Harry, se dobrava de tanto rir, ao contemplar
Malfoy tentando sair da veste, a cabeça de Goyle ainda presa lá dentro.
—
Vamos, Harry! Disse Jorge procurando se aproximar. — Festa!
Sala Comunal da Grifinória, agora!
—
Certo — respondeu Harry, sentindo-se mais feliz do que se lembrava de ter
se sentido havia muito tempo. Ele e o restante do time abriram
caminho, ainda de vestes vermelhas, para fora do estádio e de volta ao
castelo.
A
sensação era de que já tinham ganhado a Taça de Quadribol; a festa durou o
dia inteiro e se prolongou até tarde da noite. Fred e Jorge Weasley
desapareceram algumas horas e voltaram com braçadas de garrafinhas de
cerveja amanteigada, abóbora espumante e vários sacos de doces da
Dedosdemel.
—
Como foi que você fez isso?! — gritou Angelina Johnson quando Jorge
começou a atirar sapos de menta nos colegas.
—
Com uma ajudinha de Aluado, Rabicho, Almofadinhas e Pontas — murmurou Fred
ao ouvido de Harry. Somente uma pessoa não participava da comemoração.
Hermione, por incrível que pareça, estava sentada a um canto, tentando ler
um enorme livro intitulado Vida Doméstica e Hábitos Sociais dos
Trouxas Britânicos. Harry se afastou da mesa em que Fred e Jorge
começavam a fazer malabarismos com as garrafinhas de
cerveja amanteigada e foi até a amiga.
—
Você ao menos foi ao jogo? — perguntou ele.
—
Claro que fui — respondeu Hermione numa voz estranhamente aguda, sem
levantar a cabeça. — E estou muito contente que a gente tenha ganhado, e
acho que você jogou realmente bem, mas tenho que ler isso aqui até
segunda-feira.
—
Vamos, Mione, venha comer alguma coisa — convidou Harry, enquanto olhava
para Rony e se perguntava se ele teria suficiente bom humor para guardar a
machadinha de guerra.
—
Não posso, Harry. Ainda tenho quatrocentas e vinte e duas páginas para ler
— respondeu a garota, agora num tom ligeiramente histórico. — De
qualquer modo... — a garota olhou para Rony, também —, ele não quer a
minha companhia.
Quanto
a isso, não havia o que discutir, porque Rony escolheu aquele momento para
dizer em voz alta:
—
Se Perebas não tivesse sido devorado, ele poderia ter comido uma mosca de
chocolate. Ele gostava tanto...
Hermione
caiu no choro. Antes que Harry pudesse dizer alguma coisa, ela meteu o
enorme livro embaixo do braço e, ainda soluçando, correu para a escada
do dormitório das meninas e desapareceu de vista.
—
Será que você não podia dar a ela um tempo? — perguntou Harry a Rony em
voz baixa.
—
Não — respondeu o garoto com firmeza. — Se ela ao menos mostrasse que
lamenta, mas jamais vai admitir que errou, a Hermione. Continua a agir
como se Perebas tivesse tirado férias ou qualquer coisa do gênero.
A
festa da Grifinória só terminou quando a Profª. Minerva apareceu vestida
com o seu robe de tecido escocês e os cabelos presos numa rede, à uma hora
da manhã, para insistir que todos fossem se deitar. Harry e Rony subiram
as escadas para o dormitório, ainda discutindo a partida. Por fim,
exausto, Harry se enfiou na cama, ajeitou o cortinado de sua cama
para esconder um raio de luar, se deitou de costas e sentiu que adormecia
quase instantaneamente...
Teve
um sonho muito estranho. Estava andando por uma floresta, a Firebolt ao
ombro, seguindo uma coisa branco-prateada. Ela avançava entre as árvores e
Harry só conseguia avistá-la entre a folhagem. Ansioso para alcançá-la,
apressou o passo, mas ao fazer isso, a coisa que ele perseguia acelerou
também.
Harry
começou a correr e, à frente dele, ouviu cascos que ganhavam velocidade.
Agora ele estava correndo desabalado e, à frente, ouvia a coisa galopar.
Então ele fez uma curva para dentro de uma clareira e...
— AAAAAAAAAAAIIIIIIIIIII!
NAAAAAAAAÃO!
Harry
acordou subitamente como se alguém o tivesse esbofeteado.
Desorientado
na escuridão total agarrou as cortinas ouvia movimentos a sua volta e a
voz de Simas Finnigan do outro lado do quarto:
—
Que é que está acontecendo?
Harry
achou ter ouvido a porta do dormitório bater.
Finalmente,
encontrando a abertura das cortinas, puxou-as para um lado com violência e, na mesma hora, Dino Thomas acendeu o abajur. Rony estava sentado na cama, as cortinas rasgadas dos dois lados, uma expressão de absoluto terror no rosto.
encontrando a abertura das cortinas, puxou-as para um lado com violência e, na mesma hora, Dino Thomas acendeu o abajur. Rony estava sentado na cama, as cortinas rasgadas dos dois lados, uma expressão de absoluto terror no rosto.
—
Black! Sirius Black! Com uma faca!
—
Que!
—
Aqui! Agorinha mesmo! Cortou as cortinas! Me acordou!
—
Você tem certeza de que não sonhou, Rony? — perguntou Dino.
—
Olha só as cortinas! Estou dizendo, ele esteve aqui!
Todos
os garotos saltaram das camas; Harry alcançou a porta do dormitório primeiro
que os outros e desceu correndo as escadas.
Portas
se abriram às suas costas e vozes cheias de sono chamaram.
—
Quem gritou?
—
Que é que vocês estão fazendo?
A
sala comunal estava iluminada com o brilho das chamas que se extinguiam na
lareira, ainda atulhada com os restos da festa. Estava deserta.
—
Você tem certeza de que não estava dormindo, Rony?
—
Estou dizendo que vi Black!
—
Que barulheira é essa?
—
A Profª. McGonagall nos mandou para a cama! Algumas garotas tinham
descido, vestindo os robes e bocejando. Os garotos também foram
reaparecendo.
—
Que ótimo, vamos continuar? — perguntou Fred Weasley animado.
—
Todos de volta para cima! — falou Percy, que entrou correndo na sala
comunal prendendo o distintivo de monitor-chefe no pijama enquanto falava.
—
Percy... Sirius Black! — disse Rony com a voz fraca. — No nosso
dormitório! Com uma faca! Me acordou!
A
sala comunal mergulhou em silêncio.
—
Que bobagem! — exclamou Percy parecendo espantado. — Você comeu demais,
Rony... Teve um pesadelo...
—
Estou lhe dizendo...
—
Agora, francamente, já é demais!
A
Profª. Minerva estava de volta. Ela bateu o retrato ao entrar na sala
comunal e olhou furiosa para todos.
—
Estou encantada que Grifinória tenha ganho a partida, mas isto está
ficando ridículo! Percy, eu esperava mais de você!
—
Com certeza eu não autorizei isso, professora! — defendeu-se Percy,
se empertigando, indignado. — Estava justamente dizendo a todos para
voltarem para a cama! Meu irmão Rony teve um pesadelo...
—
NÃO FOI UM PESADELO! — berrou Rony. — PROFESSORA, EU ACORDEI E SIRIUS
BLACK ESTAVA PARADO AO MEU LADO SEGURANDO UMA FACA!
A
professora encarou-o.
—
Não seja ridículo, Weasley, como seria possível ele passar pelo buraco do
retrato?
—
Pergunte a ele! — respondeu Rony apontando um dedo trêmulo para o avesso
do retrato de Sir Cadogan. — Pergunte se ele viu...
Com
um olhar penetrante e desconfiado para Rony, a professora empurrou o
retrato e saiu. Todos na sala procuraram escutar prendendo a respiração.
—
Sir Cadogan, o senhor acabou de deixar um homem entrar na Torre da
Grifinória?
—
Certamente, minha boa senhora! — exclamou o cavaleiro.
Fez-se
um silêncio de espanto, tanto dentro quanto fora da sala comunal.
—
O senhor... O senhor deixou? Mas... E a senha?
—
Ele sabia! — respondeu Sir Cadogan com orgulho. — Tinha as senhas da
semana inteira, minha senhora! Leu-as em um pedacinho de papel!
A
professora tornou a passar pelo buraco do retrato e encarou os alunos
atordoados. Estava branca como giz.
—
Quem foi — perguntou ela com a voz trêmula —, quem foi a criatura
abissalmente tola que anotou as senhas desta semana e as largou por aí?
Fez-se
um silêncio absoluto, quebrado por gritinhos quase inaudíveis de terror.
Neville Longbottom, tremendo da cabeça às pontas dos chinelos fofos,
ergueu a mão no ar.
CAPÍTULO
CATORZE
O ressentimento de Snape
Ninguém
na Torre da Grifinória dormiu àquela noite. Todos sabiam que o castelo
estava sendo revistado novamente e os alunos da casa
permaneceram acordados na sala comunal, esperando para saber se Black
fora apanhado. A Profª. Minerva voltou ao amanhecer para informar que,
mais uma vez, ele escapara.
Durante
todo o dia, onde quer que fossem, os garotos percebiam sinais de uma
segurança mais rigorosa; o Profº. Flitwick podia ser visto, às portas de
entrada do castelo, ensinando-os a reconhecer uma grande foto de Sirius
Black;
Filch,
de repente, andava para cima e para baixo nos corredores, pregando tábuas
em tudo, desde minúsculas fendas nas paredes até tocas de camundongos. Sir
Cadogan fora demitido. Repuseram seu retrato no solitário patamar do
sétimo andar e a Mulher Gorda voltou ao seu lugar. Fora
competentemente restaurada, mas continuava nervosíssima e só concordara em
voltar ao trabalho com a condição de receber mais proteção.
Um
bando de trasgos carrancudos tinha sido contratado para guardá-la.
Eles
percorriam o corredor em um grupo ameaçador, falando em rosnados
e comparando o tamanho dos seus bastões.
Harry
não pôde deixar de reparar que a estátua da bruxa de um olho só, no
terceiro andar, continuava sem guarda nem bloqueio. Parecia que Fred e
Jorge tinham razão em pensar que eles e agora Harry Potter, Rony e
Hermione eram os únicos que conheciam a passagem secreta a que a bruxa
dava acesso.
—
Você acha que devemos contar a alguém? — perguntou Harry a Rony.
—
A gente sabe que Black não está entrando pela Dedosdemel — disse Rony
descartando a idéia. — Saberíamos se a loja tivesse sido arrombada.
Harry
ficou contente que Rony pensasse como ele. Se a bruxa de um olho só também
fosse fechada com tábuas, ele não poderia voltar a Hogsmeade.
Rony
se transformara numa celebridade instantânea. Pela primeira vez na vida,
as pessoas prestavam mais atenção a ele do que a Harry e era evidente que
ele estava gostando bastante da experiência. Embora ainda estivesse
muito abalado com os acontecimentos da noite anterior, ficava feliz de
contar a quantos perguntassem o que acontecera, com riqueza de
detalhes.
—
... Eu estava dormindo e ouvi barulho de pano cortado e achei que estava
sonhando, sabe? Mas aí senti uma correnteza de ar... Acordei e vi que
o cortinado de um lado da minha cama tinha sido arrancado... Me virei...
E vi Black parado ali... Como um esqueleto, os cabelos imundos...
Segurando um facão comprido, devia ter uns trinta centímetros... E
ele olhou para mim e eu olhei para ele, então eu soltei um berro e ele se
mandou.
—
Mas por quê? — Rony acrescentou para Harry quando o grupo de garotas do
segundo ano, que estivera escutando sua história enregelante, se afastou.
— Por que foi que ele correu?
Harry
andara se perguntando a mesma coisa. Por que Black, ao verificar que
escolhera a cama errada, não silenciara Rony e procurara Harry? Ele já
provara doze anos antes que não se importava de matar gente inocente, e
desta vez só precisava enfrentar cinco garotos desarmados, quatro dos
quais adormecidos.
—
Ele devia saber que ia ter problemas para sair do castelo depois que você
gritasse e acordasse todo mundo — disse Harry, pensativo. — Teria
que matar a casa toda para passar pelo buraco do retrato... E teria dado
de cara com os professores...
Neville
caiu em total desgraça. A Profª. à McGonagall estava tão furiosa com ele
que o banira de todas as futuras visitas a Hogsmeade, lhe dera uma
detenção e proibira todos de lhe informarem a senha para a torre. O
coitado era obrigado a esperar do lado de fora da sala comunal, todas as
noites, até alguém deixá-lo entrar, enquanto os trasgos da segurança
caçoavam dele. Nenhum desses castigos, porém, chegou nem próximo do que
sua avó lhe reservara. Dois dias depois da invasão de Black, ela
mandou a Neville a pior coisa que um aluno de Hogwarts podia receber na
hora do café da manhã um berrador.
As
corujas da escola entraram voando pelo Salão Principal trazendo o correio,
como de costume, e Neville se engasgou quando a enorme coruja pousou
diante dele com um envelope vermelho preso no bico.
Harry
e Rony, que estavam sentados em frente, reconheceram imediatamente que a
carta era um berrador. Rony recebera um da Sra. Weasley no ano anterior.
—
Apanha ela logo, Neville — aconselhou Rony.
Neville
não precisou que lhe dissessem duas vezes. Agarrou o envelope e,
segurando-o à frente como se fosse uma bomba, saiu correndo do Salão em
meio às explosões de riso da mesa da Sonserina. Todos ouviram o berrador
disparar no saguão de entrada. A voz da avó de Neville, com o volume
normal magicamente ampliado cem vezes, bradava que ele envergonhara a
família inteira.
Harry
estava tão ocupado sentindo pena de Neville que nem reparou imediatamente
que havia uma carta para ele também.
Edwiges
atraiu sua atenção beliscando-o com força no pulso.
—
Ai! Ah... Obrigado, Edwiges.
Harry
rasgou o envelope enquanto a coruja se servia dos flocos de milho de
Neville. O bilhete dentro do envelope dizia o seguinte:
Caros Harry e Rony
Querem vir tomar chá
comigo hoje à tarde por volta das seis?
Irei buscar vocês no
castelo.
ESPEREM POR MIM NO
SAGUÃO DE ENTRADA; VOCÊS NÃO PODEM SAIR SOZINHOS.
Abraços, Hagrid.
—
Ele provavelmente quer saber as novidades sobre Black — disse Rony.
Assim,
às seis horas daquela tarde, Harry e Rony saíram da Torre da Grifinória,
passaram pelos trasgos de segurança e rumaram para o saguão de entrada.
Hagrid
já estava à espera.
—
Está bem, Hagrid! — exclamou Rony. — Imagino que você queira saber o que
aconteceu no sábado à noite, é isso?
—
Já soube de tudo — disse Hagrid, abrindo a porta de entrada e levando-os
para fora.
—
Ah — exclamou Rony, parecendo ligeiramente desconcertado.
A
primeira coisa que viram ao entrar na cabana de Hagrid foi Bicuço estirado
em cima da colcha de retalhos de Hagrid, as enormes asas fechadas junto ao
corpo, apreciando um pratão de doninhas mortas. Ao desviar o olhar dessa
visão repugnante, Harry viu um gigantesco traje peludo e uma medonha
gravata amarela e laranja pendurados no alto da porta do armário.
—
Para que é isso, Hagrid? — perguntou Harry.
—
O caso de Bicuço contra a Comissão para Eliminação de Criaturas Perigosas.
Nesta sexta-feira. Ele e eu vamos a Londres juntos. Reservei duas camas no
Nôitibus...
Harry
sentiu uma pontada incômoda de remorso. Esquecera-se completamente que o
julgamento de Bicuço estava tão próximo e, a julgar pela expressão
constrangida no rosto de Rony, ele também. Os dois tinham se
esquecido igualmente da promessa de ajudar Hagrid a preparar a defesa de
Bicuço; a chegada da Firebolt tinha varrido a promessa do pensamento
dos garotos.
Hagrid
serviu chá e ofereceu um prato de pãezinhos aos garotos, que tiveram o bom
senso de não aceitar; tinham muita experiência com a culinária do
guarda-caça.
—
Tenho uma coisa para conversar com vocês dois — disse Hagrid sentando-se
entre os garotos, com o ar anormalmente sério.
—
O quê? -perguntou Harry.
—
Mione — respondeu Hagrid.
—
Que é que tem a Mione? — perguntou Rony.
—
Ela está num estado de cortar o coração, é isso que tem. Veio me visitar muitas vezes desde o Natal.
Se sente solitária. Primeiro vocês não estavam falando com ela por
causa da Firebolt, agora vocês não estão falando por causa do gato...
—
... Que comeu Perebas! — interpôs Rony, zangado.
—
Porque o gato dela fez o que todos os gatos fazem — insistiu Hagrid. — Ela
já chorou muito, sabem. Está passando por um mau momento. Abocanhou
mais do que pode mastigar, se querem saber, todo o trabalho que está
tentando fazer. E ainda arranjou tempo para me ajudar no caso do Bicuço,
vejam bem... Encontrou um material realmente bom para mim... Acho que
ele terá uma boa chance agora...
—
Hagrid, nós devíamos ter ajudado também, desculpe... — começou Harry, sem
jeito.
—
Não estou cobrando nada — disse Hagrid, dispensando as desculpas. — Deus
sabe que você teve muito com que se ocupar. Vi você praticando Quadribol
todas as horas do dia e da noite, mas tenho que dizer uma coisa, pensei
que vocês davam mais valor à amiga do que a vassouras e ratos. É só
isso.
Harry
e Rony trocaram olhares constrangidos.
—
Bem nervosa ela ficou, quando Black quase esfaqueou você, Rony. Ela tem o coração no lugar, a Mione, e vocês
se recusando a falar com ela...
—
Se ela ao menos se livrasse daquele gato, eu voltaria a falar com ela! —
disse Rony, zangado. — Mas ela continua do lado do Bichento. É um maníaco
e ela não quer ouvir nem uma palavra contra ele!
—
Ah, bem, as pessoas podem ser obtusas quando se trata de bichos de
estimação — disse Hagrid sabiamente.
Às
costas dele, Bicuço cuspiu uns ossos de doninha em cima do travesseiro.
Os
três passaram o resto da visita discutindo a nova chance de Grifinória
concorrer à Taça de Quadribol. Às nove horas, Hagrid acompanhou-os de
volta ao castelo.
Um
grande grupo de alunos se achava aglomerado em torno do quadro de avisos
quando eles chegaram à sala comunal.
—
Hogsmeade no próximo fim de semana! — disse Rony, se esticando por cima da
cabeça dos colegas para ler o aviso. — Que é que você acha? —
acrescentou em voz baixa quando os dois foram se sentar.
—
Bem, Filch não mexeu na passagem para a Dedosdemel... — ponderou Harry,
ainda mais baixo.
—
Harry! — disse alguém bem no seu ouvido direito. Harry se assustou e, ao
se virar, viu Hermione, que estava sentada à mesa logo atrás deles e
abrira uma brecha na parede de livros que a escondia.
—
Harry se você for a Hogsmea outra vez... Vou contar à Profª. McGonagall sobre
aquele mapa! — ameaçou ela.
—
Você está ouvindo alguém falar, Harry? — rosnou Rony, sem olhar para
Hermione.
—
Rony, como é que pode deixar ele o acompanhar? Depois do que o Sirius
Black fez a você, quero dizer, vou contar...
—
Então agora você está tentando provocar a expulsão do Harry! — disse Rony,
furioso. — Não acha suficiente o mal que você já fez este ano?
Hermione
abriu a boca para responder, mas com um assobio suave, Bichento saltou
para o seu colo. A garota lançou um olhar assustado à cara que Rony fazia,
recolheu Bichento e saiu correndo para o dormitório das meninas.
—
Então, e aí? — perguntou Rony a Harry como se não tivesse havido
interrupção. — Vamos, da última vez que fomos você não viu nada. Você
ainda nem entrou na Zonko’s!
Harry
espiou para os lados para verificar se Hermione não estava por perto
ouvindo.
—
Tudo bem. Mas desta vez vou levar a minha Capa da Invisibilidade.
Na
manhã de sábado, Harry guardou a Capa da Invisibilidade na mochila, meteu
o Mapa do Maroto no bolso e foi tomar
café com todo mundo. À mesa, Hermione não parava de lhe lançar
olhares desconfiados, mas ele evitou encarar a amiga e teve o cuidado de
deixar que ela o visse subindo a escadaria de mármore no saguão de
entrada, quando os outros alunos se dirigiam às portas de entrada.
—
Tchau! — gritou Harry para Rony. — A gente se vê quando você voltar.
Rony
sorriu e piscou um olho.
Harry
correu ao terceiro andar, tirando o Mapa
do Maroto do bolso enquanto subia. Agachado atrás da bruxa de um
olho só, ele o abriu. Um pontinho vinha se movendo em sua direção.
Harry apertou os olhos para enxergar melhor. A pequena legenda ao lado
informava que era Neville Longbottom.
Harry
puxou depressa a varinha, murmurou “Dissemdum!”
e enfiou a mochila na estátua, mas antes que pudesse entrar
Neville apareceu no canto do corredor.
—
Harry! Eu me esqueci que você também não ia a Hogsmeade!
—
Oi, Neville — disse Harry, afastando-se rapidamente da estátua e empurrando
o mapa para dentro do bolso. — Que é que você vai fazer?
—
Nada — disse Neville encolhendo os ombros. — Que tal uma partida
de Snap Explosivo?
—
Hum... Agora não... Eu estava indo à biblioteca fazer aquela redação sobre
os vampiros que Lupin pediu...
—
Eu vou com você! — disse Neville, animado. — Eu também não fiz!
—
Hum... Espera aí, ah, me esqueci, já terminei ontem à noite!
—
Que ótimo, então você pode me ajudar! — disse Neville, o rosto
redondo demonstrando ansiedade. — Não consigo entender aquela história
do alho, eles têm que comer ou...
Com
uma pequena exclamação, ele se calou, espiando por cima do ombro de Harry.
Era
Snape. Neville deu um passo rápido para trás de Harry.
—
E o que é que vocês estão fazendo aqui? — perguntou Snape. Que parou e olhou
de um garoto para o outro. — Que lugar estranho para se encontrarem...
Para
imensa inquietação de Harry, os olhos negros de Snape correram para
as portas ao lado de cada um deles e em seguida para a bruxa de um
olho só.
—
Nós não... Marcamos encontro aqui. Só nos encontramos, por acaso.
—
Verdade? Você tem o hábito de aparecer em lugares inesperados, Potter, e
raramente sem uma boa razão... Sugiro que os dois voltem à Torre da
Grifinória que é o seu lugar.
Harry
e Neville saíram sem dizer mais nada. Quando viraram um canto, Harry
olhou para trás. Snape estava passando a mão na bruxa de um olho só,
examinando-a atentamente.
Harry
conseguiu se livrar de Neville no retrato da Mulher Gorda,
dizendo-lhe a senha, e, depois, fingindo que deixara a redação na biblioteca,
deu meia-volta. Uma vez longe das vistas dos trasgos de segurança, ele
tornou a tirar o mapa do bolso e segurá-lo bem junto ao nariz.
O
corredor do terceiro andar parecia estar deserto.
Harry examinou
o mapa cuidadosamente e viu, com uma sensação de alívio, que o pontinho
Severo Snape voltara à sua sala.
Correu,
então, até a bruxa de um olho só, abriu a corcunda, desceu o corpo
por ela e se largou para ir ao encontro de sua mochila no fim do
escorrega. Apagou, então, o Mapa
do Maroto e saiu correndo.
Harry,
inteiramente escondido sob a Capa da Invisibilidade, saiu a luz do sol à
porta da Dedosdemel e cutucou Rony nas costas.
—
Sou eu — murmurou.
—
Que foi que o atrasou? — sibilou Rony.
—
Snape estava rondando o corredor...
Os
garotos saíram andando pela rua principal.
—
Onde é que você está? — Rony perguntava toda hora pelo canto da boca. —
Ainda está aí? Que coisa mais estranha...
Eles
foram ao correio; Rony fingiu estar verificando o preço de uma coruja
para Gui no Egito para que Harry pudesse dar uma boa olhada em tudo. As
corujas estavam pousadas e piavam baixinho para ele, no mínimo umas
trezentas; desde as cinzentas de grande porte até as muito
pequenas ("Somente para
entregas locais"), que eram tão mínimas que caberiam na palma da
mão do garoto.
Depois,
visitaram a Zonko's, que estava tão apinhada de estudantes que Harry
precisou tomar um cuidado enorme para não pisar em ninguém e, com isso,
desencadear o pânico. Havia logros e brincadeiras para satisfazer até os
sonhos mais absurdos de Fred e Jorge; Harry cochichou ordens para Rony e
lhe passou um pouco de ouro por baixo da capa. Os dois deixaram a
Zonko's com as bolsas de dinheiro bastante mais leves do que quando
entraram, mas os bolsos iam estufados de bombas de bosta, soluços
doces, sabão de ovas de sapo e, para cada um, uma xícara que mordia o
nariz.
Fazia
um tempo firme, de brisa suave, e nenhum dos garotos tinha vontade de
ficar dentro de casa, por isso eles passaram direto pelo Três Vassouras e
subiram uma ladeira para visitar a Casa dos Gritos, o lugar mais
mal-assombrado da Grã-Bretanha. Ficava um pouco mais alta do que o resto
do povoado, e mesmo durante o dia provocava certos arrepios, com suas
janelas fechadas com tábuas e um jardim úmido e malcuidado.
—
Até os fantasmas de Hogwarts evitam a casa — disse Rony quando se
debruçavam na cerca para apreciá-la. — Perguntei a Nick Quase
sem Cabeça... Ele diz que soube que mora ai uma turma da pesada.
Ninguém consegue entrar. Fred e Jorge tentaram, é claro, mas todas as entradas
estão tampadas...
Harry,
cheio de calor por causa da subida estava pensando em tirar a capa por
uns minutinhos quando ouviu vozes que se aproximavam. Havia gente subindo
em direção à casa pelo outro lado da elevação; momentos depois,
Malfoy apareceu, seguido de perto por Crabbe e Goyle. Malfoy vinha
falando.
—
... Devo receber uma coruja do meu pai a qualquer hora. Ele teve que ir à
audiência para depor sobre o meu braço... Que ficou inutilizado durante
três meses...
Crabbe
e Goyle riram.
—
Eu bem que gostaria de ouvir aquele paspalhão grisalho se defender... "Ele não tem uma natureza má”,
honestamente aquele hipogrifo pode se considerar morto...
Malfoy
de repente avistou Rony. Seu rosto pálido se abriu num sorriso maldoso.
—
Que é que você anda fazendo, Weasley?
Malfoy
ergueu os olhos para a casa em ruínas, às costas de Rony.
—
Acho que você gostaria de morar aqui, não, Weasiey? Sonhando com um
quarto só para você? Ouvi falar que a sua família toda dorme em um
quarto só, é verdade?
Harry
segurou as vestes de Rony pelas costas para impedi-lo de pular em cima de
Malfoy.
—
Deixe-o comigo — sibilou ao ouvido de Rony.
A
oportunidade era perfeita demais para ser desperdiçada. Harry caminhou
silenciosamente até as costas de Malfoy, Crabbe e Goyle, se abaixou e
apanhou no caminho uma mão bem cheia de lama.
—
Estávamos mesmo discutindo sobre seu amigo Hagrid — disse Malfoy a Rony. —
Tentando imaginar o que ele está dizendo à Comissão para Eliminação
de Criaturas Perigosas. Você acha que ele vai chorar quando cortarem...
SPLASH!
A
cabeça de Malfoy foi empurrada para frente quando a lama o atingiu; e, de
repente, de seus cabelos louro-prateados começaram a escorrer lama.
—
Quem...?
Rony
teve que se segurar na cerca para não cair de tanto rir.
Malfoy,
Crabbe e Goyle se viraram no mesmo lugar, olhando para todos os lados,
agitados, enquanto Malfoy tentava limpar os cabelos.
—
Que foi isso? Quem fez isso?
—
É muito mal-assombrado isso aqui, não é, não? — falou Rony, com ar de
quem está comentando o tempo.
Crabbe
e Goyle ficaram assustados. Seus músculos avantajados eram inúteis contra
fantasmas. Malfoy examinava, furioso, a paisagem deserta.
Harry
se esgueirou pelo caminho até uma poça particularmente cheia de lama
esverdeada e malcheirosa.
SPLASH!
Desta
vez os atingidos foram Crabbe e Goyle. Goyle deu pulos frenéticos,
tentando tirar a lama dos olhos miúdos e inexpressivos.
—
Veio dali! — disse Malfoy, limpando o rosto e detendo o olhar em um ponto
a uns dois metros à esquerda de Harry.
Crabbe
avançou inseguro, os braços compridos estendidos à frente, como um morto
vivo.
Harry
rodeou Crabbe, apanhou um pedaço de pau e arremessou-o contra as costas
dele. E se dobrou com risadas silenciosas quando o garoto fez uma pirueta
no ar, tentando ver quem o atacara. Como Rony foi a única pessoa que ele viu,
foi para ele que Crabbe avançou, mas Harry esticou a perna. O
garoto tropeçou e seu enorme pé chato se prendeu na barra da capa de
Harry. Este sentiu um grande puxão e a capa escorregou do seu rosto.
Por
uma fração de segundo, Malfoy arregalou os olhos e o fitou.
—
HARRRRRY! — berrou ele, apontando para a cabeça de Harry.
Então,
deu as costas e fugiu a toda, morro abaixo, com Crabbe e Goyle nos seus
calcanhares.
Harry
puxou a capa para cima, mas o estrago já estava feito.
—
Harry! — chamou Rony, avançando aos tropeços até o ponto em que o amigo
desaparecera. — É melhor você correr! Se Malfoy contar a alguém, é melhor
você já ter voltado ao castelo, depressa...
—
Vejo você mais tarde — disse Harry e, sem mais uma palavra, desceu
correndo pelo caminho, em direção a Hogsmeade.
Será
que Malfoy acreditaria no que vira? Será que alguém acreditaria em Malfoy?
Ninguém sabia da existência da Capa da Invisibilidade, ninguém exceto
Dumbledore.
O
estômago de Harry deu cambalhotas, o diretor saberia exatamente o que acontecera,
se Malfoy dissesse alguma coisa...
O
garoto voltou à Dedosdemel, à escada que levava ao porão, atravessou a
distância que o separava do alçapão e entrou, então tirou a capa,
meteu-a debaixo do braço e correu, desabalado, pela passagem... Malfoy
chegaria primeiro... Quanto tempo levaria para encontrar um professor?
Ofegante, uma dor forte do lado, Harry não diminuiu a velocidade até
alcançar o escorrega de pedra.
Teria
que deixar a capa ali, seria muito bandeiroso se Malfoy tivesse avisado um
professor.
Escondeu-a
num canto escuro e começou a subir, o mais depressa que pôde, suas mãos
suadas escorregando na borda do escorrega. Quando chegou à corcunda da
bruxa tocou-lhe com a varinha, enfiou a cabeça para fora e deu um impulso
para sair. A corcunda se fechou e na hora que ele saltou de trás da
estátua ouviu passos que se aproximavam apressados.
Era
Snape. Rapidamente o professor alcançou Harry, as vestes pretas
farfalhando, e parou diante dele.
—
Então — falou.
O
professor tinha uma expressão de triunfo reprimido no rosto. Harry tentou
parecer inocente, embora muito consciente do seu rosto suado e das
mãos enlameadas, que ele escondeu depressa nos bolsos.
—
Venha comigo, Potter — disse Snape.
Harry
o acompanhou até o andar de baixo, tentando limpar as mãos no avesso das
vestes, sem que Snape notasse. Dali desceram masmorras e à sala de Snape.
O
garoto só estivera ali antes uma vez e fora também por um problema muito
sério. Desde então Snape adquirira mais umas coisas horríveis e
viscosas conservadas em frascos, todos arrumados nas prateleiras atrás de
sua escrivaninha, refletindo as chamas da lareira e contribuindo ainda
mais para tornar a atmosfera ameaçadora.
—
Sente-se — mandou Snape.
Harry
se sentou. O professor, no entanto, continuou em pé.
—
O Sr. Malfoy acabou de vir me contar uma história estranha, Potter.
Harry
ficou calado.
—
Ele me contou que estava na Casa dos Gritos quando deparou com Weasley,
aparentemente sozinho.
Ainda
assim, Harry não falou nada.
—
O Sr. Malfoy diz que estava parado, falando com Weasley, quando um
pelotaço de lama o atingiu na nuca. Como é que você acha que isso
aconteceu?
Harry
tentou parecer levemente surpreso.
—
Não sei, professor.
Os
olhos de Snape perfuravam os de Harry. Era exatamente a mesma sensação de
tentar dominar um hipogrifo com o olhar. O garoto fez força para não
piscar.
—
O Sr. Malfoy então viu uma extraordinária aparição. Você pode imaginar o
que teria sido, Potter?
—
Não — respondeu Harry, agora tentando parecer inocentemente curioso.
—
Foi a sua cabeça, Potter. Flutuando no ar.
Fez-se
um longo silêncio.
—
Talvez seja bom ele ir procurar Madame Pomfrey — sugeriu Harry. — Se anda
vendo coisas como...
—
Que é que a sua cabeça estaria fazendo em Hogsmeade, Potter? — perguntou
Snape suavemente. — A sua cabeça não tem permissão de ir a Hogsmeade. Nenhuma parte do seu corpo tem permissão de
ir a Hogsmeade.
—
Eu sei, professor — respondeu Harry, tentando manter o rosto despojado de
culpa ou medo. — Parece que Malfoy está sofrendo alucina...
—
Malfoy não está sofrendo alucinações — rosnou Snape, se curvando com as
mãos apoiadas nos braços da cadeira de Harry, de modo que os rostos
dos dois ficaram afastados apenas trinta centímetros. Se a sua cabeça
estava em Hogsmeade, então o resto do seu corpo também estava.
—
Estive na Torre da Grifinória. Como o senhor me mandou...
—
Alguém pode confirmar isso?
Harry
não respondeu. A boca de Snape se torceu num feio sorriso.
—
Então — disse ele se endireitando. — Todo mundo, do Ministro da Magia para
baixo, está tentando manter o famoso Harry Potter a salvo de Sirius
Black. Mas o famoso Harry Potter faz as
suas próprias leis. Que as pessoas comuns se preocupem com a sua
segurança! O famoso Harry Potter vai aonde quer, sem medir as
conseqüências.
Harry
ficou calado. Snape estava tentando provocá-lo a dizer a verdade. Pois ele
não ia dizer. Snape não tinha provas, ainda.
—
É extraordinário como você se parece com o seu pai, Potter — disse
Snape de repente, os olhos brilhando. Ele também era muitíssimo arrogante.
Um pequeno talento no campo de Quadribol o fazia pensar que estava
acima dos demais. Exibia-se pela escola com seus amigos e admiradores...
A semelhança entre vocês dois é fantástica.
—
Meu pai não se exibia — disse Harry, antes que pudesse se refrear. — E eu
também não.
—
Seu pai também não ligava para as regras — continuou Snape, aproveitando a
vantagem obtida, seu rosto magro cheio de malícia. — Regras foram feitas para
meros mortais, não para vencedores da Taça de Quadribol. Era tão cheio de
si...
—
CALE A BOCA!
Harry,
de repente, se levantou. Uma raiva como ele não sentia desde a última
noite na Rua dos Alfeneiros atravessou seu corpo. Ele não se importou que
o rosto de Snape tivesse enrijecido, que os olhos negros
lampejassem perigosamente.
—
Que foi que você disse a mim, Potter?
—
Disse para parar de falar do meu pai! — berrou Harry. — Conheço a verdade,
está bem? Ele salvou sua vida. Dumbledore me
contou! O senhor nem estaria aqui se não fosse o meu pai!
A
pele macilenta de Snape ficou da cor de leite azedo.
—
E o diretor lhe contou as circunstâncias em que seu pai salvou a minha
vida? — sussurrou. — Ou será que considerou os detalhes demasiado
indigestos para os ouvidos delicados do precioso Potter?
Harry
mordeu o lábio. Não sabia o que acontecera e não queria admiti-lo, mas
Snape parecia ter adivinhado a verdade.
—
Eu detestaria que você saísse por aí com uma idéia falsa sobre seu pai,
Potter — disse ele, com um sorriso horrível deformando-lhe o rosto. — Será
que você andou imaginando um glorioso ato de heroísmo? Então me dê
licença para corrigi-lo: o seu santo paizinho e seus amigos me pregaram
uma peça muito divertida que teria provocado a minha morte se o seu
pai não tivesse se acovardado no último instante. Não houve coragem alguma
no que ele fez. Estava salvando a própria pele junto com a minha. Se
a peça tivesse chegado ao fim, ele teria sido expulso de Hogwarts.
Os
dentes irregulares e amarelados de Snape estavam arreganhados.
—
Vire seus bolsos pelo avesso, Potter! — disse ele, de súbito, e com
rispidez.
Harry
não se mexeu. Sentia o sangue latejar nos ouvidos.
—
Vire seus bolsos pelo avesso ou vamos ver o diretor agora! Pelo avesso,
Potter!
Gelado
de medo, Harry tirou do bolso a saca com artigos da Zonko's e o Mapa do Maroto.
Snape
apanhou a saca da Zonko's.
—
Foi Rony que me deu — informou Harry, rezando para ter uma chance de
avisar Rony antes que Snape o visse. — Ele... Trouxe para mim de Hogsmeade
da última vez...
—
Verdade? E você anda carregando isso desde então? Que comovente... E o que
é isto?
Snape
apanhara o mapa. Harry tentou com todas as forças manter o rosto
impassível.
—
Um pedaço de pergaminho — disse, sacudindo os ombros.
Snape
revirou-o, mantendo os olhos fixos em Harry.
—
Com certeza você não precisa de um pedaço de pergaminho tão velho? — comentou.
— Por que não... Jogá-lo fora?
Ele
estendeu a mão para a lareira.
—
Não! — exclamou Harry depressa.
—
Então — disse Snape com as narinas trêmulas. — Será que é mais um precioso
presente do Sr. Weasley? — Ou será que é outra coisa? Uma carta, talvez, escrita
com tinta invisível? Ou instruções para ir a Hogsmeade sem passar pelos
dementadores?
Harry
piscou. Os olhos de Snape brilharam.
—
Vejamos, vejamos... — murmurou ele, puxando a varinha e alisando o mapa em
cima da escrivaninha. — Revele o seu segredo! — disse, tocando o pergaminho com
a varinha.
Nada
aconteceu. Harry fechou as mãos para impedi-las de tremer.
—
Mostre-se! — disse Snape, dando uma batida forte no mapa.
O
mapa continuou em
branco. Harry inspirou profundamente para se acalmar.
—
Severo Snape, professor desta escola, ordena que você revele a informação
que está ocultando! — disse ele, batendo no mapa com a varinha.
Como
se uma mão invisível estivesse escrevendo, começaram a surgir palavras na
superfície lisa do mapa.
“O Sr. Aluado apresenta
seus cumprimentos ao Profº. Snape e pede que ele não meta seu nariz
anormalmente grande no que não é de sua conta”.
Snape
congelou. Harry arregalou os olhos, para a mensagem, aparvalhado. Mas o
mapa não parou aí. Outras frases apareceram embaixo da primeira.
“O Sr. Pontas concorda
com o Sr. Aluado e gostaria de acrescentar que o Profº. Snape é um safado
mal acabado”.
Teria
sido muito engraçado se a situação não fosse tão grave. E havia mais...
“O Sr. Almofadinhas
gostaria de deixar registrado o seu espanto de que um idiota desse calibre
tenha chegado a professor”.
Harry
fechou os olhos horrorizado. Quando os reabriu, o mapa tinha dito a última
palavra.
“O Sr. Rabicho deseja ao
Profº. Snape um bom dia e aconselha a esse seboso que lave os cabelos”.
Harry
esperou a pancada atingi-lo.
—
Então — disse Snape suavemente. — Veremos...
O
professor foi até a lareira, agarrou um punhado de pó brilhante e atirou-o
nas chamas.
—
Lupin! — gritou Snape para o fogo. — Quero dar uma palavrinha com você!
Absolutamente
perplexo, Harry olhou para o fogo. Surgiu uma sombra enorme que rodopiava
muito depressa. Segundos depois, o Profº. Lupin saía da lareira,
sacudindo as cinzas das roupas enxovalhadas.
—
Você me chamou, Severo? — perguntou Lupin suavemente.
—
Claro que chamei — retrucou Snape, o rosto contorcido de fúria ao voltar
para sua escrivaninha. — Acabei de pedir a Potter para esvaziar os bolsos.
Ele trazia isto com ele.
Snape
apontou para o pergaminho, em que as palavras dos Srs. Aluado, Rabicho,
Almofadinhas e Pontas ainda brilhavam. Uma expressão estranha e reservada
apareceu no rosto de Lupin.
—
E daí?
Lupin
continuou a olhar fixamente para o mapa. Harry teve a impressão de que ele
estava avaliando a situação muito rapidamente.
—
E então? — insistiu Snape. — Este pergaminho obviamente está repleto de
magia negra. Pelo visto isto é a sua especialidade, Lupin. Onde você acha
que Potter arranjou uma coisa dessas?
Lupin
ergueu a cabeça e, com um levíssimo relanceio na direção de Harry,
alertou-o para não interrompê-lo.
—
Repleto de magia negra? — repetiu ele. — É isso mesmo que você acha,
Severo? A mim parece apenas um mero pedaço de pergaminho que insulta quem
o lê. Infantil, mas com certeza nada perigoso. Imagino que Harry o
tenha comprado numa loja de logros e brincadeiras...
—
Verdade? — O queixo de Snape tinha endurecido de raiva.
— Você
acha que uma loja de logros e brincadeiras podia ter vendido a ele uma
coisa dessas? Você não acha que é mais provável que ele o tenha obtido
diretamente dos fabricantes?
Harry
não entendeu o que Snape dizia. E, aparentemente, Lupin também não.
—
Você quer dizer, do Sr. Rabicho ou um dos outros? Harry, você conhece
algum desses homens?
—
Não — respondeu Harry depressa.
—
Está vendo, Severo? — disse Lupin voltando-se para Snape. — A mim parece
um produto da Zonko's...
Bem
na hora, Rony irrompeu pela sala. Estava completamente sem fôlego e parou
diante da escrivaninha de Snape, a mão apertando o peito, tentando falar.
—
Eu... Dei... Isso... A... Harry — disse sufocado. — Comprei...
Na Zonko's... Há... Séculos...
—
Bem! — disse Lupin batendo palmas e olhando à sua volta animado. — Isso
parece esclarecer tudo! Severo, vou devolver isto, posso?
—
Ele dobrou o mapa e o guardou nas vestes. — Harry e Rony, venham comigo,
preciso dar uma palavra sobre a redação dos vampiros, você nos dá licença,
Severo...
Harry
não se atreveu a olhar para Snape ao deixarem a sala do professor. Ele,
Rony e Lupin voltaram ao saguão de entrada antes de se falarem. Então
Harry se dirigiu a Lupin.
—
Professor, eu...
—
Não quero ouvir explicações — disse Lupin aborrecido.
Espiou
o saguão vazio e baixou a voz.
—
Por acaso eu sei que este mapa foi confiscado pelo Sr. Filch há
muitos anos. É, eu sei que é um mapa — disse ele aos surpresos garotos. —
Não quero saber como você o obteve. Estou abismado, no entanto, que não o tenha
entregado a alguém responsável. Especialmente depois do que aconteceu
na última vez em que um aluno deixou uma informação sobre o castelo
largada por aí. E não posso deixar você ficar com o mapa, Harry.
O
garoto esperara isso e estava demasiado ansioso por informações para
protestar.
—
Por que Snape achou que eu tinha obtido o mapa dos fabricantes?
—
Por que... — Lupin hesitou —, porque a intenção desses fabricantes
de mapas era atraí-lo para fora da escola. Teriam achado
isso muitíssimo divertido.
—
O senhor os conhece? — perguntou Harry impressionado.
—
Já nos encontramos — disse o professor com rispidez.
Olhava
para Harry mais sério do que jamais olhara.
—
Não espere que lhe dê cobertura outra vez, Harry. Não posso fazer você
levar Sirius Black a sério. Mas eu teria pensado que o que você ouve
quando os dementadores se aproximam teria produzido algum efeito em você. Os seus pais deram
a vida para mantê-lo vivo, Harry. É uma retribuição indigente, trocar
o sacrifício deles por uma saca de truques mágicos.
O
professor se afastou, deixando Harry se sentindo muito pior do que em
qualquer momento que passara na sala de Snape. Lentamente, ele e Rony
subiram a escadaria de mármore. Quando Harry passou pela bruxa de um olho
só, lembrou-se da Capa da Invisibilidade que continuava lá embaixo, mas
ele não se atreveu a ir buscá-la.
—
A culpa é minha — disse Rony sem rodeios. — Eu o convenci a ir. Lupin tem
razão, foi uma estupidez e não devíamos ter feito Isso...
Ele
parou de falar; tinham chegado ao corredor onde os trasgos de segurança
estavam patrulhando e Hermione vinha ao encontro dos dois. Uma olhada no
rosto dela convenceu Harry de que ela ouvira falar do que acontecera.
Sentiu um peso no coração. Será que
ela contara à Profª. McGonagall?
—
Veio tripudiar? — perguntou Rony ferozmente quando a garota parou diante
deles. — Ou acabou de nos denunciar?
—
Não — respondeu Hermione. Ela segurava uma carta nas mãos e seus lábios
tremiam. — Só achei que vocês deviam saber... Hagrid perdeu o caso. Bicuço vai
ser executado.
CAPÍTULO
QUINZE
A Final do Campeonato de Quadribol
—
Ele... Ele me mandou isto — disse Hermione entregando a carta.
Harry
apanhou-a. O pergaminho estava úmido, e enormes gotas de lágrimas tinham
borrado tão completamente a tinta em alguns pontos que era difícil ler a
carta.
Cara Mione,
Perdemos. Tive permissão
de trazer Bicuço de volta a Hogwarts.
A data de execução vai
ser marcada.
Bicucinho gostou de
Londres.
Não vou esquecer toda a ajuda
que você nos deu.
Hagrid.
—
Eles não podem fazer isso — disse Harry. — Não podem. Bicuço não é perigoso.
—
O pai de Malfoy deve ter intimidado a Comissão, para ela fazer isso —
disse Hermione, enxugando as lágrimas. — Vocês sabem como ele é. Os
outros são um bando de velhos caducos e bobos e ficaram com medo. Mas
vai haver recurso, sempre há. Só que não consigo ver nenhuma
esperança... Nada vai mudar até lá.
—
Vai, sim — disse Rony com ferocidade. — Você não vai ter que fazer o
trabalho todo sozinha desta vez, Mione. Eu vou ajudar.
—
Ah, Rony!
Hermione
atirou os braços ao pescoço de Rony e desabou completamente. Rony, com
cara de terror, acariciou muito sem jeito o topo da cabeça da garota.
Finalmente, ela se afastou.
—
Rony, eu realmente sinto muito, muito mesmo, pelo Perebas... — soluçou
ela.
—
Ah... Bem... Ele estava velho — disse Rony, parecendo muitíssimo
aliviado por Hermione o ter soltado. — E estava ficando meio inútil.
Nunca se sabe, talvez mamãe e papai me comprem uma coruja agora.
As
medidas de segurança impostas aos alunos desde a segunda invasão de Black
impediram que Harry, Rony e Hermione fossem visitar Hagrid à noite.
A
única oportunidade que tinham de falar com ele era durante a aula de Trato
das Criaturas Mágicas.
Ele
parecia ter ficado aparvalhado com o veredicto da Comissão.
—
É tudo minha culpa. Me atrapalhei para falar. Eles estavam sentados lá,
vestidos de preto, e eu não parava de deixar cair as minhas anotações e
esquecer as datas que você viu pára mim, Mione. Depois Lúcio Malfoy ficou
em pé e falou, e a Comissão fez exatamente o que ele mandou...
—
Ainda tem recurso! — disse Rony ferozmente. — Não desista ainda, estamos
trabalhando nisso!
Os
quatro regressavam ao castelo com o restante da classe. À frente, viam
MaIfoy, que caminhava com Crabbe e Goyle e não parava de olhar para trás,
rindo com ar de deboche.
—
Não adianta, Rony — disse Hagrid, muito triste, quando chegavam à entrada
do castelo. — Aquela comissão faz o que Lúcio Malfoy manda. Eu só vou
tomar providências para que os últimos dias do Bicucinho sejam os mais
felizes que teve na vida. Devo isso a ele...
Hagrid
deu meia-volta e saiu correndo em direção à sua cabana, o rosto escondido
no lenço.
—
Olhem só ele chorando feito um bebezão!
Malfoy,
Crabbe e Goyle tinham parado às portas do castelo, escutando.
—
Vocês já viram uma coisa mais patética? — perguntou Malfoy.
—
E dizem que ele é nosso professor!
Harry
e Rony se voltaram com violência para Malfoy, mas Hermione chegou
primeiro.
-PÁ!
Ela
deu um tapa na cara de Malfoy com toda a força que conseguiu reunir.
Malfoy cambaleou. Harry, Rony, Crabbe e Goyle ficaram parados,
estupefatos, enquanto Hermione tornava a levantar a mão.
—
Não se atreva a chamar Hagrid de patético, seu sujo... Seu perverso...
—
Mione! — exclamou Rony com a voz fraca, e tentou segurar a mão da garota
ao vê-la tomar novo impulso.
—
Sai, Rony!
Hermione
puxou a varinha. Malfoy recuou. Crabbe e Goyle olharam para ele pedindo
instruções, inteiramente abobados.
—
Vamos — murmurou Malfoy e, num instante, os três tinham desaparecido no
corredor que levava às masmorras.
—
Mione!— tornou a exclamar Rony, parecendo ao mesmo tempo espantado e
impressionado.
—
Harry, acho bom você dar uma surra nele na final de Quadribol! — disse a
garota com a voz esganiçada. — Acho bom dar, porque não vou suportar ver
Sonserina vencer!
—
Está na hora da aula de Feitiços — disse Rony, ainda olhando para
Hermione. — É melhor a gente ir andando.
E
os três subiram correndo a escadaria de mármore para chegar à classe do
Profº. Flitwick.
—
Vocês estão atrasados, garotos! — disse o professor, em tom de censura,
quando Harry abriu a porta da sala. — Vamos, depressa, tirem as
varinhas, hoje estamos fazendo experiências com os feitiços para animar,
já dividimos os pares...
Harry
e Rony correram para as carteiras ao fundo e abriram as mochilas. Rony
olhou para trás.
—
Aonde é que foi a Mione?
Harry
também a procurou. Hermione não entrara na sala, no entanto, Harry sabia
que a garota estivera bem ao seu lado quando ele abrira a porta.
—
Que coisa esquisita — comentou Harry, encarando Rony. — Vai ver... Vai ver
ela foi ao banheiro ou outra coisa qualquer.
Mas
a garota não apareceu durante toda a aula.
—
Ela bem que precisava de um feitiço para animar, também — comentou Rony
quando os alunos saíram para almoçar, todos muito sorridentes, os
feitiços para animar tinham deixado em todos uma sensação de grande
contentamento.
Hermione
não apareceu no almoço tampouco. Na altura em que terminaram a torta de
maçã, os efeitos dos feitiços estavam se dissipando, e Harry e Rony
começaram a se preocupar um pouco.
—
Você acha que Draco fez alguma coisa a ela? — perguntou Rony, ansioso,
quando seguiam apressados para a Torre da Grifinória.
Passaram
pelos trasgos de segurança, deram a senha à Mulher Gorda ("Flibbertigibbet") e treparam
pelo buraco do retrato para chegar à sala comunal.
Hermione
estava sentada à mesa, profundamente adormecida, a cabeça pousada sobre um
livro aberto de Aritmancia. Os garotos se sentaram, um de cada lado.
Harry
cutucou-a de leve para acordá-la.
—
Ó!... Quê? — exclamou Hermione, acordando e olhando assustada para os
lados. — Já está na hora de ir?
—
Ó!... Qual é a aula que temos agora?
—
Adivinhação, mas só daqui a vinte minutos — respondeu Harry — Mione,
por que você não foi à aula de Feitiços?
—
Quê? Ah não! — guinchou Hermione. — Me esqueci de ir à aula de Feitiços!
—
Mas como é que você pôde esquecer? — perguntou Harry. — Você estava
conosco até chegarmos à porta da sala de aula!
—
Eu não acredito! — lamentou-se Hermione. — O Profº. Flitwick ficou aborrecido?
Ah, foi o Malfoy, eu estava pensando nele e me atrapalhei!
—
Sabe de uma coisa, Mione? — disse Rony, olhando para o livrão de
Aritmancia que a garota estivera usando como travesseiro.
—
Acho que você está sofrendo um colapso mental. Está tentando fazer coisas
demais.
—
Não estou, não! — retrucou ela, afastando os cabelos dos olhos e
procurando a mochila, com um ar de desamparo. — Foi só um engano! É melhor eu procurar o Profº. Flitwick e
pedir desculpas... Vejo vocês na aula de Adivinhação!
Hermione
se reuniu aos dois garotos ao pé da escada para a sala da Profª. Sibila,
vinte minutos mais tarde, com um ar extremamente encabulado.
—
Não posso acreditar que perdi os feitiços para animar! E aposto como vão
cair nos exames; o Profº. Flitwick insinuou que poderiam cair!
Juntos,
eles subiram a escada para a sala escura e abafada da torre. Brilhando em
cada mesinha havia uma bola de cristal cheia de uma névoa branco-pérola.
Harry,
Rony e Hermione se sentaram juntos à mesma mesa bamba.
—
Pensei que não íamos começar bolas de cristal antes do próximo trimestre —
resmungou Rony, lançando à sala um olhar preocupado, à procura da
professora, caso ela estivesse espreitando por ali.
—
Não reclame, isso significa que terminamos quiromancia — murmurou Harry em
resposta. — Eu já estava ficando cheio de ver Trelawney fazer
careta de aflição todas as vezes que examinava as minhas mãos.
—
Bom dia para todos! — saudou a voz etérea e familiar, e a professora saiu
das sombras em sua costumeira e dramática aparição. Parvati e LiIá
estremeceram de excitação, os rostos iluminados pelo brilho leitoso das
bolas de cristal.
—
Resolvi começar a bola de cristal mais cedo do que tinha planejado — disse
a professora, sentada de costas para a lareira, olhando para a turma. — As
Parcas me informaram que o exame de vocês em junho tratará do orbe, e
estou ansiosa para oferecer-lhes muita prática.
Hermione
deu uma risadinha.
—
Bem, francamente... "as Parcas a
informaram"... Quem é que prepara o exame? Ela mesma! Que profecia
assombrosa! — continuou a garota sem se preocupar em manter a voz
baixa. Harry e Rony sufocaram risadinhas.
Era
difícil dizer se a professora os ouvira, pois seu rosto estava oculto
pelas sombras. Ela, no entanto, continuou como se não tivesse ouvido.
—
A vidência com a bola de cristal é uma arte particularmente requintada
disse em tom sonhador. — Por isso não espero que vocês vejam alguma coisa
ao procurarem examinar pela primeira vez as profundezas infinitas do orbe.
Vamos começar praticando o relaxamento da mente consciente e da visão
exterior — Rony começou a soltar risadinhas irrefreáveis e precisou
meter o punho na boca para abafar o som — para vocês poderem limpar a
visão interior e a supraconsciência.
Talvez, se tivermos sorte, alguns de vocês consigam ver alguma
coisa antes do fim da aula.
E
então começaram a praticar. Harry, pelo menos, sentiu-se extremamente bobo
de mirar a bola de cristal, tentando manter a mente vazia, enquanto
pensamentos do tipo "que coisa
mais idiota” não paravam de lhe ocorrer. Rony não ajudava nada com
seus acessos de riso silencioso nem Hermione com seus muxoxos.
—
Viram alguma coisa? — perguntou Harry aos dois, depois de manter os olhos
fixos na bola uns quinze minutos.
—
Já, tem uma queimadura no tampo dessa mesa — disse Rony apontando. —
Alguém derrubou uma vela.
—
Isto é uma baita perda de tempo — sibilou Hermione. — Eu podia estar
praticando alguma coisa útil. Podia estar recuperando a matéria de
feitiços para animar...
A
Profª. Sibila passou farfalhando.
—
Alguém gostaria que eu ajudasse a interpretar os portentos obscuros que
aparecem em seu orbe? — murmurou sobrepondo a voz ao tilintar dos seus
badulaques.
—
Eu não preciso de ajuda — sussurrou Rony. — É óbvio o que isto significa.
Vai haver um nevoeiro daqueles hoje à noite.
Harry
e Hermione explodiram em risadas.
—
Ora, francamente! — exclamou a Profª. Trelawney quando todas as cabeças
dos alunos se viraram em sua direção.
Parvati
e Lilá fizeram caras escandalizadas.
—
Vocês estão perturbando as vibrações da vidente!
A
professora se aproximou da mesa dos garotos e espiou as bolas de cristal
dos três. Harry sentiu um grande desânimo. Tinha certeza de que sabia o
que viria a seguir...
—
Vejo algo aqui! — sussurrou a professora, aproximando o rosto da bola, de
modo que esta se refletiu duas vezes em seus enormes óculos. —
Alguma coisa que se move... Mas o que é isso?
Harry
estava preparado para apostar tudo que tinha, inclusive a Firebolt, que,
seja o que fosse, não seria uma boa notícia. E não deu outra...
—
Meu querido... — sussurrou a professora, erguendo os olhos para ele. —
Está aqui, mais claro que antes... Meu querido, aproximando-se de você,
cada vez mais perto... O Sin...
—
Ah, pelo amor de Deus — exclamou Hermione em voz alta. — Não é aquele
ridículo Sinistro outra vez!
A
Profª. Sibila ergueu os enormes olhos para a garota. Parvati cochichou
alguma coisa com Lilá, e as duas olharam feio para Hermione também. A
professora se ergueu, fitando Hermione com inconfundível raiva.
—
Sinto dizer que do instante em que você entrou nesta sala, minha querida,
ficou evidente que não tinha o talento que a nobre arte da Adivinhação
exige. Na verdade, eu não me lembro de jamais ter encontrado uma aluna
cuja mente fosse tão irreparavelmente terrena.
Seguiu-se
um momento de silêncio. Então...
—
Ótimo! — exclamou Hermione, de repente, levantando-se e enfiando o
exemplar de Esclarecendo o Futuro na mochila. — Ótimo! — repetiu, atirando
a mochila sobre o ombro e quase derrubando Rony da cadeira. — Eu desisto!
Vou-me embora.
E
para assombro da turma, Hermione se dirigiu ao alçapão, abriu-o com um
pontapé e desceu a escada, desaparecendo de vista.
Levou
alguns minutos para todos se aquietarem outra vez. A professora parecia
ter se esquecido completamente do Sinistro.
Deu
as costas, bruscamente, à mesa de Harry e Rony, respirando forte
e ajeitando o diáfano xale mais perto do corpo.
—
Oooooh! — exclamou Lilá de repente, assustando todo mundo. — Ooooooh, Profª.
Sibila, acabei de me lembrar! A senhora viu a Hermione nos deixando, não
foi? Não foi, professora? Na altura da Páscoa, alguém aqui vai deixar
o nosso convívio para sempre! A senhora disse isso há um
tempão, professora!
Sibila
sorriu suavemente.
—
É verdade, minha querida, eu sabia que a Srta. Granger iria nos deixar.
Esperemos, no entanto, que tenhamos nos enganado com os sinais... A visão
interior pode ser um fardo, sabem...
Lilá
e Parvati pareceram profundamente interessadas e trocaram de lugar para
que a professora pudesse parar à mesa delas.
—
Um dia Hermione vai capotar, hein? — murmurou Rony para Harry, fazendo
cara de espanto.
—
É...
Harry
examinou mais uma vez a bola de cristal, mas não viu nada além de uma
névoa espiralada. Será que a professora vira, de fato, o Sinistro
novamente?
Será
que ele, Harry, veria? A última coisa de que precisava era outro acidente
quase fatal, com a final de Quadribol cada dia mais próxima.
As
férias da Páscoa não foram exatamente relaxantes. Os alunos do terceiro
ano nunca tinham recebido tantos deveres para casa.
Neville
Longbottom parecia às vésperas de um colapso nervoso, e não era o único.
—
Chamam a isso de férias! — bradou Simas Finnigan certa tarde na sala
comunal. — Ainda faltam séculos para os exames, qual é a deles!
Mas
ninguém tinha tanto a fazer quanto Hermione. Mesmo sem Adivinhação, ela
estava estudando mais matérias do que todos os outros.
Em
geral era a última a deixar a sala comunal à noite, a primeira a chegar na
biblioteca na manhã seguinte; tinha olheiras iguais as de Lupin e parecia
estar constantemente prestes a cair no choro.
Rony
assumira a responsabilidade pelo recurso de Bicuço. Quando não estava
cuidando dos próprios deveres, estava examinando volumes grossíssimos com
títulos do tipo O Manual da Psicologia do Hipogrifo e Ave ou Vilão? Um
Estudo Sobre a Brutalidade do Hipogrifo. Ficou tão absorto que até se
esqueceu de ser antipático com o Bichento.
Entrementes,
Harry teve que encaixar os deveres entre os treinos diários de Quadribol,
para não falar das intermináveis discussões de táticas com Olívio.
A
partida Grifinória x Sonserina fora marcada para o primeiro sábado
depois das férias da Páscoa. Sonserina liderava o campeonato por exatos
duzentos pontos. Isto significava (conforme Olívio não parava de
lembrar ao seu time) que eles precisavam vencer a partida por um número de
pontos superior a duzentos para ganhar a Taça.
Significava,
ainda, que a responsabilidade de vencer cabia em grande parte a Harry,
porque capturar o pomo valia cento e cinqüenta pontos.
—
Por isso você deve capturar o pomo somente quando obtivermos uma vantagem
de mais de cinqüenta pontos — dizia Olívio a Harry constantemente. — Só se
tivermos mais de cinqüenta pontos Harry, senão ganhamos a partida mas
perdemos a taça. Você entendeu bem? Você só pode apanhar o pomo se
tivermos...
—
JÁ SEI, OLÍVIO! — berrou Harry.
Toda
a Grifinória estava obcecada com a próxima partida. A casa não ganhava a
Taça de Quadribol desde que o lendário Carlinhos Weasley (o segundo irmão
mais velho de Rony) jogara como apanhador. Mas Harry duvidava se alguém
no mundo, mesmo Olívio, queria essa vitória tanto quanto ele. A
inimizade entre Harry e Malfoy atingira o auge. Malfoy ainda sofria
com o incidente da pelota de lama em Hogsmeade e ficara ainda mais furioso
que Harry tivesse conseguido escapar do castigo.
Harry,
por sua vez, não se esquecia da tentativa de Malfoy de sabotá-lo durante o
jogo contra Corvinal, mas foi o caso de Bicuço que o deixou ainda
mais decidido a vencer Malfoy diante da escola inteira.
Nunca,
na lembrança de ninguém, uma partida se aproximara com uma atmosfera tão
carregada. Quando as férias terminaram, a tensão entre os dois times e
suas casas estava a ponto de explodir. Pequenas brigas irrompiam
nos corredores, que culminaram em um incidente perverso, no qual
um quartanista da Grifinória e um sextanista da Sonserina acabaram na
ala hospitalar, com alhos porós brotando dos ouvidos.
Harry,
pessoalmente, estava passando um mau pedaço. Não podia ir e vir sem que os
alunos da Sonserina esticassem as pernas tentando fazê-lo tropeçar;
Crabbe e Goyle não paravam de aparecer onde quer que ele estivesse e se
afastar desapontados quando o viam cercado de colegas. Olívio dera
instruções para que Harry estivesse sempre acompanhado em todo lugar,
para a eventualidade de algum aluno da Sonserina querer inutilizá-lo para
o jogo. Toda a Grifinória assumiu o desafio com entusiasmo, tornando
impossível Harry chegar às aulas na hora certa, porque andava rodeado por
uma aglomeração de colegas barulhentos. Mas o garoto se preocupava mais
com a segurança da Firebolt do que com a própria. Quando não estava
voando, ele trancava a vassoura no malão e muitas vezes dava uma corrida à
Torre da Grifinória, nos intervalos das aulas, para verificar se ela
continuava lá.
Todas
as atividades normais na sala comunal foram abandonadas na véspera do jogo.
Até Hermione pusera os livros de lado.
—
Não consigo estudar, não consigo me concentrar — comentou ela, nervosa.
Havia
uma grande algazarra. Fred e Jorge Weasley enfrentavam a pressão agindo
com mais barulho e exuberância que nunca. Olívio estava a um canto
debruçado sobre a maquete de um campo de Quadribol, empurrando bonequinhos
com a varinha e resmungando. Angelina, Alicia e Katie riam das piadas de
Fred e Jorge. Harry se sentara com Rony e Hermione afastado do centro
das atividades, procurando não pensar no dia seguinte, porque toda
vez que o fazia, tinha a terrível sensação de que alguma coisa
enorme estava tentando voltar do seu estômago.
—
Você vai se sair bem — disse Hermione a ele, embora
parecesse decididamente aterrorizada.
—
Você tem uma Firebolt! — animou-o Rony.
—
É... — respondeu Harry, o estômago se revirando.
Foi
um alívio quando Wood se levantou e gritou:
—
Time! Cama!
Harry
dormiu mal. Primeiro, sonhou que perdera a hora e que Hood gritava "Onde é que você se meteu? Tivemos que
chamar Neville para substituí-lo!".
Depois sonhou que Malfoy e o resto do time da Sonserina
chegavam para a partida montados em dragões. Harry
voava a uma velocidade vertiginosa, tentando evitar o jorro de
chamas que saía da boca da montaria de Malfoy, quando percebeu que
esquecera sua vassoura. Começou, então, a cair pelo ar e acordou
assustado.
Levou
alguns segundos para se lembrar que a partida ainda não se realizara, que
estava seguro em sua cama, e que, decididamente, o time da Sonserina
não teria permissão para jogar montado em dragões. Sentiu
uma sede enorme. O mais silenciosamente que pôde, levantou-se da cama de
colunas e foi se servir de água de uma jarra de prata sob a janela.
Não
havia movimento nem som nos jardins. Nenhum sopro de vento perturbava as copas
das árvores na Floresta Proibida; o Salgueiro Lutador estava imóvel
e transpirava inocência. Parecia que as condições para a partida
seriam perfeitas.
Harry
pousou o copo e já ia voltar para a cama quando alguma coisa prendeu sua
atenção. Havia um animal rondando o gramado prateado.
Harry
correu à sua mesa-de-cabeceira, apanhou os óculos, colocou-os, e voltou
depressa à janela. Não podia ser o Sinistro — não agora — não na véspera
da partida...
Ele
tornou a espiar os jardins e, depois de uma busca ansiosa, localizou-o. O
animal ia contornando a orla da floresta agora...
Não
era o Sinistro... Era um gato... Harry agarrou o peitoril da janela
aliviado ao reconhecer aquele rabo de escovinha. Era só o Bichento...
Mas
seria só o Bichento? Harry apurou a vista, esborrachando o nariz contra a
vidraça. Bichento parecia ter parado. O menino teve certeza de que estava
vendo outra coisa andando sob a sombra das árvores, também. Naquele momento, ele apareceu, um cão
gigantesco, peludo e negro, que se movia sorrateiramente pelos gramados.
Bichento caminhava ao seu lado. Harry arregalou os olhos. Que
significaria isso? Se Bichento também via o cão, como é que ele podia ser
um agouro da morte de Harry?
— Rony! — sibilou Harry. — Rony acorda!
—
Hum?
—
Preciso que você me diga se vê uma coisa!
—
Tá tudo escuro, Harry — murmurou o amigo com a voz empastada. — Do que é
que você está falando?
—
Ali embaixo...
Harry
espiou depressa pela janela.
Bichento
e o cão haviam desaparecido. Ele subiu, então, no peitoril para ver lá embaixo,
nas sombras do castelo, mas os bichos não estavam mais lá. Aonde teriam
ido?
Um
forte ronco lhe informou que Rony tornara a cair no sono.
Harry
e o resto do time da Grifinória entraram no Salão Principal, no
dia seguinte, sob uma tempestade de aplausos. O garoto não pôde deixar de
dar um grande sorriso quando viu que as mesas da Corvinal e Lufa-Lufa
os aplaudiam também. A mesa da Sonserina vaiou alto quando eles passaram.
Harry reparou que Malfoy parecia mais pálido do que de costume.
Olívio
passou o café da manhã inteiro insistindo para que o time comesse, sem,
contudo, se servir de nada. Depois apressou-os a se dirigirem ao campo
antes que os outros tivessem terminado, para terem uma idéia das condições
de jogo. Quando saíram do Salão Principal, receberam novos aplausos.
—
Boa sorte, Harry! — gritou Cho. Harry sentiu o rosto corar.
—
Ok... Não tem vento... O sol está meio forte, o que pode prejudicar a
visão, tomem cuidado... O chão está bem firme, bom, isso vai nos dar um
bom impulso inicial...
Olívio
andou pelo campo examinando tudo, com o time atrás.
Finalmente,
eles viram as portas do castelo se abrirem ao longe e o restante da escola
se espalhar pelos gramados.
—
Vestiário — disse Olívio tenso.
Ninguém
falou enquanto se despiam e vestiam os uniformes vermelhos. Harry ficou
imaginando se todos estariam se sentindo como ele: como se tivesse
comido alguma coisa que se mexia demais dentro da barriga. Não parecia
ter transcorrido mais que um segundo quando ele ouviu Olívio dizer:
—
Ok, pessoal, vamos...
O
time entrou em campo sob uma onda gigantesca de aplausos, Três quartos da
torcida usavam rosetas vermelhas, agitavam bandeiras vermelhas com o leão
da Grifinória ou faixas com palavras de ordem: "PRA FRENTE GRIFINÓRIA!" e "A COPAS DOS LEÕES!”.
Atrás
das balizas da Sonserina, porém, duzentos torcedores se cobriam de verde;
a serpente prateada da casa brilhava em suas bandeiras e o Profº. Snape estava
sentado na primeira fila, vestindo verde como os demais, exibindo um
sorriso muito sinistro.
—
E aí vem o time da Grifinória! —
bradou Lino Jordan, que, como sempre, fazia a irradiação. — Potter, Bell, Johnson, Spinnet,
Weasley, Weasley e Wood. Considerado por todos o melhor time que Hogwarts
já viu em muitos anos...
Os
comentários de Lino foram abafados por uma onda de vaias da torcida da
Sonserina.
—
E aí vem o time da Sonserina, liderado
pelo capitão Flint. Ele fez algumas alterações no esquema tático e parece
ter preferido o peso à qualidade...
Mais
vaias da torcida da Sonserina. Harry, porém, achou que Lino tinha razão.
Malfoy era, sem discussão, o menor jogador do time; todos os outros eram
enormes.
—
Capitães, apertem-se as mãos! — disse Madame Hooch.
Flint
e Wood se aproximaram e apertaram as mãos com força; davam a impressão de
que estavam querendo quebrar os dedos um do outro.
—
Montem nas vassouras! — disse Madame Hooch. — Três... Dois... Um...
O
som do seu apito se perdeu no estrondo das torcidas na hora em que as
catorze vassouras levantaram vôo. Harry sentiu os cabelos voarem para
longe da testa; seu nervosismo o abandonou na excitação do vôo; olhou para os
lados e viu Malfoy na sua esteira e aumentou a velocidade para ir à
procura do pomo.
—
E Grifinória com a posse da bola, Alicia
Spinnet da Grifinória com a goles, voando direto para as balizas da
Sonserina, em boa forma, Alicia! Arre, não, a goles foi interceptada
por Warrington. Warrington da Sonserina partindo em velocidade
pelo campo.
PAM!
— Uma boa rebatida de um balaço por
Jorge Weasley, Warrington deixa cair a goles, que é apanhada por...
Johnson, Grifinória com a posse da bola outra vez, aí Angelina, bom desvio
de Montague. Se abaixa Angelina, aí
vem um balaço! ELA MARCA! DEZ A ZERO PARA GRIFINÓRIA!
Angelina
deu um soco no ar ao sobrevoar o extremo do campo; o mar vermelho nas
arquibancadas berrou de felicidade...
OUCH!
Angelina quase foi derrubada da
vassoura por Marcos Flint ao colidir em cheio com ela.
—
Desculpe! — disse Flint enquanto os torcedores lá embaixo vaiavam. —
Desculpe eu não vi a jogadora!
Não
demorou muito, Fred Weasley atirou o bastão contra a cabeça de Flint,
cujo nariz bateu com força no cabo da vassoura e começou a sangrar.
—
Chega! — gritou Madame Hooch, mergulhando entre os dois. — Pênalti contra
Grifinória pelo ataque gratuito ao artilheiro do seu adversário! Pênalti
contra Sonserina por prejuízo intencional ao artilheiro do seu adversário!
—
Ah nem vem! — berrou Fred, mas Madame Hooch apitou e Alicia se adiantou
para cobrar o pênalti.
— Aí, Alicia! — gritou Lino no silêncio que se
abatera sobre as arquibancadas. —
SIM, SENHORES! ELA FUROU O GOLEIRO!
VINTE A ZERO PARA GRIFINÓRIA!”
Harry
deu uma guinada na Firebolt para ver Flint, ainda sangrando à beça, voar
para cobrar o pênalti contra Sonserina. Olívio sobrevoava as balizas
de Grifinória, os maxilares contraídos.
—
É claro que Wood é um esplêndido goleiro!
— comentou Lino Jordan para os ouvintes enquanto Flint aguardava o
apito de Madame Hooch. Esplêndido!
Difícil de vazar — muito difícil mesmo — SIM SENHORES! EU NÃO
ACREDITO! ELE AGARROU A BOLA!”
Aliviado,
Harry se afastou velozmente, espiando para todos os lados à procura
do pomo, mas sem perder nenhuma palavra dos comentários de Lino. Era
fundamental para ele manter Malfoy afastado do pomo até Grifinória
atingir cinqüenta pontos de vantagem.
— Grifinória com a posse, não,
Sonserina com a posse, não! Grifinória retoma a posse e é Katie
Bell, Katie Bell de Grifinória com a goles, a jogadora corta o campo
— FOI INTENCIONAL!
Montague,
um artilheiro de Sonserina, cortou a frente de Katie e em vez de agarrar a
goles, agarrou a cabeça da jogadora. Katie deu uma cambalhota no
ar, conseguiu continuar montada, mas deixou cair a goles.
O
apito de Madame Hooch soou mais uma vez ao sobrevoar Montague e começar a
gritar com ele. Um minuto depois, Katie tinha marcado mais um pênalti
contra a defesa da Sonserina.
— TRINTA A ZERO! TOMA, SEU SUJO, SEU
COVARDE...
—
Jordan, se você não consegue irradiar imparcialmente...
—
Estou irradiando o que acontece, professora!
Harry
sentiu um grande tremor de excitação. Acabara de ver o pomo, refulgia ao
pé de uma das balizas da Grifinória, mas ele não devia apanhá-lo por ora e
se Malfoy o visse...
Fingindo
uma expressão de súbita concentração, Harry deu meia-volta na Firebolt e
correu em direção ao campo da Sonserina, a manobra funcionou. Malfoy saiu a
toda velocidade atrás dele, pensando evidentemente que Harry vira o pomo
lá...
CHISPA.
Um
dos balaços passou voando pela orelha direita de Harry, arremessado pelo
gigantesco batedor da Sonserina, Derrick. Então, novamente...
CHISPA.
O
segundo balaço roçou pelo cotovelo de Harry. O outro batedor, Bole, vinha
se aproximando.
Harry
teve um vislumbre fugaz de Bole e Derrick voando em sua direção, com os
bastões erguidos...
Virou
a Firebolt para o alto no último segundo e os dois batedores colidiram com
um baque de provocar náuseas.
— Há! Há!
Há! — bradou Lino Jordan
quando os batedores da Sonserina se separaram, levando as mãos à cabeça.
—
Mau jeito, rapazes! Vão ter que acordar
mais cedo para vencer uma Firebolt! E Grifinória fica com a posse da
bola mais uma vez, quando Johnson toma a goles, Flint emparelhado com ela,
mete o dedo no olho dele, Angelina! — foi só uma brincadeira,
professora, só uma brincadeira ah não — Flint toma a bola, Flint voa para as balizas de Grifinória, agora
é com você Wood, agarra...
Mas
Flint marcou; houve uma erupção de vivas do lado de Sonserina e Lino
xingou tanto que a Profª. Minerva McGonagall tentou arrancar o
megafone mágico das mãos dele.
—
Desculpe professora, desculpe! Não vai acontecer de novo!
— Então, Grifinória está à frente,
trinta a dez, e Grifinória tem a posse...
O
jogo estava deteriorando no mais sujo de que Harry já participara.
Enraivecidos porque Grifinória tomara a dianteira desde o inicio, os
adversários estavam rapidamente recorrendo a todos os meios para roubar a
goles. Bole atingiu Alicia com o bastão e tentou alegar que pensara que
era um balaço. Jorge Weasley foi à forra dando uma cotovelada na cara
de Bole. Madame Hooch puniu os dois times e Wood fez mais uma defesa
espetacular, elevando o placar para quarenta a dez para Grifinória.
O
pomo tornara a desaparecer. Malfoy continuou a acompanhar Harry de perto
quando o garoto sobrevoou o campo, procurando, agora, o pomo,“quando Grifinória estiver cinqüenta
pontos à frente...”
Katie
marcou. Cinqüenta a dez. Fred e Jorge Weasley mergulharam cercando a
garota, os bastões erguidos, caso os jogadores da Sonserina pensassem em
se vingar.
Bole
e Derrick aproveitaram a ausência de Fred e Jorge para arremessar os dois
balaços em Wood; eles o atingiram no estômago, um após o outro, e
o goleiro virou de cabeça para baixo no ar, agarrando-se à vassoura,
completamente sem ar.
Madame
Hooch ficou fora de si.
—
Não se ataca o goleiro a não ser que a goles esteja na área. — gritou ela
para Bole e Derrick. — Pênalti a favor da Grifinória!
— Angelina marcou. Sessenta a dez.
Instantes
depois Fred Weasley arremessou um balaço contra Warrington, derrubando a
goles de suas mãos;
Alicia
apanhou a bola e enterrou-a no gol da Sonserina.
— Setenta a dez.
A
torcida da Grifinória lá embaixo estava rouca de tanto gritar, a casa
passara sessenta pontos à frente e se Harry apanhasse o pomo naquele
momento, a Taça seria dela. O garoto chegava quase a sentir as centenas de
olhos acompanhando-o enquanto sobrevoava o campo, muito acima das equipes,
com Malfoy correndo atrás dele. Então Harry o viu. O pomo
estava brilhando seis metros acima dele.
O
garoto imprimiu maior velocidade à vassoura; o vento rugiu em seus
ouvidos; ele estendeu a mão, mas, de repente, a Firebolt começou a
desacelerar...
Horrorizado,
ele olhou para os lados. Malfoy se atirara para frente, agarrara a cauda
da Firebolt e procurava atrasá-la.
—
Seu...
Harry
se enfureceu o suficiente para bater em Malfoy, mas não conseguiu
alcançá-lo. Malfoy ofegava com o esforço de segurar a Firebolt, porém seus
olhos brilhavam de malícia. Conseguira o seu intento, o pomo tornara
a desaparecer.
—
Pênalti! Pênalti a favor da Grifinória! Nunca vi uma tática igual! —
Madame Hooch guinchava, enquanto velozmente se dirigia até o ponto em que Malfoy deslizava de
volta à sua Nimbus 2001.
—
SEU SAFADO NOJENTO! — urrava Lino Jordan no megafone,
saltando fora do alcance da Profª. McGonagall. — SEU SAFADO NOJENTO, FILHO...
A
professora nem se deu o trabalho de ralhar com Lino. Na verdade ela sacudia
o dedo na direção de Malfoy, seu chapéu caíra da cabeça, e ela também
berrava furiosamente.
Alicia
cobrou o pênalti para Grifinória, mas estava tão zangada que errou por
mais de meio metro, O time da Grifinória começou a perder a concentração
e os jogadores da Sonserina, encantados com a falta de Malfoy em cima
de Harry, se sentiam estimulados a tentar vôos mais altos.
—
Sonserina com a posse, Sonserina corre
para o gol... Montague marca. — gemeu Lino. — Setenta a vinte para Grifinória...
Harry
agora estava marcando Malfoy tão de perto que os joelhos dos dois se
batiam o tempo todo. Harry não ia deixar Malfoy sequer se aproximar do
pomo...
—
Sai da frente, Potter! — gritou Malfoy, frustrado, ao tentar se virar e
deparar com Harry no bloqueio.
—
Angelina Johnson pega a goles para
Grifinória, aí Angelina, VAI, VAI!
Harry
olhou para os lados. Todos os jogadores da Sonserina, a exceção de Malfoy,
estavam correndo pelo campo em direção a Angelina, inclusive o goleiro do
time, todos iam bloqueá-la...
Harry
deu meia-volta na Firebolt, curvou-se até deitar o corpo sobre seu cabo, e
impeliu-a para frente. Como uma bala, ele se precipitou em alta velocidade
contra os jogadores da Sonserina.
—
AAAAAAAAIIIIIIIII!
Os
jogadores se dispersaram quando viram a Firebolt vindo; o caminho de
Angelina ficou desimpedido.
—
ELA MARCOU! ELA MARCOU! Grifinória lidera
por oitenta a vinte!
Harry,
que quase mergulhara de cabeça nas arquibancadas, parou derrapando no
ar, inverteu a direção da vassoura e voltou a toda para o meio do
campo.
E
então ele viu uma coisa que fez o seu coração parar.
Malfoy estava
mergulhando, uma expressão de triunfo no rosto, lá a menos de um
metro acima do gramado, lá embaixo, havia um minúsculo reflexo dourado.
Harry
apontou a Firebolt para baixo, mas Malfoy estava quilômetros à sua frente.
—
Vai! Vai! Vai! — Harry dizia à vassoura. A distância que o separava
de Malfoy foi diminuindo. Harry deitou-se no cabo da vassoura quando
viu Bole arremessar um balaço contra ele, já encostara nos
calcanhares de Malfoy, emparelhou...
Harry
se atirou à frente, tirou as mãos da vassoura.
Afastou
o braço de Malfoy do caminho com um empurrão e...
—
PEGOU!
Tirou,
então, a vassoura do mergulho, a mão no ar, e o estádio explodiu.
Harry sobrevoou as arquibancadas, um zumbido estranho nos ouvidos. A
bolinha de ouro estava bem segura em sua mão, batendo inutilmente as
asinhas contra seus dedos.
No
momento seguinte, Wood veio voando ao seu encontro, quase cego pelas
lágrimas; agarrou Harry pelo pescoço e soluçou sem se conter no ombro
do garoto. Harry sentiu dois grandes trancos quando Fred e Jorge
colidiram com eles; depois as vozes de Alicia e Katie:
—
Ganhamos a Taça! Ganhamos a Taça!
Embotados
num abraço de muitos braços, o time da Grifinória foi descendo, berrando
roucamente, de volta ao chão.
Onda
sobre onda de torcedores vermelhos saltou as barreiras do campo.
Choveram mãos nas costas dos jogadores. Harry teve uma impressão
confusa de ruído e corpos que o empurravam.
Então
ele e o resto do time foram erguidos nos ombros dos torcedores. Empurrado
para a luz, ele viu Hagrid, emplastrado de rosas vermelhas...
—
Você os derrotou, Harry, você os derrotou! Espere até eu contar a Bicuço!
Lá
estava Percy, pulando que nem maluco, toda a dignidade esquecida. A Profª.
Minerva soluçava mais até que Wood, enxugando os olhos com uma enorme
bandeira da Grifinória; e lá, lutando para chegar a Harry, vinham Rony e
Hermione.
Faltaram
palavras aos amigos. Simplesmente sorriram radiantes ao ver Harry ser
carregado para a arquibancada onde Dumbledore aguardava de pé com a enorme
Taça de Quadribol.
Se
ao menos tivesse havido um dementador por ali... Quando um Wood,
soluçante, passou a Taça a Harry e este a ergueu no ar, o garoto sentiu
que seria capaz de produzir o melhor Patrono do mundo.
CAPÍTULO
DEZESSEIS
A predição da professora Trelawney
A
euforia que Harry sentiu por ter finalmente ganhado a Taça de
Quadribol durou pelo menos uma semana. Até o tempo parecia estar
comemorando; à medida que junho se aproximava, os dias foram
desanuviando e se tornando quentes, e só o que as pessoas tinham vontade
de fazer era passear pela propriedade e se largar no gramado com
vários litros de suco de abóbora gelado do lado, e talvez jogar
uma partida descontraída de bexigas ou apreciar a lula gigantesca
nadar, sonhadora, pela superfície do lago.
Mas
isso não era possível. Os exames estavam às portas e em lugar de se
demorarem pelos jardins, os alunos tinham de permanecer no castelo, e
tentar obrigar o cérebro a se concentrar em meio aos sopros mornos de
verão que entravam pelas janelas. Até mesmo Fred e Jorge Weasley tinham
sido vistos estudando; estavam em vésperas de fazer o exame de
N.O.M.’s. (Níveis Ordinários em Magia) Percy, por sua vez, estava se
preparando para os exames de N.I.E.M.’s (Níveis Incrivelmente Exaustivos em
Magia), o diploma mais avançado que Hogwarts oferecia. Como Percy tinha
esperança de ingressar no Ministério da Magia, precisava de notas muito
altas. Por isso, a cada dia ficava mais nervoso, e passava castigos
severos para qualquer aluno que perturbasse a tranqüilidade da sala
comunal à noite. De fato, a única pessoa que parecia mais ansiosa do que
Percy era Hermione.
Harry
e Rony tinham desistido de perguntar à amiga como fazia para freqüentar
várias aulas ao mesmo tempo, mas não conseguiram se conter, quando viram o
horário dos exames que a amiga preparara para si. Na primeira coluna
lia-se:
Segunda-Feira:
9h — Aritmancia
9h — Transformação
Almoço
1:30h — Feitiços
1:30h — Runas
antigas
—
Mione? — perguntou Rony com muita cautela, porque ultimamente ela era bem
capaz de explodir se a interrompiam. — Hum... Você tem certeza de que
copiou esses horários direito?
—
Quê? — retrucou Hermione com aspereza, apanhando o horário de exames para
conferi-lo. — Claro que copiei.
—
Será que adianta perguntar como você vai prestar dois exames na mesma
hora? — perguntou Harry.
—
Não — respondeu Hermione, impaciente. — Algum de vocês viu o meu livro
Numerologia e Gramática?
—
Ah, eu vi, apanhei emprestado para ler na cama antes de dormir — disse
Rony, mas bem baixinho. Hermione começou a remexer no monte de rolos de
pergaminho que tinha sobre a mesa, à procura do livro. Nesse instante,
ouviram um farfalhar à janela e Edwiges entrou com um bilhete bem seguro
no bico.
—
É do Hagrid — disse Harry, abrindo o bilhete. — É o recurso de Bicuço,
está marcado para o dia seis.
—
É o dia em que terminamos os exames — disse Hermione, ainda procurando o
livro de Aritmancia por toda a parte.
—
E eles vêm aqui para o julgamento — disse Harry, continuando a ler o
bilhete. — Alguém do Ministério da Magia e... E o carrasco.
Hermione
ergueu a cabeça, assustada.
—
Vão trazer o carrasco para o julgamento do recurso! Mas assim parece que
já decidiram!
—
É, parece — disse Harry lentamente.
—
Não podem fazer isso! — bradou Rony. — Gastei séculos lendo para Hagrid o
material que havia; não podem simplesmente desprezar tudo!
Mas
Harry teve a terrível sensação de que a Comissão para Eliminação de
Criaturas Perigosas já tivera a opinião formada pelo Sr. Lúcio Malfoy. Draco,
que andava visivelmente moderado desde a vitória da Grifinória na final
de Quadribol, nos últimos dias parecia ter recuperado um pouco da sua
antiga arrogância. Pelos comentários desdenhosos que Harry ouvia,
Malfoy tinha certeza de que Bicuço ia ser eliminado e parecia
satisfeitíssimo consigo mesmo por ter provocado tal efeito. Nessas
ocasiões, Harry fazia um esforço enorme para não imitar Hermione e meter a
mão na cara de Malfoy. E o pior de tudo era que os garotos não tinham
tempo nem oportunidade de ir ver Hagrid, porque as novas e rigorosas
medidas de segurança continuavam em vigor, e Harry não recuperara a Capa
da Invisibilidade que deixara na entrada da bruxa de um olho só.
A
semana dos exames começou e um silêncio anormal se abateu sobre o castelo.
Os alunos do terceiro ano saíram do exame de Transformação na hora do
almoço, na segunda-feira, cansados e pálidos, comparando respostas e
lamentando a dificuldade das tarefas propostas, que incluíra transformar
um bule de chá em um cágado.
Hermione
irritou os colegas ao comentar que seu cágado parecia mais uma tartaruga,
o que era uma preocupação mínima diante das preocupações dos demais.
—
O meu tinha um bico no lugar do rabo, que pesadelo...
—
Era para os cágados soltarem vapor?
—
No final, o meu continuava com uma pintura de salgueiro estampada no
casco, vocês acham que vou perder pontos por isso?
Depois
de um almoço apressado, os garotos voltaram direto para cima para
fazer o exame de feitiços.
Hermione
estava certa; o Profº. Flitwick realmente pediu feitiços para animar.
Harry exagerou um pouco nos dele, por puro nervosismo, e Rony, que era
seu par acabou com acessos de riso histérico e precisou ser levado
para uma sala sossegada, onde ficou uma hora, até ter condições de
fazer o exame. Depois do jantar os alunos voltaram às salas
comunais, não para relaxar, mas para começar a estudar Trato das
Criaturas Mágicas, Poções e Astronomia.
Hagrid
aplicou o exame de Trato das Criaturas Mágicas na manhã seguinte com
um ar deveras preocupado; seu coração parecia estar longe dali.
Providenciara uma grande barrica com vermes frescos para a turma e avisou
que para passar no exame, os vermes de cada aluno deveriam continuar
vivos ao fim de uma hora. Uma vez que os vermes se criavam melhor
quando deixados em paz, foi o exame mais fácil que qualquer aluno teve
de prestar, o que também deu a Harry, Hermione e Rony bastante tempo
para conversarem com Hagrid.
—
Bicucinho está ficando um pouco deprimido — contou o amigo, curvando-se
sob o pretexto de verificar se o verme de Harry ainda estava vivo. — Está
preso em casa há tempo demais. Ainda assim... Depois de amanhã a
gente vai saber se vão julgar a favor ou contra...
Os
três garotos tiveram exame de Poções naquela tarde, que foi um desastre
inominável. Por mais que se esforçasse, Harry não conseguia engrossar a
sua infusão para confundir, e Snape, observando-o com um ar de satisfação
vingativa, lançou em suas anotações uma coisa que lembrava muito um zero,
antes de se afastar.
Depois
veio o exame de Astronomia à meia-noite, na torre mais alta do castelo;
História da Magia na quarta-feira de manhã, em que Harry escreveu
tudo que Florean Fortescue lhe contara sobre a caça às bruxas na Idade
Média, enquanto desejava ter ali na sala sufocante um daqueles sundaes de
choconozes.
Na
quarta-feira à tarde foi a vez de Herbologia, nas estufas, sob um sol de
cozinhar os miolos; depois voltaram mais uma vez à sala comunal, com as
nucas queimadas, imaginando que no dia seguinte, àquela hora, os
exames finalmente teriam terminado.
O
antepenúltimo exame, na quinta-feira pela manhã, foi Defesa contra as
Artes das Trevas. O Profº. Lupin preparara o exame mais incomum que eles
já tinham feito; uma espécie de corrida de obstáculos ao ar livre, debaixo
de sol, em que tinham que atravessar um lago fundo o suficiente para se
remar, onde havia um grindylow,
em seguida, uma série de crateras cheias de barretes vermelhos, depois
um trecho de pântano, desconsiderando as informações enganosas dadas por
um hinkypunk , e, por fim,
subir em um velho tronco e enfrentar um novo bicho-papão.
—
Excelente, Harry — murmurou Lupin quando Harry desceu do tronco, sorrindo.
— Nota máxima.
Animado
com o seu sucesso, Harry ficou por ali para ver os exames de Rony e
Hermione. Rony foi bem até chegar a vez do hinkypunk, que conseguiu confundi-lo e fazê-lo afundar até a
cintura em um atoleiro. Hermione fez tudo perfeitamente até chegar ao
tronco em que havia o bicho-papão.
Depois de passar um minuto ali, a garota saiu correndo aos berros.
—
Hermione — exclamou Lupin, assustado. — Que foi que aconteceu?
-A
P... P.. Profª. McGonagall! — ofegou Hermione apontando para o tronco. —
Ela disse que eu levei bomba em tudo!
Demorou
um tempinho para Hermione se acalmar. Quando ela finalmente se recuperou
do susto, os três amigos voltaram ao castelo.
Rony
ainda sentia uma ligeira vontade de rir do bicho-papão de Hermione, mas a briga foi adiada quando viram o
que os aguardava no alto das escadas.
Cornélio
Fudge, um pouco suado sob a capa de risca de giz, se achava parado ali
contemplando os terrenos da escola. Assustou-se ao ver Harry.
—
Olá, Harry! — exclamou. — Acabou de fazer um exame, suponho? Chegando ao
fim?
—
Sim, senhor — disse Harry. Hermione e Rony, que nunca haviam falado com o
Ministro da Magia, pararam sem jeito um pouco afastados.
—
Belo dia — comentou Fudge, lançando um olhar ao lago. — Que pena... Que
pena...
O
ministro soltou um profundo suspiro e olhou para Harry.
—
Estou aqui em uma missão desagradável, Harry. A Comissão para Eliminação
de Criaturas Perigosas exigiu uma testemunha para a execução do hipogrifo
louco. Como eu precisava visitar Hogwarts para verificar o andamento do
caso Black, me pediram para cumprir esta tarefa.
—
Isso quer dizer que já houve o julgamento do recurso? — interrompeu Rony,
adiantando-se.
—
Não, não, foi marcado para hoje à tarde — respondeu Fudge, olhando,
curioso, para Rony.
—
Então, talvez o senhor não precise testemunhar nenhuma execução! — disse
Rony corajosamente. — O hipogrifo talvez se salve!
Antes
que Fudge pudesse responder, dois bruxos saíram pelas portas do castelo às
costas do ministro. Um era tão velho que parecia estar murchando
diante dos olhos deles; o outro era alto e forte, com um bigode negro e
fino.
Harry
concluiu que deviam ser os representantes da Comissão para Eliminação de
Criaturas Perigosas, porque o velho bruxo apertou os olhos na direção da
cabana de Hagrid e disse com voz fraca:
—
Ai, ai, estou ficando velho demais para isso... Duas horas, não é, Fudge?
O
homem de bigode mexia em alguma coisa no cinto; Harry olhou e viu que ele
passava um dedo largo pela lâmina de um machado reluzente. Rony abriu a
boca para dizer alguma coisa, mas Hermione cutucou-o com força nas
costelas e indicou com a cabeça o saguão de entrada.
—
Por que é que você não me deixou falar? — perguntou Rony, aborrecido,
quando entraram no saguão para ir almoçar. — Você viu? Já prepararam até o
machado! Isso não é justiça!
—
Rony, o seu pai trabalha para o Ministério, você não pode sair dizendo
essas coisas para o chefe dele! — respondeu Hermione, mas ela também parecia muito
contrariada. — Desde que o Hagrid mantenha a cabeça no lugar e defenda o
caso direito, eles não terão possibilidade de executar o Bicuço...
Mas
Harry sabia que Hermione não acreditava realmente no que estava dizendo. À
volta deles, as pessoas falavam excitadamente enquanto almoçavam,
antegozando o fim dos exames àquela tarde, mas Harry, Rony e Hermione,
absortos em suas preocupações com Hagrid e Bicuço, não participavam das
conversas.
O
último exame de Harry e Rony era Adivinhação; o de Hermione, Estudos dos
Trouxas. Eles subiram a escadaria de mármore, juntos; Hermione os deixou
no primeiro andar e Harry e Rony prosseguiram até o sétimo, onde muitos
colegas já se encontravam sentados na escada circular que levava à sala da
Profª. Trelawney, tentando enfiar na cabeça mais alguma matéria de última
hora.
—
Ela vai receber os alunos, um a um — informou Neville quando os dois foram
se sentar perto dele. O garoto tinha o seu exemplar de Esclarecendo o
Futuro aberto no colo nas páginas dedicadas à bola de cristal. — Algum de
vocês já viu alguma coisa numa bola de cristal? — perguntou ele,
infeliz.
—
Não — respondeu Rony num tom distraído. Ele consultava a toda hora o
relógio de pulso; Harry sabia que o amigo estava fazendo a contagem
regressiva para o início do julgamento do recurso de Bicuço.
A
fila de pessoas fora da sala foi encurtando aos poucos. À medida que cada
aluno descia a escada prateada, o resto da classe sussurrava: "Que foi que ela perguntou? Você se deu bem?”
Mas
todos se recusavam a responder.
—
Ela disse que foi avisada pela bola de cristal que se eu contar a
vocês, vou ter um acidente horrível! — falou Neville, esganiçado, ao
descer a escada em direção a Harry e Rony, que agora tinham chegado
ao patamar.
—
Isto é muito conveniente — riu-se Rony. — Sabe, estou começando a achar
que Hermione tinha razão sobre a professora — comentou ele indicando
com o polegar o alçapão no alto —, ela é uma trapaceira, e das boas.
—
É — disse Harry, consultando o próprio relógio. Eram agora duas horas. —
Eu gostaria que ela andasse logo...
Parvati
desceu a escada com o rosto radiante de orgulho.
—
Ela disse que eu tenho o talento de uma verdadeira vidente — informou a
Harry e Rony. — Vi um monte de coisas... Bem, boa sorte!
A
garota desceu depressa a escada circular ao encontro de Lilá.
—
Ronald Weasley — chamou lá do alto a voz etérea que já conheciam. Rony fez
uma careta para o amigo e subiu a escada de prata, desaparecendo.
Harry agora era o único que faltava ser examinado. Ele se acomodou no
chão, apoiando as costas contra a parede, e ficou ouvindo uma mosca zumbir
na janela ensolarada, seus pensamentos atravessando a propriedade até
Hagrid.
Finalmente,
uns vinte minutos depois, os enormes pés de Rony reapareceram na
escada.
—
Como foi? — perguntou Harry se pondo de pé.
—
Bobagem. Não vi nada, então inventei alguma coisa. Acho que a professora não se convenceu,
embora...
—
Encontro você na sala comunal — murmurou Harry quando a voz da professora
chamou "Harry Potter!”
Na
sala da torre fazia mais calor que nunca; as cortinas
estavam fechadas, a lareira acesa e o costumeiro perfume adocicado
fez Harry tossir, enquanto se desvencilhava das mesas
e cadeiras amontoadas para chegar onde a professora Sibila o
esperava, sentada diante de uma grande bola de cristal.
—
Bom dia, meu querido — disse ela brandamente. — Quer ter a bondade de
examinar o orbe... Pode levar o tempo que precisar... Depois me diga o que
está vendo...
Harry
se curvou para a bola de cristal e olhou, olhou o mais atentamente
que pôde, desejando que ela lhe mostrasse algo mais do que a névoa
branca em espiral, mas nada aconteceu.
—
Então! — estimulou a professora com delicadeza. — Que é que você está
vendo?
O
calor era insuportável e as narinas do garoto ardiam com a fumaça
perfumada que vinha da lareira ao lado dos dois. Ele pensou no que Rony
acabara de lhe dizer e resolveu fingir.
—
Hum... Uma forma escura... Hum...
—
Com que se parece? — sussurrou a professora. — Pense bem...
Harry
vasculhou sua mente à procura de uma idéia e deparou com Bicuço.
—
Um hipogrifo — disse com firmeza.
—
Realmente! — sussurrou Sibila, tomando notas, com entusiasmo, no
pergaminho sobre seus joelhos. — Menino, talvez você esteja vendo o
desenlace do problema do coitado do Hagrid com o Ministério da Magia! Olhe
com mais atenção... O hipogrifo parece... Ter cabeça?
—
Sim, senhora — respondeu Harry com firmeza.
—
Você tem certeza? — insistiu a professora. — Você tem bastante certeza,
querido? Você não está vendo o animal se virando no chão, talvez, e um
vulto brandindo um machado contra ele?
—
Não! — disse Harry, começando a se sentir meio enjoado.
—
Não tem sangue? Não tem Hagrid chorando?
—
Não! — respondeu Harry de novo, querendo mais do que nunca escapar da sala
e do calor. — Ele está bem... Está voando...
A
Profª. Sibila suspirou.
—
Bem, querido, vamos parar por aqui... Um resultado decepcionante... Mas
tenho a certeza de que você fez o melhor que pôde.
Aliviado,
Harry se levantou, apanhou a mochila e se virou para ir embora, mas,
então, ouviu uma voz alta e rouca às suas costas.
—
“Vai acontecer hoje à noite.”
Harry
se virou depressa. A professora ficara dura na cadeira; seus olhos estavam
desfocados e sua boca afrouxara.
—
D... Desculpe! — disse Harry.
Mas
Sibila não pareceu ouvi-lo. Seus olhos começaram a girar.
Harry
se sentiu invadido pelo pânico. Ela parecia que ia ter uma espécie de
acesso. O garoto hesitou, pensando em correr até a ala hospitalar e então
a professora tornou a falar, com a mesma voz rouca, muito diferente da sua
voz habitual:
—
"O Lord das Trevas está sozinho e
sem amigos, abandonado pelos seus seguidores. Seu servo esteve acorrentado
nos últimos doze anos. Hoje à noite, antes da meia-noite... O servo
vai se libertar e se juntar ao seu mestre. O Lord das Trevas vai
ressurgir. Com a ajuda do seu servo, maior e mais terrível que nunca. Hoje
â noite... O servo... Vai se juntar.. Ao seu mestre...”
A
cabeça da professora se pendurou sobre o peito. Ela fez um ruído gutural.
Harry continuou ali, os olhos grudados nela. Então, de repente, a Profª.
Sibila aprumou a cabeça.
—
Desculpe, querido — disse com voz sonhadora —, o calor do dia, entende...
Cochilei por um momento...
Harry
continuou parado, os olhos grudados nela.
—
Algum problema, meu querido?
—
A senhora... A senhora acabou de me dizer que o... Lord das Trevas vai
ressurgir... E que seu servo está indo se juntar a ele...
Profª.
Sibila pareceu completamente surpresa.
—
O Lord das Trevas? Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado? Meu querido, isso não
é coisa com que se brinque... Ressurgir, realmente...
—
Mas a senhora acabou de dizer isso! A senhora disse que o Lord das
Trevas...
—
Acho que você deve ter cochilado também, querido! — disse a Profª. Sibila.
— Eu certamente não me atreveria a predizer uma coisa tão incrível como
essa!
Harry
desceu a escada de corda, depois a circular, pensativo... Será que acabara de
ouvir a Profª. Sibila fazer uma predição de verdade? Ou será que isto era a idéia da
professora de um fecho impressionante para os exames?
Cinco
minutos depois ele estava passando apressado pelos trasgos de segurança, à
entrada da Torre da Grifinória, as palavras da Profª. Trelawney ainda
ecoando em sua cabeça. As pessoas cruzavam por ele, rindo e brincando, a
caminho dos jardins e da liberdade há muito esperada; quando ele alcançou
o buraco do retrato e entrou na sala comunal, o lugar estava quase
deserto. A um canto, ele viu Rony e Hermione, sentados.
—
A Profª. Sibila — começou Harry ofegante — acabou de me dizer...
Mas
parou abruptamente ao ver os rostos dos amigos.
—
Bicuço perdeu — disse Rony com a voz fraca. — Hagrid acabou de nos mandar
isso.
O
bilhete de Hagrid, desta vez, estava seco, sem lágrimas derramadas,
contudo sua mão parecia ter tremido tanto ao escrever que o texto era
quase ilegível.
“Perdemos o julgamento
do recurso. Vão executar Bicuço ao pôr-do-sol. Vocês não podem fazer nada. Não
desçam. Não quero que vocês vejam.
Hagrid”.
—
Temos que ir — disse Harry na mesma hora. — Ele não pode ficar lá sozinho,
esperando o carrasco!
—
Mas é ao pôr-do-sol — disse Rony, que estava espiando pela janela com o
olhar meio vidrado. — Nunca nos deixariam... Principalmente a você, Harry..
Harry
apoiou a cabeça nas mãos, pensando.
—
Se ao menos tivéssemos a Capa da Invisibilidade...
—
Onde é que ela está? — perguntou Hermione.
Harry
lhe contou que a deixara na passagem da bruxa de um olho só.
—
Se Snape me vir por ali outra vez, vou entrar numa fria — terminou ele.
—
É verdade — concordou Hermione, se levantando. — Se ele vir você... Como é
mesmo que se abre a corcunda da bruxa?
—
A gente dá uma pancada e diz: "Dissendium"
— disse Harry. — Mas...
Hermione
não esperou o resto da frase; atravessou a sala, empurrou o retrato da
Mulher Gorda e desapareceu de vista.
—
Ah, não acredito que ela tenha ido buscar! — exclamou Rony, acompanhando-a
com o olhar.
Dito
e feito. Hermione voltou quinze minutos depois com a capa prateada dobrada
com cuidado sob suas vestes.
—
Mione, não sei o que deu em você ultimamente! — exclamou Rony, espantado.
— Primeiro você mete a mão em Draco Malfoy, depois abandona o curso
da Profª. Sibila...
A
garota fez cara de quem recebera um elogio.
Os
três desceram para jantar com todos os alunos, mas não voltaram à Torre da
Grifinória ao terminar. Harry levava a capa escondida na frente das vestes
e tinha que manter os braços cruzados para esconder o volume.
Entraram sorrateiramente numa sala vazia no saguão de entrada e
ficaram escutando, até ter certeza de que o lugar ficara deserto.
Ouviram as últimas duas pessoas atravessarem o saguão correndo e uma porta
bater. Hermione meteu a cabeça fora da porta.
—
Tudo bem — sussurrou —, não tem ninguém... Vamos vestir a capa...
Caminhando
muito juntos para que ninguém os visse, eles atravessaram o saguão na
ponta dos pés, cobertos pela capa, e desceram os degraus de pedra
que levavam aos jardins. O sol já ia se pondo atrás da Floresta
Proibida, dourando os ramos mais altos das árvores.
Chegaram
à cabana de Hagrid e bateram. O amigo levou um minuto para atender e,
quando o fez, ficou procurando o visitante por todos os lados, pálido e
trêmulo.
—
Somos nós — sibilou Harry. — Estamos usando a Capa da Invisibilidade.
Deixe a gente entrar para poder tirar a capa.
—
Vocês não deviam ter vindo! — sussurrou Hagrid, mas se afastou para os
garotos poderem entrar. Depois fechou a porta depressa e Harry arrancou
a capa.
Hagrid
não estava chorando, nem se atirou ao pescoço deles.
Parecia
um homem que não sabia onde estava nem o que fazer. Seu desamparo era pior
do que as lágrimas.
—
Querem um chá? — perguntou aos garotos. Suas mãos enormes tremiam quando
apanhou a chaleira.
—
Onde é que está o Bicuço, Hagrid? — perguntou Hermione, hesitante.
—
Eu... Eu levei ele para fora — respondeu Hagrid, derramando leite pela
mesa toda ao tentar encher a jarra. — Está amarrado no canteiro de
abóboras. Achei que ele devia ver as árvores e... E respirar ar fresco...
Antes...
A
mão de Hagrid tremeu com tanta violência que a jarra de leite escapuliu e
se espatifou no chão.
—
Eu faço isso, Hagrid — ofereceu-se Hermione depressa, correndo para limpar
a sujeira.
—
Tem outra no armário de louças — falou Hagrid, sentando-se e limpando a
testa na manga. Harry olhou para Rony, que retribuiu seu olhar com
desânimo.
—
Tem alguma coisa que se possa fazer, Hagrid? — perguntou Harry inflamado,
sentando-se ao lado do amigo. — Dumbledore...
—
Ele tentou. Mas não tem poder para revogar uma decisão da Comissão. Ele
disse aos juizes que Bicuço era normal, mas a Comissão está com medo...
Vocês sabem como é o Lúcio Malfoy... Imagino que deve ter ameaçado todos
eles... E o carrasco, Macnair, é um velho conhecido dos Malfoy... Mas vai
ser rápido e limpo... E eu vou estar do lado do Bicuço...
Hagrid
engoliu em seco. Seus
olhos percorriam a cabana como se procurassem um fio de esperança ou de
consolo.
—
Dumbledore vai descer quando... Quando estiver na hora. Me escreveu hoje de manhã. Disse que quer
ficar... Ficar comigo. Grande homem, o
Dumbledore...
Hermione,
que andara vasculhando o guarda-louça de Hagrid à procura de outra
leiteira, deixou escapar um pequeno soluço, rapidamente sufocado. Ela se
endireitou com a nova leiteira nas mãos, lutando para conter as lágrimas.
—
Nós vamos ficar com você também, Hagrid — começou ela, mas o amigo sacudiu
a cabeça cabeluda.
—
Vocês têm que voltar para o castelo. Já disse que não quero que assistam.
Aliás, vocês nem deviam estar aqui... Se Fudge e Dumbledore pegarem
você fora do castelo sem permissão, Harry, você vai se meter numa
grande confusão.
Lágrimas
silenciosas escorriam pelo rosto de Hermione, mas ela as escondeu de
Hagrid, ocupando-se em fazer o chá. Então, quando apanhou a garrafa de
leite para encher a leiteira, ela soltou um grito.
—
Rony!... Eu não acredito... É o Perebas!
O
queixo de Rony caiu.
—
Do que é que você está falando?
Hermione
levou a leiteira até a mesa e virou-a de boca para baixo. Com um guincho
frenético, e muita correria para voltar para dentro da jarra, Perebas, o
rato, deslizou para cima da mesa.
—
Perebas! — exclamou Rony sem entender. — Perebas, que é que você está
fazendo aqui?
Ele
agarrou o rato que se debatia e segurou-o próximo à luz.
Perebas
estava com uma aparência horrível. Mais magro que nunca, perdera grandes
tufos de pêlos que deixaram pelado seu corpo, o rato se contorcia nas mãos
de Rony como se estivesse desesperado para se soltar.
—
Tudo bem, Perebas! — tranqüilizou-o Rony. — Não tem gatos! Não tem
nada aqui para te machucar!
Hagrid
se levantou de repente, os olhos fixos na janela. Seu rosto, normalmente
corado, estava da cor de pergaminho.
—
Aí vem eles... Harry, Rony e Hermione se viraram depressa. Um grupo de
homens descia os distantes degraus, à entrada do castelo. À frente vinha
Alvo Dumbledore, a barba prateada refulgindo ao sol poente. Ao seu
lado, caminhava, a passo rápido, Cornélio Fudge. Atrás dos dois vinha o
membro da Comissão velho e fraco, e o carrasco, Macnair.
—
Vocês têm que ir embora — disse Hagrid. Cada centímetro de seu corpo
tremia. — Eles não podem encontrar vocês aqui... Vão...
Rony
enfiou Perebas no bolso, e Hermione apanhou a capa.
—
Eu vou abrir a porta dos fundos para vocês — disse Hagrid.
Os
garotos o acompanharam até a porta que abria para a horta.
Harry
se sentiu estranhamente irreal e mais ainda quando viu Bicuço a poucos
passos de distância, amarrado a uma árvore atrás do canteiro de abóboras.
O hipogrifo parecia saber que alguma coisa estava acontecendo. Virou a
cabeça de um lado para o outro e pateou o chão nervosamente.
—
Tudo bem, Bicucinho — disse Hagrid com brandura. — Tudo bem...
—
E se virando para Harry, Rony e Hermione. — Vão. Andem logo.
Mas
os garotos não se mexeram.
—
Hagrid, não podemos...
—
Vamos contar a eles o que realmente aconteceu...
—
Não podem matar Bicuço...
—
Vão! — disse Hagrid ferozmente. — Já está bastante ruim sem vocês se
meterem em confusão!
Os
garotos não tiveram escolha. Quando Hermione jogou a capa sobre Harry e
Rony, eles ouviram as vozes na entrada da cabana. Hagrid ficou olhando
para o lugar de onde os garotos tinham acabado de sumir.
—
Vão depressa — disse, rouco. — Não fiquem ouvindo...
E
Hagrid tornou a entrar na cabana no momento em que alguém batia à porta.
Lentamente,
numa espécie de transe de horror, Harry, Rony e Hermione contornaram a
cabana de Hagrid sem fazer barulho.
Quando
chegaram do outro lado, a porta de entrada se fechou com uma batida seca.
—
Por favor, vamos nos apressar — sussurrou Hermione. — Não posso suportar,
não posso suportar...
Os
três começaram a subir a encosta gramada em direção ao castelo. O sol ia
se pondo depressa agora; o céu se tornara cinzento, sem nuvens, e tinto de
púrpura, mais para oeste havia uma claridade vermelho-rubi.
Rony
parou muito quieto.
—
Ah, por favor, Rony — começou Hermione.
—
É o Perebas.. Ele não quer... Parar..
Rony
se curvou, tentando segurar Perebas no bolso, mas o
rato estava ficando furioso; guinchava feito louco, virava e se
debatia, tentando ferrar os dentes nas mãos de Rony.
—
Perebas, sou eu, seu idiota, o Rony.
Os
garotos ouviram a porta fechar às suas costas e o som de vozes masculinas.
—
Ah, Rony, por favor, vamos andando, eles vão executar o Bicuço! — murmurou
Hermione.
—
Ok... Perebas fique quieto...
Eles
avançaram; Harry, como Hermione, estava tentando não escutar o ruído surdo
das vozes às costas deles, Rony parou mais uma vez.
—
Não consigo segurar ele! Perebas, cala a boca, todo mundo vai nos ouvir...
O rato
guinchava alucinado, mas não alto o suficiente para abafar os ruídos que
vinham do jardim de Hagrid. Ouviu-se um rumor indistinto de
vozes masculinas, um silêncio e então, sem aviso, o som inconfundível de
um machado cortando o ar e se abatendo sobre o alvo.
Hermione
vacilou.
—
Executaram Bicuço! — murmurou ela para Harry. — Eu n... Não acredito... Eles
executaram Bicuço!
CAPÍTULO
DEZESSETE
Gato, Rato e Cão
A
cabeça de Harry se esvaziou com o choque. Os três garotos
ficaram paralisados de horror sob a Capa da Invisibilidade. Os últimos
raios do sol poente lançavam uma claridade sangrenta sobre os imensos
campos sombrios da escola. Então, atrás deles, os garotos ouviram um uivo
selvagem.
—
Hagrid — murmurou Harry. E, sem pensar no que estava fazendo, fez menção
de dar meia-volta, mas Rony e Hermione o seguraram pelos braços.
—
Não podemos — disse Rony, que estava branco como uma folha de papel. —
Hagrid vai ficar numa situação muito pior se souberem que fomos à casa
dele...
A
respiração de Hermione estava rasa e desigual.
—
Como... Puderam... Fazer... Isso? — engasgou-se a garota. — Como puderam?
—
Vamos — disse Rony, cujos dentes davam a impressão de estar batendo.
Os
três voltaram ao castelo, andando devagar, para se manter escondidos sob a
capa. A claridade ia desaparecendo depressa agora.
Quando
chegaram à área ajardinada, a escuridão desceu, como por encanto, a toda
volta.
—
Perebas, fica quieto — sibilou Rony, apertando a mão contra o peito. O
rato se debatia, enlouquecido. Rony parou de repente, tentando
empurrá-lo para o fundo do bolso. — Que é que há com você, seu rato burro?
Fica parado aí... AI! Ele me mordeu!
—
Rony, fica quieto! — cochichou Hermione com urgência. — Fudge vai nos
alcançar em um minuto...
—
Ele não quer.. Ficar... Parado...
Perebas
estava visivelmente aterrorizado. Contorcia-se com todas as suas forças,
tentando se desvencilhar da mão de Rony.
—
Que é que há com ele?
Mas
Harry acabara de ver, esquivando-se em direção ao grupo, o corpo colado no
chão, grandes olhos amarelos que brilhavam lugubremente no escuro,
Bichento.
Se
podia vê-los ou se estava seguindo os guinchos de Perebas, Harry
não saberia dizer.
—
Bichento! — gemeu Hermione. – Não! Vai embora, Bichento! Vai embora!
Mas
o gato se aproximava sempre mais...
—
Perebas... NÃO!
Tarde
demais, o rato escorregou por entre os dedos apertados de Rony, bateu no
chão e fugiu precipitadamente. De um salto, Bichento saiu em seu
encalço, e antes que Harry ou Hermione pudessem detê-lo, Rony arrancara a
Capa da Invisibilidade e se arremessava pela escuridão.
—
Rony — gemeu Hermione.
Ela
e Harry se entreolharam e correram atrás do amigo; era impossível correr
com desenvoltura com a capa por cima; arrancaram-na e ela ficou voando
para trás como uma bandeira, quando os dois saíram desabalados atrás de
Rony; ouviram os passos dele à frente e seus gritos para Bichento.
—
Fique longe dele... Fique longe... Perebas, volta aqui...
Ouviu-se
um baque sonoro.
—
Te peguei! Dá o fora, seu gato fedorento...
Harry
e Hermione quase caíram em cima de Rony; pararam derrapando diante dele. O
amigo estava esparramado no chão, mas Perebas já estava de volta ao bolso;
Rony
apertava com as duas mãos um calombo trepidante.
—
Rony... Vamos... Volta para baixo da capa... — ofegou Hermione.
—
Dumbledore... O ministro... Eles vão voltar para o castelo já, já...
Mas
antes que pudessem se cobrir outra vez, antes que pudessem sequer
recuperar o fôlego, eles ouviram o ruído macio de patas gigantescas. Algo
estava saltando da escuridão em sua direção, um enorme cão negro de olhos
claros.
Harry
tentou pegar a varinha, mas tarde demais, o cão investira dando um enorme
salto, e suas patas dianteiras atingiram o garoto no peito; Harry caiu
para trás num redemoinho de pêlos; sentiu o hálito quente do animal, viu
seu dente de mais de dois centímetros...
Mas
a força do salto impelira o cão longe demais; ultrapassara Harry.
Aturdido, com a sensação de que suas costelas tinham quebrado, o garoto
tentou se levantar; ouviu o cão rosnar e derrapar se posicionando para um
novo ataque.
Rony
estava de pé. Quando o cão saltou contra os dois, ele empurrou Harry para
o lado; e, em vez de Harry, as mandíbulas do bicho abocanharam o braço
estendido de Rony. Harry se atirou para cima dele, agarrou uma mão cheia
de pêlos do cão, mas o bruto foi arrastando Rony para longe com a facilidade
com que arrastaria uma boneca de trapos...
Então,
ele não viu de onde, uma coisa atingiu seu rosto com tanta força que ele
foi novamente derrubado no chão. Harry ouviu Hermione gritar de dor e
cair também. O menino tateou à procura de sua varinha, piscando para limpar
o sangue dos olhos...
— Lumus!— sussurrou.
A
luz produzida pela varinha mostrou-lhe um grosso tronco de árvore; tinham
corrido atrás de Perebas até a sombra do Salgueiro Lutador, cujos ramos
estalavam como se estivessem sendo açoitados por um forte vento, avançavam
e recuavam para impedir os garotos de se aproximarem.
E
ali, na base do tronco, o cão arrastava Rony para dentro de um grande
buraco entre as raízes — o garoto lutava furiosamente, mas sua cabeça e
seu tronco foram desaparecendo de vista...
—
Rony! — gritou Harry, tentando segui-lo, mas um pesado galho chicoteou
ameaçadoramente o ar e ele foi forçado a recuar.
Agora
estava visível apenas uma das pernas de Rony, que ele enganchara em torno
de uma raiz na tentativa de impedir o cão de arrastá-lo mais para o
fundo da terra, mas um estampido terrível cortou o ar feito um tiro; a
perna de Rony se partiu e um instante depois, seu pé desaparecera de
vista.
—
Harry... Temos que procurar ajuda... — gritou Hermione; ela também
sangrava; o salgueiro a cortara na altura dos ombros.
—
Não! Aquela coisa é bastante grande para comer Rony; não temos tempo...
—
Harry nunca vamos conseguir entrar sem ajuda...
Mais
um galho desceu como um chicote em sua direção, os raminhos curvados como
articulações de dedos.
—
Se aquele cão pôde entrar, nós também podemos, ofegou Harry, correndo para
um lado e para outro, tentando encontrar uma brecha entre os galhos que
varriam com violência o ar, mas não podia se aproximar nem mais um
centímetro das raízes da árvore sem ficar ao alcance dos golpes que ela
desferia.
—
Ah, socorro, socorro — murmurava freneticamente Hermione, dançando no
mesmo lugar —, por favor...
Bichento
disparou adiante dos garotos. Deslizou por entre os galhos agressores como
uma cobra e colocou as patas dianteiras sobre um nó que havia no tronco.
Abruptamente,
como se a árvore tivesse se transformado em pedra, ela parou de se
movimentar. Sequer uma folha virava ou sacudia.
—
Bichento! — sussurrou Hermione insegura. Ela agora apertava o braço de
Harry com tanta força que provocava dor. — Como é que ele sabia...?
—
Ele é amigo daquele cão — respondeu Harry, sombriamente. — Já os vi juntos.
Vamos... E mantenha a varinha na mão...
Os
dois venceram a distância até o tronco em segundos, mas antes que pudessem
alcançar o buraco nas raízes, Bichento deslizara para dentro com um aceno
do seu rabo de escovinha. Harry entrou em seguida; avançou arrastando-se,
a cabeça à frente, e escorregou por uma descida de terra até o leito de
um túnel muito baixo.
Bichento
ia mais adiante, os olhos faiscando à luz da varinha de Harry.
Segundos
depois, Hermione escorregou para junto do garoto.
—
Onde é que foi o Rony? — sussurrou ela com terror na voz.
—
Por ali — respondeu Harry, caminhando, curvado, atrás de Bichento.
—
Onde é que vai dar esse túnel? — perguntou Hermione, ofegante.
—
Eu não sei... Está marcado no Mapa do
Maroto, mas Fred e Jorge disseram que ninguém nunca tinha entrado. Ele
continua para fora do mapa, mas parecia que ia em direção a Hogsmeade...
Os
garotos caminharam o mais rápido que puderam, quase dobrados em dois; à
frente, o rabo de Bichento entrava e saía do seu campo de visão. E a
passagem não tinha fim; dava a impressão de ser no mínimo tão longa quanto
a que levava à Dedosdemel. Harry só conseguia pensar em Rony e no que
aquele canzarrão podia estar fazendo com o seu amigo... Ele respirava em
arquejos curtos e dolorosos, correndo agachado... E então o túnel começou
a subir; momentos depois se virou e Bichento tinha desaparecido. Em vez do
gato, Harry viu um espaço mal iluminado por meio de uma pequena abertura.
Ele
e Hermione pararam, procurando recuperar o fôlego, depois avançaram
cautelosamente. Os dois ergueram as varinhas para ver o que havia além.
Era
um quarto, muito desarrumado e poeirento. O papel descascava das paredes;
havia manchas por todo o chão; cada móvel estava quebrado como se alguém
o tivesse atacado. As janelas
estavam vedadas com tábuas.
Harry
olhou para Hermione, que parecia muito amedrontada, mas concordou com um
aceno de cabeça.
Harry
saiu pelo buraco, olhando para todos os lados. O quarto estava deserto,
mas havia uma porta aberta à direita, que levava a um corredor sombrio.
Hermione, de repente, tornou a agarrar o braço de Harry. Seus olhos
arregalados percorreram as janelas vedadas.
—
Harry — cochichou ela —, acho que estamos na Casa dos Gritos.
Harry
olhou a toda volta. Seus olhos se detiveram em uma cadeira de
madeira, próxima. Havia grande pedaços partidos; uma das pernas fora
inteiramente arrancada.
—
Fantasmas não fazem isso — comentou ele calmamente. Naquele momento, os
dois ouviram um rangido no alto. Alguma coisa se mexera no andar de cima.
Os dois olharam para o teto. Hermione apertava o braço de Harry com
tanta força que ele estava perdendo a sensibilidade nos dedos. O garoto
ergueu as sobrancelhas para ela; Hermione concordou outra vez e
soltou-o.
O
mais silenciosamente que puderam, os dois saíram para o corredor e subiram
uma escada desmantelada. Tudo estava coberto por uma espessa camada de
poeira, exceto o chão, onde uma larga faixa brilhante fora aparentemente
limpa por uma coisa arrastada para o primeiro andar.
Eles
chegaram ao patamar escuro.
—
Nox — sussurraram ao mesmo tempo, e
as luzes nas pontas de suas varinhas se apagaram. Havia apenas uma
porta aberta.
Ao
se esgueirarem nessa direção, ouviram um movimento atrás da porta; um
gemido baixo e em seguida um ronronar alto e grave.
Eles trocaram
um último olhar e um último aceno de cabeça.
A
varinha empunhada com firmeza à frente, Harry escancarou a porta com
um chute.
Numa
imponente cama de colunas, com cortinas empoeiradas, encontrava-se
Bichento, que ronronou alto ao vê-los. No chão ao lado do gato, agarrando
a perna estendida num ângulo estranho, encontrava-se Rony.
Harry
e Hermione correram para o amigo.
—
Rony... Você está bem?
—
Onde está o cão?
—
Não é um cão — gemeu Rony. Seus dentes rilhavam de dor. — Harry é uma
armadilha...
—
Que...
—
Ele é o cão... Ele é um Animago...
Rony
olhava fixamente por cima do ombro de Harry. Este se virou depressa. Com
um estalo, o homem nas sombras fechou a porta do quarto.
Uma
massa de cabelos imundos e embaraçados caíam até seus cotovelos. Se seus
olhos não estivessem brilhando em órbitas fundas e escuras, ele poderia
ser tomado por um cadáver. A pele macilenta estava tão esticada sobre
os ossos do rosto, que ele lembrava uma caveira. Os dentes amarelos
estavam arreganhados num sorriso.
Era
Sirius Black.
—
Expelliarmus! — disse com voz rouca,
apontando a varinha de Rony para os garotos.
As
varinhas de Harry e Hermione saíram voando de suas mãos e Black as
recolheu. Então se aproximou. Seus olhos estavam fixos em Harry.
—
Achei que você viria ajudar seu amigo. — A voz dava a impressão de que
havia muito tempo ele perdera o hábito de usá-la. — Seu pai teria feito o
mesmo por mim. Foi muita coragem não correr à procura de um professor.
Fico agradecido... Vai tornar as coisas muito mais fáceis...
A
referência sarcástica ao seu pai ecoou nos ouvidos de Harry como se Black
a tivesse gritado. Um ódio escaldante explodiu em seu peito, não deixando
lugar para o medo. Pela primeira vez na vida ele desejou ter a varinha
nas mãos, não para se defender, mas para atacar... Para matar. Sem saber
o que estava fazendo, começou a avançar, mas percebeu um movimento
repentino de cada lado do seu corpo e dois pares de mãos o puxaram e o
mantiveram parado.
—
Não, Harry! — exclamou Hermione num sussurro petrificado; Rony, porém, se
dirigiu a Black.
—
Se você quiser matar Harry, terá que nos matar também! — disse
impetuosamente, embora o esforço de ficar de pé tivesse acentuado sua
palidez e ele oscilasse um pouco ao falar.
Alguma
coisa brilhou nos olhos sombrios de Black.
—
Deite-se — disse brandamente a Rony. — Você vai piorar a fratura nessa
perna.
—
Você me ouviu? — disse Rony com a voz fraca, embora se apoiasse dolorosamente
em Harry para se manter de pé. — Você vai ter que matar os três!
—
Só vai haver uma morte aqui hoje à noite — disse Black, e seu sorriso
se alargou.
—
Por quê? — perguntou Harry com veemência, tentando se desvencilhar de Rony
e Hermione. — Você não se importou com isso da última vez, não foi mesmo?
Não se importou de matar aqueles trouxas todos para atingir
Pettigrew... Que foi que houve, amoleceu em Azkaban?
—
Harry! — choramingou Hermione. — Fica quieto!
—
ELE MATOU MINHA MÃE E MEU PAI! — bradou Harry, com grande esforço, se
desvencilhou de Hermione e Rony que o retinham pelos braços, e
avançou...
Harry
esquecera a magia, esquecera que era baixo e magricela e tinha treze anos,
enquanto Black era um homem alto e adulto, ele só sabia que queria ferir Black
da maneira mais horrível que pudesse e não se importava se fosse
ferido também...
Talvez
fosse o choque de ver Harry fazer uma coisa tão idiota, mas Black não
ergueu as varinhas em
tempo. Uma das mãos de Harry segurou seu pulso
magro, forçando as pontas das varinhas para baixo; o punho de sua
outra mão atingiu o lado da cabeça de Black e os dois caíram de
costas contra a parede...
Hermione
gritava; Rony berrava; houve um relâmpago ofuscante quando as varinhas na
mão de Black emitiram um jorro de fagulhas no ar que, por centímetros, não
atingiu o rosto de Harry.
O
garoto sentiu o braço magro sob seus dedos se
torcer furiosamente, mas continuou a segurá-lo, a outra mão socando
cada parte do corpo de Black que conseguia alcançar.
Mas
a mão livre de Black encontrou a garganta de Harry...
—
Não — sibilou ele. — Esperei tempo demais...
Seus
dedos intensificaram o aperto, Harry ficou sem ar, seus óculos entortaram
no rosto.
Então
ele viu o pé de Hermione, vindo não sabia de onde, erguer-se no ar. Black
largou Harry com um gemido de dor; Rony se atirara sobre a mão com que
Black segurava as varinhas e Harry ouviu uma batida leve...
Ele
lutou para se livrar dos corpos embolados e viu sua varinha rolando pelo
chão; atirou-se para ela mas...
—
Arre!
Bichento
entrara na briga; o par dianteiro de garras se enterrou fundo no braço de
Harry; o garoto se soltou, mas agora o gato corria para sua varinha...
—
NÃO VAI NÃO! — berrou Harry, e mirou um pontapé no gato que o fez saltar
para o lado, bufando; o garoto agarrou a varinha, virou-se e...
—
Saiam da frente! — gritou para Rony e Hermione.
Não
foi preciso falar duas vezes. Hermione, ofegante, a boca sangrando,
atirou-se para o lado, ao mesmo tempo em que recuperava as varinhas dela e
de Rony. O garoto arrastou-se até a cama de colunas e largou-se sobre ela,
arquejante, o rosto pálido agora se tingindo de verde, as mãos segurando a
perna quebrada.
Black
estava esparramado junto à parede. Seu peito magro subia e descia
rapidamente enquanto observava Harry se aproximar devagar, a varinha
apontada para o seu coração.
—
Vai me matar, Harry? — murmurou ele.
O
garoto parou bem em cima de Black, a varinha ainda apontada para o seu
coração, encarando-o do alto. Um inchaço pálido surgia em torno do olho
esquerdo do homem e seu nariz sangrava.
—
Você matou meus pais — acusou-o Harry, com a voz ligeiramente trêmula, mas
a mão segurando a varinha com firmeza.
Black
encarou-o com aqueles olhos fundos.
—
Não nego que matei — disse muito calmo. — Mas se você soubesse da história
completa...
—
A história completa? — repetiu Harry, os ouvidos latejando furiosamente. —
Você vendeu meus pais a Voldemort. É só isso que preciso saber.
—
Você tem que me ouvir — disse Black, e havia agora uma urgência em sua
voz. — Você vai se arrepender se não me ouvir.... Você não compreende...
—
Compreendo muito melhor do que você pensa — disse Harry, e sua voz tremeu
mais que nunca. — Você nunca a ouviu, não é? Minha mãe... Tentando impedir
Voldemort de me matar... E foi você que fez aquilo... Você é que fez...
Antes
que qualquer dos dois pudesse dizer outra palavra, uma coisa alaranjada
passou correndo por Harry; Bichento saltou para o peito de Black e se
sentou ali, bem em cima do coração. O homem pestanejou e olhou para o
gato.
—
Saia daí — murmurou o homem, tentando empurrar Bichento para longe.
Mas
o gato enterrou as garras nas vestes de Black e não se mexeu.
Então
virou a cara amassada e feia para Harry e encarou-o com aqueles grandes
olhos amarelos... À sua direita, Hermione soltou um soluço seco.
Harry
encarou Black e Bichento, apertando com mais força a varinha na mão. E daí
se tivesse que matar o gato também? O bicho estava mancomunado com
Black...
Se
estava disposto a morrer para proteger o homem, não era de sua conta... Se
o homem queria salvá-lo, isso só provava que se importava mais com
Bichento do que com os pais de Harry...
O
garoto ergueu a varinha. Agora era o momento de agir. Agora era o momento
de vingar seu pai e sua mãe. Ia matar Black.
Tinha
que matar Black. Era a sua chance...
Os
segundos se alongaram. E Harry continuou paralisado ali, com a varinha em
posição, Black olhando para ele, com Bichento sobre o peito.
Ouvia-se
a penosa respiração de Rony próximo à cama; Hermione guardava silêncio.
Então ouviu-se um novo ruído...
Passos
abafados ecoaram pelo chão, alguém estava andando no andar de baixo.
—
ESTAMOS AQUI EM CIMA! — gritou Hermione de repente.
—
ESTAMOS AQUI EM
CIMA... SIRIUS BLACK... DEPRESSA!
Black
fez um movimento assustado que quase desalojou — Bichento; Harry apertou
convulsivamente a varinha. “Aja
agora disse uma voz em sua cabeça”. Mas os passos reboavam escada
acima e Harry ainda não agira.
A
porta do quarto se escancarou com um jorro de faíscas vermelhas e Harry se
virou na hora em que o Profº. Lupin irrompeu no quarto, seu rosto exangue,
a varinha erguida e pronta. Seus olhos piscaram ao ver Rony, deitado no
chão, Hermione encolhida perto da porta, Harry parado ali com a varinha
apontada para Black, e o próprio Black, caído e sangrando aos pés do
garoto.
—
Expelliarmus!— gritou Lupin.
A
varinha de Harry voou mais uma vez de sua mão; as duas que Hermione
segurava também. Lupin apanhou-as agilmente e avançou pelo quarto, olhando
para Black, que ainda tinha Bichento deitado numa atitude de proteção
sobre seu peito.
Harry
ficou parado ali, sentindo-se subitamente vazio. Não agira. Faltara-lhe a
coragem. Black ia ser entregue aos dementadores.
Então
Lupin perguntou com a voz muito tensa.
—
Onde é que ele está, Sirius?
Harry
olhou depressa para Lupin. Não entendeu o que o professor queria dizer. De
quem estava falando? Virou-se para olhar Black outra vez.
O
rosto do homem estava impassível. Por alguns segundos Black nem se mexeu.
Depois, muito lentamente, ergueu a mão vazia e apontou para Rony.
Aturdido, Harry se virou para Rony, que por sua vez parecia confuso.
—
Mas, então... — murmurou Lupin, encarando Black com tal intensidade que
parecia estar tentando ler sua mente — por que ele não se revelou antes? A
não ser que... — os olhos de Lupin se arregalaram, como se estivesse
vendo alguma coisa além de Black, alguma coisa que mais ninguém podia ver
— a não ser que ele fosse o... A não ser que você tivesse trocado...
Sem me dizer?
Muito
lentamente, com o olhar fundo cravado no rosto de Lupin, Black confirmou
com um aceno de cabeça.
—
Professor — interrompeu Harry, em voz alta —, que é que
está acontecendo...?
Mas
nunca chegou a terminar a pergunta, porque o que viu fez sua voz morrer na
garganta. Lupin estava baixando a varinha, os olhos fixos em Black. O professor foi
até Black, apanhou a varinha dele, levantou-o de modo que Bichento caiu no
chão e abraçou Black como a um irmão.
Harry
sentiu como se o fundo do seu estômago tivesse despencado.
—
EU NÃO ACREDITO! — berrou Hermione.
Lupin
soltou Black e se virou para a garota. Ela se erguera do chão e estava
apontando para Lupin, de olhos arregalados.
—
O senhor... O senhor...
—
Hermione...
—
... O senhor e ele!
—
Hermione se acalme...
—
Eu não contei a ninguém! — esganiçou-se a garota. — Tenho encoberto o
senhor...
—
Hermione, me escute, por favor! — gritou Lupin. — Posso explicar...
Harry
sentia o corpo tremer, não com medo, mas com uma nova onda de fúria.
—
Eu confiei no senhor — gritou ele para Lupin, sua voz se descontrolando —,
e o tempo todo o senhor era amigo dele!
—
Você está enganado — disse Lupin. — Eu não era amigo de Sirius, mas agora
sou... Deixe-me explicar..
—
NÃO! — berrou Hermione. — Harry não confie nele, ele tem ajudado Black a
entrar no castelo, ele quer ver você morto também... Ele é um Lobisomen!
Houve
um silêncio audível. Os olhos de todos agora estavam postos em Lupin, que
parecia extraordinariamente calmo, embora muito pálido.
—
O que disse não está à altura do seu padrão de acertos, Hermione. Receio
que tenha acertado apenas uma afirmação em três. Eu não tenho ajudado Sirius a
entrar no castelo e certamente não quero ver Harry morto... — Um estranho
tremor atravessou seu rosto. — Mas não vou negar que seja um Lobisomen.
Rony
fez um corajoso esforço para se levantar outra vez, mas caiu com um gemido
de dor. Lupin adiantou-se para ele, parecendo preocupado, mas Rony
exclamou:
—
Fique longe de mim, Lobisomen!
Lupin
se imobilizou. Depois, com óbvio esforço, virou-se para Hermione e
perguntou:
—
Há quanto tempo você sabe?
—
Há séculos! — sussurrou Hermione. — Desde a redação do Profº. Snape...
—
Ele ficará encantado — disse Lupin tranqüilo. — Passou aquela redação na
esperança de que alguém percebesse o que significavam os meus
sintomas. Você verificou a tabela lunar
e percebeu que eu sempre ficava doente na lua cheia? Ou você percebeu que
o bicho-papão se transformava em
lua quando me via?
—
Os dois — respondeu Hermione em voz baixa.
Lupin
forçou uma risada.
—
Você é a bruxa de treze anos mais inteligente que já conheci, Hermione.
—
Não sou, não — sussurrou Hermione. — Se eu fosse um pouco mais
inteligente, teria contado a todo mundo quem o senhor é!
—
Mas todos já sabem. Pelo menos os professores sabem.
—
Dumbledore contratou o senhor mesmo sabendo que o senhor é um Lobisomen? — exclamou Rony. — Ele é
louco?
—
Alguns professores acharam que sim — respondeu Lupin. — Ele teve que
trabalhar muito para convencer certos professores de que eu sou digno de
confiança...
—
E ELE ESTAVA ENGANADO! — berrou Harry. — O SENHOR ESTEVE AJUDANDO ELE O
TEMPO TODO! — O garoto apontou para Black, que, de repente atravessou o
quarto em direção à cama de colunas e afundou nela, o rosto escondido
em uma das mãos trêmulas. Bichento saltou para junto dele e subiu no seu
colo, ronronando. Rony se afastou devagarinho dos dois, arrastando a
perna.
—
Eu não estive ajudando Sirius — respondeu Lupin. — Se você me der uma
chance, eu explico. — Olhe...
O
professor separou as varinhas de Harry, Rony e Hermione e devolveu-as aos
donos. Harry apanhou a dele, espantado.
—
Pronto — disse Lupin, enfiando a própria varinha no cinto. — Vocês estão
armados e nós, não. Agora vão me ouvir?
Harry
não sabia o que pensar. Seria um truque?
—
Se o senhor não esteve ajudando — disse, lançando um olhar furioso a Black
—, como é que soube que ele estava aqui?
—
O mapa. O Mapa do Maroto. Eu estava
na minha sala examinando-o...
—
O senhor sabe trabalhar com o mapa? — indagou Harry desconfiado.
—
Claro que sei — disse Lupin fazendo um gesto impaciente com a mão. —
Ajudei a prepará-lo. Eu sou Aluado, esse era o apelido que meus amigos me
davam na escola.
—
O senhor preparou...?
—
O importante é que eu estava examinando o mapa atentamente hoje à noite,
porque imaginei que você, Rony e Hermione poderiam tentar sair,
escondidos, do castelo para visitar Hagrid antes da execução do hipogrifo.
E estava certo, não é mesmo?
Lupin
começara a andar para cima e para baixo do quarto, com os olhos fixos nos
garotos. Pequenas nuvens de pó se levantavam aos seus pés.
—
Você poderia estar usando a velha capa do seu pai, Harry...
—
Como é que o senhor sabia da capa?
—
O número de vezes que vi Tiago desaparecer debaixo da capa... — disse,
fazendo outro gesto de impaciência com a mão. — A questão é que, mesmo
quando a pessoa está usando a Capa da Invisibilidade, ela continua a
aparecer no Mapa do Maroto. Observei
vocês atravessarem os jardins e entrar na cabana de Hagrid.
Vinte minutos depois, vocês saíram e voltaram em direção ao castelo.
Mas, então, iam acompanhados por mais alguém.
—
Quê? — exclamou Harry. — Não, não íamos!
—
Eu não podia acreditar no que estava vendo — continuou o professor,
prosseguindo a caminhada e fingindo não ter ouvido a interrupção de Harry.
-Achei que o mapa não estava registrando direito. Como é que ele
podia estar com vocês?
—
Não tinha ninguém com a gente!
—
Então vi outro pontinho, andando depressa em sua direção, rotulado Sirius
Black... Vi-o colidir com você; observei quando arrastou dois de
vocês para dentro do Salgueiro Lutador...
—
Um de nós! — corrigiu-o Rony, zangado.
—
Não, Rony. Dois de vocês.
Ele
parou de andar, os olhos em Rony.
—
Você acha que eu poderia dar uma olhada no rato? — perguntou com a voz
equilibrada.
—
Quê? — exclamou Rony. — Que é que o Perebas tem a ver com isso?
—
Tudo. Posso vê-lo, por favor?
Rony
hesitou, depois enfiou a mão nas vestes. Perebas apareceu, debatendo-se
desesperadamente; o garoto teve que segurá-lo pelo longo rabo pelado para
impedi-lo de fugir. Bichento ficou em pé na perna de Black e sibilou
baixinho.
Lupin
se aproximou de Rony. Parecia estar prendendo a respiração enquanto
examinava Perebas atentamente.
—
Quê? — repetiu Rony, segurando Perebas mais perto com um ar apavorado. —
Que é que meu rato tem a ver com qualquer coisa?
—
Isto não é um rato — disse Sirius Black, de repente, com a voz rouca.
—
Que é que você está dizendo... É claro que é um rato...
—
Não, não é — confirmou Lupin calmamente. — É um bruxo.
—
Um Animago — disse Black — que atende pelo nome de Pedro Pettigrew.
CAPÍTULO
DEZOITO
Aluado, Rabicho, Almofadinhas e Pontas
Levou
alguns segundos para os garotos absorverem o absurdo desta afirmação.
Então Rony disse em voz alta o que Harry estava pensando.
—
Vocês dois são malucos.
—
Ridículo! — exclamou Hermione baixinho.
—
Pedro Pettigrew está morto! — afirmou Harry. — Ele o matou há doze anos! —
O garoto apontou para Black, cujo rosto tremeu convulsivamente.
—
Tive intenção — vociferou o acusado, os dentes amarelos à mostra —, mas o
Pedrinho levou a melhor... Mas desta vez não!
E
Bichento foi atirado ao chão quando Black avançou para Perebas; Rony
berrou de dor ao receber o peso de Black sobre sua perna quebrada.
—
Sirius, NÃO! — berrou Lupin atirando-se à frente e afastando Black para
longe de Rony. — ESPERE! Você não pode fazer isso assim... Eles precisam
entender... Temos que explicar...
—
Podemos explicar depois! — rosnou Black, tentando tirar Lupin do caminho.
Ainda mantinha uma das mãos no ar, com a qual tentava alcançar
Perebas, que, por sua vez, guinchava feito um porquinho, arranhando o
rosto e o pescoço de Rony, tentando escapar.
—
Eles têm... O... Direito... De... Saber... De... Tudo! — ofegou Lupin,
ainda tentando conter Black. — Ele foi bicho de estimação de Rony! E
tem partes dessa história que nem eu compreendo muito bem! E Harry...
Você deve a verdade a ele, Sirius!
Black
parou de resistir, embora seus olhos fundos continuassem fixos em Perebas,
firmemente seguro sob as mãos mordidas, arranhadas e sangrentas de Rony.
—
Está bem, então — concordou Black, sem desgrudar os olhos do rato. —
Conte a eles o que quiser. Mas faça isso depressa, Remo, quero cometer o
crime pelo qual fui preso...
—
Vocês são pirados, os dois — disse Rony trêmulo, procurando com os olhos o
apoio de Harry e Hermione. — Para mim chega.
Estou fora.
O
garoto tentou se levantar com a perna boa, mas Lupin tornou a erguer a
varinha, apontando-a para Perebas.
—
Você vai me ouvir até o fim, Rony — disse calmamente. — Só quero que
mantenha Pedro bem seguro enquanto me ouve.
—
ELE NÃO É PEDRO, ELE É PEREBAS! — berrou Rony, tentando empurrar o rato
para dentro do bolso das vestes, mas Perebas resistia com todas as forças;
Rony
oscilou e se desequilibrou, mas Harry o amparou e empurrou de volta à
cama. Então, sem dar atenção a Black, Harry se dirigiu a Lupin.
—
Houve testemunhas que viram Pettigrew morrer — disse. — Uma rua cheia...
—
Eles não viram o que pensaram que viram! — disse Black ferozmente, ainda
vigiando Perebas se debater nas mãos de Rony.
—
Todos pensaram que Sirius tinha matado Pedro — confirmou Lupin acenando a
cabeça. — Eu mesmo acreditei nisso, até ver o mapa hoje à noite. Porque o
Mapa do Maroto nunca mente... Pedro
está vivo. Na mão de Rony, Harry.
Harry
baixou os olhos para Rony, e quando seus olhares se encontraram, os dois
concordaram silenciosamente: Black e Lupin estavam delirando. A história
deles não fazia o menor sentido. Como Perebas poderia ser Pedro Pettigrew?
Azkaban,
afinal, devia ter endoidado Black, mas por que Lupin estava fazendo o jogo
dele?
Então
Hermione falou, numa voz trêmula que se pretendia calma, como se tentasse
fazer o professor falar sensatamente.
—
Mas Profº. Lupin... Perebas não pode ser Pettigrew... Não pode ser
verdade, o senhor sabe que não pode...
—
Por que não pode? — perguntou Lupin calmamente, como se estivessem na sala
de aula e Hermione apenas levantasse um problema relativo a uma
experiência com grindylows.
—
Porque... Porque as pessoas saberiam se Pedro Pettigrew tivesse sido um
Animago. Estudamos Animagos com a Profª. McGonagall. E procurei maiores
informações quando fiz o meu dever de casa, o Ministério da Magia
controla os bruxos e bruxas que são capazes de se transformar em animais;
há um registro que mostra em que animal se transformam, o que fazem, quais
os seus sinais de identificação e outros dados... E fui procurar o
nome da Profª. McGonagall no registro e vi que só houve sete Animagos
neste século e o nome de Pettigrew não constava da lista...
Harry
mal tivera tempo de se admirar intimamente com o esforço que Hermione
investia nos deveres de casa, quando Lupin começou a rir.
—
Certo, outra vez Hermione! — exclamou. — Mas o Ministério nunca soube que
havia três Animagos não registrados à solta em Hogwarts.
—
Se você vai contar a história aos garotos, se apresse, Remo — rosnou
Black, que continuava vigiando cada movimento desesperado de Perebas. —
Esperei doze anos, não vou esperar muito mais.
—
Está bem... Mas você precisa me ajudar, Sirius — disse Lupin —, só conheço
o inicio...
Lupin
parou. Tinham ouvido um rangido alto às costas dele. A porta do quarto se
abriu sozinha. Os cincos olharam. Então Lupin foi até a porta e espiou
para o patamar.
—
Não há ninguém aí fora...
—
Esse lugar é mal-assombrado! — comentou Rony.
—
Não é, não — disse Lupin, ainda observando intrigado a porta. — A Casa dos
Gritos nunca foi mal-assombrada... Os gritos e uivos que os moradores do
povoado costumavam ouvir eram meus.
Ele
afastou os cabelos grisalhos da testa, pensou um instante, e disse:
—
Foi onde tudo começou, com a minha transformação em Lobisomen. Nada poderia ter acontecido se eu não tivesse
sido mordido... E não tivesse sido tão imprudente...
Ele
parecia sóbrio e cansado. Rony ia interrompê-lo, mas Hermione fez
"psiu!". Ela observava Lupin com muita atenção.
—
Eu ainda era garotinho quando levei a mordida. Meus pais tentaram tudo,
mas naquela época não havia cura. A poção que o Profº. Snape tem preparado para
mim é uma descoberta muito recente. Me deixa seguro, entende. Desde que eu
a tome uma semana antes da lua cheia, posso conservar as faculdades
mentais quando me transformo... E posso me enroscar na minha sala, um
lobo inofensivo, à espera da mudança de lua.
—
Porém, antes da Poção de Mata-cão ser
descoberta, eu me Transformava em um perfeito monstro uma vez por mês.
Parecia impossível que eu pudesse freqüentar Hogwarts. Outros pais não
iriam querer expor os filhos a mim. Mas, então, Dumbledore se tornou
diretor e ele se condoeu. Disse que se tomássemos certas precauções, não
havia razão para eu não freqüentar a escola — Lupin suspirou e olhou
diretamente para Harry.
—
Eu lhe disse, há alguns meses, que o Salgueiro Lutador foi plantado no ano
em que entrei para Hogwarts. A verdade é que ele foi plantado porque eu
entrei para Hogwarts. Esta casa — Lupin correu os olhos cheios de tristeza
pelo quarto — e o túnel que vem até aqui foram construídos para meu uso.
Uma vez por mês eu era trazido do castelo para cá, para me
transformar. A árvore foi colocada na boca do túnel para impedir que
alguém se encontrasse comigo durante o meu período perigoso.
Harry
não conseguia imaginar onde a história iria chegar, mas, mesmo assim,
ouvia arrebatado. O único som, além da voz de Lupin, eram os guinchos
assustados de Perebas.
—
As minhas transformações naquele tempo eram... Eram terríveis. É muito doloroso alguém virar Lobisomen. Eu era separado das pessoas
para morder à vontade, então eu me arranhava e me mordia. Os moradores
do povoado ouviam o barulho e os gritos e achavam que estavam ouvindo
almas do outro mundo particularmente violentas. Dumbledore estimulava os
boatos... Ainda hoje, que a casa tem estado silenciosa há anos, os
moradores de Hogsmeade não têm coragem de se aproximar...
—
Mas tirando as minhas transformações, eu nunca tinha sido tão feliz na
vida. Pela primeira vez, eu tinha amigos, três grandes amigos. Sirius Black... Pedro Pettigrew... E,
naturalmente, seu pai, Harry, Tiago Potter.
Agora, meus três amigos não puderam deixar de notar que
eu desaparecia uma vez por mês. Eu inventava todo o tipo de histórias.
Dizia que minha mãe estava doente, que tinha ido em casa vê-la...
Ficava aterrorizado em pensar que eles me abandonariam se descobrissem o
que eu era. Mas é claro que eles, como você, Hermione, descobriram a
verdade...
—
E não me abandonaram. Em vez disso, fizeram uma coisa por mim que não só
tornou as minhas transformações suportáveis, como me proporcionou os
melhores momentos da minha vida. Eles se transformaram em Animagos.”
—
Meu pai também? — perguntou Harry, espantado.
—
Certamente. Eles gastaram quase três anos para descobrir como fazer isso.
Seu pai e Sirius eram os alunos mais inteligentes da escola, o que
foi uma sorte, porque se transformar em Animago é uma coisa que pode
sair barbaramente errada, é uma das razões por que o ministério acompanha
de perto os que tentam. Pedro precisou de toda a ajuda que pôde obter de
Tiago e Sirius. Finalmente no nosso
quinto ano, eles conseguiram. Podiam se transformar em um animal diferente
quando queriam.
—
Mas como foi que isso ajudou o senhor? — perguntou Hermione, intrigada.
—
Eles não podiam me fazer companhia como seres humanos, então me faziam
companhia como animais. Um Lobisomen
só apresenta perigo para gente. Eles saíam escondidos do castelo
todos os meses, encobertos pela Capa da Invisibilidade de Tiago. E se
transformavam... Pedro, por ser o menor, podia passar por baixo dos
ramos agressivos do Salgueiro e empurrar o botão para imobilizá-lo. Os outros
dois, então, podiam escorregar pelo túnel e se reunir a mim. Sob a influência deles, eu me tornei
menos perigoso. Meu corpo ainda era o de um lobo, mas minha mente se
tornava menos lupina quando estávamos juntos.
—
Anda logo, Remo — rosnou Black, que continuava a observar Perebas com uma
espécie de voracidade no rosto.
—
Estou chegando lá, Sirius, estou chegando lá... Bom, abriram-se
possibilidades extremamente excitantes para nós do momento em que
conseguimos nos transformar. Não demorou muito e começamos a deixar a Casa
dos Gritos e perambular pelos terrenos da escola e pelo povoado à noite.
Sirius e Tiago se transformavam em animais tão grandes que conseguiam
controlar o Lobisomen. Duvido
que qualquer aluno de Hogwarts jamais tenha descoberto mais a respeito
dos terrenos da escola e do povoado de Hogsmeade do que nós... E foi
assim que acabamos preparando o Mapa
do Maroto, e assinando-o com os nossos apelidos Sirius é Almofadinhas,
Pedro é Rabicho, e Tiago era Pontas.
—
Que tipo de animal...? — Harry começou a perguntar, mas Hermione o
interrompeu.
—
Mas a coisa continuava a ser realmente perigosa! Andar no escuro em
companhia de um Lobisomen! E se o
senhor tivesse fugido deles e mordido alguém?
—
É um pensamento que ainda me atormenta — respondeu Lupin deprimido. — E
muitas vezes escapávamos por um triz. Nós nos riamos disso depois. Éramos
jovens, irresponsáveis, empolgados com a nossa inteligência. Por vezes eu sentia remorsos por trair a confiança
de Dumbledore, é óbvio... ele me aceitara em Hogwarts, coisa que
nenhum outro diretor teria feito, e sequer desconfiava que eu
estivesse desobedecendo às regras que ele estabelecera para a segurança
dos outros e a minha própria. Ele nunca soube que eu tinha
induzido três colegas a se transformarem ilegalmente em Animagos. Mas eu
sempre conseguia esquecer meus remorsos todas as vezes que nos sentávamos
para planejar a aventura do mês seguinte. E não mudei...”
O
rosto de Lupin endurecera, e havia desgosto em sua voz.
—
Durante todo este ano, lutei comigo mesmo, me perguntando se devia contar
a Dumbledore que Sirius era um Animago. Mas não contei. Por quê?
Porque fui covarde demais. Porque isto teria significado admitir que eu
traíra sua confiança enquanto estivera na escola, admitir que
influenciara outros... E a confiança de Dumbledore significava tudo
para mim. Ele me admitira em Hogwarts quando garoto, e me dera um emprego
quando eu fora desprezado toda a minha vida adulta, incapaz de
encontrar um trabalho remunerado porque sou o que sou. Então me convenci
de que Sirius estava penetrando na escola por meio das artes das trevas
que aprendera com Voldemort, que o fato de ser um Animago não entrava em questão... Então ,
de certa forma, Snape tinha razão quanto à minha pessoa.
—
Snape? — exclamou Black com a voz rouca, desviando os olhos de
Perebas pela primeira vez nos últimos minutos para olhar Lupin. — Que
é que Snape tem a ver com isso?
—
Ele está aqui, Sirius — respondeu Lupin sério. — É professor em Hogwarts
também. — E ergueu os olhos para Harry, Rony e Hermione. — O Profº.
Snape freqüentou a escola conosco. Ele se opôs fortemente à minha nomeação
para o cargo de professor de Defesa contra as Artes das Trevas. Passou o
ano inteiro dizendo a Dumbledore que eu não sou digno de confiança.
Ele tem suas razoes... Entendem, o Sirius aqui pregou uma peça nele que
quase o matou, uma peça de que participei...
Black
emitiu uma exclamação de desdém.
—
Foi bem feito para ele — zombou. — Espionando, tentando descobrir o que
andávamos aprontando... Na esperança de que fôssemos expulsos..
—
Severo tinha muito interesse em saber aonde eu ia todo mês — disse Lupin a
Harry, Rony e Hermione. — Estávamos no mesmo ano, entendem, e não...
Hum... Não nos gostávamos muito. Ele não gostava nada de Tiago. Ciúmes,
acho eu, do talento de Tiago no campo de Quadribol... Em todo o caso,
Snape tinha me visto atravessar os jardins com Madame Pomfrey certa
noite quando ela me levava em direção ao Salgueiro Lutador para eu me
transformar. Sirius achou que seria... Hum... Divertido, contar a Snape
que ele só precisava apertar o nó no tronco da árvore com uma vara
longa para conseguir entrar atrás de mim. Bem, é claro, que Snape foi
experimentar, e se tivesse chegado até a casa teria encontrado um Lobisomen adulto — mas seu pai, que
soube o que Sirius tinha feito, foi procurar Snape e puxou-o para fora,
arriscando a própria vida... Snape, porém, me viu, no fim do túnel.
Dumbledore o proibiu de contar a quem quer que fosse, mas desde então ele
ficou sabendo o que eu era...
—
Então é por isso que Snape não gosta do senhor — disse Harry lentamente —,
porque achou que o senhor estava participando da brincadeira?
—
Isso mesmo — zombou uma voz fria vinda da parede atrás de Lupin.
Severo
Snape removia a Capa da Invisibilidade e segurava a varinha apontada
diretamente para Lupin.
CAPÍTULO
DEZENOVE
O Servo de Lord Voldemort
Hermione
gritou. Black se levantou de um salto. Harry teve a sensação de que levara
um tremendo choque elétrico.
—
Encontrei isso ao pé do Salgueiro Lutador — disse Snape, atirando a capa
para o lado, mas tendo o cuidado de manter a varinha apontada diretamente
para o peito de Lupin.
—
Muito útil, Potter, obrigado...
Snape
estava ligeiramente sem fôlego, mas o rosto expressava contido triunfo.
—
Vocês talvez estejam se perguntando como foi que eu soube que estavam
aqui? — disse com os olhos brilhantes. Acabei de passar por sua sala,
Lupin. Você esqueceu de tomar sua poção hoje à noite, então resolvi lhe
levar um cálice. E foi uma sorte... Sorte para mim, quero dizer. Encontrei
em cima de sua mesa um certo mapa. Bastou uma olhada para me dizer
tudo que eu precisava saber. Vi você correr por essa passagem e
desaparecer de vista.
—
Severo... — começou Lupin, mas Snape atropelou-o.
—
Eu disse ao diretor várias vezes que você estava ajudando o seu velho
amigo Black a entrar no castelo, Lupin, e aqui tenho a prova. Nem mesmo eu
poderia sonhar que você teria o topete de usar este lugar antigo
como esconderijo...
—
Severo, você está cometendo um engano — disse Lupin com urgência na voz. —
Você não sabe de tudo, posso explicar, Sirius não está aqui para
matar Harry...
—
Mais dois para Azkaban esta noite — disse Snape, os olhos brilhando de
fanatismo. — Vou ficar curioso para saber como que Dumbledore vai encarar
isso... Ele estava convencido de que você era inofensivo, sabe, Lupin...
Um Lobisomen manso..
—
Seu tolo — disse Lupin com brandura. — Será que um ressentimento de
criança é suficiente para mandar um homem inocente de volta a Azkaban?
BANGUE!
Cordas
finas que lembravam cobras jorraram da ponta da varinha de Snape e se
enrolaram em torno da boca de Lupin, dos seus punhos e tornozelos;
Ele
perdeu o equilíbrio e caiu no chão, incapaz de se mexer. Com um rugido de
cólera, Black avançou para Snape, mas este apontou a varinha entre os
olhos de Black.
—
É só me dar um motivo — sussurrou o professor. — É só me dar um motivo, e
juro que faço.
Black
se imobilizou. Teria sido impossível dizer qual dos dois rostos revelava
mais ódio.
Harry
continuou ali, paralisado, sem saber o que fazer ou em quem acreditar.
Olhou para Rony e Hermione. Seu amigo parecia tão confuso quanto ele e
ainda tentava segurar um Perebas rebelde. Hermione, porém,
adiantou-se, hesitante, para Snape e disse, respirando com dificuldade:
—
Professor... Não faria mal ouvirmos o que eles têm a dizer, f... Faria?
—
Senhorita Granger, a senhorita já vai enfrentar uma suspensão — bufou
Snape. — A senhorita, Potter e Weasley estão fora dos limites da escola
em companhia de um criminoso sentenciado e de um Lobisomen, Pelo menos uma vez na sua vida, cale a boca.
—
Mas se... Se houve um engano...
—
FIQUE QUIETA, SUA BURRINHA! — berrou Snape, parecendo de repente muito
perturbado. — NÃO FALE DO QUE NÃO ENTENDE! — Saíram algumas fagulhas da
ponta de sua varinha, que continuava apontada para o rosto de Black.
Hermione se calou. — A vingança é muito doce — sussurrou Snape para Black.
— Como desejei ter o privilégio de apanhá-lo...
—
Você é que vai fazer papel de tolo outra vez, Severo — rosnou Black. — Se
esse garoto levar o rato dele até o castelo — e indicou Rony com a
cabeça... — Eu vou sem criar caso...
—
Até o castelo? — retrucou Snape, com voz insinuante. — Acho que não
precisamos ir tão longe. Basta eu chamar os dementadores quando sairmos do
salgueiro. Eles vão ficar muito satisfeitos em vê-lo, Black.. Satisfeitos
o suficiente para lhe dar um beijinho, eu me arriscaria a dizer...
A
pouca cor que havia no rosto de Black desapareceu.
—
Você... Você tem que ouvir o que tenho a dizer — disse ele, rouco. —
O rato... Olhe aquele rato...
Mas
havia um brilho alucinado nos olhos de Snape que Harry nunca vira antes. O
professor parecia incapaz de ouvir.
—
Vamos, todos. — Snape estalou os dedos e as pontas das cordas que
amarravam Lupin voaram para suas mãos. — Eu puxo o Lobisomen.
Talvez
os dementadores tenham um beijo para ele também...
Antes
que se desse conta do que estava fazendo, Harry atravessou o quarto em
três passadas e bloqueou a porta.
—
Saia da frente, Potter, você já está suficientemente encrencado — rosnou
Snape. — Se eu não estivesse aqui para salvar sua pele...
—
O Profº. Lupin poderia ter me matado cem vezes este ano — disse Harry. —
Estive sozinho com ele montes de vezes, tomando aulas de defesa contra
dementadores. Se ele estava ajudando
Black, por que não me liquidou logo?
—
Não me peça para imaginar como funciona a cabeça de um Lobisomen — sibilou Snape. — Saia da
frente, Potter.
—
O SENHOR É PATÉTICO! — berrou Harry. — SÓ PORQUE ELES FIZERAM O SENHOR DE
BOBO NA ESCOLA, O SENHOR NÃO QUER NEM ESCUTAR...
—
SILÊNCIO! NÃO ADMITO QUE FALEM ASSIM COMIGO! — gritou Snape, parecendo
mais louco que nunca. — Tal pai, tal filho, Potter! Acabei de salvar seu
pescoço; você devia me agradecer de joelhos! Teria sido bem feito se Black
o tivesse matado! Você teria morrido como seu pai, arrogante demais
para acreditar que poderia ter se enganado com um amigo... Agora saia
da frente, ou eu vou fazer você sair. SAIA DA FRENTE, POTTER!
Harry
se decidiu em uma fração de segundo. Antes que Snape pudesse sequer dar um
passo em sua direção, o garoto ergueu a varinha.
—
Expelliarmus — berrou, só que sua voz
não foi a única a gritar. Houve uma explosão que fez a porta sacudir nas
dobradiças; Snape foi levantado e atirado contra a parede, depois
escorregou por ela até o chão, um filete de sangue escorrendo por baixo
dos cabelos. Fora nocauteado.
Harry
olhou para os lados. Rony e Hermione também tinham tentado desarmar Snape
exatamente no mesmo instante. A varinha do professor voou no ar
descrevendo um arco e caiu em cima da cama, ao lado de Bichento.
—
Você não devia ter feito isso — censurou Black olhando para Harry. — Devia
tê-lo deixado comigo...
Harry
evitou o olhar de Black. Não tinha certeza, mesmo agora, de que agira
certo.
—
Atacamos um professor... Atacamos um professor... — choramingou Hermione,
olhando assustada para o inconsciente Snape. Ah, vamos nos meter numa confusão
tão grande...
Lupin
lutava para se livrar das cordas. Black se abaixou depressa e o
desamarrou. O professor se ergueu, esfregando os braços onde as cordas o
tinham machucado.
—
Obrigado, Harry — agradeceu.
—
Não estou dizendo com isso que já acredito no senhor — disse o garoto.
—
Então está na hora de lhe apresentarmos alguma prova. Você, garoto... Me dê o
Pedro, por favor. Agora.
Rony
apertou Perebas mais junto ao peito.
—
Nem vem — disse o garoto com a voz fraca. — O senhor está tentando dizer
que Black fugiu de Azkahan só para pôr as mãos em Perebas? Quero dizer...
— e olhou para Harry e Hermione à procura de apoio —, tudo bem,
vamos dizer que Pettigrew pudesse se transformar em rato, há milhões de
ratos, como é que Black vai saber qual é o que está procurando se
estava trancafiado em Azkaban?
—
Sabe, Sirius, a pergunta é justa — disse Lupin, virando-se para Black com
a testa ligeiramente franzida. — Como foi que você descobriu onde
estava o rato?
Black
enfiou uma das mãos, que lembravam garras, dentro das vestes e tirou um
pedaço de papel amassado, que ele alisou e mostrou aos outros.
Era
a foto de Rony com a família, que aparecera no Profeta Diário no último
verão, e ali, no ombro de Rony, estava Perebas.
—
Onde foi que você arranjou isso? — perguntou Lupin a Black, perplexo.
—
Fudge — disse Black. — Quando ele foi inspecionar Azkaban no ano passado,
me cedeu o jornal que levava. E lá estava Pedro, na primeira
página... no ombro desse garoto... Reconheci-o na mesma hora... Quantas
vezes o vi se transformar? — a legenda dizia que o menino ia voltar
para Hogwarts... Onde Harry estava...
—
Meu Deus — exclamou Lupin baixinho, olhando de Perebas para a foto no
jornal e de volta ao rato. — A pata dianteira...
—
Que é que tem a pata? — disse Rony em tom de desafio.
—
Tem um dedinho faltando — afirmou Black.
—
Claro — murmurou Lupin. — Tão simples... Tão genial.. Ele mesmo o cortou?
—
Pouco antes de se transformar — confirmou Black. — Quando eu o encurralei,
ele gritou para a rua inteira que eu havia traído Lílian e Tiago.
Então, antes que eu pudesse lhe lançar um feitiço, ele explodiu a rua com
a varinha escondida às costas, matou todo mundo em um raio de seis metros, e
fugiu para dentro do bueiro com os outros ratos...
—
Você já ouviu falar, não Rony? — perguntou Lupin. — O maior pedaço do
corpo de Pedro que acharam foi o dedo.
—
Olha aqui, Perebas com certeza brigou com outro rato ou coisa parecida!
Ele está na minha família há séculos, certo...
—
Doze anos, para sermos exatos — disse Lupin. — Você nunca estranhou que
ele tenha vivido tantos anos?
—
Nós... Nós cuidamos bem dele!
—
Mas ele não está com um aspecto muito saudável no momento, não é? —
comentou Lupin. — Imagino que esteja perdendo peso desde que ouviu falar
que Sirius fugiu...
—
Ele tem andado apavorado com aquele gato maluco! — justificou Rony,
indicando com a cabeça Bichento, que continuava a ronronar na cama.
Mas
isso não era verdade, ocorreu a Harry de repente... Perebas já estava com
cara de doente antes de conhecer Bichento... Desde que Rony voltara do
Egito... Desde que Black escapara...
—
O gato não é maluco — disse Black, rouco. Ele estendeu a mão ossuda e
acariciou a cabeça peluda de Bichento. — É o gato mais inteligente que
já encontrei. Reconheceu na mesma hora o que Pedro era. E quando
me encontrou, percebeu que eu não era cachorro. Levou um tempinho
para confiar em mim. No
fim eu consegui comunicar a ele o que estava procurando e ele tem me
ajudado...
—
Como assim? — murmurou Hermione.
—
Ele tentou trazer Pedro a mim, mas não pôde... Então roubou para mim as
senhas de acesso à Torre da Grifinória... Pelo que entendi, ele as
tirou da mesa-de-cabeceira de um garoto...
O
cérebro de Harry parecia estar fraquejando sob o peso do que ouvia. Era
absurdo... Contudo...
—
Mas Pedro soube o que estava acontecendo e se mandou... — falou Black. — Este
gato... Bichento, foi o nome que lhe deu?... Me disse que Pedro
tinha sujado os lençóis de sangue... Suponho que tenha se mordido...
Ora, fingir-se de morto já tinha dado certo uma vez...
Essas
palavras sacudiram o torpor mental de Harry.
—
E sabe por que é que ele se fingiu de morto? — perguntou o garoto
impetuosamente. — Porque sabia que você ia matar ele como tinha matado os
meus pais!
—
Não — disse Lupin. — Harry...
—
E agora você veio acabar com ele!
—
É verdade, vim — disse Black, lançando um olhar maligno a Perebas.
—
Então eu devia ter deixado Snape levar você! — gritou Harry.
—
Harry — disse Lupin depressa —, você não está vendo? Todo este tempo pensamos
que Sirius tinha traído seus pais e que Pedro o perseguira... Mas foi
o contrário, você não está vendo? Pedro traiu sua mãe e seu pai... Sirius
perseguiu Pedro...
—
NÃO É VERDADE! — berrou Harry. — ELE ERA O FIEL DO SEGREDO DELES! ELE
DISSE ISSO ANTES DO SENHOR APARECER. ELE CONFESSOU QUE MATOU MEUS PAIS!
O
garoto apontava para Black, que sacudia a cabeça devagarinho; de repente seus
olhos fundos ficaram excessivamente brilhantes.
—
Harry... Foi o mesmo que ter matado — disse, rouco. — Convenci Lílian
e Tiago a entregarem o segredo a Pedro no último instante, convenci-os a
usar Pedro como fiel do segredo, em vez de mim... A culpa é minha, eu
sei... Na noite em que eles morreram, eu tinha combinado de procurar Pedro
para verificar se ele continuava bem, mas quando cheguei ao
esconderijo ele não estava. Mas não havia sinais de luta. Achei estranho.
Fiquei apavorado. Corri na mesma hora direto para a casa dos seus
pais. E quando vi a casa destruída e os corpos deles... Percebi o que Pedro
devia ter feito. O que eu tinha feito.
A
voz dele se partiu. Ele virou as costas.
—
Basta — disse Lupin, e havia um tom inflexível em sua voz que Harry nunca
ouvira antes. — Tem uma maneira de provar o que realmente aconteceu. Rony,
me dê esse rato.
—
Que é que o senhor vai fazer com ele se eu der? — perguntou Rony, tenso.
—
Obrigá-lo a se revelar — disse Lupin. — Se ele for realmente um rato, não
se machucará.
Rony
hesitou. Então, finalmente estendeu a mão e entregou Perebas a Lupin. O
rato começou a guinchar sem parar, se contorcendo, os olhinhos negros
saltando das órbitas.
—
Está pronto, Sirius? — perguntou Lupin.
Black
já apanhara a varinha de Snape na cama. Aproximou-se de Lupin e do rato
que se debatia e seus olhos úmidos pareceram, de repente, arder em seu
rosto.
—
Juntos? — perguntou em voz baixa.
—
Acho melhor — confirmou Lupin, segurando Perebas apertado em uma das mãos
e a varinha na outra. — Quando eu contar três. UM... DOIS... TRÊS!
Lampejos
branco-azulados irromperam das duas varinhas; por um instante, Perebas
parou no ar, o corpinho cinzento revirando-se alucinadamente, Rony berrou,
o rato caiu e bateu no chão. Seguiu-se novo lampejo ofuscante e então...
Foi
como assistir a um filme de uma árvore em crescimento. Surgiu uma
cabeça no chão; brotaram membros; um momento depois havia um homem onde
antes estivera Perebas, apertando e torcendo as mãos. Bichento bufava e
rosnava na cama; os pelos das costas eriçados.
Era
um homem muito baixo, quase do tamanho de Harry e Hermione.
Seus
cabelos finos e descoloridos estavam malcuidados e o cocuruto da cabeça
era careca.
Tinha
o aspecto flácido de um homem gorducho que perdera muito peso em pouco
tempo. A pele estava enrugada, quase como a pelagem do Perebas, e havia um
ar ratinheiro em volta do seu nariz fino e dos olhos muito miúdos e
lacrimosos. Ele olhou para os presentes, um a um, respirando raso e
depressa. Harry viu seus olhos correrem para a porta e voltarem.
—
Ora, ora, olá, Pedro — saudou-o Lupin educadamente, como se fosse
freqüente ratos virarem velhos colegas de escola à sua volta.
—
Há quanto tempo!
—
S... Sirius R... Remo. — Até a voz de Pettigrew lembrava um guincho.
Novamente seus olhos correram para a porta. — Meus amigos... Meus velhos
amigos...
A
varinha de Black se ergueu, mas Lupin agarrou-o pelo pulso, lançando-lhe
um olhar de censura, depois tornou a se virar para Pettigrew, com a voz
leve e displicente.
—
Estávamos tendo uma conversinha, Pedro, sobre os acontecimentos da noite em que Lílian e Tiago
morreram. Você talvez tenha perdido
os detalhes enquanto guinchava na cama...
—
Remo — ofegou Pettigrew, e Harry observou que se formavam gotas de suor em
seu rosto lívido —, você não acredita nele, acredita...? Ele tentou
me matar, Remo...
—
Foi o que ouvimos dizer — respondeu Lupin, mais friamente. — Eu gostaria
de esclarecer algumas coisas com você, Pedro, se você quiser ter...
—
Ele veio tentar me matar outra vez! — guinchou Pettigrew de repente,
apontando para Black, e Harry percebeu que o homem usara o dedo
médio, porque lhe faltava o indicador. — Ele matou Lílian e Tiago e
agora vai me matar também... Você tem que me ajudar, Remo...
O
rosto de Black parecia mais caveiroso que nunca ao fixar os olhos
fundos em Pettigrew.
—
Ninguém vai tentar matá-lo até resolvermos umas coisas — disse Lupin.
—
Resolvermos umas coisas? — guinchou Pettigrew, mais uma vez olhando
desesperado para os lados, registrando as janelas pregadas e, mais uma
vez, a única porta. — Eu sabia que ele viria atrás de mim! Sabia que
ele voltaria para me pegar! Estou esperando isso há doze anos!
—
Você sabia que Sirius ia fugir de Azkaban? — perguntou Lupin, com a testa
franzida. — Sabendo que ninguém jamais fez isso antes?
—
Ele tem poderes das trevas com os quais a gente só consegue sonhar! —
gritou Pettigrew com voz aguda. — De que outro jeito fugiria de lá?
Suponho que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado tenha lhe ensinado alguns truques!
Black
começou a rir, uma risada horrível, sem alegria, que encheu o quarto todo.
—
Voldemort me ensinou alguns truques?
Pettigrew
se encolheu como se Black tivesse brandido um chicote contra ele.
—
Que foi, se apavorou de ouvir o nome do seu velho mestre? — perguntou
Black. — Não o culpo, Pedro. O pessoal dele não anda muito satisfeito com
você, não é mesmo?
—
Não sei o que você quer dizer com isso, Sirius... — murmurou Pettigrew,
respirando mais rapidamente que nunca. Todo o seu rosto brilhava de suor
agora.
—
Você não andou se escondendo de mim esses doze anos. Andou se escondendo
dos seguidores de Voldemort. Eu soube de umas coisas em Azkaban, Pedro...
Todos pensam que você está morto ou já o teriam chamado a prestar
contas... Ouvi-os gritar todo o tipo de coisa durante o sono. Parece que acham
que o traidor os traiu também. Voldemort foi à casa dos Potter
confiando em uma informação sua... E Voldemort perdeu o poder lá. E nem
todos os seguidores dele foram parar em Azkaban, não é mesmo? Ainda
há muitos por aí, esperando a hora, fingindo que reconheceram seus
erros... Se chegarem, a saber, que você continua vivo, Pedro...
—
Não sei... Do que está falando... — respondeu Pettigrew, mais esganiçado
que nunca. Ele enxugou o rosto na manga e ergueu os olhos para Lupin. —
Você não acredita nessa... Nessa loucura, Remo...
—
Devo admitir, Pedro, que acho difícil compreender por que um homem inocente
iria querer passar doze anos sob a forma de um rato.
—
Inocente, mas apavorado! — guinchou Pettigrew. — Se os seguidores de
Voldemort estivessem atrás de mim, seria porque mandei um dos seus
melhores homens para Azkaban, o espião, Sirius Black!
O
rosto de Black se contorceu.
—
Como é que você se atreve? — rosnou ele, parecendo de repente o cachorro
do tamanho de um urso que ele fora há pouco.
—
Eu, espião do Voldemort? Quando foi que andei espreitando gente mais forte
e mais poderosa do que eu? Agora você, Pedro, jamais vou entender por
que não reparei desde o começo que você era o espião; você sempre gostou
de amigos grandalhões que o protegessem, não é mesmo? Você costumava
nos acompanhar... A mim e ao Remo... E ao Tiago...
Pettigrew
tornou a enxugar o rosto; estava quase ofegando, sem ar.
—
Eu, espião... Você deve ter perdido o juízo... Nunca... Não sei como pode dizer
uma...
—
Lílian e Tiago só fizeram de você o fiel do segredo porque eu sugeri
— sibilou Black, tão venenosamente que Pettigrew deu um passo atrás. —
Achei que era o plano perfeito... Um blefe... Voldemort com certeza viria
atrás de mim, jamais sonharia que os dois usariam um sujeito fraco e
sem talento como você... Deve ter sido a hora mais sublime de sua vida infeliz
quando você contou a Voldemort que podia lhe entregar os Potter.
Pettigrew
resmungava, perturbado; Harry entreouvia palavras
como "extravagante" e "demência", mas não conseguia
deixar de prestar mais atenção à palidez do rosto de Pettigrew e ao
jeito com que seus olhos continuavam a correr para as janelas e a porta.
—
Profº. Lupin — disse Hermione timidamente. — Posso... Posso dizer uma coisa?
—
Claro, Hermione — disse Lupin cortesmente.
—
Bem... Perebas... Quero dizer, esse... Esse homem... Ele dormiu no quarto
de Harry durante três anos. Se está trabalhando para Você-Sabe-Quem,
como é que ele nunca tentou fazer mal a Harry antes?
—
Taí! — exclamou Pettigrew com voz esganiçada, apontando para Hermione a
mão mutilada. — Muito obrigado! Está vendo, Remo? Nunca toquei em um
fio de cabelo de Harry! Por que iria fazer isso?
—
Vou lhe dizer o porquê — falou Black. — Porque você nunca fez nada, nem a
ninguém nem para ninguém, sem saber o que poderia ganhar com isso.
Voldemort está foragido há doze anos, dizem que está semimorto. Você não
ia matar bem debaixo do nariz de Alvo Dumbledore, por causa de um bruxo
moribundo que perdeu todo o poder, ia? Não, você ia querer ter
certeza de que ele era o valentão do colégio antes de voltar para o lado
dele, não ia? Por que outra razão você procurou uma família de bruxos
para o acolher? Para ficar de ouvido atento às novidades, não é mesmo,
Pedro? Caso o seu velho protetor recuperasse a antiga força e fosse
seguro se juntar a ele...
Pettigrew
abriu a boca e tornou a fechá-la várias vezes. Parecia ter perdido a
capacidade de falar.
—
Hum... Sr. Black... Sirius? — disse Hermione.
Black
se assustou ao ouvir alguém tratá-lo assim, com tanta polidez, e encarou
Hermione como se nunca tivesse visto nada parecido.
—
Se o senhor não se importar que eu pergunte, como... Como foi que o senhor
fugiu de Azkaban, se não usou artes das trevas?
—
Muito obrigado — exclamou Pettigrew, acenando freneticamente com a cabeça
na direção da garota. — Exatamente! Precisamente o que eu...
Mas
Lupin o fez calar com um olhar. Black franziu ligeiramente a testa para
Hermione, mas não porque estivesse aborrecido com ela. Parecia estar
considerando a pergunta.
—
Não sei como foi que fugi — disse lentamente. — Acho que a única razão por
que nunca perdi o juízo é porque sabia que era inocente. Isto não era um
pensamento feliz, então os dementadores não podiam sugá-lo de mim... Mas
serviu para me manter lúcido e consciente de quem eu era... Me ajudou a
conservar meus poderes quando tudo se tornava... Excessivo... Eu
conseguia me transformar na cela... Virar cachorro. Os dementadores não
conseguem enxergar, sabe... — Ele engoliu em seco. — Aproximam-se das
pessoas se alimentando de suas emoções... Eles percebiam que os meus
sentimentos eram menos... Menos humanos, menos complexos quando eu era
cachorro... Mas achavam, é claro, que eu estava perdendo o juízo como
todos os prisioneiros de lá, por isso não se incomodavam. Mas eu fiquei
fraco, muito fraco, e não tinha esperança de afastá-los sem uma varinha...
Mas, então, vi Pedro naquela foto... E compreendi que ele estava em
Hogwarts com Harry... Perfeitamente colocado para agir, se lhe chegasse a
menor notícia de que o partido das trevas estava reunindo forças
novamente...
Pettigrew
sacudia a cabeça, murmurando em silêncio, mas todo o tempo seus olhos se
fixavam em Black como se estivesse hipnotizado.
—
... Pronto para atacar no momento em que se certificasse de que contava
com aliados... E para entregar o último Potter. Se lhes entregasse
Harry, quem se atreveria a dizer que traíra Lord Voldemort? Pedro seria
recebido de volta com todas as honras... Então, entendem, eu tinha que
fazer alguma coisa. Era o único que sabia que ele continuava vivo...
Harry
se lembrou do que o Sr. Weasley contara à mulher: "Os guardas dizem que ele anda falando durante o sono...
sempre as mesmas palavras... Ele está em Hogwarts”.
—
Era como se alguém tivesse acendido uma fogueira na minha cabeça, e
os dementadores não pudessem destruí-la... Não era um pensamento feliz...
Era uma obsessão... Mas isso me deu forças, clareou minha mente. Então,
uma noite quando abriram a porta para me trazer comida, eu passei por
eles em forma de cachorro... Para eles é tão difícil perceberem
emoções animais que ficaram confusos... Eu estava magro, muito
magro... O bastante para passar entre as grades... Ainda como
cachorro nadei até a costa... Viajei para o norte e entrei escondido
nos terrenos de Hogwarts, como cachorro. Desde então vivi na floresta,
exceto nas horas em que saía para assistir ao Quadribol, é claro. Você voa
bem como o seu pai, Harry...
Black
se virou para o garoto, que não evitou seu olhar.
—
Acredite-me — disse, rouco. — Acredite-me, Harry. Nunca traí Tiago e
Lílian. Teria preferido morrer a traí-los.
E,
finalmente, Harry acreditou. A garganta apertada demais para falar, fez um
aceno afirmativo com a cabeça.
—
Não!
Pettigrew
caíra de joelhos como se o aceno de Harry fosse a sua sentença de
morte. Arrastou-se de joelhos, humilhou-se, as mãos juntas diante do
peito como se rezasse.
—
Sirius... Sou eu... Pedro... Seu amigo... Você não...
Black
deu um chute no ar e Pettigrew se encolheu.
—
Já tem sujeira suficiente nas minhas vestes sem você tocar nelas —
exclamou Black.
—
Remo! — esganiçou-se Pettigrew, virando-se para Lupin, implorando com
as mãos e os joelhos no chão. — Você não acredita nisso... Sirius não
teria lhe contado se eles tivessem mudado os planos?
—
Não, se pensasse que eu era o espião, Pedro. Presumo que foi por isso
que você não me contou, Sirius? — perguntou ele, pouco interessado,
por cima da cabeça de Pettigrew.
—
Me perdoe, Remo — disse Black.
—
Tudo bem, Almofadinhas, meu velho amigo — respondeu Lupin, que agora
enrolava as mangas das vestes. — E você me perdoa por acreditar que
você fosse o espião?
—
Claro. — E a sombra de um sorriso perpassou o rosto ossudo de Black.
Ele, também, começou a enrolar as mangas. — Vamos matá-lo juntos?
—
Acho que sim — concordou Lupin sombriamente.
—
Vocês não me matariam... Não vão me matar... — exclamou Pettigrew. —
E correu para Rony.
—
Rony... Eu não fui um bom amigo... Um bom bichinho? Você não vai deixá-los
me matarem, Rony, vai... Você está do meu lado, não está?
Mas
Rony olhava Pettigrew com absoluto nojo.
—
Eu deixei você dormir na minha cama! — exclamou ele.
—
Bom garoto... Bom dono... — Pettigrew se arrastou até Rony — você não
vai deixá-los fazerem isso... Eu fui o seu rato... Fui um bom bicho de
estimação...
—
Se você foi um rato melhor do que foi um homem, não é coisa para se gabar,
Pedro — disse Black com aspereza.
Rony, empalidecendo
ainda mais de dor, puxou a perna quebrada para longe do alcance de
Pettigrew. Ainda de joelhos, este se virou e cambaleou para frente,
agarrando a bainha das vestes de Hermione.
—
Garota meiga... Garota inteligente... Você... Você não vai deixar que
eles... Me ajude.
Hermione
puxou as vestes para longe das mãos de Pettigrew e recuou contra a parede,
horrorizada.
Pettigrew
continuou ajoelhado, tremendo descontroladamente, e foi virando lentamente
a cabeça para Harry.
—
Harry... Harry... Você é igualzinho ao seu pai... Igualzinho...
—
COMO É QUE VOCÊ SE ATREVE A FALAR COM HARRY? — rugiu Black. — COMO TEM
CORAGEM DE OLHAR PARA ELE? COMO TEM CORAGEM DE FALAR DE TIAGO NA
FRENTE DELE?
—
Harry — sussurrou Pettigrew, arrastando-se em direção ao garoto, com
as mãos estendidas. — Harry, Tiago não iria querer que eles me
matassem... Tiago teria compreendido, Harry... Teria tido piedade...
Black
e Lupin avançaram ao mesmo tempo, agarraram Pettigrew pelos ombros e o
atiraram de costas no chão, O homem ficou ali, contorcendo-se de terror,
olhando fixamente para os dois.
—
Você vendeu Lílian e Tiago a Voldemort — disse Black, que também tremia. —
Você nega isso?
Pettigrew
prorrompeu em lágrimas. A
cena era terrível, ele parecia um bebezão careca, encolhendo-se.
—
Sirius, Sirius, o que é que eu podia ter feito? O Lord das Trevas...
Você não faz idéia... Ele tem armas que você não imagina... Tive medo,
Sirius, eu nunca fui corajoso como você, Remo e Tiago. Eu nunca desejei
que isso acontecesse... Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado me forçou...
—
NÃO MINTA! — berrou Black. — VOCÊ ANDOU PASSANDO INFORMAÇÕES PARA ELE
DURANTE UM ANO ANTES DE LILIAN E TIAGO MORREREM! VOCÊ ERA ESPIAO DELE!
-Ele
estava assumindo o poder em toda parte! — exclamou Pettigrew. — Que é que eu
tinha a ganhar recusando o que me pedia?
—
Que é que você tinha a ganhar lutando contra o bruxo mais maligno que já
existiu? — perguntou Black, com uma terrível expressão de fúria no rosto.
— Apenas vidas inocentes, Pedro!
—
Você não entende! — choramingou Pettigrew. — Ele teria me matado, Sirius!
—
ENTÃO VOCÉ DEVIA TER MORRIDO! — rugiu Black. — MORRER EM VEZ DE TRAIR
SEUS AMIGOS! COMO TERÍAMOS FEITO POR VOCÊ!
Black
e Lupin estavam ombro a ombro, as varinhas erguidas.
—
Você devia ter percebido — disse Lupin com a voz controlada —, que se
Voldemort não o matasse, nós o mataríamos. Adeus, Pedro.
Hermione
cobriu o rosto com as mãos e se virou para a parede.
—
NÃO! — berrou Harry. E se adiantou, colocando-se entre Pettigrew e as
varinhas. — Vocês não podem matá-lo — disse afobado. — Não podem.
Black
e Lupin fizeram cara de espanto.
—
Harry esse verme é a razão por que você não tem pais — rosnou Black. —
Esse covardão teria olhado você morrer, sem levantar um dedo. Você
ouviu o que ele disse. Dava mais valor à pele nojenta do que a toda
sua família.
—
Eu sei — ofegou Harry. — Vamos levar Pedro até o castelo. Vamos entregar
ele aos dementadores. Ele pode ir para Azkaban... Mas não o matem.
—
Harry! — exclamou Pettigrew, e atirou os braços em torno dos joelhos de
Harry. — Você... Obrigado... É mais do que eu mereço... Obrigado...
—
Tire as mãos de cima de mim — vociferou Harry empurrando as mãos de
Pettigrew, enojado. — Não estou fazendo isso por você. Estou fazendo isso
porque acho que meu pai não ia querer que os melhores amigos dele
virassem assassinos... Por sua causa.
Ninguém
se mexeu nem fez qualquer ruído exceto Pettigrew, cuja respiração saía em
arquejos, e ele levava as mãos ao peito.
Black
e Lupin se entreolharam. Então, com um único movimento, baixaram as
varinhas.
—
Você é a única pessoa que tem o direito de decidir, Harry — disse Black. —
Mas pense... Pense no que ele fez...
—
Ele pode ir para Azkaban — repetiu Harry. — Se alguém merece aquele lugar
é ele...
Pettigrew
continuava a arquejar às costas do garoto.
—
Muito bem — disse Lupin. — Saia da frente, então.
Harry
hesitou.
—
Vou amarrá-lo — disse Lupin. — Só isso, juro.
Harry
saiu do caminho. Cordas finas saíram da varinha de Lupin, desta vez, e no
momento seguinte Pettigrew estava se revirando no chão, amarrado e
amordaçado.
—
Mas se você se transformar, Pedro — rosnou Black, a varinha também
apontada para Pettigrew —, nós o mataremos. Concorda, Harry?
Harry
olhou a figura lastimável no chão e concordou com a cabeça de modo que
Pettigrew pudesse vê-lo.
—
Certo — disse Lupin, subitamente eficiente. — Rony, não sei consertar
ossos tão bem quanto Madame Pomfrey, por isso acho melhor só imobilizar
sua perna ate o entregarmos na ala hospitalar.
Ele
foi até Rony, se abaixou, tocou a perna dele com a varinha e murmurou:
—
Férula! — Ataduras se enrolaram à
perna de Rony e a prenderam firmemente a uma tala. Depois, o professor
ajudou o garoto a se levantar; Rony, desajeitado, apoiou no chão o peso da
perna e não fez careta.
—
Está melhor. Obrigado.
—
E o Profº. Snape? — perguntou Hermione com a voz fraquinha, contemplando o
professor encostado à parede.
—
Ele não tem nenhum problema sério — disse Lupin se curvando para Snape e
tomando seu pulso. — Vocês só se entusiasmaram um pouquinho demais.
Continua desacordado. Hum... Talvez seja melhor não o reanimarmos até
estar a salvo no castelo. Podemos levá-lo assim...
Lupin
murmurou:
—
Mobilicorpus!— Como se fios
invisíveis tivessem sido amarrados aos pulsos, pescoço e joelhos de Snape,
ele foi posto de pé, a cabeça pendendo molemente, como a de um títere grotesco.
Ele flutuava a alguns centímetros do chão, os pés frouxos sacudindo.
Lupin
apanhou a Capa da Invisibilidade e guardou-a em segurança no bolso.
—
E dois de nós devemos nos acorrentar a essa coisa — disse Black,
cutucando Pettigrew com o pé. — Só para garantir.
—
Eu faço isso — disse Lupin.
—
E eu — disse Rony decidido, mancando até o prisioneiro.
Black
conjurou pesadas algemas do nada; e logo Pettigrew estava novamente de pé,
o braço esquerdo preso ao direito de Lupin, o direito preso ao
esquerdo de Rony. O garoto estava muito sério.
Parecia
ter tomado a verdadeira identidade de Perebas como uma ofensa
pessoal. Bichento saltou com leveza da cama e abriu caminho para fora do
quarto, o rabo de escovinha elegantemente erguido no ar.
CAPÍTULO
VINTE
O Beijo do Dementador
Harry
nunca fizera parte de um grupo tão esquisito. Bichento descia as escadas à
frente; Lupin, Pettigrew e Rony vinham a seguir, parecendo competidores de
uma corrida de seis pernas. Depois vinha o Profº. Snape, flutuando feito
um fantasma, os pés batendo em cada degrau que descia, seguro por
sua própria varinha, que Sirius apontava para ele. Harry e Hermione
fechavam o cortejo.
Voltar
ao túnel foi difícil. Lupin, Pettigrew e Rony tiveram que se virar de lado
para consegui-lo; Lupin continuava a cobrir Pettigrew com a varinha.
Harry os via avançar lentamente pelo túnel em fila indiana. Bichento
sempre à frente. Harry logo atrás de Black, que continuava a fazer Snape
flutuar à frente com a cabeça mole batendo sem parar no teto baixo. O
menino tinha a impressão de que Black não estava fazendo nada para evitar
as batidas.
—
Você sabe o que isso significa? — perguntou Black abruptamente a Harry
enquanto faziam seu lento progresso pelo túnel. — Entregar Pettigrew?
—
Você fica livre... — respondeu Harry.
—
É. Mas eu também sou, não sei se alguém lhe disse, eu sou seu padrinho.
—
Eu soube — disse Harry.
—
Bem... Os seus pais me nomearam seu tutor — disse Black formalmente. — Se
alguma coisa acontecesse a eles...
Harry
esperou. Será que Black queria dizer o que ele achava que queria?
—
Naturalmente, eu vou compreender se você quiser ficar com seus tios —
disse Black. — Mas... Bem... Pense nisso. Depois que o meu nome estiver
limpo... Se você quiser uma... Uma casa diferente...
Uma
espécie de explosão ocorreu no fundo do estômago de Harry.
—
Quê, morar com você? — perguntou, batendo a cabeça, sem querer, numa pedra
saliente do teto. — Deixar a casa dos Dursley?
—
Claro, achei que você não ia querer — disse Black apressadamente. — Eu
compreendo, só pensei que...
—
Você ficou maluco? — disse Harry com a voz quase tão rouca quanto à de
Black. — Claro que quero deixar a casa dos Dursley! Você tem casa? Quando é que eu posso me
mudar?
Black
virou-se completamente para olhar o garoto; a cabeça de Snape raspou o
teto, mas Black não parecia se importar.
—
Você quer? — perguntou ele. — Sério?
—
Sério! — respondeu Harry.
O
rosto ossudo de Black se abriu no primeiro sorriso verdadeiro que Harry já
o tinha visto dar. A diferença que fazia era espantosa, como se uma
pessoa dez anos mais nova se projetasse através da máscara de fome; por
um instante ele se tornou reconhecível como o homem que estava rindo
no casamento dos pais de Harry.
Os
dois não se falaram mais até chegar ao fim do túnel. Bichento saiu
correndo à frente; evidentemente apertara o nó do tronco com a
pata, porque Lupin, Pettigrew e Rony subiram penosamente, mas não
houve ruídos de galhos ferozes.
Black
fez Snape passar pelo buraco, depois se afastou para Harry e Hermione
passarem. Finalmente todos conseguiram sair.
Os
jardins estavam muito escuros agora; as únicas luzes vinham das janelas
distantes do castelo. Sem dizer uma palavra, eles começaram a andar.
Pettigrew continuava a arquejar e, ocasionalmente, a choramingar. A cabeça
de Harry zumbia. Ele ia deixar os Dursley. Ia morar com Sirius Black, o
melhor amigo dos seus pais...
Sentia-se
atordoado... Que iria acontecer quando dissesse aos Dursley que ia morar
com o preso que tinham visto na televisão!
—
Um movimento errado, Pedro — ameaçou Lupin que ia à frente. Sua varinha
continuava apontada de viés para o peito de Pettigrew.
Em
silêncio eles avançaram pelos jardins, as luzes do castelo crescendo com a
aproximação. Snape continuava a flutuar de maneira fantasmagórica à
frente de Black, o queixo batendo no peito. Então...
Uma
nuvem se mexeu. Inesperadamente surgiram sombras escuras no chão. O grupo
foi banhado pelo luar. Snape se chocou com Lupin, Pettigrew e Rony, que
pararam abruptamente. Black congelou. Ele esticou um braço para fazer
Harry e Hermione pararem.
O
garoto viu a silhueta de Lupin. O professor enrijecera. Então as pernas de
Harry começaram a tremer.
—
Ah, não! — exclamou Hermione. — Ele não tomou a poção hoje à noite. Ele
está perigoso!
—
Corram — sussurrou Black. — Corram. Agora.
Mas
Harry não podia correr. Rony estava acorrentado a Pettigrew e Lupin. Ele
deu um salto para frente, mas Black o abraçou pelo peito e o atirou para
trás.
—
Deixe-o comigo... CORRA!
Ouviu-se
um rosnado medonho. A cabeça de Lupin começou a se alongar. O seu corpo
também. Os ombros se encurvaram. Pelos brotavam visivelmente de seu
rosto e suas mãos, que se fechavam transformando-se em patas com garras.
Os pêlos de Bichento ficaram outra vez em pé e ele estava recuando...
Quando
o Lobisomen se empinou, batendo as longas
mandíbulas, Sirius desapareceu do lado de Harry. Transformara-se. O enorme
cão semelhante a um urso saltou para frente. Quando o Lobisomen
se livrou da algema que o prendia, o cão agarrou-o pelo pescoço e puxou-o
para trás, afastando-o de Rony e Pettigrew. Atracaram-se, mandíbula
contra mandíbula, as garras se golpeando...
Harry
parou petrificado com a visão, demasiado absorto com a batalha para
prestar atenção em outra coisa. Foi o grito de Hermione que o alertou...
Pettigrew
tinha mergulhado para apanhar a varinha caída de Lupin. Rony, mal
equilibrado na perna enfaixada, caiu. Houve um estampido,
um clarão... e Rony ficou estirado, imóvel, no chão. Outro
estampido... Bichento voou pelo ar e tornou a cair na terra fofa.
—
Expelliarmus! — berrou Harry
apontando a própria varinha para Pettigrew; a varinha de Lupin voou muito
alto e desapareceu de vista. — Fique onde está! — gritou Harry, correndo
em frente.
Tarde
demais. Pettigrew se transformara. Harry viu seu rabo pelado passar pela
algema no braço estendido de Rony e o ouviu correr pelo gramado.
Um
uivo e um rosnado prolongado e surdo ecoaram; Harry se virou e viu o Lobisomen fugindo; galopando para a
floresta...
—
Sirius, ele fugiu, Pettigrew se transformou — berrou Harry.
Black
sangrava; havia cortes profundos em seu focinho e nas costas, mas ao ouvir
as palavras de Harry ele tornou a se levantar depressa e, num
instante, o ruído de suas patas foi morrendo até cessar ao longe.
Harry
e Hermione correram para Rony.
—
Que foi que Pettigrew fez com ele? — sussurrou Hermione. Os olhos de Rony
estavam apenas semicerrados, a boca frouxa e aberta; sem dúvida, estava
vivo, eles o ouviam respirar, mas não parecia reconhecer os amigos.
—
Não sei.
Harry
olhou desesperado para os lados. Black e Lupin, os dois tinham ido
embora... Não havia mais nenhum adulto em sua companhia exceto Snape, que
ainda flutuava, inconsciente, no ar.
—
É melhor levarmos os dois para o castelo e contarmos a alguém — disse
Harry, afastando os cabelos dos olhos, tentando pensar direito. — Vamos...
Mas
então, para além do seu campo de visão, eles ouviram latidos, um ganido;
um cachorro em sofrimento...
—
Sirius — murmurou Harry, olhando para o escuro.
Ele
teve um momento de indecisão, mas não havia nada que pudessem fazer por
Rony naquele momento, e pelo que ouviam, Black estava em apuros...
Harry
saiu correndo, Hermione em seu encalço. Os latidos pareciam vir da área
próxima ao lago. Eles saíram desabalados naquela direção, e Harry,
correndo sem parar, sentiu o frio sem perceber o que devia significar...
Os
latidos pararam abruptamente. Quando os garotos chegaram ao lago viram
o porquê Sirius se transformara outra vez em homem. Estava caído de
quatro, com as mãos na cabeça.
—
Nããão — gemia —, Nããão... Por favor..
Então
Harry os viu. Dementadores, no mínimo uns cem deles, deslizando em torno
do lago num grupo escuro que vinha em sua direção. O menino se virou, o
frio de gelo seu conhecido, penetrando suas entranhas, a névoa começando
a obscurecer sua visão; eles não estavam somente surgindo da escuridão
por todo o lado; estavam cercando-os...
—
Hermione, pense em alguma coisa feliz! — berrou Harry, erguendo a varinha,
piscando furiosamente para tentar clarear sua visão, sacudindo a cabeça
para livrá-la da leve gritaria que começara dentro dela... “Eu vou morar com o meu padrinho. Vou deixar
os Dursley”.
Ele
se forçou a pensar em Black, e somente em Black, e começou a cantar:
—
Expecto Patronum! Expecteto Patronum!
Black
estremeceu, rolou de barriga para cima e ficou imóvel no chão, pálido como
a morte.
“Ele vai ficar bem. Eu vou morar com ele”.
—
Expecto Patronum! Hermione, me ajude! Expecto Patronum...
—
Expecto... — murmurou Hermione — Expecto... Expecto...
Mas
ela não conseguia. Os dementadores estavam mais próximos, agora a menos de
três metros deles. Formavam uma muralha sólida em torno de Harry e
Hermione, cada vez mais próximos...
—
EXPECTO PATRONUM! — berrou Harry,
tentando abafar a gritaria em seus ouvidos. — EXPECTO PATRONUM!
Um
fiapinho prateado saiu de sua varinha e pairou como uma névoa diante dele.
No mesmo instante, Harry sentiu Hermione desmaiar ao seu lado. Estava
só... Completamente só...
—
Expecto... Expecto Patronum...
Harry
sentiu os joelhos baterem na grama fria. O nevoeiro nublou seus olhos. Com
um enorme esforço, ele lutou para se lembrar...
Sirius era inocente... Inocente... “Ele vai ficar bem... Eu vou morar com ele...”
—
Expecto Patronum! — exclamou.
À
luz fraca do seu Patrono disforme, ele viu um dementador parar, muito
perto dele. Não conseguiu atravessar a nuvem de névoa prateada que Harry
conjurara.
A
mão morta e viscosa deslizou para fora da capa. Ela fez um gesto como se
quisesse varrer o Patrono para o lado.
—
Não... Não... — ofegou Harry. — Ele é inocente... Expecto... Expecto Patronum...
Ele
sentia que os dementadores o observavam, ouvia a respiração deles vibrar
como um vento maligno ao seu redor, O dementador mais próximo parecia
estar avaliando-o. Então ergueu as duas mãos podres... E baixou o capuz
para trás.
Onde
devia haver olhos, havia apenas uma pele sarnenta e cinza, esticada por
cima das órbitas vazias. Mas havia uma boca... Um buraco escancarado
e disforme, que sugava o ar com o ruído
de uma matraca que anuncia a morte.
Um
terror paralisante invadiu Harry de modo que ele não conseguia se mexer
nem falar. Seu Patrono piscou e desapareceu.
O
nevoeiro branco o cegava. Ele tinha que lutar...
—
Expecto Patronum...
Ele
não conseguia ver... Ao longe ouvia os gritos já familiares...
— Expecto Patronum...
Ele
tateou pela névoa à procura de Sirius, e encontrou seu braço...
Os dementadores não iam levá-lo...
Mas
um par de mãos pegajosas e fortes, de repente, se fechou em torno do
pescoço de Harry. Forçavam-no a erguer o rosto... Ele sentiu seu hálito...
Ia se livrar dele primeiro... Harry sentiu seu hálito podre... Sua mãe
gritava em seus ouvidos... Ia ser a última coisa que ele ouviria...
E
então, através do nevoeiro que o afogava, ele achou que estava vendo uma
luz prateada que se tornava cada vez mais forte... Ele sentiu que estava
emborcando na grama...
O
rosto no chão, demasiado fraco para se mexer, nauseado e trêmulo, Harry
abriu os olhos. O dementador devia tê-lo soltado. A luz ofuscante
iluminava o gramado a seu redor... Os gritos tinham cessado, o frio estava
diminuindo...
Alguma
coisa estava obrigando os dementadores a recuar... Girava em torno dele, de
Black e Hermione... Os dementadores estavam se afastando... O ar
reaquecia...
Com
cada grama de força que ele conseguiu reunir, Harry ergueu a cabeça uns
poucos centímetros e viu um animal envolto em luz, distanciando-se a
galope através do lago. Os olhos embaçados de suor, Harry tentou
distinguir o que era...
Era
fulgurante como um unicórnio. Lutando para se manter consciente, viu-o
diminuir o galope ao chegar à margem oposta do lago. Por um momento, Harry
viu, à sua claridade, alguém que lhe dava as boas-vindas... Erguendo
a mão para lhe dar uma palmadinha... Alguém que lhe pareceu estranhamente
familiar... Mas não podia ser..
Harry
não entendeu. Não conseguiu mais pensar. Sentiu que suas últimas forças o
abandonavam e sua cabeça bateu no chão quando ele desmaiou.
CAPÍTULO
VINTE E UM
O Segredo de Hermione
—
Uma história chocante... Chocante... Milagre que ninguém tenha morrido...
Nunca ouvi nada igual... Pelo trovão, foi uma sorte você estar lá, Snape...
—
Muito obrigado, ministro.
—
Ordem de Merlim, Segunda Classe, eu diria. Primeira Classe, se eu puder
convencê-los.
—
Muito obrigado mesmo, ministro.
—
Que corte feio você tem aí... Obra do Black, suponho?
—
Na realidade, foram Potter, Weasley e Granger, ministro... Black havia
enfeitiçado os garotos, vi imediatamente. Um feitiço Confundus, a julgar pelo comportamento deles. Pareciam
acreditar que havia possibilidade de o homem ser inocente. Não foram
responsáveis por seus atos. Por outro lado, a interferência deles talvez
tivesse permitido a Black fugir... Os garotos obviamente pensaram que
iam capturá-lo sozinhos. Têm-se livrado de muitas situações de perigo até agora... Receio que isso os tenha feito se
acharem superiores... E, naturalmente, Potter sempre recebeu uma
extraordinária indulgência do diretor..
— Ah, bom, Snape... Harry Potter, sabe... Todos somos um pouco cegos quando
se trata dele.
—
Contudo... Será que é bom para ele receber tanto tratamento especial? Por
mim, procuro tratá-lo como qualquer outro aluno. E qualquer outro aluno
seria suspenso, no mínimo, por colocar seus amigos em situação tão
perigosa. Considere, ministro: contrariando todas as regras da escola... Depois
de todas as precauções que tomamos para sua proteção... Fora dos limites
da escola, à noite, em companhia de um Lobisomem
e de um assassino... E tenho razões para acreditar que ele andou visitando
Hogsmeade ilegalmente, também...
—
Bem, bem... Veremos, Snape, veremos... O garoto sem dúvida foi tolo...
Harry
estava deitado com os olhos bem fechados. Sentia-se muito tonto. As
palavras que ouvia pareciam viajar muito lentamente dos ouvidos para o
cérebro, por isso estava difícil compreender. Suas pernas e braços
pareciam feitos de chumbo; as pálpebras demasiado pesadas para abri-las...
Ele queria ficar deitado ali, naquela cama confortável, para sempre...
—
O que mais me surpreende é o comportamento dos dementadores... Você
realmente não tem idéia do que os fez se retirar, Snape?
—
Não, ministro... Quando recuperei os sentidos eles estavam voltando aos
seus postos na entrada...
—
Extraordinário. E, no entanto, Black, Harry e a garota...
—
Todos inconscientes quando cheguei. Amarrei e amordacei Black,
naturalmente, conjurei macas e os trouxe diretamente para o castelo.
Houve
uma pausa. O cérebro de Harry parecia estar trabalhando um pouco mais
rápido e, quando isso aconteceu, surgiu uma sensação desagradável na boca
do seu estômago...
O
garoto abriu os olhos.
Tudo
estava levemente embaçado. Alguém tirara seus óculos. Ele estava deitado
na escura ala hospitalar. Em um extremo da enfermaria, avistou Madame
Pomfrey de costas para ele, curvada sobre um leito. Harry apertou os
olhos. Os cabelos ruivos de Rony estavam visíveis por baixo do braço de
Madame Pomfrey.
Harry
virou a cabeça no travesseiro. Na cama à sua direita estava Hermione. O
luar banhava a cama. Os olhos dela também estavam abertos.
Parecia
petrificada e, quando viu que Harry estava acordado, levou o dedo aos
lábios e apontou para a porta da enfermaria. Estava entreaberta, e
entravam por ela as vozes de Cornélio Fudge e Snape, vindas do
corredor.
Madame
Pomfrey agora vinha andando com passos enérgicos pela enfermaria escura
até a cama de Harry. O garoto se virou para olhá-la. A enfermeira trazia a
maior barra de chocolate que ele já vira na vida. Parecia um pedregulho.
—
Ah, você acordou! — disse ela com animação. Pousou o chocolate
na mesa-de-cabeceira de Harry e começou a parti-lo em pedaços com um
martelinho.
—
Como está o Rony? — perguntaram Harry e Hermione, juntos.
—
Vai sobreviver — respondeu Madame Pomfrey de cara feia. — Quanto
a vocês dois... Vão continuar aqui até eu me convencer que... Potter
o que é que você acha que está fazendo?
O
garoto estava se sentando, colocando os óculos e apanhando a varinha.
—
Preciso ver o diretor — disse.
—
Potter — disse Madame Pomfrey, acalmando-o —, está tudo bem. Apanharam
Black. Ele está trancado lá em
cima. Os dementadores vão-lhe dar o beijo a qualquer
momento...
-O
QUE?
Harry
saltou da cama; Hermione fizera o mesmo. Mas o seu grito fora ouvido no
corredor lá fora; no segundo seguinte, Cornélio Fudge e Snape entraram na
enfermaria.
—
Harry, Harry que foi que houve? — perguntou Fudge, parecendo agitado. —
Você devia estar na cama, ele já comeu o chocolate? — perguntou,
ansioso, o ministro a Madame Pomfrey.
—
Ministro ouça! — pediu Harry. — Sirius Black é inocente! Pedro Pettigrew fingiu
a própria morte! Nós o vimos hoje à noite. O senhor não pode deixar os
dementadores fazerem aquilo com Sirius, ele...
Mas
Fudge estava sacudindo a cabeça com um sorrizinho no rosto.
—
Harry, Harry você está muito confuso, passou por uma provação terrível,
deite-se, agora, temos tudo sob controle...
—
O SENHOR NÃO TEM, NÃO! — berrou Harry. — O SENHOR PEGOU O HOMEM ERRADO!
—
Ministro, por favor, ouça — disse Hermione; ela correra para o lado de
Harry e olhava, suplicante, o rosto de Fudge. — Eu também o vi. Era o
rato de Rony, ele é um Animago. O
Pettigrew, quero dizer e...
—
O senhor está vendo, ministro — disse Snape. — Confusos, os dois... Black
fez um bom serviço...
—
NÃO ESTAMOS CONFUSOS! — berrou Harry.
—
Ministro! Professor! — disse Madame Pomfrey aborrecida. — Devo insistir que os
senhores saiam. Potter é meu paciente e
não deve ser angustiado!
—
Não estou angustiado, estou tentando contar o que aconteceu! — disse Harry
furioso. — Se eles ao menos me escutassem...
Mas
Madame Pomfrey, de repente, meteu um pedaço de chocolate na boca de Harry;
ele se engasgou, e a enfermeira aproveitou a oportunidade para forçá-lo a
voltar para a cama.
—
Agora, por favor, ministro, essas crianças precisam de cuidados médicos.
Por favor, saiam...
A
porta tornou a se abrir. Era Dumbledore. Harry engoliu o bocado de
chocolate com grande dificuldade e se levantou outra vez.
—
Profº. Dumbledore, Sirius Black...
—
Pelo amor de Deus! — exclamou Madame Pomfrey, histérica. Isto é ou não é uma ala hospitalar? Diretor,
eu devo insistir...
—
Eu peço desculpas, Papoula, mas preciso dar uma palavra com o Sr. Potter e
a Srta. Granger — disse Dumbledore calmamente. — Acabei de falar
com Sirius Black...
—
Suponho que ele tenha lhe narrado o mesmo conto de fadas que implantou na
mente de Potter? — bufou Snape. — A história de um rato e de
Pettigrew ter sobrevivido...
—
Esta, de fato, é a história de Black — disse Dumbledore, examinando Snape
atentamente através dos seus óculos de meia-lua.
—
E o meu testemunho não vale nada? — rosnou Snape. — Pedro Pettigrew não
estava na Casa dos Gritos, nem vi qualquer sinal dele nos terrenos da
escola.
—
Isto foi porque o senhor foi nocauteado, professor! — disse Hermione
com convicção. — O senhor não chegou em tempo de ouvir...
—
Srta. Granger, CALE A BOCA!
—
Ora, Snape — disse Fudge, espantado —, a mocinha está perturbada,
precisamos dar o devido desconto...
—
Eu gostaria de falar com Harry e Hermione a sós — disse Dumbledore
bruscamente. — Cornélio, Severo, Papoula — por favor, nos deixem.
—
Diretor! — repetiu Madame Pomfrey com veemência. — Eles precisam de
tratamento, eles precisam de descanso...
—
Isto não pode esperar — disse Dumbledore. — Devo insistir.
Madame
Pomfrey mordeu os lábios e saiu em direção à sua sala, na extremidade da
enfermaria, batendo a porta ao passar. Fudge consultou
o grande relógio de ouro que trazia pendurado no colete.
—
A esta hora os dementadores já devem ter chegado — disse. — Vou ao
encontro deles. Dumbledore, vejo você lá em cima.
O
ministro se dirigiu à porta e a segurou aberta para Snape passar, mas o
professor não se mexeu.
—
O senhor certamente não acredita em uma palavra da história de Black? —
sussurrou Snape, os olhos fixos no rosto de Dumbledore.
—
Eu gostaria de falar com Harry e Hermione a sós — repetiu Dumbledore.
Snape
deu um passo em direção ao diretor.
—
Sirius Black demonstrou que era capaz de matar com a idade de dezesseis
anos. O senhor se esqueceu disto, diretor? O senhor se esqueceu que no
passado ele tentou me matar?
—
Minha memória continua boa como sempre, Severo — disse Dumbledore, em voz
baixa.
Snape
girou nos calcanhares e saiu decidido pela porta que Fudge ainda segurava
aberta. A porta se fechou à passagem dos dois e o diretor se virou para
Harry e Hermione. Os dois desataram a falar ao mesmo tempo.
—
Professor, Black está dizendo a verdade, nós vimos Pettigrew...
—
Ele fugiu quando o Profº. Lupin virou Lobisomen...
—
Ele é um rato...
—
A pata dianteira de Pettigrew, quero dizer, o dedo, ele cortou fora...
—
Pettigrew atacou Rony, não foi Sirius...
Mas
Dumbledore ergueu a mão para interromper o dilúvio de explicações.
—
É a vez de vocês ouvirem, e peço que não me interrompam, porque o tempo é
muito curto — disse Dumbledore em voz baixa.
—
Não existe a mínima evidência para sustentar a história de Black, exceto a
palavra de vocês... E a palavra de dois bruxos de treze anos não irá
convencer ninguém. Uma rua cheia de testemunhas jurou que viu Sirius matar
Pettigrew. Eu mesmo prestei depoimento ao ministério que Sirius era o fiel
do segredo dos Potter.
—
O Profº. Lupin pode lhe contar... — falou Harry, incapaz de se refrear.
—
O Profº. Lupin no momento está embrenhado na floresta, incapaz de contar o
que quer que seja a alguém. Quando voltar à forma humana, será tarde
demais, Sirius estará mais do que morto. E eu poderia acrescentar que a
maioria do nosso povo desconfia tanto de Lobisomens que o apoio dele contará muito pouco... E o fato de
que ele e Sirius são velhos amigos...
—
Mas...
—
Ouça, Harry. É tarde demais, você entende? Você precisa admitir que a
versão do Profº. Snape sobre os acontecimentos é muito mais convincente
do que a sua.
—
Ele odeia Sirius — disse Hermione, desesperada. — Tudo por causa de uma
peça idiota que Sirius pregou nele...
—
Sirius não agiu como um homem inocente. O ataque à Mulher Gorda... A
entrada na Torre da Grifinória com uma faca... Sem Pettigrew, vivo ou
morto, não temos chance de derrubar a sentença de Sirius.
—
Mas o senhor acredita em nós.
—
Acredito — respondeu Dumbledore em voz baixa. — Mas não tenho o poder de
fazer os outros verem a verdade, nem de passar por cima do Ministro
da Magia...
Harry
encarou seu rosto sério e sentiu como se o chão estivesse se abrindo
debaixo dos seus pés. Acostumara-se à idéia de que Dumbledore podia
resolver qualquer coisa. Esperara que o diretor tirasse alguma solução
surpreendente do nada. Mas não... A última esperança dos garotos
desaparecera.
—
Precisamos — disse Dumbledore lentamente, e seus claros olhos azuis
correram de Harry para Hermione — é de mais tempo.
—
Mas... — começou Hermione. Então seus olhos se arregalaram. — AH!
—
Agora, prestem atenção — continuou o diretor, falando muito baixo e muito
claramente. — Sirius está preso na sala do Profº. Flitwick no sétimo andar. A
décima terceira janela a contar da direita da Torre Oeste. Se tudo
der certo, vocês poderão salvar mais de uma vida inocente hoje à noite.
Mas lembrem-se de uma coisa, os dois: vocês não podem ser vistos.
Srta. Granger, a senhorita conhece as leis, sabe o que está em jogo... Vocês... Não...
Podem... Ser... Vistos.
Harry
não tinha a menor idéia do que estava acontecendo.
Dumbledore
deu as costas aos garotos e virou-se para olhá-los ao chegar à porta.
—
Vou trancá-los. Faltam... — ele consultou o relógio — cinco minutos para a
meia-noite. Srta. Granger, três voltas devem bastar. Boa sorte.
—
Boa sorte? — repetiu Harry quando a porta se fechou atrás de Dumbledore. —
Três voltas? Do que é que ele está falando? Que é que ele espera que a
gente faça?
Mas
Hermione estava mexendo no decote das vestes, puxando de dentro dele uma
corrente de ouro muito longa e fina.
—
Harry, vem aqui — disse ela com urgência. — Depressa!
Harry
foi até a garota, completamente confuso. Ela estendia a corrente. E o
garoto viu que havia pendurada nela uma minúscula ampulheta.
—
Tome... — Hermione atirara a corrente em torno do pescoço dele também. —
Pronto? — disse Hermione ofegante.
—
Que é que estamos fazendo? — perguntou Harry completamente perdido.
Hermione
girou a ampulheta três vezes.
A
enfermaria escura desapareceu. Harry teve a sensação de que estava voando
muito rápido, para trás. Um borrão de cores e formas passou veloz por ele,
seus ouvidos latejaram, ele tentou gritar, mas não conseguiu ouvir a
própria voz...
E
então sentiu que havia um chão firme sob seus pés, e todas as coisas
tornaram a entrar em foco...
Ele
se achava parado ao lado de Hermione no saguão deserto do castelo e um
feixe de raios dourados de sol que entrava pelas portas de carvalho
abertas incidia sobre o piso de pedra. Harry olhou agitado para os lados à
procura de Hermione, a corrente da ampulheta machucando seu pescoço.
—
Hermione, que...?
—
Aqui! — a garota agarrou o braço de Harry e arrastou-o pelo saguão até a
porta do armário de vassouras; abriu o armário, empurrou o garoto
para o meio dos baldes e esfregões, e fechou a porta depois de entrar.
—
Quê... Como... Hermione, que foi que aconteceu?
—
Voltamos no tempo — sussurrou ela, tirando a corrente do pescoço de Harry
no escuro. — Três horas...
Harry
procurou a própria perna e se deu um beliscão com muita força. Doeu para
valer, o que pelo visto eliminava a possibilidade de estar tendo um sonho
muito esquisito.
—
Mas...
—
Psiu! Ouça! Tem alguém vindo! Acho... Acho que deve ser a gente!
Hermione
tinha o ouvido encostado na porta do armário.
—
Passos pelo saguão... É, acho que somos nós indo para a casa de Hagrid!
—
Você está me dizendo — cochichou Harry — que estamos aqui dentro do
armário e estamos lá fora também?
—
É — confirmou Hermione, o ouvido ainda colado à porta. — Tenho certeza de
que somos nós. Pelo eco não devem ser mais de três pessoas... E estamos
andando devagar por causa da Capa da Invisibilidade...
Ela
parou de falar, mas continuou a prestar atenção.
—
Descemos os degraus da entrada...
Hermione
se sentou em um balde virado de boca para baixo, parecendo aflitíssima,
mas Harry queria respostas para algumas perguntas.
—
Onde foi que você arranjou essa coisa feito uma ampulheta?
—
Chama-se Vira-Tempo — sussurrou
Hermione —, ganhei da Profª. McConagall no primeiro dia depois das férias.
Estou usando desde o início do ano para assistir a todas as minhas
aulas. A professora me fez jurar que não contaria a ninguém. Ela teve que
escrever um monte de cartas ao Ministério da Magia para eu poder usar
isso. Teve que dizer que eu era uma aluna modelo, e que nunca, nunca mesmo
usaria o Vira-Tempo para nada a não
ser para estudar... Eu o tenho usado para voltar no tempo e poder
reviver as horas e é assim que assisto a mais de uma aula ao mesmo tempo,
entende? Mas... Harry eu não estou entendendo o que é que Dumbledore
quer que a gente faça. Por que ele mandou a gente voltar três horas
no tempo? Como é que isso vai ajudar o Sirius?
Harry
encarou de frente o rosto escuro da garota.
—
Deve ter alguma coisa que aconteceu por volta de agora que ele quer que a
gente mude — disse Harry lentamente. — Que foi que aconteceu?
Estávamos indo à casa de Hagrid três horas atrás...
—
Agora estamos atrasados três horas e estamos indo à casa de Hagrid — disse
Hermione. — Acabamos de ouvir a gente sair...
Harry
franziu a testa; tinha a sensação de que estava franzindo o cérebro todo
para se concentrar.
—
Dumbledore acabou de dizer.. Acabou de dizer que a gente poderia salvar
mais de uma vida inocente... — Então fez-se a luz no cérebro de Harry. —
Hermione, nós vamos salvar Bicuço!
—
Mas... Como é que isso vai ajudar Sirius?
—
Dumbledore disse... Acabou de nos dizer onde fica a janela... A janela da
sala de Flitwick! Onde prenderam Sirius! Temos que voar no Bicuço
até a janela e salvar Sirius! Ele pode fugir no hipogrifo... Eles podem
fugir juntos!
Pelo
que Harry pôde enxergar no rosto de Hermione, ela estava aterrorizada.
—
Se conseguirmos fazer isso sem ninguém nos ver, vai ser um milagre!
—
Bom, vamos ter que tentar, não é? — disse Harry. Ele se levantou e
encostou o ouvido à porta.
—
Parece que não tem ninguém aí fora... Vamos, anda...
Harry
abriu a porta do armário. O saguão estava deserto. O mais silenciosa e
rapidamente possível eles saíram correndo do armário e desceram os degraus
de pedra. As sombras já estavam se alongando, os topos das árvores na
Floresta Proibida mais uma vez iam se tingindo de ouro.
—
Se alguém estiver olhando pela janela... — falou Hermione com a voz
esganiçada, virando-se para espiar o castelo.
—
Vamos correr o mais depressa possível — disse Harry decidido. — Direto
para a floresta, está bem? Teremos que nos esconder atrás de uma árvore ou
de outra coisa para poder vigiar...
—
Está bem, mas vamos dar a volta pelas estufas! — sugeriu Hermione sem
fôlego. — Temos que evitar que nos vejam da porta de entrada de Hagrid! Já
devemos estar quase na casa dele agora!
Ainda
tentando entender o que a amiga queria dizer, Harry saiu disparado com
Hermione logo atrás. Os dois transpuseram as hortas em direção às estufas,
pararam por um instante ocultos por elas, depois recomeçaram a correr, a
toda velocidade, contornando o Salgueiro Lutador, e, ainda desabalados,
em direção à floresta para se esconderem.
Seguro
sob a sombra das árvores, Harry se virou; segundos depois, Hermione, o
alcançou, ofegante.
—
Certo — disse ela sem ar. — Precisamos chegar sem ser vistos à casa de
Hagrid. Procure ficar escondido, Harry...
Os
dois caminharam em silêncio entre as árvores, acompanhando a orla da
floresta. Então, quando avistaram a frente da cabana, ouviram uma batida
na porta.
Eles
se ocultaram depressa atrás de um grosso carvalho e espiaram pelos lados.
Hagrid, trêmulo e pálido, aparecera à porta procurando ver quem batera. E
Harry ouviu a própria voz.
— Somos nós. Estamos usando a Capa da
Invisibilidade. Deixe a gente entrar para poder tirar a capa.
— Vocês não deviam ter vindo! —
sussurrou Hagrid, mas se afastou para os garotos poderem entrar.
—
Esta foi à coisa mais estranha que já fizemos — disse Harry com veemência.
—
Vamos continuar — cochichou Hermione. — Precisamos chegar mais perto de
Bicuço!
Eles
avançaram cautelosamente entre as árvores até verem o hipogrifo nervoso,
amarrado à cerca em volta do canteiro de abóboras de Hagrid.
—
Agora? — sussurrou Harry.
—
Não! — exclamou Hermione. — Se o roubarmos agora, o pessoal da Comissão
vai pensar que Hagrid soltou o bicho! Temos que esperar até verem que
Bicuço está amarrado do lado de fora!
—
Isso vai nos dar uns sessenta segundos — disse Harry. A coisa estava
começando a parecer impossível.
Naquele
instante, os garotos ouviram louça se partindo na cabana de Hagrid.
—
É o Hagrid quebrando a leiteira — cochichou a garota. — Vou encontrar
Perebas agora mesmo...
Não
deu outra, alguns minutos depois, eles ouviram Hermione dar um grito agudo
de surpresa.
—
Mione — disse Harry de repente —, e se nós... Nós entrarmos lá e
agarrarmos Pettigrew...
—
Não! — exclamou Hermione num sussurro aterrorizado. — Você não compreende?
Estamos violando uma das leis mais importantes da magia! Ninguém
pode mudar o tempo! Você ouviu o que Dumbledore falou, se formos vistos...
—
Mas só seríamos vistos por nós mesmos e por Hagrid!
—
Harry, que é que você faria se visse você mesmo entrando pela casa de
Hagrid? — perguntou Hermione.
—
Eu acharia... Acharia que tinha ficado maluco — respondeu Harry — ou
acharia que estava usando magia negra...
—
Exatamente! Você não entenderia, você poderia até se atacar! Você não entende?
A Profª. McGonagall me contou as coisas horríveis que aconteceram quando
bruxos mexeram com o tempo...
Montes
deles acabaram matando os “eus” passados ou futuros por engano!
—
Ok! — concordou Harry. — Foi só uma idéia. Pensei...
Mas
Hermione cutucou-o e apontou para o castelo. Harry espiou pelo lado para
ter uma visão mais clara das portas de entrada.
Dumbledore,
Fudge, o velhote da Comissão e Macnair, o carrasco, vinham descendo os
degraus.
—
Já estamos de saída! — sussurrou Hermione. E assim foi, momentos depois a
porta dos fundos da cabana se abriu e Harry viu a si mesmo, Rony e
Hermione saírem com Hagrid. Foi, sem dúvida, a sensação mais esquisita de
sua vida, parado ali atrás da árvore, observando a si mesmo no
canteiro de abóboras.
—
Tudo bem, Bicucinho, tudo bem... —
disse Hagrid ao bicho. Então se virou para os três garotos. — Vão. Andem logo.
— Hagrid, não podemos...
— Vamos contar a eles o que realmente
aconteceu...
— Não podem matar Bicuço...
— Vão! Já está bastante
ruim sem vocês se meterem em confusão!
Harry observou
Hermione jogar a Capa da Invisibilidade sobre ele e Rony no canteiro de
abóboras.
—
Vão depressa. Não fiquem ouvindo...
Ouviu-se
uma batida na porta de entrada da cabana. A comissão de execução chegara.
Hagrid se virou para entrar em casa, deixando a porta dos fundos
entreaberta. Harry observou a grama se achatar em certos pontos a toda
volta da cabana de Hagrid e ouviu três pares de pés recuarem.
Ele,
Rony e Hermione tinham ido embora... Mas o Harry e a Hermione escondidos
no meio das árvores escutavam, pela porta dos fundos, o que estava
acontecendo no interior da cabana.
— Onde está o animal? — disse a voz fria
de Macnair.
—
Lá... Lá fora — respondeu Hagrid,
rouco.
Harry
escondeu a cabeça quando o rosto de Macnair apareceu à janela da cabana,
para espiar Bicuço. Então os garotos ouviram a voz de Fudge.
—
Nós... Hum... Temos que ler para você a
notificação oficial da execução, Hagrid. Vou ser rápido. Depois, você e
Macnair precisão assiná-la. Macnair, você precisa escutar também, é a
praxe...
O
rosto do carrasco desapareceu da janela. Era agora ou nunca.
—
Espera aqui — cochichou Harry para Hermione. — Eu faço.
Quando
a voz de Fudge recomeçou, Harry saiu correndo do seu esconderijo atrás da
árvore, saltou a cerca para o canteiro de abóboras e se aproximou de
Bicuço.
—
Por decisão da Comissão para Eliminação
de Criaturas Perigosas o hipogrifo Bicuço, doravante chamado condenado,
será executado no dia seis de junho ao pôr-do-sol...
Com
cuidado para não piscar, Harry encarou os ferozes olhos cor de laranja de
Bicuço mais uma vez e fez uma reverência, O hipogrifo dobrou os joelhos
escamosos e em seguida tornou a se levantar. Harry começou a desamarrar a
corda que prendia o hipogrifo à cerca.
—
... Por decapitação, a ser executada pelo
carrasco nomeado pela Comissão, Walden Macnair...
—
Vamos Bicuço — murmurou Harry —, vamos, nós vamos te ajudar. Quietinho...
Quietinho...
—
... Conforme testemunham abaixo. Hagrid,
você assina aqui...
Harry
jogou todo o seu peso contra a corda, mas Bicuço cravara as
patas dianteiras na terra.
—
Bem, vamos acabar com isso — disse a
voz aguda do velhote da Comissão dentro da cabana. — Hagrid, talvez seja melhor você ficar aqui dentro...
—
Não, eu... Eu quero ficar com ele... Não
quero que ele fique sozinho...
Soaram
passos dentro da cabana.
—
Bicuço, anda!— sibilou Harry.
Harry
puxou com mais força a corda presa ao pescoço dele. O hipogrifo começou a
andar, farfalhando as asas com irritação. Ele e Harry ainda estavam a
três metros da floresta, bem à vista da porta dos fundos da cabana.
—
Um momento, por favor, Macnair —
ouviram a voz de Dumbledore. — Você
precisa assinar também. — Os passos pararam. Harry puxou a corda com
força.
Bicuço
deu um estalo com o bico e andou um pouco mais rápido.
O
rosto pálido de Hermione aparecia pelo lado do tronco da árvore.
—
Harry, depressa! — murmurou ela.
O
garoto ainda ouvia a voz de Dumbledore dentro da cabana. Deu outro puxão
na corda. Bicuço começou a trotar de má vontade. Alcançaram as árvores...
—
Depressa! Depressa! — gemia Hermione, que saiu de trás da arvore,
agarrou também a corda e acrescentou seu peso para fazer Bicuço andar mais
depressa. Harry espiou por cima do ombro; agora tinham desaparecido de vista;
mas também não podiam ver a horta de Hagrid.
—
Pare! — disse ele a Hermione. — Poderiam nos ouvir..
A
porta dos fundos da cabana se abriu com violência. Harry, Hermione e
Bicuço ficaram muito quietos; até o hipogrifo parecia estar prestando
atenção.
—
Silêncio... então...
—
Onde está ele? — perguntou a voz
fraquinha do velhote da Comissão. — Onde
está o bicho?
—
Estava amarrado aqui! — disse o
carrasco, furioso. — Eu o vi! Bem
aqui!
—
Que extraordinário! — exclamou Alvo
Dumbledore. Havia um tom de riso em sua voz.
—
Bicuço! — exclamou Hagrid, rouco.
Ouviu-se
o ruído de uma lâmina cortando o ar e a pancada de um machado. O carrasco,
enraivecido, aparentemente brandira o machado contra a cerca.
Então, ouviu-se um berreiro e desta vez eles distinguiram as palavras de
Hagrid entre os soluços.
—
Foi-se! Foi-se! Abençoado seja ele, foi
embora! Deve ter se soltado! Bicucinho, que garoto inteligente!
Bicuço
começou a puxar a corda com força, tentando voltar para Hagrid. Harry e
Hermione seguraram a corda com firmeza e enterraram os saltos no chão da
floresta para reter o bicho.
—
Alguém o desamarrou! — rosnou o
carrasco. — Devíamos revistar a
propriedade, a floresta...
—
Macnair, se Bicuço foi realmente roubado,
você acha que o ladrão o levou a pé? — perguntou Dumbledore, ainda em
tom divertido. — Procurem nos
céus, se quiserem... Hagrid, uma xícara de chá me cairia bem. Ou um bom cálice de
conhaque.
— C... Claro, professor — disse Hagrid, que parecia
fraco de tanta felicidade. — Entre,
entre...
Harry
e Hermione apuraram os ouvidos. Ouviram passos, o carrasco xingando
baixinho, o clique da porta e, então, mais uma vez o silêncio.
—
E agora? — sussurrou Harry, olhando para os lados.
—
Vamos ter que nos esconder aqui — disse Hermione, que parecia muito
abalada. — Precisamos esperar até eles voltarem para o castelo. Depois
esperamos até poder voar com Bicuço em segurança até a janela de Sirius.
Ele vai demorar lá mais duas horas... Ah, isso vai ser difícil..
A
garota espiou, nervosa, por cima do ombro as profundezas da floresta. O
sol ia se pondo.
—
Vamos ter que mudar de lugar — disse Harry se concentrando. — Temos que
poder ver o Salgueiro Lutador ou não vamos saber o que está acontecendo.
—
Ok — concordou Hermione, segurando a corda de Bicuço com mais firmeza. —
Mas temos que ficar onde ninguém possa nos ver Harry, lembre-se...
Os
dois saíram pela orla da floresta, à noite escurecendo tudo à volta, até
poderem se esconder atrás de um grupo de árvores, entre as quais eles
podiam avistar o salgueiro.
—
Olha lá o Rony! — exclamou Harry de repente.
Um
vulto escuro ia correndo pelos jardins e seu grito ecoava pelo ar parado
da noite.
— Fique longe dele... Fique longe...
Perebas, volta aqui...
Então
os garotos viram mais dois vultos se materializarem do nada. Harry
observou ele próprio e Hermione correrem atrás de Rony. Depois viram Rony
mergulhar.
—
Te peguei! Dá o fora, seu gato
fedorento...
—
Olha lá o Sirius! — exclamou Harry. A forma enorme de um cão saltou das
raízes do salgueiro. Eles o viram derrubar Harry, depois agarrar Rony... —
Parece ainda pior visto daqui, não é? — comentou Harry, observando o cão
puxar Rony para baixo das raízes. — Ai... Olha, acabei de levar uma baita
lambada da árvore...
E
você também... Que coisa esquisita...
O
Salgueiro Lutador rangia e dava golpes com os ramos mais baixos; os
garotos se viam correndo para cá e para lá, tentando chegar até o tronco.
E então a árvore se imobilizou.
—
Isso foi o Bichento apertando o nó — disse Hermione.
—
E lá vamos nós... — murmurou Harry — Entramos.
No
momento em que eles desapareceram, a árvore recomeçou a se agitar.
Segundos depois, os garotos ouviram passos muito próximos. Dumbledore,
Macnair, Fudge e o velhote da Comissão estavam regressando ao castelo.
—
Logo depois de termos descido pela passagem! — exclamou Hermione. — Se ao
menos Dumbledore tivesse ido conosco...
—
Macnair e Fudge teriam ido também — disse Harry amargurado. — Aposto o que
você quiser como Fudge teria mandado Macnair matar Sirius na hora...
Os
garotos observaram os quatro homens subirem os degraus do castelo e
desaparecer de vista. Durante alguns minutos os jardins ficaram desertos.
Então...
—
Aí vem Lupin! — disse Harry ao ver outro vulto descer correndo os degraus
de pedra e se dirigir ao salgueiro. Harry olhou para o céu. As nuvens
estavam obscurecendo completamente a luz.
Os
dois acompanharam Lupin apanhar um galho seco do chão e empurrar com ele o
nó do tronco. A árvore parou de lutar, e o professor, também, desapareceu
no buraco entre as raízes.
—
Se ao menos ele tivesse apanhado a capa — lamentou Harry.
—
Está caída bem ali...
E,
virando-se para Hermione.
—
Se eu desse uma corrida agora e apanhasse a capa, Snape nunca poderia se
apoderar dela e...
—
Harry não podemos ser vistos!
—
Como é que você agüenta isso? — perguntou ele a Hermione impetuosamente. —
Ficar parada aqui olhando a coisa acontecer? — Ele hesitou. — Vou apanhar
a capa!
—
Harry não!
Hermione
agarrou Harry pelas costas das vestes bem na hora.
Naquele
instante, ouviu-se uma cantoria. Era Hagrid, ligeiramente trôpego, a
caminho do castelo, cantando a plenos pulmões. Um garrafão balançava em
suas mãos.
—
Viu? — sussurrou Hermione. — Viu o que teria acontecido? Temos que ficar
escondidos! Não, Bicuço!
O
hipogrifo fazia tentativas frenéticas para chegar até Hagrid;
Harry
agarrou a corda também, fazendo força para manter o animal parado.
Os
garotos observaram Hagrid caminhar, bêbado, até o castelo. Bicuço parou de
brigar para ir embora. Deixou a cabeça pender tristemente.
Não
havia se passado nem dois minutos e as portas do castelo tornaram a se
escancarar, era Snape que saía decidido, e rumava para o salgueiro.
Os
punhos de Harry se fecharam quando eles viram Snape parar derrapando
próximo à árvore, olhando para os lados. Depois, apanhou a capa e
levantou-a.
—
Tira suas mãos imundas daí — rosnou Harry para si mesmo.
—
Psiu!
Snape
apanhou o galho seco que Lupin usara para imobilizar a árvore, cutucou
o nó e desapareceu de vista ao se cobrir com a capa.
—
Então é isso — disse Hermione baixinho. — Estamos todos lá embaixo... E
agora temos que esperar até voltarmos da passagem...
A
garota pegou a ponta da corda de Bicuço e amarrou-a bem segura na árvore
mais próxima, então, sentou-se no chão seco, os braços em torno dos
joelhos.
—
Harry, tem uma coisa que eu não entendo... Por que os dementadores não
pegaram Sirius? Eu me lembro deles chegando, aí acho que desmaiei... Havia
tantos...
Harry
se sentou também. E explicou o que vira; que na hora em que o dementador
mais próximo chegou a boca junto à de Harry, uma coisa grande e prateada
viera galopando do lago e forçara os dementadores a se retirarem.
A
boca de Hermione estava ligeiramente aberta quando Harry terminou.
—
Mas o que era a coisa?
—
Só tem uma coisa que podia ter sido, para fazer os dementadores irem
embora — disse Harry. — Um Patrono de verdade. Bem poderoso.
—
Mas quem o conjurou?
Harry
não respondeu nada. Estava relembrando a pessoa que vira na outra margem
do lago. Sabia quem ele pensara que era... Mas como seria possível?
—
Você não viu com quem se parecia? — perguntou Hermione ansiosa. — Foi um
dos professores?
—
Não — disse Harry. — Não era um professor.
—
Mas deve ter sido um bruxo realmente poderoso, para fazer todos
aqueles dementadores irem embora... Se o Patrono era tão brilhante, a luz
não iluminava ele? Você não pôde ver...?
—
Claro que vi — disse Harry lentamente. — Mas talvez... Eu tenha imaginado
que vi... Eu não estava pensando direito... Desmaiei logo em seguida...
—
Quem foi que você pensou que viu?
—
Acho... — Harry engoliu em seco, sabendo como era estranho o que ia dizer.
— Acho que foi o meu pai.
Harry
olhou para Hermione e viu que a boca da menina se abrira de vez. Ela o olhava
com uma mistura de susto e piedade.
—
Harry, seu pai está... Bem... Morto — disse ela baixinho.
—
Eu sei — respondeu Harry depressa.
—
Você acha que viu o fantasma dele?
—
Não sei... Não... Parecia sólido...
—
Mas então...
—
Vai ver eu andei vendo coisas — disse Harry. — Mas... Pelo que pude ver...
Parecia ele... Tenho fotos dele...
Hermione
continuava a mirá-lo como se estivesse preocupada com a sanidade do amigo.
—
Sei que parece doideira — falou Harry, sem animação. E se virou para olhar
Bicuço, que enterrava o bico no chão, aparentemente à procura de vermes.
Mas
na realidade o garoto não estava olhando para Bicuço.
Estava
pensando no pai e nos três amigos mais antigos do pai... Aluado, Rabicho,
Almofadinhas e Pontas... Será que os quatro tinham estado em Hogwarts
esta noite? Rabicho reaparecera quando todos pensavam que estivesse
morto...
Seria
tão impossível que o mesmo acontecesse com o seu pai? Será que andara
vendo coisas no lago? O vulto estava demasiado longe para vê-lo com
clareza... Contudo, Harry tivera uma certeza momentânea antes de perder
a consciência...
A
folhagem no alto rumorejava baixinho à brisa. A lua aparecia e desaparecia
por trás das nuvens que deslizavam pelo céu. Hermione, sentada com o rosto
virado para o salgueiro, aguardava.
Então,
finalmente, passada uma hora...
—
Aí vêm eles! — sussurrou Hermione.
Ela
e Harry se levantaram. Bicuço ergueu a cabeça. Então os garotos viram
Lupin, Rony e Pettigrew saindo desajeitados do buraco nas raízes. Depois
veio Hermione... O inconsciente Snape, flutuando estranhamente. Em seguida
subiram Harry e Black.
Todos
saíram caminhando em direção ao castelo.
O
coração de Harry começou a bater muito depressa. Ele olhou para o céu. A
qualquer momento agora, aquela nuvem ia se afastar e mostrar a lua...
—
Harry — murmurou Hermione como se soubesse exatamente o que ele estava
pensando —, temos que ficar parados. Não podemos ser vistos. Não tem
nada que a gente possa fazer...
—
Então vamos deixar Pettigrew escapar outra vez... — protestou Harry
baixinho.
—
Como é que você espera encontrar um rato no escuro? — retrucou Hermione
irritada. — Não tem nada que a gente possa fazer! Voltamos para ajudar
Sirius; não é para fazer mais nada!
—
Está bem!
A
lua deslizou para fora da cobertura de nuvens. Os dois viram os pequenos
vultos que atravessavam os jardins pararem. Então perceberam um
movimento...
—
Lá vai Lupin — cochichou Hermione. — Ele está se transformando...
—
Hermione! — disse Harry de repente. — Temos que mudar de lugar!
—
Já disse que não podemos...
—
Não podemos interferir! Mas Lupin vai correr para dentro da floresta, bem
por onde estamos!
Hermione
prendeu a respiração.
—
Depressa! — gemeu ela, correndo para soltar Bicuço. — Depressa! Aonde é
que nós vamos? Onde é que vamos nos esconder? Os dementadores vão
chegar a qualquer momento...
—
Vamos voltar para a cabana de Hagrid! — disse Harry. — Está vazia
agora... Vamos!
Os
garotos correram a toda velocidade, Bicuço atrás deles.
Ouviam
o Lobisomen uivando em sua cola...
Avistaram
a cabana; Harry derrapou diante da porta, escancarou-a, e Hermione e
Bicuço passaram como relâmpagos por ele; o garoto se atirou para dentro
e trancou a porta. Canino, o cão de casar javalis, latiu com força.
—
Psiu, Canino, somos nós! — disse Hermione, correndo a coçar atrás das orelhas
do cão para sossegá-lo. — Essa foi por pouco! — disse ela a Harry.
—
Acho melhor sair, sabe — disse Harry lentamente. — Não consigo ver o que
está acontecendo... Não vamos saber quando for a hora...
Hermione
ergueu a cabeça. Tinha uma expressão desconfiada.
—
Não vou tentar interferir — disse Harry depressa. — Mas se não virmos o
que está acontecendo, como é que vamos saber quando temos que salvar
Sirius?
—
Bem... Ok, então... Fico esperando aqui com o Bicuço... Mas Harry, tenha
cuidado, tem um Lobisomen solto lá
fora... E os dementadores...
Harry
saiu e contornou a cabana. Ouvia latidos ao longe. Isto significava que os
dementadores estavam fechando o cerco sobre Sirius...
Ele
e Hermione iriam correr para Sirius a qualquer instante...
Harry
espiou para as bandas do lago, seu coração produzindo uma espécie de
batuque no seu peito... Quem quer que tivesse mandado o Patrono iria
aparecer a qualquer momento...
Por
uma fração de segundo ele parou, indeciso, diante da porta da cabana. “Você não pode ser visto”. Mas ele não
queria ser visto.
Queria
ver... Tinha que saber...
E
lá estavam os dementadores. Emergiam da noite, vindos de todas as
direções, deslizando pela orla do lago... Estavam se distanciando do ponto
em que Harry se
encontrava, em direção à margem oposta... Ele não teria que se aproximar
deles...
Harry
começou a correr. Não tinha outro pensamento na cabeça senão o pai... Se
fosse ele... Se fosse realmente ele... Harry precisava saber, precisava
descobrir...
O
lago estava cada vez mais próximo, mas não havia sinal de ninguém. Na
margem oposta, Harry vislumbrou minúsculos pontos prateados, suas próprias
tentativas de produzir um Patrono...
Havia
uma moita bem na beirinha da água. Harry se atirou atrás dela, e espiou
desesperado entre as folhas. Na margem oposta, os reflexos prateados de
repente se extinguiram. Uma mescla de terror e excitação percorreu seu
corpo, a qualquer momento agora...
—
Vamos! — murmurou, olhando com atenção para os lados. — Onde é que você
está! Papai, anda...
Mas
não veio ninguém. Harry ergueu a cabeça para olhar o círculo de
dementadores do outro lado do lago. Um deles estava despindo o capuz.
Estava na hora do salvador aparecer, mas ninguém ia aparecer para ajudar
desta vez...
E
então a explicação lhe ocorreu, ele compreendeu. Não vira o pai vira a si
mesmo...
Harry
se precipitou para fora da moita e puxou a varinha.
—
EXPECTO PATRONUM! — berrou.
E
da ponta de sua varinha irrompeu, não uma nuvem disforme, mas um animal
prateado, deslumbrante, ofuscante. Ele apertou os olhos tentando ver o que
era.
Parecia
um cavalo. Galopava silenciosamente se afastando dele, atravessando a
superfície escura do lago. Ele viu o animal abaixar a cabeça e investir
contra o enxame de dementadores... Agora, a galope, ele cercava os vultos
escuros no chão, e os dementadores recuavam, se dispersavam, batiam em
retirada na noite... Desapareciam.
O
Patrono deu meia-volta. Veio em direção a Harry atravessando a superfície
parada das águas. Não era um cavalo. Não era um unicórnio, tampouco.
Era um cervo. Reluzia intensamente ao luar... Estava retornando a ele...
Parou
na margem. Seus cascos não deixaram pegadas no chão macio quando ele
encarou Harry com os grandes olhos prateados.
Lentamente,
ele curvou a cabeça cheia de galhos. E Harry percebeu...
—
Pontas — sussurrou.
Mas
quando os dedos trêmulos de Harry se estenderam para o bicho, ele
desapareceu.
Harry
continuou parado ali, a mão estendida. Então com um grande salto no
coração, ele ouviu o ruído de cascos às suas costas — virou-se e viu
Hermione correndo para ele, arrastando Bicuço.
—
Que foi que você fez? — perguntou ela com raiva. — Você disse que ia ficar
vigiando!
—
Acabei de salvar as nossas vidas... — disse Harry. — Vem aqui para trás,
atrás dessa moita, eu explico.
Hermione
ouviu o relato do que acabava de acontecer, outra vez boquiaberta.
—
Alguém viu você?
—
Está vendo, você não ouviu nada! Eu me vi e achei que era o meu pai! Tudo
bem!
—
Harry, nem posso acreditar... Você conjurou um Patrono que espantou todos
aqueles dementadores! Isto é magia muito adiantada, mas muito mesmo...
—
Eu sabia que podia fazer isso desta vez — disse Harry —, porque já tinha
feito antes... Faz sentido?
—
Não sei... Harry, olha o Snape!
Juntos
eles olharam para a outra margem. Snape recuperara os sentidos. Estava
conjurando macas e erguendo as formas inertes de Harry, Hermione e Black
para cima delas. Uma quarta maca, sem dúvida carregando Rony, já
estava flutuando ao seu lado. Então, com a varinha segura à frente, ele
os transportou para o castelo.
—
Certo, está quase na hora — disse Hermione olhando, tensa, para o relógio.
— Temos uns quarenta e cinco minutos até Dumbledore fechar a porta
da ala hospitalar. Temos que salvar Sirius e voltar à enfermaria antes
que alguém perceba que estamos ausentes...
Os
dois esperaram, observando o reflexo das nuvens que se moviam sobre o
lago, enquanto a moita ao lado sussurrava à brisa. Bicuço, entediado,
estava novamente bicando a terra à procura de vermes.
—
Você acha que ele já está lá em cima? — perguntou Harry, consultando o
relógio. Em seguida olhou para o castelo e começou a contar as janelas à
direita da Torre Oeste.
—
Olha! — sussurrou Hermione. — Quem é aquele? Alguém está saindo do
castelo!
Harry
olhou para o escuro. O homem estava correndo pelos jardins, em direção a
uma das entradas. Uma coisa reluzente faiscava em seu cinto.
—
Macnair! — exclamou Harry. — O carrasco! Ele foi chamar os dementadores! É
agora, Mione...
Hermione
pôs as mãos nas costas de Bicuço e Harry a ajudou a montar. Então ele
apoiou o pé em um dos galhos mais baixos da moita e montou à frente da
garota.
Depois
puxou a corda de Bicuço por cima do pescoço e amarrou-a como se fossem
rédeas.
—
Pronta? — cochichou para Hermione. — É melhor você se segurar em mim...
E
bateu os calcanhares nos lados de Bicuço.
O
bicho saiu voando pela noite. Harry comprimiu os flancos de Bicuço com os
joelhos, sentindo as grandes asas erguerem-se com força por baixo deles.
Hermione segurava Harry muito apertado, pela cintura; ele a ouvia
reclamar baixinho.
—
Ah, não... Não estou gostando disso... Ah, não estou gostando nem um pouco
disso...
Harry
incitou Bicuço para fazê-lo avançar. Eles começaram a voar silenciosamente
em direção aos andares superiores do castelo. Harry puxou com força
o lado esquerdo da corda e Bicuço virou para aquele lado. O garoto
tentava contar as janelas que passavam velozes...
—
Ôôo! — comandou puxando a corda para si com toda a força que pôde.
O
hipogrifo reduziu a velocidade e eles pararam, salvo se considerarmos o
fato de que continuavam a subir e descer quase um metro de cada vez,
quando o bicho batia as asas para se manter no ar.
—
Ele está ali! — disse Harry apontando para Sirius quando emparelharam com
uma janela. O garoto estendeu a mão e, quando as asas de Bicuço
baixaram, conseguiu dar umas pancadinhas na vidraça.
Black
olhou. Harry viu o queixo dele cair de espanto. O homem saltou da cadeira,
correu à janela e tentou abri-la, mas estava trancada.
—
Se afaste! — pediu Hermione tirando a varinha, ainda agarrando as vestes
de Harry com a mão esquerda.
—
Alorromora!
A
janela se escancarou.
—
Como... Como...? — exclamou Black com a voz fraca, olhando para o
hipogrifo.
—
Sobe, não temos muito tempo — disse Harry, segurando Bicuço com firmeza
pelos lados do pescoço escorregadio para mantê-lo parado. — Você tem
que sair daqui, os dementadores estão chegando, Macnair foi buscar eles.
Black
colocou as mãos dos lados da janela e ergueu a cabeça e os ombros para
fora. Foi uma sorte estar tão magro. Em segundos, ele conseguiu passar uma
perna por cima do lombo de Bicuço e montar o bicho atrás de Hermione.
—
Ok, Bicuço, para cima! — disse Harry sacudindo a corda.
—
Para a torre, anda!
O
hipogrifo bateu uma vez as asas possantes e eles recomeçarão a voar
para o alto, até o topo da Torre Oeste. Bicuço pousou com um ruído de
cascos nas ameias do castelo e os garotos escorregaram para o chão.
—
Sirius, é melhor você ir depressa — ofegou Harry. — Eles vão chegar na
sala de Flitwick a qualquer momento, e vão descobrir que você fugiu.
Bicuço
pateou o chão, sacudindo a cabeça pontuda.
—
Que aconteceu com o outro garoto? Rony! — perguntou Sirius rouco.
—
Ele vai ficar bom. Ainda está desacordado, mas Madame Pomfrey diz que vai
dar um jeito nele. Depressa, vai...
Mas
Black continuava a olhar para Harry.
—
Como é que vou poder lhe agradecer...
—
VAI! — gritaram ao mesmo tempo Harry e Hermione.
Black
fez Bicuço virar para o céu aberto.
—
Nós vamos nos ver outra vez — disse ele. — Você é bem filho do seu pai,
Harry...
E,
então, apertou os flancos de Bicuço com os calcanhares. Harry e Hermione
deram um salto para trás quando as enormes asas se ergueram mais uma
vez... O hipogrifo saiu voando pelos ares... Ele e seu cavaleiro foram
ficando cada vez menores enquanto Harry os observava... Então uma nuvem
encobriu a lua... E eles desapareceram.
CAPÍTULO
VINTE E DOIS
Novo Correio-Coruja
—
Harry! — Hermione estava puxando a manga do garoto, com os olhos no
seu próprio relógio. — Temos exatamente dez minutos para voltar à
ala hospitalar sem que ninguém nos veja, antes que Dumbledore tranque
a porta...
—
Ok — disse Harry, parando de contemplar o céu —, vamos... — Os dois saíram
pela porta às costas deles e desceram uma escada de pedra circular
muito estreita. Quando chegaram embaixo ouviram vozes. Colaram o corpo
contra a parede e escutaram. Pareciam as vozes de Fudge e Snape. Os
dois caminhavam depressa pelo corredor no qual terminava a escada.
—
... Só espero que Dumbledore não crie dificuldades — dizia Snape. — O
beijo será executado imediatamente?
—
Assim que Macnair voltar com os dementadores. Todo esse caso Black tem
sido muitíssimo constrangedor. Nem posso lhe dizer como estou ansioso
para informar ao Profeta Diário que finalmente o capturamos... Acho
provável que queiram entrevistá-lo, Snape... E quando Harry tiver voltado
ao normal, espero que se disponha a contar ao Profeta exatamente como
foi que você o salvou...
Harry
cerrou os dentes. Viu de relance o sorriso presunçoso de Snape, quando o
professor e Fudge passaram pelo lugar em que ele e Hermione estavam
escondidos. O eco dos passos dos homens foi se distanciando. Os dois
garotos esperaram alguns minutos para ter certeza de que tinham realmente
ido embora, então começaram a correr na direção oposta. Desceram uma
escada, depois outra, correram por um corredor, então ouviram uma risada
escandalosa à frente.
—
Pirraça! — murmurou Harry, agarrando o pulso de Hermione. — Aqui!
Eles
se precipitaram para dentro de uma sala de aula à esquerda, na hora “H”.
Ao que parecia, Pirraça vinha saltitando pelo corredor apregoando bom humor, rindo
de se acabar.
—
Ah, ele é horrível! — sussurrou Hermione, o ouvido encostado à porta. —
Aposto como está nessa excitação toda porque os dementadores vão
liquidar Sirius... — Ela tornou a consultar o relógio. — Três minutos,
Harry!
Os
garotos aguardaram a voz satisfeita de Pirraça sumir ao longe, então
abandonaram a sala e desataram a correr.
—
Hermione, que é que vai acontecer, se não conseguirmos voltar antes de
Dumbledore trancar a porta? — ofegou Harry.
—
Nem quero pensar! — gemeu Hermione, verificando novamente o relógio. — Um
minuto!
Os
dois tinham chegado ao fim do corredor em que ficava a entrada para a ala
hospitalar.
—
Ok... Estou ouvindo Dumbledore — disse Hermione tensa. — Vamos Harry!
Saíram
sorrateiramente pelo corredor A porta da enfermaria se abriu. Apareceram
as costas de Dumbledore.
—
Vou trancá-los — os garotos o ouviram dizer. — Faltam cinco minutos para a
meia-noite. Srta. Granger, três voltas devem bastar. Boa sorte.
Dumbledore
recuou para fora da enfermaria, fechou a porta e puxou a varinha para
trancá-la magicamente. Em pânico, Harry e Hermione correram ao seu
encontro.
Dumbledore
ergueu os olhos e apareceu um largo sorriso sob seus compridos bigodes
prateados.
—
Então? — perguntou ele baixinho.
—
Conseguimos! — disse Harry ofegante. — Sirius já foi, montado em Bicuço...
Dumbledore
sorriu radiante para os garotos.
—
Muito bem! Acho que... — Ele escutou atentamente para verificar se havia
algum ruído no interior da ala hospitalar. — É, acho que vocês também já
foram: entrem, vou trancá-los...
Harry
e Hermione entraram na enfermaria. Estava vazia exceto por Rony, que
continuava deitado imóvel na cama ao fundo. Ao ouvirem o clique da
fechadura, Harry e Hermione voltaram às suas camas, e a
garota guardou o Vira-Tempo,
dentro das vestes. Um instante depois, Madame Pomfrey saiu de sua sala.
—
Foi o diretor que eu ouvi saindo? Será que já posso cuidar dos meus
pacientes?
A
enfermeira estava muito mal-humorada. Harry e Hermione acharam melhor
aceitar o chocolate que ela trazia sem resistência.
Madame
Pomfrey ficou vigiando para ter certeza de que eles o comessem. Mas
Harry mal conseguia engolir. Ele e Hermione estavam esperando, escutavam,
os nervos vibrando desafinados...
Então,
quando aceitaram o quarto pedaço de chocolate de Madame Pomfrey, eles
ouviram ao longe o ronco de fúria que ecoava em algum ponto do andar
acima...
—
Que foi isso? — perguntou Madame Pomfrey assustada.
Agora
ouviam vozes raivosas, que iam se avolumando sem parar. A enfermeira tinha
os olhos na porta.
—
Francamente, vão acordar todo mundo! Que é que eles acham que estão
fazendo?
Harry
tentava ouvir o que as vozes diziam. Elas foram se aproximando...
—
Ele deve ter desaparatado, Severo. Devíamos ter deixado alguém na
sala vigiando. Quando isto vazar...
—
ELE NÃO DESAPARATOU! — vociferou Snape, agora muito próximo. — NÃO SE PODE
APARATAR NEM DESAPARATAR DENTRO DESTE CASTELO! ISTO... TEM... DEDO...
DO... POTTER!
—
Severo... Seja razoável... Harry está trancado...
PAM.
A
porta da ala hospitalar se escancarou.
Fudge,
Snape e Dumbledore entraram na enfermaria. Somente o diretor parecia
calmo. De fato, parecia que estava se divertindo. Fudge tinha uma
expressão zangada. Mas Snape estava fora de si.
—
DESEMBUCHE, POTTER! — berrou ele. — QUE FOI QUE VOCÊ FEZ?
—
Professor Snape! — protestou esganiçada Madame Pomfrey. — Controle-se!
—
Olhe aqui, Snape, seja razoável — ponderou Fudge. — A porta esteve
trancada, acabamos de constatar..
—
ELES AJUDARAM BLACK A ESCAPAR EU SEI! — berrou Snape, apontando para Harry
e Hermione. Seu rosto estava contorcido; voava cuspe de sua boca.
—
Acalme-se, homem! — ordenou Fudge. — Você está falando disparates!
—
O SENHOR NÃO CONHECE POTTER! — berrou Snape em falsete. — FOI ELE, EU SEI
QUE FOI ELE QUE FEZ ISSO...
—
Chega, Severo — disse Dumbledore em voz baixa. — Pense no que está
dizendo. A porta esteve trancada desde que deixei a enfermaria dez minutos
atrás. Madame Pomfrey, esses garotos
saíram da cama?
—
Claro que não! — respondeu Madame Pomfrey com eficiência. — Eu os teria
ouvido!
—
Aí está, Severo — disse Dumbledore calmamente. — A não ser que você esteja
sugerindo que Harry e Hermione sejam capazes de estar em dois
lugares ao mesmo tempo, receio que não haja sentido em continuar a
perturbá-los.
Snape
ficou parado ali, procurando, olhando de Fudge, que parecia extremamente
chocado com o procedimento do professor, para Dumbledore cujos olhos
cintilavam por trás dos óculos. Snape deu meia-volta, as vestes rodopiando
para trás, e saiu enfurecido da enfermaria.
—
O homem parece que é bem desequilibrado — disse Fudge, acompanhando-o com
o olhar. — Eu me precaveria se fosse você, Dumbledore.
—
Ah, ele não é desequilibrado — disse Dumbledore em voz baixa. — Apenas
sofreu um grave desapontamento.
—
Ele não é o único! — bufou Fudge. — O Profeta Diário vai ter um grande
dia! Tivemos Black encurralado e ele nos escapa entre os dedos outra vez!
Só falta agora a história da fuga do hipogrifo vazar, para eu virar motivo
de pilhérias! Bom... É melhor eu ir notificar o Ministério...
—
E os dementadores? — disse Dumbledore. — Serão retirados da escola, eu
espero.
—
Ah, claro, eles terão que se retirar — disse Fudge, passando os dedos,
distraidamente, pelos cabelos. — Nunca sonhei que tentariam executar o
beijo em um garoto inocente... Completamente descontrolado... Não,
mandarei despachá-los de volta a Azkaban ainda hoje à noite... Talvez
devêssemos estudar a colocação de dragões à entrada da escola...
—
Hagrid iria gostar — disse Dumbledore, sorrindo para Harry e
Hermione.
Quando o diretor e Fudge iam saindo do quarto,
Madame Pomfrey correu até a porta e tornou a trancá-la. E resmungando,
aborrecida, voltou à sua salinha.
Ouviu-se
um gemido baixo na outra ponta da enfermaria. Rony acordara. Eles o viram
sentar-se, esfregar a cabeça e olhar para todos os lados.
—
Que... Que aconteceu? — gemeu ele. — Harry? Por que estamos aqui? Onde é
que foi o Sirius? Onde é que foi o Lupin? Que está acontecendo?
Harry
e Hermione se entreolharam.
—
Você explica — pediu Harry, servindo-se de mais um pedaço de chocolate.
Quando
Harry, Rony e Hermione deixaram a ala hospitalar ao meio-dia do dia
seguinte, foi para encontrar um castelo quase deserto. O calor sufocante e
o fim dos exames sinalizavam que todos estavam aproveitando ao máximo mais
uma visita a Hogsmeade. Nem Rony nem Hermione, porém, tiveram vontade de
ir, assim, os dois e Harry perambularam pelos jardins, ainda
discutindo os acontecimentos extraordinários da noite anterior e se
perguntando onde estariam Sirius e Bicuço naquela hora. Sentados perto do lago,
observando a lula gigante agitar preguiçosamente seus tentáculos
à superfície das águas, Harry perdeu o fio da conversa contemplando
a margem oposta do lago. O cervo galopara em sua direção ali, ainda na
noite anterior...
Uma
sombra caiu sobre eles e, ao olharem, depararam com um Hagrid de olhos
muito vermelhos, enxugando o rosto úmido de suor com um lenço do tamanho
de uma toalha de mesa, e sorrindo para os três.
—
Sei que não devia me sentir feliz depois do que aconteceu ontem à noite —
disse ele. — Quero dizer, a nova fuga de Black e tudo o mais, mas
sabem de uma coisa?
—
O quê? — perguntaram os garotos em coro, fingindo curiosidade.
—
Bicuço! Ele fugiu! Está livre! Passei a noite toda festejando!
—
Que fantástico! — exclamou Hermione lançando a Rony um olhar de censura porque
ele parecia prestes a cair na risada.
—
É... Não devo ter amarrado ele direito — concluiu Hagrid, apreciando os
jardins. — Estive preocupado hoje de manhã, vejam bem... Achei que ele podia
ter topado com o Profº. Lupin por aí, mas o professor disse que não comeu
nada ontem à noite...
—
Quê? — perguntou Harry depressa.
—
Caramba, vocês não souberam? — disse Hagrid, o sorriso se desfazendo. Em
seguida, baixou a voz, ainda que não houvesse ninguém à vista.
— Hum... Snape anunciou para os alunos da Sonserina hoje de manhã... Achei
que, a essa altura, todo mundo já soubesse... O Profº. Lupin é Lobisomen, entendem. E esteve
solto na propriedade ontem à noite. Ele está fazendo as malas agora, é
claro.
—
Ele está fazendo as malas? — repetiu Harry alarmado. — Por quê?
—
Vai embora, não é? — disse Hagrid, parecendo surpreso que Harry tivesse
feito uma pergunta daquela. — Pediu demissão logo de manhã. Diz que não
pode arriscar que isto aconteça de novo.
Harry
levantou-se depressa.
—
Vou ver o professor — avisou a Rony e Hermione.
—
Mas se ele se demitiu...
—
... Parece que não há nada que a gente possa fazer...
—
Não faz diferença. Continuo querendo ver o professor. Encontro vocês aqui
depois.
A
porta da sala de Lupin estava aberta. O professor já guardara a maior parte
dos seus pertences. O tanque vazio do grindylow
estava ao lado de sua mala surrada, aberta e quase cheia. Lupin
curvava-se sobre alguma coisa em sua escrivaninha e ergueu a cabeça quando
Harry bateu na porta.
—
Vi-o chegando — disse Lupin com um sorriso. E apontou para o pergaminho
que estivera examinando. Era o Mapa
do Maroto.
—
Acabei de encontrar Hagrid — disse Harry. — E soube dele que o senhor
pediu demissão. Não é verdade, é?
—
Receio que seja. — Lupin começou a abrir as gavetas da escrivaninha e a
esvaziá-las.
—
Por quê? — perguntou Harry. — O Ministério da Magia não está achando que o
senhor ajudou Sirius, está?
Lupin
foi até a porta e fechou-a.
—
Não. O Profº. Dumbledore conseguiu convencer Fudge que eu estava tentando
salvar as vidas de vocês. — Ele suspirou. — Isso foi a gota d"água
para Severo. Acho que a perda da Ordem de Merlim o deixou muito abalado.
Então ele... Hum... Acidentalmente deixou escapar hoje, no café da manhã,
que eu era Lobisomen.
—
O senhor não está indo embora só por causa disso! — espantou-se Harry.
Lupin
sorriu enviesado.
—
Amanhã a essa hora, vão começar a chegar as corujas dos pais... Eles não vão
querer um Lobisomen ensinando a seus
filhos, Harry. E depois de ontem à noite, eu entendo. Eu poderia ter
mordido um de vocês... Isto não pode voltar a acontecer nunca mais.
—
O senhor é o melhor professor de Defesa contra as Artes das Trevas
que já tivemos! — disse Harry. — Não vá embora!
Lupin
sacudiu a cabeça e ficou calado. Continuou a esvaziar as gavetas. Então,
enquanto Harry tentava pensar em um bom argumento para convencê-lo a
ficar, Lupin falou:
—
Pelo que o diretor me contou hoje de manhã, vocês salvaram muitas vidas
ontem à noite, Harry. Se eu tenho orgulho de alguma coisa que fiz
este ano, foi o muito que você aprendeu comigo... Me conte sobre o
seu Patrono.
—
Como é que o senhor soube? — perguntou Harry espantado.
—
Que mais poderia ter afugentado os dementadores?
Harry
contou a Lupin o que acontecera. Quando terminou, o professor voltara a
sorrir.
—
É, seu pai se transformava sempre em cervo. Você acertou... É por isso que o
chamávamos de Pontas.
Lupin
jogou seus últimos livros em uma caixa, fechou as gavetas da escrivaninha
e virou-se para fitar Harry.
—
Tome, trouxe isto da Casa dos Gritos ontem à noite — disse, devolvendo a
Harry a Capa da Invisibilidade. — E... — ele hesitou e em seguida
devolveu o Mapa do Maroto
também. — Não sou mais seu professor, por isso não me sinto culpado por
lhe devolver isso também. Não serve para mim, e me arrisco a dizer que
você, Rony e Hermione vão encontrar utilidade para o mapa.
Harry
recebeu o mapa e sorriu.
—
O senhor me disse que Aluado, Rabicho, Almofadinhas e Pontas tinham
querido me atrair para fora da escola... O senhor disse que eles teriam
achado graça.
—
E teríamos — respondeu Lupin, abaixando-se para fechar a mala. — Não tenho
dúvida em afirmar que Tiago teria ficado muitíssimo desapontado se o
filho dele jamais descobrisse as passagens secretas para fora do castelo.
Ouviu-se
uma batida na porta. Harry guardou apressadamente o Mapa do Maroto e a Capa da Invisibilidade no bolso.
Era
o Profº. Dumbledore. Ele não pareceu surpreso de encontrar Harry ali.
—
O seu coche já está no portão, Remo — anunciou ele.
—
Obrigado, diretor.
Lupin
apanhou sua velha mala e o tanque vazio do grindylow.
—
Bom... Adeus, Harry — disse sorrindo. — Foi realmente um prazer ser seu
professor. Tenho certeza de que voltaremos a nos encontrar. Diretor,
não precisa me acompanhar até o portão, posso me arranjar...
Harry
teve a impressão de que Lupin queria sair o mais rápido possível.
—
Adeus, então, Remo — disse Dumbledore sério. Lupin empurrou ligeiramente o
tanque do grindylow para poder
apertar a mão de Dumbledore. Então, com um último aceno para Harry
e um breve sorriso, Lupin saiu da sala.
Harry
se sentou na cadeira desocupada, olhando tristemente para o chão. Ouviu a
porta se fechar e ergueu a cabeça. Dumbledore continuava na sala.
—
Por que tão infeliz, Harry? — perguntou em voz baixa. — Você deveria estar
se sentindo muito orgulhoso depois do que fez à noite passada.
—
Não fez nenhuma diferença — disse Harry com amargura. — Pettigrew
conseguiu fugir.
—
Não fez nenhuma diferença? — repetiu Dumbledore baixinho. — Fez toda a
diferença do mundo, Harry você ajudou a desvendar a verdade. Salvou um homem inocente
de um destino terrível.
Terrível.
A palavra despertou uma lembrança na cabeça de Harry. Maior e mais
terrível que nunca... A predição da Profª. Trelawney!
—
Profº. Dumbledore, ontem, quando eu estava fazendo o exame de Adivinhação,
a Profª. Trelawney ficou muito... Muito estranha.
—
Verdade? — disse o diretor. — Hum... Mais estranha do que de costume, você
quer dizer?
—
É... A voz dela engrossou e os olhos giraram e ela falou... que o
servo de Voldemort ia se juntar a ele antes da meia-noite... Disse que o
servo ia ajudá-lo a voltar ao poder. — Harry ergueu os olhos para
Dumbledore. — E então ela meio que voltou ao normal, mas não conseguiu se
lembrar de nada que tinha falado. Era... Ela estava fazendo uma predição
de verdade?
Dumbledore
pareceu levemente impressionado.
—
Sabe, Harry, acho que talvez estivesse — disse pensativo. — Quem teria
imaginado? Isso eleva para duas o total de predições verdadeiras que
ela já fez. Eu devia dar à professora um aumento de salário...
—
Mas... — Harry olhou, perplexo, para o diretor. Como é que Dumbledore
podia ouvir uma notícia dessas com tanta calma? — Mas... Eu impedi Sirius e o
Profº. Lupin de matarem Pettigrew! Assim vai ser minha culpa se Voldemort
voltar!
—
Não vai, não — disse Dumbledore em voz baixa. — A sua experiência com o Vira-Tempo não lhe ensinou nada, Harry?
As conseqüências de nossos atos são sempre tão complexas, tão
diversas, que predizer o futuro é uma tarefa realmente difícil... A Profª.
Trelawney, abençoada seja, é a prova viva disso... Você teve um gesto
muito nobre salvando a vida de Pettigrew...
—
Mas se ele ajudar Voldemort a voltar ao poder...
—
Pettigrew lhe deve a vida. Você mandou a Voldemort um emissário que está
em dívida com você... Quando um bruxo salva a vida de outro, forma-se
um certo vínculo entre os dois... E estarei muito enganado se
Voldemort aceitar um servo em dívida com Harry Potter.
—
Eu não quero ter nenhum vínculo com Pettigrew! — exclamou Harry. — Ele
traiu os meus pais!
—
Assim é a magia no que ela tem de mais profundo e impenetrável, Harry. Mas
confie em mim... Quem
sabe um dia você se alegrará por ter salvado a vida de Pettigrew.
Harry
não conseguiu imaginar quando seria isso. Dumbledore parecia ter
adivinhado o que o garoto estava pensando.
—
Conheci seu pai muito bem, tanto em Hogwarts quanto depois, Harry — disse
o diretor com carinho. — Tiago teria salvado Pettigrew também, tenho
certeza.
Harry
olhou para o diretor. Dumbledore não riria, podia lhe contar...
—
Ontem à noite, eu pensei que tinha sido o meu pai que tinha conjurado o
meu Patrono. Quero dizer, pensei que estava vendo ele quando me vi
atravessando o lago...
—
Um engano normal — disse Dumbledore gentilmente. — Imagino que já esteja
cansado de ouvir dizer, mas você é extraordinariamente parecido com Tiago.
Exceto nos olhos... Você tem os olhos de sua mãe.
Harry
sacudiu a cabeça.
—
Foi burrice minha pensar que era ele — murmurou o garoto. — Quero dizer,
eu sei que ele está morto.
—
Você acha que os mortos que amamos realmente nos deixam? Você acha que não nos
lembramos deles ainda mais claramente em momentos de grandes dificuldades?
O seu pai vive em você, Harry, e se revela mais claramente quando
você precisa dele. De que outra forma você poderia produzir aquele
Patrono? Pontas reapareceu ontem à noite.
Levou
um momento para Harry compreender o que Dumbledore acabara de dizer.
—
Ontem à noite Sirius me contou como eles se tornaram Animagos — disse o
diretor sorrindo. — Uma realização fantástica, e não é menos
fantástico que tenham ocultado isso de mim. Então me lembrei da forma
muito incomum que o seu Patrono assumiu, quando investiu contra o Sr.
Malfoy na partida de Quadribol contra Corvinal. Sabe, Harry, de certa forma você realmente
viu o seu pai ontem à noite... Você o encontrou dentro de si mesmo.
E
Dumbledore saiu da sala deixando Harry com seus pensamentos muito
confusos.
Ninguém
em Hogwarts sabia a verdade do que acontecera na noite em que Sirius,
Bicuço e Pettigrew desapareceram, exceto Harry, Rony, Hermione e o Profº.
Dumbledore.
À
medida que o trimestre foi chegando ao fim, Harry ouviu muitas
teorias diferentes sobre o que realmente acontecera, mas nenhuma delas
sequer se aproximava da verdadeira.
Malfoy
estava enfurecido com a fuga de Bicuço. Acreditava que Hagrid encontrara
um jeito de contrabandear o hipogrifo para um lugar seguro, e parecia
indignado que ele e o pai tivessem sido enganados por um guarda-caça.
Entrementes, Percy Weasley tinha muito a dizer sobre a fuga de Sirius.
—
Se eu conseguir entrar para o ministério, apresentarei várias propostas
sobre a execução das leis da magia! — disse ele à única pessoa que queria
escutá-lo, sua namoradinha Penelope.
Embora
o tempo estivesse perfeito, embora a atmosfera estivesse tão animada,
embora ele soubesse que tinham realizado quase o impossível ao ajudar
Sirius a continuar livre, Harry jamais chegara tão desanimado a um final
de ano letivo.
Com
certeza não era o único aluno que lamentava a partida do Profº. Lupin. A
turma inteira de Defesa contra as Artes das Trevas amargara a demissão do
professor.
—
Quem será que vão nos dar o ano que vem? — perguntou Simas Finnigan
deprimido.
—
Quem sabe um vampiro — sugeriu Dino Thomas esperançoso.
Não
era apenas a partida do Profº. Lupin que estava pesando na cabeça de
Harry. Ele não podia deixar de pensar, e muito, na predição da Profª.
Sibila Trelawney.
Ficava
imaginando onde estaria Pettigrew, se já teria procurado guarida com
Voldemort. Mas o que mais deprimia o ânimo de Harry era a perspectiva de
regressar à casa dos Dursley. Durante talvez meia hora, uma gloriosa meia
hora, acreditara que iria passar a morar com Sirius... O melhor amigo dos
seus pais... Seria a segunda melhor coisa do mundo depois de ter o
seu pai de volta. E ainda que não ter notícias de Sirius Black fosse
decididamente uma boa notícia, pois significava que ele conseguira se
esconder com sucesso, Harry não podia deixar de se entristecer quando
pensava no lar que poderia ter tido e na circunstância de isso ter se
tornado impossível.
Os
resultados dos exames foram divulgados no último dia do ano letivo. Harry,
Rony e Hermione tinham passado em todas as matérias. Harry se admirou de
ter se dado bem em
Poções. Suspeitava , muito perspicazmente, que
Dumbledore talvez tivesse interferido para impedir Snape de reprová-lo de
propósito.
O
comportamento de Snape com relação a Harry na última semana tinha sido
alarmante. O garoto não teria achado possível que a aversão do professor
por ele pudesse aumentar, mas sem dúvida isto acontecera. Um músculo
tremia incomodamente no canto da boca fina de Snape toda vez que ele
olhava para Harry, e o bruxo flexionava os dedos todo o tempo, como
se eles comichassem para apertar o pescoço de Harry.
Percy
conseguira excelentes notas nos exames de N.I.E.M.’s (níveis incrivelmente
exaustivos em magia); Fred e Jorge passaram raspando nos exames para obter
seus N.O.M.s (níveis ordinários em magia). Entrementes, a casa de
Grifinória, em grande parte graças ao seu espetacular desempenho na
conquista da Taça de Quadribol, ganhara o Campeonato das Casas, pelo terceiro
ano consecutivo.
Isto
significou que a festa de encerramento do ano letivo se realizou em meio a
decorações vermelhas e douradas, e que, na comemoração geral, a mesa da
Grifinória foi a mais barulhenta do Salão. Até Harry enquanto comia,
bebia, conversava e ria com todos, conseguira esquecer a viagem de
regresso à casa dos Dursley no dia seguinte.
Quando
o Expresso de Hogwarts deixou a estação na manhã seguinte, Hermione
comunicou a Harry e a Rony uma notícia surpreendente.
—
Fui ver a Profª. McGonagall hoje de manhã, pouco antes do café. Resolvi
abandonar Estudos dos Trouxas.
—
Mas você passou na prova com trezentos e vinte por cento! — exclamou Rony.
—
Eu sei — suspirou Hermione —, mas não vou poder viver outro ano igual a
este. Aquele Vira-Tempo estava me
levando à loucura. Eu o devolvi. Sem Estudos dos Trouxas e
Adivinhação, vou poder ter um horário normal outra vez.
—
Ainda não consigo acreditar que você não tenha nos contado. Pensávamos que
éramos seus amigos.
—
Prometi que não contaria a ninguém — disse Hermione com severidade.
Ela
se virou para olhar para Harry, que observava Hogwarts desaparecer de
vista por trás de um morro. Dois meses inteiros até poder revê-la...
—
Ah, se anima, Harry! — disse Hermione triste.
—
Eu estou bem — se apressou o garoto a dizer. — Estou só pensando nas
férias.
—
É, eu também tenho pensado nelas — disse Rony. — Harry você tem que vir
ficar conosco. Vou combinar com mamãe e papai, depois te ligo. Agora já
sei usar um feletone...
—
Um telefone, Rony — corrigiu-o Hermione. — Sinceramente, você é quem devia
fazer Estudos dos Trouxas no ano que vem...
Rony
fingiu que não tinha ouvido o comentário.
—
Vai haver a Copa Mundial de Quadribol agora no verão! Que é que você acha,
Harry? Vem ficar com a gente e aí podemos assistir aos jogos! Papai geralmente
arranja entradas no ministério.
Esta
proposta teve o efeito de animar Harry bastante.
—
É.. Aposto que os Dursley iriam gostar que eu fosse, principalmente depois
do que fiz com a tia Guida...
Sentindo-se
bem mais alegre, Harry jogou várias partidas de Snap Explosivo com Rony e
Hermione e, quando a bruxa com a carrocinha de lanches chegou,
ele comprou uma enorme refeição, mas nada que tivesse chocolate.
Mas
a tarde já ia avançada quando aconteceu a coisa que o deixou realmente
feliz...
—
Harry — chamou-o Hermione de repente, espiando por cima do seu ombro. —
Que é essa coisa do lado de fora da sua janela?
Harry
se virou para olhar. Havia uma coisa muito pequena e cinzenta que aparecia
e desaparecia de vista do lado de fora da janela.
Ele
se levantou para ver melhor e concluiu que era uma coruja minúscula,
carregando uma carta demasiado grande para o seu tamanho. A coruja era tão
pequena, na realidade, que não parava de dar cambalhotas no ar,
impelida para cá e para lá pelo deslocamento de ar do trem. Harry baixou
depressa a janela, esticou o braço e recolheu-a.
Ao
tato, ela lembrava um pomo de ouro muito fofo. O garoto recolheu a
coruja cuidadosamente pra dentro. A ave deixou cair a carta no banco e
começou a voar pela cabine dos garotos, aparentemente muito
satisfeita consigo mesma por ter se desincumbido de sua tarefa. Edwiges
deu um estalo com o bico numa espécie de digna censura. Bichento se
aprumou no assento, acompanhando a coruja com os seus enormes olhos
amarelos.
Rony,
reparando nisso, segurou a coruja para protegê-la do perigo iminente.
Harry
apanhou a carta. Vinha endereçada a ele. O garoto abriu a carta e gritou:
—
É do Sirius!
—
Quê? — exclamaram Rony e Hermione excitados. — Leia em voz alta!
Caro Harry,
Espero que esta o
encontre antes de você chegar à casa dos seus tios. Não sei se eles estão
acostumados com correios-coruja.
Bicuço e eu estamos
escondidos. Não vou lhe dizer onde, caso esta coruja caia em mãos
indesejáveis. Tenho minhas dúvidas se ela é confiável, mas foi a melhor
que consegui encontrar e me pareceu ansiosa para se encarregar da
entrega.
Acredito que os
dementadores ainda estejam me procurando, mas eles não têm a menor
esperança de me encontrar aqui. Estou planejando deixar os trouxas me
verem em breve, muito longe de Hogwarts, de modo que a segurança sobre o
castelo seja relaxada.
Há uma coisa que não
cheguei a lhe dizer durante o nosso breve encontro. Fui eu que lhe mandei
a Firebolt...
—
Ah! — exclamou Hermione triunfante. — Estão vendo! Eu disse a vocês que
tinha sido ele!
É,
mas ele não tinha enfeitiçado a vassoura, tinha? — retrucou Rony. — Ai! —
A corujinha, agora piando feliz em sua mão, bicava-lhe um dedo, no que
parecia ser uma demonstração de carinho.
...Bichento levou a
ordem de compra à Agência-Coruja para mim.
Usei o seu nome, mas
mandei sacarem o ouro do meu cofre em Gringotes. Por favor, considere a
vassoura o equivalente a treze anos de presentes do seu padrinho.
Gostaria também de me
desculpar pelo susto que lhe dei àquela noite, no ano passado, quando
você abandonou a casa do seu tio. Minha esperança era apenas dar uma
olhada em você antes de iniciar viagem para o norte, mas acho que a minha
aparição o assustou.
Estou anexando outro
presente para você, e acho que ele tornará o seu próximo ano em Hogwarts mais
prazeroso.
Se algum dia precisar de
mim, mande me dizer. Sua coruja me encontrará.
Escreverei novamente em
breve.
Sirius.
Harry
espiou ansioso dentro do envelope. Havia outro pedaço de pergaminho.
Examinou-o depressa e se sentiu inesperadamente aquecido e satisfeito como
se tivesse bebido uma garrafa de cerveja amanteigada quente, de um gole
só.
“Pela presente, eu,
Sirius Black, padrinho de Harry Potter, dou-lhe permissão para visitar
Hogsmeade nos fins de semana”.
—
Dumbledore vai aceitar esta autorização! — exclamou Harry alegremente. O
garoto tornou a olhar para a carta de Sirius.
Espera
aí, tem um P.S.
“Achei que o seu amigo
Rony talvez quisesse ficar com a coruja, pois é minha culpa que ele não
tenha mais um rato”.
Os
olhos de Rony se arregalaram. A corujinha continuava a piar agitada.
—
Ficar com a coruja? — perguntou o garoto hesitante. Ele mirou a ave um
momento; depois, para grande surpresa de Harry e Hermione, ofereceu-a para
Bichento cheirar.
—
Qual é a sua avaliação? — perguntou Rony ao gato. — Isto é decididamente
uma coruja?
Bichento
ronronou.
—
Para mim é o suficiente — disse Rony feliz. — É minha.
Harry
leu e releu a carta de Sirius até a estação de King's Cross. E continuava
a apertá-la na mão quando ele, Rony e Hermione passaram a barreira da
plataforma 9 e ½. Harry localizou o tio Válter imediatamente. Estava
parado a uma boa distância do Sr. e da Sra. Weasley, espiando-os
desconfiado, e, quando a Sra. Weasley abraçou Harry, as piores
suspeitas do tio a respeito do casal pareceram se confirmar.
—
Eu ligo para falar da Copa Mundial! — gritou Rony para Harry quando o
amigo acenou um adeus para ele e Hermione, e saiu empurrando o carrinho
com sua mala e a gaiola de Edwiges em direção ao tio, que o cumprimentou
da maneira habitual.
—
Que é isso? — rosnou, olhando para o envelope que Harry ainda segurava na
mão. — Se é outro formulário para eu assinar, pode tirar o cavalinho...
—
Não é, não — respondeu Harry alegremente. — É uma carta do meu padrinho.
—
Padrinho? — engasgou o tio Válter. — Você não tem padrinho!
—
Tenho, sim — respondeu Harry animado. — Era o melhor amigo da minha mãe e
do meu pai. E é um assassino condenado, mas fugiu da prisão dos
bruxos e está foragido. Mas ele gosta de manter contato comigo... Saber
das minhas notícias... Verificar se estou feliz...
E,
abrindo um largo sorriso ao ver a cara de horror do tio Válter, Harry
rumou para a saída da estação, Edwiges chocalhando à frente, para o que
prometia ser um verão muito melhor do que o anterior.
FIM.
Nenhum comentário:
Postar um comentário