CAPÍTULO DEZESSETE
Gato, Rato e Cão
A cabeça de Harry se esvaziou com o choque. Os três garotos ficaram paralisados de horror sob a Capa da Invisibilidade. Os últimos raios do sol poente lançavam uma claridade sangrenta sobre os imensos campos sombrios da escola. Então, atrás deles, os garotos ouviram um uivo selvagem.
— Hagrid — murmurou Harry. E, sem pensar no que estava fazendo, fez menção de dar meia-volta, mas Rony e Hermione o seguraram pelos braços.
— Não podemos — disse Rony, que estava branco como uma folha de papel. — Hagrid vai ficar numa situação muito pior se souberem que fomos à casa dele...
A respiração de Hermione estava rasa e desigual.
— Como... Puderam... Fazer... Isso? — engasgou-se a garota. — Como puderam?
— Vamos — disse Rony, cujos dentes davam a impressão de estar batendo.
Os três voltaram ao castelo, andando devagar, para se manter escondidos sob a capa. A claridade ia desaparecendo depressa agora.
Quando chegaram à área ajardinada, a escuridão desceu, como por encanto, a toda volta.
— Perebas, fica quieto — sibilou Rony, apertando a mão contra o peito. O rato se debatia, enlouquecido. Rony parou de repente, tentando empurrá-lo para o fundo do bolso. — Que é que há com você, seu rato burro? Fica parado aí... AI! Ele me mordeu!
— Rony, fica quieto! — cochichou Hermione com urgência. — Fudge vai nos alcançar em um minuto...
— Ele não quer.. Ficar... Parado...
Perebas estava visivelmente aterrorizado. Contorcia-se com todas as suas forças, tentando se desvencilhar da mão de Rony.
— Que é que há com ele?
Mas Harry acabara de ver, esquivando-se em direção ao grupo, o corpo colado no chão, grandes olhos amarelos que brilhavam lugubremente no escuro, Bichento.
Se podia vê-los ou se estava seguindo os guinchos de Perebas, Harry não saberia dizer.
— Bichento! — gemeu Hermione. – Não! Vai embora, Bichento! Vai embora!
Mas o gato se aproximava sempre mais...
— Perebas... NÃO!
Tarde demais, o rato escorregou por entre os dedos apertados de Rony, bateu no chão e fugiu precipitadamente. De um salto, Bichento saiu em seu encalço, e antes que Harry ou Hermione pudessem detê-lo, Rony arrancara a Capa da Invisibilidade e se arremessava pela escuridão.
— Rony — gemeu Hermione.
Ela e Harry se entreolharam e correram atrás do amigo; era impossível correr com desenvoltura com a capa por cima; arrancaram-na e ela ficou voando para trás como uma bandeira, quando os dois saíram desabalados atrás de Rony; ouviram os passos dele à frente e seus gritos para Bichento.
— Fique longe dele... Fique longe... Perebas, volta aqui...
Ouviu-se um baque sonoro.
— Te peguei! Dá o fora, seu gato fedorento...
Harry e Hermione quase caíram em cima de Rony; pararam derrapando diante dele. O amigo estava esparramado no chão, mas Perebas já estava de volta ao bolso;
Rony apertava com as duas mãos um calombo trepidante.
— Rony... Vamos... Volta para baixo da capa... — ofegou Hermione.
— Dumbledore... O ministro... Eles vão voltar para o castelo já, já...
Mas antes que pudessem se cobrir outra vez, antes que pudessem sequer recuperar o fôlego, eles ouviram o ruído macio de patas gigantescas. Algo estava saltando da escuridão em sua direção, um enorme cão negro de olhos claros.
Harry tentou pegar a varinha, mas tarde demais, o cão investira dando um enorme salto, e suas patas dianteiras atingiram o garoto no peito; Harry caiu para trás num redemoinho de pêlos; sentiu o hálito quente do animal, viu seu dente de mais de dois centímetros...
Mas a força do salto impelira o cão longe demais; ultrapassara Harry. Aturdido, com a sensação de que suas costelas tinham quebrado, o garoto tentou se levantar; ouviu o cão rosnar e derrapar se posicionando para um novo ataque.
Rony estava de pé. Quando o cão saltou contra os dois, ele empurrou Harry para o lado; e, em vez de Harry, as mandíbulas do bicho abocanharam o braço estendido de Rony. Harry se atirou para cima dele, agarrou uma mão cheia de pêlos do cão, mas o bruto foi arrastando Rony para longe com a facilidade com que arrastaria uma boneca de trapos...
Então, ele não viu de onde, uma coisa atingiu seu rosto com tanta força que ele foi novamente derrubado no chão. Harry ouviu Hermione gritar de dor e cair também. O menino tateou à procura de sua varinha, piscando para limpar o sangue dos olhos...
— Lumus!— sussurrou.
A luz produzida pela varinha mostrou-lhe um grosso tronco de árvore; tinham corrido atrás de Perebas até a sombra do Salgueiro Lutador, cujos ramos estalavam como se estivessem sendo açoitados por um forte vento, avançavam e recuavam para impedir os garotos de se aproximarem.
E ali, na base do tronco, o cão arrastava Rony para dentro de um grande buraco entre as raízes — o garoto lutava furiosamente, mas sua cabeça e seu tronco foram desaparecendo de vista...
— Rony! — gritou Harry, tentando segui-lo, mas um pesado galho chicoteou ameaçadoramente o ar e ele foi forçado a recuar.
Agora estava visível apenas uma das pernas de Rony, que ele enganchara em torno de uma raiz na tentativa de impedir o cão de arrastá-lo mais para o fundo da terra, mas um estampido terrível cortou o ar feito um tiro; a perna de Rony se partiu e um instante depois, seu pé desaparecera de vista.
— Harry... Temos que procurar ajuda... — gritou Hermione; ela também sangrava; o salgueiro a cortara na altura dos ombros.
— Não! Aquela coisa é bastante grande para comer Rony; não temos tempo...
— Harry nunca vamos conseguir entrar sem ajuda...
Mais um galho desceu como um chicote em sua direção, os raminhos curvados como articulações de dedos.
— Se aquele cão pôde entrar, nós também podemos, ofegou Harry, correndo para um lado e para outro, tentando encontrar uma brecha entre os galhos que varriam com violência o ar, mas não podia se aproximar nem mais um centímetro das raízes da árvore sem ficar ao alcance dos golpes que ela desferia.
— Ah, socorro, socorro — murmurava freneticamente Hermione, dançando no mesmo lugar —, por favor...
Bichento disparou adiante dos garotos. Deslizou por entre os galhos agressores como uma cobra e colocou as patas dianteiras sobre um nó que havia no tronco.
Abruptamente, como se a árvore tivesse se transformado em pedra, ela parou de se movimentar. Sequer uma folha virava ou sacudia.
— Bichento! — sussurrou Hermione insegura. Ela agora apertava o braço de Harry com tanta força que provocava dor. — Como é que ele sabia...?
— Ele é amigo daquele cão — respondeu Harry, sombriamente. — Já os vi juntos. Vamos... E mantenha a varinha na mão...
Os dois venceram a distância até o tronco em segundos, mas antes que pudessem alcançar o buraco nas raízes, Bichento deslizara para dentro com um aceno do seu rabo de escovinha. Harry entrou em seguida; avançou arrastando-se, a cabeça à frente, e escorregou por uma descida de terra até o leito de um túnel muito baixo.
Bichento ia mais adiante, os olhos faiscando à luz da varinha de Harry.
Segundos depois, Hermione escorregou para junto do garoto.
— Onde é que foi o Rony? — sussurrou ela com terror na voz.
— Por ali — respondeu Harry, caminhando, curvado, atrás de Bichento.
— Onde é que vai dar esse túnel? — perguntou Hermione, ofegante.
— Eu não sei... Está marcado no Mapa do Maroto, mas Fred e Jorge disseram que ninguém nunca tinha entrado. Ele continua para fora do mapa, mas parecia que ia em direção a Hogsmeade...
Os garotos caminharam o mais rápido que puderam, quase dobrados em dois; à frente, o rabo de Bichento entrava e saía do seu campo de visão. E a passagem não tinha fim; dava a impressão de ser no mínimo tão longa quanto a que levava à Dedosdemel. Harry só conseguia pensar em Rony e no que aquele canzarrão podia estar fazendo com o seu amigo... Ele respirava em arquejos curtos e dolorosos, correndo agachado... E então o túnel começou a subir; momentos depois se virou e Bichento tinha desaparecido. Em vez do gato, Harry viu um espaço mal iluminado por meio de uma pequena abertura.
Ele e Hermione pararam, procurando recuperar o fôlego, depois avançaram cautelosamente. Os dois ergueram as varinhas para ver o que havia além.
Era um quarto, muito desarrumado e poeirento. O papel descascava das paredes; havia manchas por todo o chão; cada móvel estava quebrado como se alguém o tivesse atacado. As janelas estavam vedadas com tábuas.
Harry olhou para Hermione, que parecia muito amedrontada, mas concordou com um aceno de cabeça.
Harry saiu pelo buraco, olhando para todos os lados. O quarto estava deserto, mas havia uma porta aberta à direita, que levava a um corredor sombrio. Hermione, de repente, tornou a agarrar o braço de Harry. Seus olhos arregalados percorreram as janelas vedadas.
— Harry — cochichou ela —, acho que estamos na Casa dos Gritos.
Harry olhou a toda volta. Seus olhos se detiveram em uma cadeira de madeira, próxima. Havia grande pedaços partidos; uma das pernas fora inteiramente arrancada.
— Fantasmas não fazem isso — comentou ele calmamente. Naquele momento, os dois ouviram um rangido no alto. Alguma coisa se mexera no andar de cima. Os dois olharam para o teto. Hermione apertava o braço de Harry com tanta força que ele estava perdendo a sensibilidade nos dedos. O garoto ergueu as sobrancelhas para ela; Hermione concordou outra vez e soltou-o.
O mais silenciosamente que puderam, os dois saíram para o corredor e subiram uma escada desmantelada. Tudo estava coberto por uma espessa camada de poeira, exceto o chão, onde uma larga faixa brilhante fora aparentemente limpa por uma coisa arrastada para o primeiro andar.
Eles chegaram ao patamar escuro.
— Nox — sussurraram ao mesmo tempo, e as luzes nas pontas de suas varinhas se apagaram. Havia apenas uma porta aberta.
Ao se esgueirarem nessa direção, ouviram um movimento atrás da porta; um gemido baixo e em seguida um ronronar alto e grave.
Eles trocaram um último olhar e um último aceno de cabeça.
A varinha empunhada com firmeza à frente, Harry escancarou a porta com um chute.
Numa imponente cama de colunas, com cortinas empoeiradas, encontrava-se Bichento, que ronronou alto ao vê-los. No chão ao lado do gato, agarrando a perna estendida num ângulo estranho, encontrava-se Rony.
Harry e Hermione correram para o amigo.
— Rony... Você está bem?
— Onde está o cão?
— Não é um cão — gemeu Rony. Seus dentes rilhavam de dor. — Harry é uma armadilha...
— Que...
— Ele é o cão... Ele é um Animago...
Rony olhava fixamente por cima do ombro de Harry. Este se virou depressa. Com um estalo, o homem nas sombras fechou a porta do quarto.
Uma massa de cabelos imundos e embaraçados caíam até seus cotovelos. Se seus olhos não estivessem brilhando em órbitas fundas e escuras, ele poderia ser tomado por um cadáver. A pele macilenta estava tão esticada sobre os ossos do rosto, que ele lembrava uma caveira. Os dentes amarelos estavam arreganhados num sorriso.
Era Sirius Black.
— Expelliarmus! — disse com voz rouca, apontando a varinha de Rony para os garotos.
As varinhas de Harry e Hermione saíram voando de suas mãos e Black as recolheu. Então se aproximou. Seus olhos estavam fixos em Harry.
— Achei que você viria ajudar seu amigo. — A voz dava a impressão de que havia muito tempo ele perdera o hábito de usá-la. — Seu pai teria feito o mesmo por mim. Foi muita coragem não correr à procura de um professor. Fico agradecido... Vai tornar as coisas muito mais fáceis...
A referência sarcástica ao seu pai ecoou nos ouvidos de Harry como se Black a tivesse gritado. Um ódio escaldante explodiu em seu peito, não deixando lugar para o medo. Pela primeira vez na vida ele desejou ter a varinha nas mãos, não para se defender, mas para atacar... Para matar. Sem saber o que estava fazendo, começou a avançar, mas percebeu um movimento repentino de cada lado do seu corpo e dois pares de mãos o puxaram e o mantiveram parado.
— Não, Harry! — exclamou Hermione num sussurro petrificado; Rony, porém, se dirigiu a Black.
— Se você quiser matar Harry, terá que nos matar também! — disse impetuosamente, embora o esforço de ficar de pé tivesse acentuado sua palidez e ele oscilasse um pouco ao falar.
Alguma coisa brilhou nos olhos sombrios de Black.
— Deite-se — disse brandamente a Rony. — Você vai piorar a fratura nessa perna.
— Você me ouviu? — disse Rony com a voz fraca, embora se apoiasse dolorosamente em Harry para se manter de pé. — Você vai ter que matar os três!
— Só vai haver uma morte aqui hoje à noite — disse Black, e seu sorriso se alargou.
— Por quê? — perguntou Harry com veemência, tentando se desvencilhar de Rony e Hermione. — Você não se importou com isso da última vez, não foi mesmo? Não se importou de matar aqueles trouxas todos para atingir Pettigrew... Que foi que houve, amoleceu em Azkaban?
— Harry! — choramingou Hermione. — Fica quieto!
— ELE MATOU MINHA MÃE E MEU PAI! — bradou Harry, com grande esforço, se desvencilhou de Hermione e Rony que o retinham pelos braços, e avançou...
Harry esquecera a magia, esquecera que era baixo e magricela e tinha treze anos, enquanto Black era um homem alto e adulto, ele só sabia que queria ferir Black da maneira mais horrível que pudesse e não se importava se fosse ferido também...
Talvez fosse o choque de ver Harry fazer uma coisa tão idiota, mas Black não ergueu as varinhas em tempo. Uma das mãos de Harry segurou seu pulso magro, forçando as pontas das varinhas para baixo; o punho de sua outra mão atingiu o lado da cabeça de Black e os dois caíram de costas contra a parede...
Hermione gritava; Rony berrava; houve um relâmpago ofuscante quando as varinhas na mão de Black emitiram um jorro de fagulhas no ar que, por centímetros, não atingiu o rosto de Harry.
O garoto sentiu o braço magro sob seus dedos se torcer furiosamente, mas continuou a segurá-lo, a outra mão socando cada parte do corpo de Black que conseguia alcançar.
Mas a mão livre de Black encontrou a garganta de Harry...
— Não — sibilou ele. — Esperei tempo demais...
Seus dedos intensificaram o aperto, Harry ficou sem ar, seus óculos entortaram no rosto.
Então ele viu o pé de Hermione, vindo não sabia de onde, erguer-se no ar. Black largou Harry com um gemido de dor; Rony se atirara sobre a mão com que Black segurava as varinhas e Harry ouviu uma batida leve...
Ele lutou para se livrar dos corpos embolados e viu sua varinha rolando pelo chão; atirou-se para ela mas...
— Arre!
Bichento entrara na briga; o par dianteiro de garras se enterrou fundo no braço de Harry; o garoto se soltou, mas agora o gato corria para sua varinha...
— NÃO VAI NÃO! — berrou Harry, e mirou um pontapé no gato que o fez saltar para o lado, bufando; o garoto agarrou a varinha, virou-se e...
— Saiam da frente! — gritou para Rony e Hermione.
Não foi preciso falar duas vezes. Hermione, ofegante, a boca sangrando, atirou-se para o lado, ao mesmo tempo em que recuperava as varinhas dela e de Rony. O garoto arrastou-se até a cama de colunas e largou-se sobre ela, arquejante, o rosto pálido agora se tingindo de verde, as mãos segurando a perna quebrada.
Black estava esparramado junto à parede. Seu peito magro subia e descia rapidamente enquanto observava Harry se aproximar devagar, a varinha apontada para o seu coração.
— Vai me matar, Harry? — murmurou ele.
O garoto parou bem em cima de Black, a varinha ainda apontada para o seu coração, encarando-o do alto. Um inchaço pálido surgia em torno do olho esquerdo do homem e seu nariz sangrava.
— Você matou meus pais — acusou-o Harry, com a voz ligeiramente trêmula, mas a mão segurando a varinha com firmeza.
Black encarou-o com aqueles olhos fundos.
— Não nego que matei — disse muito calmo. — Mas se você soubesse da história completa...
— A história completa? — repetiu Harry, os ouvidos latejando furiosamente. — Você vendeu meus pais a Voldemort. É só isso que preciso saber.
— Você tem que me ouvir — disse Black, e havia agora uma urgência em sua voz. — Você vai se arrepender se não me ouvir.... Você não compreende...
— Compreendo muito melhor do que você pensa — disse Harry, e sua voz tremeu mais que nunca. — Você nunca a ouviu, não é? Minha mãe... Tentando impedir Voldemort de me matar... E foi você que fez aquilo... Você é que fez...
Antes que qualquer dos dois pudesse dizer outra palavra, uma coisa alaranjada passou correndo por Harry; Bichento saltou para o peito de Black e se sentou ali, bem em cima do coração. O homem pestanejou e olhou para o gato.
— Saia daí — murmurou o homem, tentando empurrar Bichento para longe.
Mas o gato enterrou as garras nas vestes de Black e não se mexeu.
Então virou a cara amassada e feia para Harry e encarou-o com aqueles grandes olhos amarelos... À sua direita, Hermione soltou um soluço seco.
Harry encarou Black e Bichento, apertando com mais força a varinha na mão. E daí se tivesse que matar o gato também? O bicho estava mancomunado com Black...
Se estava disposto a morrer para proteger o homem, não era de sua conta... Se o homem queria salvá-lo, isso só provava que se importava mais com Bichento do que com os pais de Harry...
O garoto ergueu a varinha. Agora era o momento de agir. Agora era o momento de vingar seu pai e sua mãe. Ia matar Black.
Tinha que matar Black. Era a sua chance...
Os segundos se alongaram. E Harry continuou paralisado ali, com a varinha em posição, Black olhando para ele, com Bichento sobre o peito.
Ouvia-se a penosa respiração de Rony próximo à cama; Hermione guardava silêncio. Então ouviu-se um novo ruído...
Passos abafados ecoaram pelo chão, alguém estava andando no andar de baixo.
— ESTAMOS AQUI EM CIMA! — gritou Hermione de repente.
— ESTAMOS AQUI EM CIMA... SIRIUS BLACK... DEPRESSA!
Black fez um movimento assustado que quase desalojou — Bichento; Harry apertou convulsivamente a varinha. “Aja agora disse uma voz em sua cabeça”. Mas os passos reboavam escada acima e Harry ainda não agira.
A porta do quarto se escancarou com um jorro de faíscas vermelhas e Harry se virou na hora em que o Profº. Lupin irrompeu no quarto, seu rosto exangue, a varinha erguida e pronta. Seus olhos piscaram ao ver Rony, deitado no chão, Hermione encolhida perto da porta, Harry parado ali com a varinha apontada para Black, e o próprio Black, caído e sangrando aos pés do garoto.
— Expelliarmus!— gritou Lupin.
A varinha de Harry voou mais uma vez de sua mão; as duas que Hermione segurava também. Lupin apanhou-as agilmente e avançou pelo quarto, olhando para Black, que ainda tinha Bichento deitado numa atitude de proteção sobre seu peito.
Harry ficou parado ali, sentindo-se subitamente vazio. Não agira. Faltara-lhe a coragem. Black ia ser entregue aos dementadores.
Então Lupin perguntou com a voz muito tensa.
— Onde é que ele está, Sirius?
Harry olhou depressa para Lupin. Não entendeu o que o professor queria dizer. De quem estava falando? Virou-se para olhar Black outra vez.
O rosto do homem estava impassível. Por alguns segundos Black nem se mexeu. Depois, muito lentamente, ergueu a mão vazia e apontou para Rony. Aturdido, Harry se virou para Rony, que por sua vez parecia confuso.
— Mas, então... — murmurou Lupin, encarando Black com tal intensidade que parecia estar tentando ler sua mente — por que ele não se revelou antes? A não ser que... — os olhos de Lupin se arregalaram, como se estivesse vendo alguma coisa além de Black, alguma coisa que mais ninguém podia ver — a não ser que ele fosse o... A não ser que você tivesse trocado... Sem me dizer?
Muito lentamente, com o olhar fundo cravado no rosto de Lupin, Black confirmou com um aceno de cabeça.
— Professor — interrompeu Harry, em voz alta —, que é que está acontecendo...?
Mas nunca chegou a terminar a pergunta, porque o que viu fez sua voz morrer na garganta. Lupin estava baixando a varinha, os olhos fixos em Black. O professor foi até Black, apanhou a varinha dele, levantou-o de modo que Bichento caiu no chão e abraçou Black como a um irmão.
Harry sentiu como se o fundo do seu estômago tivesse despencado.
— EU NÃO ACREDITO! — berrou Hermione.
Lupin soltou Black e se virou para a garota. Ela se erguera do chão e estava apontando para Lupin, de olhos arregalados.
— O senhor... O senhor...
— Hermione...
— ... O senhor e ele!
— Hermione se acalme...
— Eu não contei a ninguém! — esganiçou-se a garota. — Tenho encoberto o senhor...
— Hermione, me escute, por favor! — gritou Lupin. — Posso explicar...
Harry sentia o corpo tremer, não com medo, mas com uma nova onda de fúria.
— Eu confiei no senhor — gritou ele para Lupin, sua voz se descontrolando —, e o tempo todo o senhor era amigo dele!
— Você está enganado — disse Lupin. — Eu não era amigo de Sirius, mas agora sou... Deixe-me explicar..
— NÃO! — berrou Hermione. — Harry não confie nele, ele tem ajudado Black a entrar no castelo, ele quer ver você morto também... Ele é um Lobisomen!
Houve um silêncio audível. Os olhos de todos agora estavam postos em Lupin, que parecia extraordinariamente calmo, embora muito pálido.
— O que disse não está à altura do seu padrão de acertos, Hermione. Receio que tenha acertado apenas uma afirmaçãoem três. Eu não tenho ajudado Sirius a entrar no castelo e certamente não quero ver Harry morto... — Um estranho tremor atravessou seu rosto. — Mas não vou negar que seja um Lobisomen.
Rony fez um corajoso esforço para se levantar outra vez, mas caiu com um gemido de dor. Lupin adiantou-se para ele, parecendo preocupado, mas Rony exclamou:
— Fique longe de mim, Lobisomen!
Lupin se imobilizou. Depois, com óbvio esforço, virou-se para Hermione e perguntou:
— Há quanto tempo você sabe?
— Há séculos! — sussurrou Hermione. — Desde a redação do Profº. Snape...
— Ele ficará encantado — disse Lupin tranqüilo. — Passou aquela redação na esperança de que alguém percebesse o que significavam os meus sintomas. Você verificou a tabela lunar e percebeu que eu sempre ficava doente na lua cheia? Ou você percebeu que o bicho-papão se transformava em lua quando me via?
— Os dois — respondeu Hermione em voz baixa.
Lupin forçou uma risada.
— Você é a bruxa de treze anos mais inteligente que já conheci, Hermione.
— Não sou, não — sussurrou Hermione. — Se eu fosse um pouco mais inteligente, teria contado a todo mundo quem o senhor é!
— Mas todos já sabem. Pelo menos os professores sabem.
— Dumbledore contratou o senhor mesmo sabendo que o senhor é um Lobisomen? — exclamou Rony. — Ele é louco?
— Alguns professores acharam que sim — respondeu Lupin. — Ele teve que trabalhar muito para convencer certos professores de que eu sou digno de confiança...
— E ELE ESTAVA ENGANADO! — berrou Harry. — O SENHOR ESTEVE AJUDANDO ELE O TEMPO TODO! — O garoto apontou para Black, que, de repente atravessou o quarto em direção à cama de colunas e afundou nela, o rosto escondido em uma das mãos trêmulas. Bichento saltou para junto dele e subiu no seu colo, ronronando. Rony se afastou devagarinho dos dois, arrastando a perna.
— Eu não estive ajudando Sirius — respondeu Lupin. — Se você me der uma chance, eu explico. — Olhe...
O professor separou as varinhas de Harry, Rony e Hermione e devolveu-as aos donos. Harry apanhou a dele, espantado.
— Pronto — disse Lupin, enfiando a própria varinha no cinto. — Vocês estão armados e nós, não. Agora vão me ouvir?
Harry não sabia o que pensar. Seria um truque?
— Se o senhor não esteve ajudando — disse, lançando um olhar furioso a Black —, como é que soube que ele estava aqui?
— O mapa. O Mapa do Maroto. Eu estava na minha sala examinando-o...
— O senhor sabe trabalhar com o mapa? — indagou Harry desconfiado.
— Claro que sei — disse Lupin fazendo um gesto impaciente com a mão. — Ajudei a prepará-lo. Eu sou Aluado, esse era o apelido que meus amigos me davam na escola.
— O senhor preparou...?
— O importante é que eu estava examinando o mapa atentamente hoje à noite, porque imaginei que você, Rony e Hermione poderiam tentar sair, escondidos, do castelo para visitar Hagrid antes da execução do hipogrifo. E estava certo, não é mesmo?
Lupin começara a andar para cima e para baixo do quarto, com os olhos fixos nos garotos. Pequenas nuvens de pó se levantavam aos seus pés.
— Você poderia estar usando a velha capa do seu pai, Harry...
— Como é que o senhor sabia da capa?
— O número de vezes que vi Tiago desaparecer debaixo da capa... — disse, fazendo outro gesto de impaciência com a mão. — A questão é que, mesmo quando a pessoa está usando a Capa da Invisibilidade, ela continua a aparecer no Mapa do Maroto. Observei vocês atravessarem os jardins e entrar na cabana de Hagrid. Vinte minutos depois, vocês saíram e voltaram em direção ao castelo. Mas, então, iam acompanhados por mais alguém.
— Quê? — exclamou Harry. — Não, não íamos!
— Eu não podia acreditar no que estava vendo — continuou o professor, prosseguindo a caminhada e fingindo não ter ouvido a interrupção de Harry. -Achei que o mapa não estava registrando direito. Como é que ele podia estar com vocês?
— Não tinha ninguém com a gente!
— Então vi outro pontinho, andando depressa em sua direção, rotulado Sirius Black... Vi-o colidir com você; observei quando arrastou dois de vocês para dentro do Salgueiro Lutador...
— Um de nós! — corrigiu-o Rony, zangado.
— Não, Rony. Dois de vocês.
Ele parou de andar, os olhos em Rony.
— Você acha que eu poderia dar uma olhada no rato? — perguntou com a voz equilibrada.
— Quê? — exclamou Rony. — Que é que o Perebas tem a ver com isso?
— Tudo. Posso vê-lo, por favor?
Rony hesitou, depois enfiou a mão nas vestes. Perebas apareceu, debatendo-se desesperadamente; o garoto teve que segurá-lo pelo longo rabo pelado para impedi-lo de fugir. Bichento ficou em pé na perna de Black e sibilou baixinho.
Lupin se aproximou de Rony. Parecia estar prendendo a respiração enquanto examinava Perebas atentamente.
— Quê? — repetiu Rony, segurando Perebas mais perto com um ar apavorado. — Que é que meu rato tem a ver com qualquer coisa?
— Isto não é um rato — disse Sirius Black, de repente, com a voz rouca.
— Que é que você está dizendo... É claro que é um rato...
— Não, não é — confirmou Lupin calmamente. — É um bruxo.
— Um Animago — disse Black — que atende pelo nome de Pedro Pettigrew.
CAPÍTULO DEZOITO
Aluado, Rabicho, Almofadinhas e Pontas
Levou alguns segundos para os garotos absorverem o absurdo desta afirmação. Então Rony disse em voz alta o que Harry estava pensando.
— Vocês dois são malucos.
— Ridículo! — exclamou Hermione baixinho.
— Pedro Pettigrew está morto! — afirmou Harry. — Ele o matou há doze anos! — O garoto apontou para Black, cujo rosto tremeu convulsivamente.
— Tive intenção — vociferou o acusado, os dentes amarelos à mostra —, mas o Pedrinho levou a melhor... Mas desta vez não!
E Bichento foi atirado ao chão quando Black avançou para Perebas; Rony berrou de dor ao receber o peso de Black sobre sua perna quebrada.
— Sirius, NÃO! — berrou Lupin atirando-se à frente e afastando Black para longe de Rony. — ESPERE! Você não pode fazer isso assim... Eles precisam entender... Temos que explicar...
— Podemos explicar depois! — rosnou Black, tentando tirar Lupin do caminho. Ainda mantinha uma das mãos no ar, com a qual tentava alcançar Perebas, que, por sua vez, guinchava feito um porquinho, arranhando o rosto e o pescoço de Rony, tentando escapar.
— Eles têm... O... Direito... De... Saber... De... Tudo! — ofegou Lupin, ainda tentando conter Black. — Ele foi bicho de estimação de Rony! E tem partes dessa história que nem eu compreendo muito bem! E Harry... Você deve a verdade a ele, Sirius!
Black parou de resistir, embora seus olhos fundos continuassem fixos em Perebas, firmemente seguro sob as mãos mordidas, arranhadas e sangrentas de Rony.
— Está bem, então — concordou Black, sem desgrudar os olhos do rato. — Conte a eles o que quiser. Mas faça isso depressa, Remo, quero cometer o crime pelo qual fui preso...
— Vocês são pirados, os dois — disse Rony trêmulo, procurando com os olhos o apoio de Harry e Hermione. — Para mim chega. Estou fora.
O garoto tentou se levantar com a perna boa, mas Lupin tornou a erguer a varinha, apontando-a para Perebas.
— Você vai me ouvir até o fim, Rony — disse calmamente. — Só quero que mantenha Pedro bem seguro enquanto me ouve.
— ELE NÃO É PEDRO, ELE É PEREBAS! — berrou Rony, tentando empurrar o rato para dentro do bolso das vestes, mas Perebas resistia com todas as forças;
Rony oscilou e se desequilibrou, mas Harry o amparou e empurrou de volta à cama. Então, sem dar atenção a Black, Harry se dirigiu a Lupin.
— Houve testemunhas que viram Pettigrew morrer — disse. — Uma rua cheia...
— Eles não viram o que pensaram que viram! — disse Black ferozmente, ainda vigiando Perebas se debater nas mãos de Rony.
— Todos pensaram que Sirius tinha matado Pedro — confirmou Lupin acenando a cabeça. — Eu mesmo acreditei nisso, até ver o mapa hoje à noite. Porque o Mapa do Maroto nunca mente... Pedro está vivo. Na mão de Rony, Harry.
Harry baixou os olhos para Rony, e quando seus olhares se encontraram, os dois concordaram silenciosamente: Black e Lupin estavam delirando. A história deles não fazia o menor sentido. Como Perebas poderia ser Pedro Pettigrew?
Azkaban, afinal, devia ter endoidado Black, mas por que Lupin estava fazendo o jogo dele?
Então Hermione falou, numa voz trêmula que se pretendia calma, como se tentasse fazer o professor falar sensatamente.
— Mas Profº. Lupin... Perebas não pode ser Pettigrew... Não pode ser verdade, o senhor sabe que não pode...
— Por que não pode? — perguntou Lupin calmamente, como se estivessem na sala de aula e Hermione apenas levantasse um problema relativo a uma experiência com grindylows.
— Porque... Porque as pessoas saberiam se Pedro Pettigrew tivesse sido um Animago. Estudamos Animagos com a Profª. McGonagall. E procurei maiores informações quando fiz o meu dever de casa, o Ministério da Magia controla os bruxos e bruxas que são capazes de se transformar em animais; há um registro que mostra em que animal se transformam, o que fazem, quais os seus sinais de identificação e outros dados... E fui procurar o nome da Profª. McGonagall no registro e vi que só houve sete Animagos neste século e o nome de Pettigrew não constava da lista...
Harry mal tivera tempo de se admirar intimamente com o esforço que Hermione investia nos deveres de casa, quando Lupin começou a rir.
— Certo, outra vez Hermione! — exclamou. — Mas o Ministério nunca soube que havia três Animagos não registrados à solta em Hogwarts.
— Se você vai contar a história aos garotos, se apresse, Remo — rosnou Black, que continuava vigiando cada movimento desesperado de Perebas. — Esperei doze anos, não vou esperar muito mais.
— Está bem... Mas você precisa me ajudar, Sirius — disse Lupin —, só conheço o inicio...
Lupin parou. Tinham ouvido um rangido alto às costas dele. A porta do quarto se abriu sozinha. Os cincos olharam. Então Lupin foi até a porta e espiou para o patamar.
— Não há ninguém aí fora...
— Esse lugar é mal-assombrado! — comentou Rony.
— Não é, não — disse Lupin, ainda observando intrigado a porta. — A Casa dos Gritos nunca foi mal-assombrada... Os gritos e uivos que os moradores do povoado costumavam ouvir eram meus.
Ele afastou os cabelos grisalhos da testa, pensou um instante, e disse:
— Foi onde tudo começou, com a minha transformação em Lobisomen. Nada poderia ter acontecido se eu não tivesse sido mordido... E não tivesse sido tão imprudente...
Ele parecia sóbrio e cansado. Rony ia interrompê-lo, mas Hermione fez "psiu!". Ela observava Lupin com muita atenção.
— Eu ainda era garotinho quando levei a mordida. Meus pais tentaram tudo, mas naquela época não havia cura. A poção que o Profº. Snape tem preparado para mim é uma descoberta muito recente. Me deixa seguro, entende. Desde que eu a tome uma semana antes da lua cheia, posso conservar as faculdades mentais quando me transformo... E posso me enroscar na minha sala, um lobo inofensivo, à espera da mudança de lua.
— Porém, antes da Poção de Mata-cão ser descoberta, eu me Transformava em um perfeito monstro uma vez por mês. Parecia impossível que eu pudesse freqüentar Hogwarts. Outros pais não iriam querer expor os filhos a mim. Mas, então, Dumbledore se tornou diretor e ele se condoeu. Disse que se tomássemos certas precauções, não havia razão para eu não freqüentar a escola — Lupin suspirou e olhou diretamente para Harry.
— Eu lhe disse, há alguns meses, que o Salgueiro Lutador foi plantado no ano em que entrei para Hogwarts. A verdade é que ele foi plantado porque eu entrei para Hogwarts. Esta casa — Lupin correu os olhos cheios de tristeza pelo quarto — e o túnel que vem até aqui foram construídos para meu uso. Uma vez por mês eu era trazido do castelo para cá, para me transformar. A árvore foi colocada na boca do túnel para impedir que alguém se encontrasse comigo durante o meu período perigoso.
Harry não conseguia imaginar onde a história iria chegar, mas, mesmo assim, ouvia arrebatado. O único som, além da voz de Lupin, eram os guinchos assustados de Perebas.
— As minhas transformações naquele tempo eram... Eram terríveis. É muito doloroso alguém virar Lobisomen. Eu era separado das pessoas para morder à vontade, então eu me arranhava e me mordia. Os moradores do povoado ouviam o barulho e os gritos e achavam que estavam ouvindo almas do outro mundo particularmente violentas. Dumbledore estimulava os boatos... Ainda hoje, que a casa tem estado silenciosa há anos, os moradores de Hogsmeade não têm coragem de se aproximar...
— Mas tirando as minhas transformações, eu nunca tinha sido tão feliz na vida. Pela primeira vez, eu tinha amigos, três grandes amigos. Sirius Black... Pedro Pettigrew... E, naturalmente, seu pai, Harry, Tiago Potter. Agora, meus três amigos não puderam deixar de notar que eu desaparecia uma vez por mês. Eu inventava todo o tipo de histórias. Dizia que minha mãe estava doente, que tinha ido em casa vê-la... Ficava aterrorizado em pensar que eles me abandonariam se descobrissem o que eu era. Mas é claro que eles, como você, Hermione, descobriram a verdade...
— E não me abandonaram. Em vez disso, fizeram uma coisa por mim que não só tornou as minhas transformações suportáveis, como me proporcionou os melhores momentos da minha vida. Eles se transformaram em Animagos.”
— Meu pai também? — perguntou Harry, espantado.
— Certamente. Eles gastaram quase três anos para descobrir como fazer isso. Seu pai e Sirius eram os alunos mais inteligentes da escola, o que foi uma sorte, porque se transformar em Animago é uma coisa que pode sair barbaramente errada, é uma das razões por que o ministério acompanha de perto os que tentam. Pedro precisou de toda a ajuda que pôde obter de Tiago e Sirius. Finalmente no nosso quinto ano, eles conseguiram. Podiam se transformar em um animal diferente quando queriam.
— Mas como foi que isso ajudou o senhor? — perguntou Hermione, intrigada.
— Eles não podiam me fazer companhia como seres humanos, então me faziam companhia como animais. Um Lobisomen só apresenta perigo para gente. Eles saíam escondidos do castelo todos os meses, encobertos pela Capa da Invisibilidade de Tiago. E se transformavam... Pedro, por ser o menor, podia passar por baixo dos ramos agressivos do Salgueiro e empurrar o botão para imobilizá-lo. Os outros dois, então, podiam escorregar pelo túnel e se reunir a mim. Sob a influência deles, eu me tornei menos perigoso. Meu corpo ainda era o de um lobo, mas minha mente se tornava menos lupina quando estávamos juntos.
— Anda logo, Remo — rosnou Black, que continuava a observar Perebas com uma espécie de voracidade no rosto.
— Estou chegando lá, Sirius, estou chegando lá... Bom, abriram-se possibilidades extremamente excitantes para nós do momento em que conseguimos nos transformar. Não demorou muito e começamos a deixar a Casa dos Gritos e perambular pelos terrenos da escola e pelo povoado à noite. Sirius e Tiago se transformavam em animais tão grandes que conseguiam controlar o Lobisomen. Duvido que qualquer aluno de Hogwarts jamais tenha descoberto mais a respeito dos terrenos da escola e do povoado de Hogsmeade do que nós... E foi assim que acabamos preparando o Mapa do Maroto, e assinando-o com os nossos apelidos Sirius é Almofadinhas, Pedro é Rabicho, e Tiago era Pontas.
— Que tipo de animal...? — Harry começou a perguntar, mas Hermione o interrompeu.
— Mas a coisa continuava a ser realmente perigosa! Andar no escuro em companhia de um Lobisomen! E se o senhor tivesse fugido deles e mordido alguém?
— É um pensamento que ainda me atormenta — respondeu Lupin deprimido. — E muitas vezes escapávamos por um triz. Nós nos riamos disso depois. Éramos jovens, irresponsáveis, empolgados com a nossa inteligência. Por vezes eu sentia remorsos por trair a confiança de Dumbledore, é óbvio... ele me aceitara em Hogwarts, coisa que nenhum outro diretor teria feito, e sequer desconfiava que eu estivesse desobedecendo às regras que ele estabelecera para a segurança dos outros e a minha própria. Ele nunca soube que eu tinha induzido três colegas a se transformarem ilegalmente em Animagos. Mas eu sempre conseguia esquecer meus remorsos todas as vezes que nos sentávamos para planejar a aventura do mês seguinte. E não mudei...”
O rosto de Lupin endurecera, e havia desgosto em sua voz.
— Durante todo este ano, lutei comigo mesmo, me perguntando se devia contar a Dumbledore que Sirius era um Animago. Mas não contei. Por quê? Porque fui covarde demais. Porque isto teria significado admitir que eu traíra sua confiança enquanto estivera na escola, admitir que influenciara outros... E a confiança de Dumbledore significava tudo para mim. Ele me admitira em Hogwarts quando garoto, e me dera um emprego quando eu fora desprezado toda a minha vida adulta, incapaz de encontrar um trabalho remunerado porque sou o que sou. Então me convenci de que Sirius estava penetrando na escola por meio das artes das trevas que aprendera com Voldemort, que o fato de ser um Animago não entravaem questão... Então , de certa forma, Snape tinha razão quanto à minha pessoa.
— Snape? — exclamou Black com a voz rouca, desviando os olhos de Perebas pela primeira vez nos últimos minutos para olhar Lupin. — Que é que Snape tem a ver com isso?
— Ele está aqui, Sirius — respondeu Lupin sério. — É professor em Hogwarts também. — E ergueu os olhos para Harry, Rony e Hermione. — O Profº. Snape freqüentou a escola conosco. Ele se opôs fortemente à minha nomeação para o cargo de professor de Defesa contra as Artes das Trevas. Passou o ano inteiro dizendo a Dumbledore que eu não sou digno de confiança. Ele tem suas razoes... Entendem, o Sirius aqui pregou uma peça nele que quase o matou, uma peça de que participei...
Black emitiu uma exclamação de desdém.
— Foi bem feito para ele — zombou. — Espionando, tentando descobrir o que andávamos aprontando... Na esperança de que fôssemos expulsos..
— Severo tinha muito interesse em saber aonde eu ia todo mês — disse Lupin a Harry, Rony e Hermione. — Estávamos no mesmo ano, entendem, e não... Hum... Não nos gostávamos muito. Ele não gostava nada de Tiago. Ciúmes, acho eu, do talento de Tiago no campo de Quadribol... Em todo o caso, Snape tinha me visto atravessar os jardins com Madame Pomfrey certa noite quando ela me levava em direção ao Salgueiro Lutador para eu me transformar. Sirius achou que seria... Hum... Divertido, contar a Snape que ele só precisava apertar o nó no tronco da árvore com uma vara longa para conseguir entrar atrás de mim. Bem, é claro, que Snape foi experimentar, e se tivesse chegado até a casa teria encontrado um Lobisomen adulto — mas seu pai, que soube o que Sirius tinha feito, foi procurar Snape e puxou-o para fora, arriscando a própria vida... Snape, porém, me viu, no fim do túnel. Dumbledore o proibiu de contar a quem quer que fosse, mas desde então ele ficou sabendo o que eu era...
— Então é por isso que Snape não gosta do senhor — disse Harry lentamente —, porque achou que o senhor estava participando da brincadeira?
— Isso mesmo — zombou uma voz fria vinda da parede atrás de Lupin.
Severo Snape removia a Capa da Invisibilidade e segurava a varinha apontada diretamente para Lupin.
CAPÍTULO DEZENOVE
O Servo de Lord Voldemort
Hermione gritou. Black se levantou de um salto. Harry teve a sensação de que levara um tremendo choque elétrico.
— Encontrei isso ao pé do Salgueiro Lutador — disse Snape, atirando a capa para o lado, mas tendo o cuidado de manter a varinha apontada diretamente para o peito de Lupin.
— Muito útil, Potter, obrigado...
Snape estava ligeiramente sem fôlego, mas o rosto expressava contido triunfo.
— Vocês talvez estejam se perguntando como foi que eu soube que estavam aqui? — disse com os olhos brilhantes. Acabei de passar por sua sala, Lupin. Você esqueceu de tomar sua poção hoje à noite, então resolvi lhe levar um cálice. E foi uma sorte... Sorte para mim, quero dizer. Encontrei em cima de sua mesa um certo mapa. Bastou uma olhada para me dizer tudo que eu precisava saber. Vi você correr por essa passagem e desaparecer de vista.
— Severo... — começou Lupin, mas Snape atropelou-o.
— Eu disse ao diretor várias vezes que você estava ajudando o seu velho amigo Black a entrar no castelo, Lupin, e aqui tenho a prova. Nem mesmo eu poderia sonhar que você teria o topete de usar este lugar antigo como esconderijo...
— Severo, você está cometendo um engano — disse Lupin com urgência na voz. — Você não sabe de tudo, posso explicar, Sirius não está aqui para matar Harry...
— Mais dois para Azkaban esta noite — disse Snape, os olhos brilhando de fanatismo. — Vou ficar curioso para saber como que Dumbledore vai encarar isso... Ele estava convencido de que você era inofensivo, sabe, Lupin... Um Lobisomen manso..
— Seu tolo — disse Lupin com brandura. — Será que um ressentimento de criança é suficiente para mandar um homem inocente de volta a Azkaban?
BANGUE!
Cordas finas que lembravam cobras jorraram da ponta da varinha de Snape e se enrolaram em torno da boca de Lupin, dos seus punhos e tornozelos;
Ele perdeu o equilíbrio e caiu no chão, incapaz de se mexer. Com um rugido de cólera, Black avançou para Snape, mas este apontou a varinha entre os olhos de Black.
— É só me dar um motivo — sussurrou o professor. — É só me dar um motivo, e juro que faço.
Black se imobilizou. Teria sido impossível dizer qual dos dois rostos revelava mais ódio.
Harry continuou ali, paralisado, sem saber o que fazer ou em quem acreditar. Olhou para Rony e Hermione. Seu amigo parecia tão confuso quanto ele e ainda tentava segurar um Perebas rebelde. Hermione, porém, adiantou-se, hesitante, para Snape e disse, respirando com dificuldade:
— Professor... Não faria mal ouvirmos o que eles têm a dizer, f... Faria?
— Senhorita Granger, a senhorita já vai enfrentar uma suspensão — bufou Snape. — A senhorita, Potter e Weasley estão fora dos limites da escola em companhia de um criminoso sentenciado e de um Lobisomen, Pelo menos uma vez na sua vida, cale a boca.
— Mas se... Se houve um engano...
— FIQUE QUIETA, SUA BURRINHA! — berrou Snape, parecendo de repente muito perturbado. — NÃO FALE DO QUE NÃO ENTENDE! — Saíram algumas fagulhas da ponta de sua varinha, que continuava apontada para o rosto de Black. Hermione se calou. — A vingança é muito doce — sussurrou Snape para Black. — Como desejei ter o privilégio de apanhá-lo...
— Você é que vai fazer papel de tolo outra vez, Severo — rosnou Black. — Se esse garoto levar o rato dele até o castelo — e indicou Rony com a cabeça... — Eu vou sem criar caso...
— Até o castelo? — retrucou Snape, com voz insinuante. — Acho que não precisamos ir tão longe. Basta eu chamar os dementadores quando sairmos do salgueiro. Eles vão ficar muito satisfeitos em vê-lo, Black.. Satisfeitos o suficiente para lhe dar um beijinho, eu me arriscaria a dizer...
A pouca cor que havia no rosto de Black desapareceu.
— Você... Você tem que ouvir o que tenho a dizer — disse ele, rouco. — O rato... Olhe aquele rato...
Mas havia um brilho alucinado nos olhos de Snape que Harry nunca vira antes. O professor parecia incapaz de ouvir.
— Vamos, todos. — Snape estalou os dedos e as pontas das cordas que amarravam Lupin voaram para suas mãos. — Eu puxo oLobisomen.
Talvez os dementadores tenham um beijo para ele também...
Antes que se desse conta do que estava fazendo, Harry atravessou o quarto em três passadas e bloqueou a porta.
— Saia da frente, Potter, você já está suficientemente encrencado — rosnou Snape. — Se eu não estivesse aqui para salvar sua pele...
— O Profº. Lupin poderia ter me matado cem vezes este ano — disse Harry. — Estive sozinho com ele montes de vezes, tomando aulas de defesa contra dementadores. Se ele estava ajudando Black, por que não me liquidou logo?
— Não me peça para imaginar como funciona a cabeça de um Lobisomen — sibilou Snape. — Saia da frente, Potter.
— O SENHOR É PATÉTICO! — berrou Harry. — SÓ PORQUE ELES FIZERAM O SENHOR DE BOBO NA ESCOLA, O SENHOR NÃO QUER NEM ESCUTAR...
— SILÊNCIO! NÃO ADMITO QUE FALEM ASSIM COMIGO! — gritou Snape, parecendo mais louco que nunca. — Tal pai, tal filho, Potter! Acabei de salvar seu pescoço; você devia me agradecer de joelhos! Teria sido bem feito se Black o tivesse matado! Você teria morrido como seu pai, arrogante demais para acreditar que poderia ter se enganado com um amigo... Agora saia da frente, ou eu vou fazer você sair. SAIA DA FRENTE, POTTER!
Harry se decidiu em uma fração de segundo. Antes que Snape pudesse sequer dar um passo em sua direção, o garoto ergueu a varinha.
— Expelliarmus — berrou, só que sua voz não foi a única a gritar. Houve uma explosão que fez a porta sacudir nas dobradiças; Snape foi levantado e atirado contra a parede, depois escorregou por ela até o chão, um filete de sangue escorrendo por baixo dos cabelos. Fora nocauteado.
Harry olhou para os lados. Rony e Hermione também tinham tentado desarmar Snape exatamente no mesmo instante. A varinha do professor voou no ar descrevendo um arco e caiu em cima da cama, ao lado de Bichento.
— Você não devia ter feito isso — censurou Black olhando para Harry. — Devia tê-lo deixado comigo...
Harry evitou o olhar de Black. Não tinha certeza, mesmo agora, de que agira certo.
— Atacamos um professor... Atacamos um professor... — choramingou Hermione, olhando assustada para o inconsciente Snape. Ah, vamos nos meter numa confusão tão grande...
Lupin lutava para se livrar das cordas. Black se abaixou depressa e o desamarrou. O professor se ergueu, esfregando os braços onde as cordas o tinham machucado.
— Obrigado, Harry — agradeceu.
— Não estou dizendo com isso que já acredito no senhor — disse o garoto.
— Então está na hora de lhe apresentarmos alguma prova. Você, garoto... Me dê o Pedro, por favor. Agora.
Rony apertou Perebas mais junto ao peito.
— Nem vem — disse o garoto com a voz fraca. — O senhor está tentando dizer que Black fugiu de Azkahan só para pôr as mãos em Perebas? Quero dizer... — e olhou para Harry e Hermione à procura de apoio —, tudo bem, vamos dizer que Pettigrew pudesse se transformar em rato, há milhões de ratos, como é que Black vai saber qual é o que está procurando se estava trancafiado em Azkaban?
— Sabe, Sirius, a pergunta é justa — disse Lupin, virando-se para Black com a testa ligeiramente franzida. — Como foi que você descobriu onde estava o rato?
Black enfiou uma das mãos, que lembravam garras, dentro das vestes e tirou um pedaço de papel amassado, que ele alisou e mostrou aos outros.
Era a foto de Rony com a família, que aparecera no Profeta Diário no último verão, e ali, no ombro de Rony, estava Perebas.
— Onde foi que você arranjou isso? — perguntou Lupin a Black, perplexo.
— Fudge — disse Black. — Quando ele foi inspecionar Azkaban no ano passado, me cedeu o jornal que levava. E lá estava Pedro, na primeira página... no ombro desse garoto... Reconheci-o na mesma hora... Quantas vezes o vi se transformar? — a legenda dizia que o menino ia voltar para Hogwarts... Onde Harry estava...
— Meu Deus — exclamou Lupin baixinho, olhando de Perebas para a foto no jornal e de volta ao rato. — A pata dianteira...
— Que é que tem a pata? — disse Rony em tom de desafio.
— Tem um dedinho faltando — afirmou Black.
— Claro — murmurou Lupin. — Tão simples... Tão genial.. Ele mesmo o cortou?
— Pouco antes de se transformar — confirmou Black. — Quando eu o encurralei, ele gritou para a rua inteira que eu havia traído Lílian e Tiago. Então, antes que eu pudesse lhe lançar um feitiço, ele explodiu a rua com a varinha escondida às costas, matou todo mundo em um raio de seis metros, e fugiu para dentro do bueiro com os outros ratos...
— Você já ouviu falar, não Rony? — perguntou Lupin. — O maior pedaço do corpo de Pedro que acharam foi o dedo.
— Olha aqui, Perebas com certeza brigou com outro rato ou coisa parecida! Ele está na minha família há séculos, certo...
— Doze anos, para sermos exatos — disse Lupin. — Você nunca estranhou que ele tenha vivido tantos anos?
— Nós... Nós cuidamos bem dele!
— Mas ele não está com um aspecto muito saudável no momento, não é? — comentou Lupin. — Imagino que esteja perdendo peso desde que ouviu falar que Sirius fugiu...
— Ele tem andado apavorado com aquele gato maluco! — justificou Rony, indicando com a cabeça Bichento, que continuava a ronronar na cama.
Mas isso não era verdade, ocorreu a Harry de repente... Perebas já estava com cara de doente antes de conhecer Bichento... Desde que Rony voltara do Egito... Desde que Black escapara...
— O gato não é maluco — disse Black, rouco. Ele estendeu a mão ossuda e acariciou a cabeça peluda de Bichento. — É o gato mais inteligente que já encontrei. Reconheceu na mesma hora o que Pedro era. E quando me encontrou, percebeu que eu não era cachorro. Levou um tempinho para confiar em mim. No fim eu consegui comunicar a ele o que estava procurando e ele tem me ajudado...
— Como assim? — murmurou Hermione.
— Ele tentou trazer Pedro a mim, mas não pôde... Então roubou para mim as senhas de acesso à Torre da Grifinória... Pelo que entendi, ele as tirou da mesa-de-cabeceira de um garoto...
O cérebro de Harry parecia estar fraquejando sob o peso do que ouvia. Era absurdo... Contudo...
— Mas Pedro soube o que estava acontecendo e se mandou... — falou Black. — Este gato... Bichento, foi o nome que lhe deu?... Me disse que Pedro tinha sujado os lençóis de sangue... Suponho que tenha se mordido... Ora, fingir-se de morto já tinha dado certo uma vez...
Essas palavras sacudiram o torpor mental de Harry.
— E sabe por que é que ele se fingiu de morto? — perguntou o garoto impetuosamente. — Porque sabia que você ia matar ele como tinha matado os meus pais!
— Não — disse Lupin. — Harry...
— E agora você veio acabar com ele!
— É verdade, vim — disse Black, lançando um olhar maligno a Perebas.
— Então eu devia ter deixado Snape levar você! — gritou Harry.
— Harry — disse Lupin depressa —, você não está vendo? Todo este tempo pensamos que Sirius tinha traído seus pais e que Pedro o perseguira... Mas foi o contrário, você não está vendo? Pedro traiu sua mãe e seu pai... Sirius perseguiu Pedro...
— NÃO É VERDADE! — berrou Harry. — ELE ERA O FIEL DO SEGREDO DELES! ELE DISSE ISSO ANTES DO SENHOR APARECER. ELE CONFESSOU QUE MATOU MEUS PAIS!
O garoto apontava para Black, que sacudia a cabeça devagarinho; de repente seus olhos fundos ficaram excessivamente brilhantes.
— Harry... Foi o mesmo que ter matado — disse, rouco. — Convenci Lílian e Tiago a entregarem o segredo a Pedro no último instante, convenci-os a usar Pedro como fiel do segredo, em vez de mim... A culpa é minha, eu sei... Na noite em que eles morreram, eu tinha combinado de procurar Pedro para verificar se ele continuava bem, mas quando cheguei ao esconderijo ele não estava. Mas não havia sinais de luta. Achei estranho. Fiquei apavorado. Corri na mesma hora direto para a casa dos seus pais. E quando vi a casa destruída e os corpos deles... Percebi o que Pedro devia ter feito. O que eu tinha feito.
A voz dele se partiu. Ele virou as costas.
— Basta — disse Lupin, e havia um tom inflexível em sua voz que Harry nunca ouvira antes. — Tem uma maneira de provar o que realmente aconteceu. Rony, me dê esse rato.
— Que é que o senhor vai fazer com ele se eu der? — perguntou Rony, tenso.
— Obrigá-lo a se revelar — disse Lupin. — Se ele for realmente um rato, não se machucará.
Rony hesitou. Então, finalmente estendeu a mão e entregou Perebas a Lupin. O rato começou a guinchar sem parar, se contorcendo, os olhinhos negros saltando das órbitas.
— Está pronto, Sirius? — perguntou Lupin.
Black já apanhara a varinha de Snape na cama. Aproximou-se de Lupin e do rato que se debatia e seus olhos úmidos pareceram, de repente, arder em seu rosto.
— Juntos? — perguntou em voz baixa.
— Acho melhor — confirmou Lupin, segurando Perebas apertado em uma das mãos e a varinha na outra. — Quando eu contar três. UM... DOIS... TRÊS!
Lampejos branco-azulados irromperam das duas varinhas; por um instante, Perebas parou no ar, o corpinho cinzento revirando-se alucinadamente, Rony berrou, o rato caiu e bateu no chão. Seguiu-se novo lampejo ofuscante e então...
Foi como assistir a um filme de uma árvore em crescimento. Surgiu uma cabeça no chão; brotaram membros; um momento depois havia um homem onde antes estivera Perebas, apertando e torcendo as mãos. Bichento bufava e rosnava na cama; os pelos das costas eriçados.
Era um homem muito baixo, quase do tamanho de Harry e Hermione.
Seus cabelos finos e descoloridos estavam malcuidados e o cocuruto da cabeça era careca.
Tinha o aspecto flácido de um homem gorducho que perdera muito peso em pouco tempo. A pele estava enrugada, quase como a pelagem do Perebas, e havia um ar ratinheiro em volta do seu nariz fino e dos olhos muito miúdos e lacrimosos. Ele olhou para os presentes, um a um, respirando raso e depressa. Harry viu seus olhos correrem para a porta e voltarem.
— Ora, ora, olá, Pedro — saudou-o Lupin educadamente, como se fosse freqüente ratos virarem velhos colegas de escola à sua volta.
— Há quanto tempo!
— S... Sirius R... Remo. — Até a voz de Pettigrew lembrava um guincho. Novamente seus olhos correram para a porta. — Meus amigos... Meus velhos amigos...
A varinha de Black se ergueu, mas Lupin agarrou-o pelo pulso, lançando-lhe um olhar de censura, depois tornou a se virar para Pettigrew, com a voz leve e displicente.
— Estávamos tendo uma conversinha, Pedro, sobre os acontecimentos da noite em que Lílian e Tiago morreram. Você talvez tenha perdido os detalhes enquanto guinchava na cama...
— Remo — ofegou Pettigrew, e Harry observou que se formavam gotas de suor em seu rosto lívido —, você não acredita nele, acredita...? Ele tentou me matar, Remo...
— Foi o que ouvimos dizer — respondeu Lupin, mais friamente. — Eu gostaria de esclarecer algumas coisas com você, Pedro, se você quiser ter...
— Ele veio tentar me matar outra vez! — guinchou Pettigrew de repente, apontando para Black, e Harry percebeu que o homem usara o dedo médio, porque lhe faltava o indicador. — Ele matou Lílian e Tiago e agora vai me matar também... Você tem que me ajudar, Remo...
O rosto de Black parecia mais caveiroso que nunca ao fixar os olhos fundos em Pettigrew.
— Ninguém vai tentar matá-lo até resolvermos umas coisas — disse Lupin.
— Resolvermos umas coisas? — guinchou Pettigrew, mais uma vez olhando desesperado para os lados, registrando as janelas pregadas e, mais uma vez, a única porta. — Eu sabia que ele viria atrás de mim! Sabia que ele voltaria para me pegar! Estou esperando isso há doze anos!
— Você sabia que Sirius ia fugir de Azkaban? — perguntou Lupin, com a testa franzida. — Sabendo que ninguém jamais fez isso antes?
— Ele tem poderes das trevas com os quais a gente só consegue sonhar! — gritou Pettigrew com voz aguda. — De que outro jeito fugiria de lá? Suponho que Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado tenha lhe ensinado alguns truques!
Black começou a rir, uma risada horrível, sem alegria, que encheu o quarto todo.
— Voldemort me ensinou alguns truques?
Pettigrew se encolheu como se Black tivesse brandido um chicote contra ele.
— Que foi, se apavorou de ouvir o nome do seu velho mestre? — perguntou Black. — Não o culpo, Pedro. O pessoal dele não anda muito satisfeito com você, não é mesmo?
— Não sei o que você quer dizer com isso, Sirius... — murmurou Pettigrew, respirando mais rapidamente que nunca. Todo o seu rosto brilhava de suor agora.
— Você não andou se escondendo de mim esses doze anos. Andou se escondendo dos seguidores de Voldemort. Eu soube de umas coisas em Azkaban, Pedro... Todos pensam que você está morto ou já o teriam chamado a prestar contas... Ouvi-os gritar todo o tipo de coisa durante o sono. Parece que acham que o traidor os traiu também. Voldemort foi à casa dos Potter confiando em uma informação sua... E Voldemort perdeu o poder lá. E nem todos os seguidores dele foram parar em Azkaban, não é mesmo? Ainda há muitos por aí, esperando a hora, fingindo que reconheceram seus erros... Se chegarem, a saber, que você continua vivo, Pedro...
— Não sei... Do que está falando... — respondeu Pettigrew, mais esganiçado que nunca. Ele enxugou o rosto na manga e ergueu os olhos para Lupin. — Você não acredita nessa... Nessa loucura, Remo...
— Devo admitir, Pedro, que acho difícil compreender por que um homem inocente iria querer passar doze anos sob a forma de um rato.
— Inocente, mas apavorado! — guinchou Pettigrew. — Se os seguidores de Voldemort estivessem atrás de mim, seria porque mandei um dos seus melhores homens para Azkaban, o espião, Sirius Black!
O rosto de Black se contorceu.
— Como é que você se atreve? — rosnou ele, parecendo de repente o cachorro do tamanho de um urso que ele fora há pouco.
— Eu, espião do Voldemort? Quando foi que andei espreitando gente mais forte e mais poderosa do que eu? Agora você, Pedro, jamais vou entender por que não reparei desde o começo que você era o espião; você sempre gostou de amigos grandalhões que o protegessem, não é mesmo? Você costumava nos acompanhar... A mim e ao Remo... E ao Tiago...
Pettigrew tornou a enxugar o rosto; estava quase ofegando, sem ar.
— Eu, espião... Você deve ter perdido o juízo... Nunca... Não sei como pode dizer uma...
— Lílian e Tiago só fizeram de você o fiel do segredo porque eu sugeri — sibilou Black, tão venenosamente que Pettigrew deu um passo atrás. — Achei que era o plano perfeito... Um blefe... Voldemort com certeza viria atrás de mim, jamais sonharia que os dois usariam um sujeito fraco e sem talento como você... Deve ter sido a hora mais sublime de sua vida infeliz quando você contou a Voldemort que podia lhe entregar os Potter.
Pettigrew resmungava, perturbado; Harry entreouvia palavras como "extravagante" e "demência", mas não conseguia deixar de prestar mais atenção à palidez do rosto de Pettigrew e ao jeito com que seus olhos continuavam a correr para as janelas e a porta.
— Profº. Lupin — disse Hermione timidamente. — Posso... Posso dizer uma coisa?
— Claro, Hermione — disse Lupin cortesmente.
— Bem... Perebas... Quero dizer, esse... Esse homem... Ele dormiu no quarto de Harry durante três anos. Se está trabalhando para Você-Sabe-Quem, como é que ele nunca tentou fazer mal a Harry antes?
— Taí! — exclamou Pettigrew com voz esganiçada, apontando para Hermione a mão mutilada. — Muito obrigado! Está vendo, Remo? Nunca toquei em um fio de cabelo de Harry! Por que iria fazer isso?
— Vou lhe dizer o porquê — falou Black. — Porque você nunca fez nada, nem a ninguém nem para ninguém, sem saber o que poderia ganhar com isso. Voldemort está foragido há doze anos, dizem que está semimorto. Você não ia matar bem debaixo do nariz de Alvo Dumbledore, por causa de um bruxo moribundo que perdeu todo o poder, ia? Não, você ia querer ter certeza de que ele era o valentão do colégio antes de voltar para o lado dele, não ia? Por que outra razão você procurou uma família de bruxos para o acolher? Para ficar de ouvido atento às novidades, não é mesmo, Pedro? Caso o seu velho protetor recuperasse a antiga força e fosse seguro se juntar a ele...
Pettigrew abriu a boca e tornou a fechá-la várias vezes. Parecia ter perdido a capacidade de falar.
— Hum... Sr. Black... Sirius? — disse Hermione.
Black se assustou ao ouvir alguém tratá-lo assim, com tanta polidez, e encarou Hermione como se nunca tivesse visto nada parecido.
— Se o senhor não se importar que eu pergunte, como... Como foi que o senhor fugiu de Azkaban, se não usou artes das trevas?
— Muito obrigado — exclamou Pettigrew, acenando freneticamente com a cabeça na direção da garota. — Exatamente! Precisamente o que eu...
Mas Lupin o fez calar com um olhar. Black franziu ligeiramente a testa para Hermione, mas não porque estivesse aborrecido com ela. Parecia estar considerando a pergunta.
— Não sei como foi que fugi — disse lentamente. — Acho que a única razão por que nunca perdi o juízo é porque sabia que era inocente. Isto não era um pensamento feliz, então os dementadores não podiam sugá-lo de mim... Mas serviu para me manter lúcido e consciente de quem eu era... Me ajudou a conservar meus poderes quando tudo se tornava... Excessivo... Eu conseguia me transformar na cela... Virar cachorro. Os dementadores não conseguem enxergar, sabe... — Ele engoliu em seco. — Aproximam-se das pessoas se alimentando de suas emoções... Eles percebiam que os meus sentimentos eram menos... Menos humanos, menos complexos quando eu era cachorro... Mas achavam, é claro, que eu estava perdendo o juízo como todos os prisioneiros de lá, por isso não se incomodavam. Mas eu fiquei fraco, muito fraco, e não tinha esperança de afastá-los sem uma varinha... Mas, então, vi Pedro naquela foto... E compreendi que ele estava em Hogwarts com Harry... Perfeitamente colocado para agir, se lhe chegasse a menor notícia de que o partido das trevas estava reunindo forças novamente...
Pettigrew sacudia a cabeça, murmurando em silêncio, mas todo o tempo seus olhos se fixavam em Black como se estivesse hipnotizado.
— ... Pronto para atacar no momento em que se certificasse de que contava com aliados... E para entregar o último Potter. Se lhes entregasse Harry, quem se atreveria a dizer que traíra Lord Voldemort? Pedro seria recebido de volta com todas as honras... Então, entendem, eu tinha que fazer alguma coisa. Era o único que sabia que ele continuava vivo...
Harry se lembrou do que o Sr. Weasley contara à mulher:"Os guardas dizem que ele anda falando durante o sono... sempre as mesmas palavras... Ele está em Hogwarts”.
— Era como se alguém tivesse acendido uma fogueira na minha cabeça, e os dementadores não pudessem destruí-la... Não era um pensamento feliz... Era uma obsessão... Mas isso me deu forças, clareou minha mente. Então, uma noite quando abriram a porta para me trazer comida, eu passei por eles em forma de cachorro... Para eles é tão difícil perceberem emoções animais que ficaram confusos... Eu estava magro, muito magro... O bastante para passar entre as grades... Ainda como cachorro nadei até a costa... Viajei para o norte e entrei escondido nos terrenos de Hogwarts, como cachorro. Desde então vivi na floresta, exceto nas horas em que saía para assistir ao Quadribol, é claro. Você voa bem como o seu pai, Harry...
Black se virou para o garoto, que não evitou seu olhar.
— Acredite-me — disse, rouco. — Acredite-me, Harry. Nunca traí Tiago e Lílian. Teria preferido morrer a traí-los.
E, finalmente, Harry acreditou. A garganta apertada demais para falar, fez um aceno afirmativo com a cabeça.
— Não!
Pettigrew caíra de joelhos como se o aceno de Harry fosse a sua sentença de morte. Arrastou-se de joelhos, humilhou-se, as mãos juntas diante do peito como se rezasse.
— Sirius... Sou eu... Pedro... Seu amigo... Você não...
Black deu um chute no ar e Pettigrew se encolheu.
— Já tem sujeira suficiente nas minhas vestes sem você tocar nelas — exclamou Black.
— Remo! — esganiçou-se Pettigrew, virando-se para Lupin, implorando com as mãos e os joelhos no chão. — Você não acredita nisso... Sirius não teria lhe contado se eles tivessem mudado os planos?
— Não, se pensasse que eu era o espião, Pedro. Presumo que foi por isso que você não me contou, Sirius? — perguntou ele, pouco interessado, por cima da cabeça de Pettigrew.
— Me perdoe, Remo — disse Black.
— Tudo bem, Almofadinhas, meu velho amigo — respondeu Lupin, que agora enrolava as mangas das vestes. — E você me perdoa por acreditar que você fosse o espião?
— Claro. — E a sombra de um sorriso perpassou o rosto ossudo de Black. Ele, também, começou a enrolar as mangas. — Vamos matá-lo juntos?
— Acho que sim — concordou Lupin sombriamente.
— Vocês não me matariam... Não vão me matar... — exclamou Pettigrew. — E correu para Rony.
— Rony... Eu não fui um bom amigo... Um bom bichinho? Você não vai deixá-los me matarem, Rony, vai... Você está do meu lado, não está?
Mas Rony olhava Pettigrew com absoluto nojo.
— Eu deixei você dormir na minha cama! — exclamou ele.
— Bom garoto... Bom dono... — Pettigrew se arrastou até Rony — você não vai deixá-los fazerem isso... Eu fui o seu rato... Fui um bom bicho de estimação...
— Se você foi um rato melhor do que foi um homem, não é coisa para se gabar, Pedro — disse Black com aspereza.
Rony, empalidecendo ainda mais de dor, puxou a perna quebrada para longe do alcance de Pettigrew. Ainda de joelhos, este se virou e cambaleou para frente, agarrando a bainha das vestes de Hermione.
— Garota meiga... Garota inteligente... Você... Você não vai deixar que eles... Me ajude.
Hermione puxou as vestes para longe das mãos de Pettigrew e recuou contra a parede, horrorizada.
Pettigrew continuou ajoelhado, tremendo descontroladamente, e foi virando lentamente a cabeça para Harry.
— Harry... Harry... Você é igualzinho ao seu pai... Igualzinho...
— COMO É QUE VOCÊ SE ATREVE A FALAR COM HARRY? — rugiu Black. — COMO TEM CORAGEM DE OLHAR PARA ELE? COMO TEM CORAGEM DE FALAR DE TIAGO NA FRENTE DELE?
— Harry — sussurrou Pettigrew, arrastando-se em direção ao garoto, com as mãos estendidas. — Harry, Tiago não iria querer que eles me matassem... Tiago teria compreendido, Harry... Teria tido piedade...
Black e Lupin avançaram ao mesmo tempo, agarraram Pettigrew pelos ombros e o atiraram de costas no chão, O homem ficou ali, contorcendo-se de terror, olhando fixamente para os dois.
— Você vendeu Lílian e Tiago a Voldemort — disse Black, que também tremia. — Você nega isso?
Pettigrew prorrompeu em lágrimas. A cena era terrível, ele parecia um bebezão careca, encolhendo-se.
— Sirius, Sirius, o que é que eu podia ter feito? O Lord das Trevas... Você não faz idéia... Ele tem armas que você não imagina... Tive medo, Sirius, eu nunca fui corajoso como você, Remo e Tiago. Eu nunca desejei que isso acontecesse... Aquele-Que-Não-Deve-Ser-Nomeado me forçou...
— NÃO MINTA! — berrou Black. — VOCÊ ANDOU PASSANDO INFORMAÇÕES PARA ELE DURANTE UM ANO ANTES DE LILIAN E TIAGO MORREREM! VOCÊ ERA ESPIAO DELE!
-Ele estava assumindo o poder em toda parte! — exclamou Pettigrew. — Que é que eu tinha a ganhar recusando o que me pedia?
— Que é que você tinha a ganhar lutando contra o bruxo mais maligno que já existiu? — perguntou Black, com uma terrível expressão de fúria no rosto. — Apenas vidas inocentes, Pedro!
— Você não entende! — choramingou Pettigrew. — Ele teria me matado, Sirius!
— ENTÃO VOCÉ DEVIA TER MORRIDO! — rugiu Black. — MORRER EM VEZ DE TRAIR SEUS AMIGOS! COMO TERÍAMOS FEITO POR VOCÊ!
Black e Lupin estavam ombro a ombro, as varinhas erguidas.
— Você devia ter percebido — disse Lupin com a voz controlada —, que se Voldemort não o matasse, nós o mataríamos. Adeus, Pedro.
Hermione cobriu o rosto com as mãos e se virou para a parede.
— NÃO! — berrou Harry. E se adiantou, colocando-se entre Pettigrew e as varinhas. — Vocês não podem matá-lo — disse afobado. — Não podem.
Black e Lupin fizeram cara de espanto.
— Harry esse verme é a razão por que você não tem pais — rosnou Black. — Esse covardão teria olhado você morrer, sem levantar um dedo. Você ouviu o que ele disse. Dava mais valor à pele nojenta do que a toda sua família.
— Eu sei — ofegou Harry. — Vamos levar Pedro até o castelo. Vamos entregar ele aos dementadores. Ele pode ir para Azkaban... Mas não o matem.
— Harry! — exclamou Pettigrew, e atirou os braços em torno dos joelhos de Harry. — Você... Obrigado... É mais do que eu mereço... Obrigado...
— Tire as mãos de cima de mim — vociferou Harry empurrando as mãos de Pettigrew, enojado. — Não estou fazendo isso por você. Estou fazendo isso porque acho que meu pai não ia querer que os melhores amigos dele virassem assassinos... Por sua causa.
Ninguém se mexeu nem fez qualquer ruído exceto Pettigrew, cuja respiração saía em arquejos, e ele levava as mãos ao peito.
Black e Lupin se entreolharam. Então, com um único movimento, baixaram as varinhas.
— Você é a única pessoa que tem o direito de decidir, Harry — disse Black. — Mas pense... Pense no que ele fez...
— Ele pode ir para Azkaban — repetiu Harry. — Se alguém merece aquele lugar é ele...
Pettigrew continuava a arquejar às costas do garoto.
— Muito bem — disse Lupin. — Saia da frente, então.
Harry hesitou.
— Vou amarrá-lo — disse Lupin. — Só isso, juro.
Harry saiu do caminho. Cordas finas saíram da varinha de Lupin, desta vez, e no momento seguinte Pettigrew estava se revirando no chão, amarrado e amordaçado.
— Mas se você se transformar, Pedro — rosnou Black, a varinha também apontada para Pettigrew —, nós o mataremos. Concorda, Harry?
Harry olhou a figura lastimável no chão e concordou com a cabeça de modo que Pettigrew pudesse vê-lo.
— Certo — disse Lupin, subitamente eficiente. — Rony, não sei consertar ossos tão bem quanto Madame Pomfrey, por isso acho melhor só imobilizar sua perna ate o entregarmos na ala hospitalar.
Ele foi até Rony, se abaixou, tocou a perna dele com a varinha e murmurou:
— Férula! — Ataduras se enrolaram à perna de Rony e a prenderam firmemente a uma tala. Depois, o professor ajudou o garoto a se levantar; Rony, desajeitado, apoiou no chão o peso da perna e não fez careta.
— Está melhor. Obrigado.
— E o Profº. Snape? — perguntou Hermione com a voz fraquinha, contemplando o professor encostado à parede.
— Ele não tem nenhum problema sério — disse Lupin se curvando para Snape e tomando seu pulso. — Vocês só se entusiasmaram um pouquinho demais. Continua desacordado. Hum... Talvez seja melhor não o reanimarmos até estar a salvo no castelo. Podemos levá-lo assim...
Lupin murmurou:
— Mobilicorpus!— Como se fios invisíveis tivessem sido amarrados aos pulsos, pescoço e joelhos de Snape, ele foi posto de pé, a cabeça pendendo molemente, como a de um títere grotesco. Ele flutuava a alguns centímetros do chão, os pés frouxos sacudindo.
Lupin apanhou a Capa da Invisibilidade e guardou-a em segurança no bolso.
— E dois de nós devemos nos acorrentar a essa coisa — disse Black, cutucando Pettigrew com o pé. — Só para garantir.
— Eu faço isso — disse Lupin.
— E eu — disse Rony decidido, mancando até o prisioneiro.
Black conjurou pesadas algemas do nada; e logo Pettigrew estava novamente de pé, o braço esquerdo preso ao direito de Lupin, o direito preso ao esquerdo de Rony. O garoto estava muito sério.
Parecia ter tomado a verdadeira identidade de Perebas como uma ofensa pessoal. Bichento saltou com leveza da cama e abriu caminho para fora do quarto, o rabo de escovinha elegantemente erguido no ar.
CAPÍTULO VINTE
O Beijo do Dementador
Harry nunca fizera parte de um grupo tão esquisito. Bichento descia as escadas à frente; Lupin, Pettigrew e Rony vinham a seguir, parecendo competidores de uma corrida de seis pernas. Depois vinha o Profº. Snape, flutuando feito um fantasma, os pés batendo em cada degrau que descia, seguro por sua própria varinha, que Sirius apontava para ele. Harry e Hermione fechavam o cortejo.
Voltar ao túnel foi difícil. Lupin, Pettigrew e Rony tiveram que se virar de lado para consegui-lo; Lupin continuava a cobrir Pettigrew com a varinha. Harry os via avançar lentamente pelo túnel em fila indiana. Bichento sempre à frente. Harry logo atrás de Black, que continuava a fazer Snape flutuar à frente com a cabeça mole batendo sem parar no teto baixo. O menino tinha a impressão de que Black não estava fazendo nada para evitar as batidas.
— Você sabe o que isso significa? — perguntou Black abruptamente a Harry enquanto faziam seu lento progresso pelo túnel. — Entregar Pettigrew?
— Você fica livre... — respondeu Harry.
— É. Mas eu também sou, não sei se alguém lhe disse, eu sou seu padrinho.
— Eu soube — disse Harry.
— Bem... Os seus pais me nomearam seu tutor — disse Black formalmente. — Se alguma coisa acontecesse a eles...
Harry esperou. Será que Black queria dizer o que ele achava que queria?
— Naturalmente, eu vou compreender se você quiser ficar com seus tios — disse Black. — Mas... Bem... Pense nisso. Depois que o meu nome estiver limpo... Se você quiser uma... Uma casa diferente...
Uma espécie de explosão ocorreu no fundo do estômago de Harry.
— Quê, morar com você? — perguntou, batendo a cabeça, sem querer, numa pedra saliente do teto. — Deixar a casa dos Dursley?
— Claro, achei que você não ia querer — disse Black apressadamente. — Eu compreendo, só pensei que...
— Você ficou maluco? — disse Harry com a voz quase tão rouca quanto à de Black. — Claro que quero deixar a casa dos Dursley! Você tem casa? Quando é que eu posso me mudar?
Black virou-se completamente para olhar o garoto; a cabeça de Snape raspou o teto, mas Black não parecia se importar.
— Você quer? — perguntou ele. — Sério?
— Sério! — respondeu Harry.
O rosto ossudo de Black se abriu no primeiro sorriso verdadeiro que Harry já o tinha visto dar. A diferença que fazia era espantosa, como se uma pessoa dez anos mais nova se projetasse através da máscara de fome; por um instante ele se tornou reconhecível como o homem que estava rindo no casamento dos pais de Harry.
Os dois não se falaram mais até chegar ao fim do túnel. Bichento saiu correndo à frente; evidentemente apertara o nó do tronco com a pata, porque Lupin, Pettigrew e Rony subiram penosamente, mas não houve ruídos de galhos ferozes.
Black fez Snape passar pelo buraco, depois se afastou para Harry e Hermione passarem. Finalmente todos conseguiram sair.
Os jardins estavam muito escuros agora; as únicas luzes vinham das janelas distantes do castelo. Sem dizer uma palavra, eles começaram a andar. Pettigrew continuava a arquejar e, ocasionalmente, a choramingar. A cabeça de Harry zumbia. Ele ia deixar os Dursley. Ia morar com Sirius Black, o melhor amigo dos seus pais...
Sentia-se atordoado... Que iria acontecer quando dissesse aos Dursley que ia morar com o preso que tinham visto na televisão!
— Um movimento errado, Pedro — ameaçou Lupin que ia à frente. Sua varinha continuava apontada de viés para o peito de Pettigrew.
Em silêncio eles avançaram pelos jardins, as luzes do castelo crescendo com a aproximação. Snape continuava a flutuar de maneira fantasmagórica à frente de Black, o queixo batendo no peito. Então...
Uma nuvem se mexeu. Inesperadamente surgiram sombras escuras no chão. O grupo foi banhado pelo luar. Snape se chocou com Lupin, Pettigrew e Rony, que pararam abruptamente. Black congelou. Ele esticou um braço para fazer Harry e Hermione pararem.
O garoto viu a silhueta de Lupin. O professor enrijecera. Então as pernas de Harry começaram a tremer.
— Ah, não! — exclamou Hermione. — Ele não tomou a poção hoje à noite. Ele está perigoso!
— Corram — sussurrou Black. — Corram. Agora.
Mas Harry não podia correr. Rony estava acorrentado a Pettigrew e Lupin. Ele deu um salto para frente, mas Black o abraçou pelo peito e o atirou para trás.
— Deixe-o comigo... CORRA!
Ouviu-se um rosnado medonho. A cabeça de Lupin começou a se alongar. O seu corpo também. Os ombros se encurvaram. Pelos brotavam visivelmente de seu rosto e suas mãos, que se fechavam transformando-se em patas com garras. Os pêlos de Bichento ficaram outra vez em pé e ele estava recuando...
Quando o Lobisomen se empinou, batendo as longas mandíbulas, Sirius desapareceu do lado de Harry. Transformara-se. O enorme cão semelhante a um urso saltou para frente. Quando oLobisomen se livrou da algema que o prendia, o cão agarrou-o pelo pescoço e puxou-o para trás, afastando-o de Rony e Pettigrew. Atracaram-se, mandíbula contra mandíbula, as garras se golpeando...
Harry parou petrificado com a visão, demasiado absorto com a batalha para prestar atenção em outra coisa. Foi o grito de Hermione que o alertou...
Pettigrew tinha mergulhado para apanhar a varinha caída de Lupin. Rony, mal equilibrado na perna enfaixada, caiu. Houve um estampido, um clarão... e Rony ficou estirado, imóvel, no chão. Outro estampido... Bichento voou pelo ar e tornou a cair na terra fofa.
— Expelliarmus! — berrou Harry apontando a própria varinha para Pettigrew; a varinha de Lupin voou muito alto e desapareceu de vista. — Fique onde está! — gritou Harry, correndo em frente.
Tarde demais. Pettigrew se transformara. Harry viu seu rabo pelado passar pela algema no braço estendido de Rony e o ouviu correr pelo gramado.
Um uivo e um rosnado prolongado e surdo ecoaram; Harry se virou e viu o Lobisomen fugindo; galopando para a floresta...
— Sirius, ele fugiu, Pettigrew se transformou — berrou Harry.
Black sangrava; havia cortes profundos em seu focinho e nas costas, mas ao ouvir as palavras de Harry ele tornou a se levantar depressa e, num instante, o ruído de suas patas foi morrendo até cessar ao longe.
Harry e Hermione correram para Rony.
— Que foi que Pettigrew fez com ele? — sussurrou Hermione. Os olhos de Rony estavam apenas semicerrados, a boca frouxa e aberta; sem dúvida, estava vivo, eles o ouviam respirar, mas não parecia reconhecer os amigos.
— Não sei.
Harry olhou desesperado para os lados. Black e Lupin, os dois tinham ido embora... Não havia mais nenhum adulto em sua companhia exceto Snape, que ainda flutuava, inconsciente, no ar.
— É melhor levarmos os dois para o castelo e contarmos a alguém — disse Harry, afastando os cabelos dos olhos, tentando pensar direito. — Vamos...
Mas então, para além do seu campo de visão, eles ouviram latidos, um ganido; um cachorro em sofrimento...
— Sirius — murmurou Harry, olhando para o escuro.
Ele teve um momento de indecisão, mas não havia nada que pudessem fazer por Rony naquele momento, e pelo que ouviam, Black estava em apuros...
Harry saiu correndo, Hermione em seu encalço. Os latidos pareciam vir da área próxima ao lago. Eles saíram desabalados naquela direção, e Harry, correndo sem parar, sentiu o frio sem perceber o que devia significar...
Os latidos pararam abruptamente. Quando os garotos chegaram ao lago viram o porquê Sirius se transformara outra vez em homem. Estava caído de quatro, com as mãos na cabeça.
— Nããão — gemia —, Nããão... Por favor..
Então Harry os viu. Dementadores, no mínimo uns cem deles, deslizando em torno do lago num grupo escuro que vinha em sua direção. O menino se virou, o frio de gelo seu conhecido, penetrando suas entranhas, a névoa começando a obscurecer sua visão; eles não estavam somente surgindo da escuridão por todo o lado; estavam cercando-os...
— Hermione, pense em alguma coisa feliz! — berrou Harry, erguendo a varinha, piscando furiosamente para tentar clarear sua visão, sacudindo a cabeça para livrá-la da leve gritaria que começara dentro dela... “Eu vou morar com o meu padrinho. Vou deixar os Dursley”.
Ele se forçou a pensar em Black, e somente em Black, e começou a cantar:
— Expecto Patronum! Expecteto Patronum!
Black estremeceu, rolou de barriga para cima e ficou imóvel no chão, pálido como a morte.
“Ele vai ficar bem. Eu vou morar com ele”.
— Expecto Patronum! Hermione, me ajude! Expecto Patronum...
— Expecto... — murmurou Hermione — Expecto... Expecto...
Mas ela não conseguia. Os dementadores estavam mais próximos, agora a menos de três metros deles. Formavam uma muralha sólida em torno de Harry e Hermione, cada vez mais próximos...
— EXPECTO PATRONUM! — berrou Harry, tentando abafar a gritaria em seus ouvidos. — EXPECTO PATRONUM!
Um fiapinho prateado saiu de sua varinha e pairou como uma névoa diante dele. No mesmo instante, Harry sentiu Hermione desmaiar ao seu lado. Estava só... Completamente só...
— Expecto... Expecto Patronum...
Harry sentiu os joelhos baterem na grama fria. O nevoeiro nublou seus olhos. Com um enorme esforço, ele lutou para se lembrar... Sirius era inocente... Inocente... “Ele vai ficar bem... Eu vou morar com ele...”
— Expecto Patronum! — exclamou.
À luz fraca do seu Patrono disforme, ele viu um dementador parar, muito perto dele. Não conseguiu atravessar a nuvem de névoa prateada que Harry conjurara.
A mão morta e viscosa deslizou para fora da capa. Ela fez um gesto como se quisesse varrer o Patrono para o lado.
— Não... Não... — ofegou Harry. — Ele é inocente... Expecto... Expecto Patronum...
Ele sentia que os dementadores o observavam, ouvia a respiração deles vibrar como um vento maligno ao seu redor, O dementador mais próximo parecia estar avaliando-o. Então ergueu as duas mãos podres... E baixou o capuz para trás.
Onde devia haver olhos, havia apenas uma pele sarnenta e cinza, esticada por cima das órbitas vazias. Mas havia uma boca... Um buraco escancarado e disforme, que sugava o ar com o ruído de uma matraca que anuncia a morte.
Um terror paralisante invadiu Harry de modo que ele não conseguia se mexer nem falar. Seu Patrono piscou e desapareceu.
O nevoeiro branco o cegava. Ele tinha que lutar...
— Expecto Patronum...
Ele não conseguia ver... Ao longe ouvia os gritos já familiares...
— Expecto Patronum...
Ele tateou pela névoa à procura de Sirius, e encontrou seu braço... Os dementadores não iam levá-lo...
Mas um par de mãos pegajosas e fortes, de repente, se fechou em torno do pescoço de Harry. Forçavam-no a erguer o rosto... Ele sentiu seu hálito... Ia se livrar dele primeiro... Harry sentiu seu hálito podre... Sua mãe gritava em seus ouvidos... Ia ser a última coisa que ele ouviria...
E então, através do nevoeiro que o afogava, ele achou que estava vendo uma luz prateada que se tornava cada vez mais forte... Ele sentiu que estava emborcando na grama...
O rosto no chão, demasiado fraco para se mexer, nauseado e trêmulo, Harry abriu os olhos. O dementador devia tê-lo soltado. A luz ofuscante iluminava o gramado a seu redor... Os gritos tinham cessado, o frio estava diminuindo...
Alguma coisa estava obrigando os dementadores a recuar... Girava em torno dele, de Black e Hermione... Os dementadores estavam se afastando... O ar reaquecia...
Com cada grama de força que ele conseguiu reunir, Harry ergueu a cabeça uns poucos centímetros e viu um animal envolto em luz, distanciando-se a galope através do lago. Os olhos embaçados de suor, Harry tentou distinguir o que era...
Era fulgurante como um unicórnio. Lutando para se manter consciente, viu-o diminuir o galope ao chegar à margem oposta do lago. Por um momento, Harry viu, à sua claridade, alguém que lhe dava as boas-vindas... Erguendo a mão para lhe dar uma palmadinha... Alguém que lhe pareceu estranhamente familiar... Mas não podia ser..
Harry não entendeu. Não conseguiu mais pensar. Sentiu que suas últimas forças o abandonavam e sua cabeça bateu no chão quando ele desmaiou.
CAPÍTULO VINTE E UM
O Segredo de Hermione
— Uma história chocante... Chocante... Milagre que ninguém tenha morrido... Nunca ouvi nada igual... Pelo trovão, foi uma sorte você estar lá, Snape...
— Muito obrigado, ministro.
— Ordem de Merlim, Segunda Classe, eu diria. Primeira Classe, se eu puder convencê-los.
— Muito obrigado mesmo, ministro.
— Que corte feio você tem aí... Obra do Black, suponho?
— Na realidade, foram Potter, Weasley e Granger, ministro... Black havia enfeitiçado os garotos, vi imediatamente. Um feitiçoConfundus, a julgar pelo comportamento deles. Pareciam acreditar que havia possibilidade de o homem ser inocente. Não foram responsáveis por seus atos. Por outro lado, a interferência deles talvez tivesse permitido a Black fugir... Os garotos obviamente pensaram que iam capturá-lo sozinhos. Têm-se livrado de muitas situações de perigo até agora... Receio que isso os tenha feito se acharem superiores... E, naturalmente, Potter sempre recebeu uma extraordinária indulgência do diretor..
— Ah, bom, Snape... Harry Potter, sabe... Todos somos um pouco cegos quando se trata dele.
— Contudo... Será que é bom para ele receber tanto tratamento especial? Por mim, procuro tratá-lo como qualquer outro aluno. E qualquer outro aluno seria suspenso, no mínimo, por colocar seus amigos em situação tão perigosa. Considere, ministro: contrariando todas as regras da escola... Depois de todas as precauções que tomamos para sua proteção... Fora dos limites da escola, à noite, em companhia de um Lobisomem e de um assassino... E tenho razões para acreditar que ele andou visitando Hogsmeade ilegalmente, também...
— Bem, bem... Veremos, Snape, veremos... O garoto sem dúvida foi tolo...
Harry estava deitado com os olhos bem fechados. Sentia-se muito tonto. As palavras que ouvia pareciam viajar muito lentamente dos ouvidos para o cérebro, por isso estava difícil compreender. Suas pernas e braços pareciam feitos de chumbo; as pálpebras demasiado pesadas para abri-las... Ele queria ficar deitado ali, naquela cama confortável, para sempre...
— O que mais me surpreende é o comportamento dos dementadores... Você realmente não tem idéia do que os fez se retirar, Snape?
— Não, ministro... Quando recuperei os sentidos eles estavam voltando aos seus postos na entrada...
— Extraordinário. E, no entanto, Black, Harry e a garota...
— Todos inconscientes quando cheguei. Amarrei e amordacei Black, naturalmente, conjurei macas e os trouxe diretamente para o castelo.
Houve uma pausa. O cérebro de Harry parecia estar trabalhando um pouco mais rápido e, quando isso aconteceu, surgiu uma sensação desagradável na boca do seu estômago...
O garoto abriu os olhos.
Tudo estava levemente embaçado. Alguém tirara seus óculos. Ele estava deitado na escura ala hospitalar. Em um extremo da enfermaria, avistou Madame Pomfrey de costas para ele, curvada sobre um leito. Harry apertou os olhos. Os cabelos ruivos de Rony estavam visíveis por baixo do braço de Madame Pomfrey.
Harry virou a cabeça no travesseiro. Na cama à sua direita estava Hermione. O luar banhava a cama. Os olhos dela também estavam abertos.
Parecia petrificada e, quando viu que Harry estava acordado, levou o dedo aos lábios e apontou para a porta da enfermaria. Estava entreaberta, e entravam por ela as vozes de Cornélio Fudge e Snape, vindas do corredor.
Madame Pomfrey agora vinha andando com passos enérgicos pela enfermaria escura até a cama de Harry. O garoto se virou para olhá-la. A enfermeira trazia a maior barra de chocolate que ele já vira na vida. Parecia um pedregulho.
— Ah, você acordou! — disse ela com animação. Pousou o chocolate na mesa-de-cabeceira de Harry e começou a parti-lo em pedaços com um martelinho.
— Como está o Rony? — perguntaram Harry e Hermione, juntos.
— Vai sobreviver — respondeu Madame Pomfrey de cara feia. — Quanto a vocês dois... Vão continuar aqui até eu me convencer que... Potter o que é que você acha que está fazendo?
O garoto estava se sentando, colocando os óculos e apanhando a varinha.
— Preciso ver o diretor — disse.
— Potter — disse Madame Pomfrey, acalmando-o —, está tudo bem. Apanharam Black. Ele está trancado lá em cima. Os dementadores vão-lhe dar o beijo a qualquer momento...
-O QUE?
Harry saltou da cama; Hermione fizera o mesmo. Mas o seu grito fora ouvido no corredor lá fora; no segundo seguinte, Cornélio Fudge e Snape entraram na enfermaria.
— Harry, Harry que foi que houve? — perguntou Fudge, parecendo agitado. — Você devia estar na cama, ele já comeu o chocolate? — perguntou, ansioso, o ministro a Madame Pomfrey.
— Ministro ouça! — pediu Harry. — Sirius Black é inocente! Pedro Pettigrew fingiu a própria morte! Nós o vimos hoje à noite. O senhor não pode deixar os dementadores fazerem aquilo com Sirius, ele...
Mas Fudge estava sacudindo a cabeça com um sorrizinho no rosto.
— Harry, Harry você está muito confuso, passou por uma provação terrível, deite-se, agora, temos tudo sob controle...
— O SENHOR NÃO TEM, NÃO! — berrou Harry. — O SENHOR PEGOU O HOMEM ERRADO!
— Ministro, por favor, ouça — disse Hermione; ela correra para o lado de Harry e olhava, suplicante, o rosto de Fudge. — Eu também o vi. Era o rato de Rony, ele é um Animago. O Pettigrew, quero dizer e...
— O senhor está vendo, ministro — disse Snape. — Confusos, os dois... Black fez um bom serviço...
— NÃO ESTAMOS CONFUSOS! — berrou Harry.
— Ministro! Professor! — disse Madame Pomfrey aborrecida. — Devo insistir que os senhores saiam. Potter é meu paciente e não deve ser angustiado!
— Não estou angustiado, estou tentando contar o que aconteceu! — disse Harry furioso. — Se eles ao menos me escutassem...
Mas Madame Pomfrey, de repente, meteu um pedaço de chocolate na boca de Harry; ele se engasgou, e a enfermeira aproveitou a oportunidade para forçá-lo a voltar para a cama.
— Agora, por favor, ministro, essas crianças precisam de cuidados médicos. Por favor, saiam...
A porta tornou a se abrir. Era Dumbledore. Harry engoliu o bocado de chocolate com grande dificuldade e se levantou outra vez.
— Profº. Dumbledore, Sirius Black...
— Pelo amor de Deus! — exclamou Madame Pomfrey, histérica. Isto é ou não é uma ala hospitalar? Diretor, eu devo insistir...
— Eu peço desculpas, Papoula, mas preciso dar uma palavra com o Sr. Potter e a Srta. Granger — disse Dumbledore calmamente. — Acabei de falar com Sirius Black...
— Suponho que ele tenha lhe narrado o mesmo conto de fadas que implantou na mente de Potter? — bufou Snape. — A história de um rato e de Pettigrew ter sobrevivido...
— Esta, de fato, é a história de Black — disse Dumbledore, examinando Snape atentamente através dos seus óculos de meia-lua.
— E o meu testemunho não vale nada? — rosnou Snape. — Pedro Pettigrew não estava na Casa dos Gritos, nem vi qualquer sinal dele nos terrenos da escola.
— Isto foi porque o senhor foi nocauteado, professor! — disse Hermione com convicção. — O senhor não chegou em tempo de ouvir...
— Srta. Granger, CALE A BOCA!
— Ora, Snape — disse Fudge, espantado —, a mocinha está perturbada, precisamos dar o devido desconto...
— Eu gostaria de falar com Harry e Hermione a sós — disse Dumbledore bruscamente. — Cornélio, Severo, Papoula — por favor, nos deixem.
— Diretor! — repetiu Madame Pomfrey com veemência. — Eles precisam de tratamento, eles precisam de descanso...
— Isto não pode esperar — disse Dumbledore. — Devo insistir.
Madame Pomfrey mordeu os lábios e saiu em direção à sua sala, na extremidade da enfermaria, batendo a porta ao passar. Fudge consultou o grande relógio de ouro que trazia pendurado no colete.
— A esta hora os dementadores já devem ter chegado — disse. — Vou ao encontro deles. Dumbledore, vejo você lá em cima.
O ministro se dirigiu à porta e a segurou aberta para Snape passar, mas o professor não se mexeu.
— O senhor certamente não acredita em uma palavra da história de Black? — sussurrou Snape, os olhos fixos no rosto de Dumbledore.
— Eu gostaria de falar com Harry e Hermione a sós — repetiu Dumbledore.
Snape deu um passo em direção ao diretor.
— Sirius Black demonstrou que era capaz de matar com a idade de dezesseis anos. O senhor se esqueceu disto, diretor? O senhor se esqueceu que no passado ele tentou me matar?
— Minha memória continua boa como sempre, Severo — disse Dumbledore, em voz baixa.
Snape girou nos calcanhares e saiu decidido pela porta que Fudge ainda segurava aberta. A porta se fechou à passagem dos dois e o diretor se virou para Harry e Hermione. Os dois desataram a falar ao mesmo tempo.
— Professor, Black está dizendo a verdade, nós vimos Pettigrew...
— Ele fugiu quando o Profº. Lupin virou Lobisomen...
— Ele é um rato...
— A pata dianteira de Pettigrew, quero dizer, o dedo, ele cortou fora...
— Pettigrew atacou Rony, não foi Sirius...
Mas Dumbledore ergueu a mão para interromper o dilúvio de explicações.
— É a vez de vocês ouvirem, e peço que não me interrompam, porque o tempo é muito curto — disse Dumbledore em voz baixa.
— Não existe a mínima evidência para sustentar a história de Black, exceto a palavra de vocês... E a palavra de dois bruxos de treze anos não irá convencer ninguém. Uma rua cheia de testemunhas jurou que viu Sirius matar Pettigrew. Eu mesmo prestei depoimento ao ministério que Sirius era o fiel do segredo dos Potter.
— O Profº. Lupin pode lhe contar... — falou Harry, incapaz de se refrear.
— O Profº. Lupin no momento está embrenhado na floresta, incapaz de contar o que quer que seja a alguém. Quando voltar à forma humana, será tarde demais, Sirius estará mais do que morto. E eu poderia acrescentar que a maioria do nosso povo desconfia tanto de Lobisomens que o apoio dele contará muito pouco... E o fato de que ele e Sirius são velhos amigos...
— Mas...
— Ouça, Harry. É tarde demais, você entende? Você precisa admitir que a versão do Profº. Snape sobre os acontecimentos é muito mais convincente do que a sua.
— Ele odeia Sirius — disse Hermione, desesperada. — Tudo por causa de uma peça idiota que Sirius pregou nele...
— Sirius não agiu como um homem inocente. O ataque à Mulher Gorda... A entrada na Torre da Grifinória com uma faca... Sem Pettigrew, vivo ou morto, não temos chance de derrubar a sentença de Sirius.
— Mas o senhor acredita em nós.
— Acredito — respondeu Dumbledore em voz baixa. — Mas não tenho o poder de fazer os outros verem a verdade, nem de passar por cima do Ministro da Magia...
Harry encarou seu rosto sério e sentiu como se o chão estivesse se abrindo debaixo dos seus pés. Acostumara-se à idéia de que Dumbledore podia resolver qualquer coisa. Esperara que o diretor tirasse alguma solução surpreendente do nada. Mas não... A última esperança dos garotos desaparecera.
— Precisamos — disse Dumbledore lentamente, e seus claros olhos azuis correram de Harry para Hermione — é de mais tempo.
— Mas... — começou Hermione. Então seus olhos se arregalaram. — AH!
— Agora, prestem atenção — continuou o diretor, falando muito baixo e muito claramente. — Sirius está preso na sala do Profº. Flitwick no sétimo andar. A décima terceira janela a contar da direita da Torre Oeste. Se tudo der certo, vocês poderão salvar mais de uma vida inocente hoje à noite. Mas lembrem-se de uma coisa, os dois: vocês não podem ser vistos. Srta. Granger, a senhorita conhece as leis, sabe o que está em jogo... Vocês... Não... Podem... Ser... Vistos.
Harry não tinha a menor idéia do que estava acontecendo.
Dumbledore deu as costas aos garotos e virou-se para olhá-los ao chegar à porta.
— Vou trancá-los. Faltam... — ele consultou o relógio — cinco minutos para a meia-noite. Srta. Granger, três voltas devem bastar. Boa sorte.
— Boa sorte? — repetiu Harry quando a porta se fechou atrás de Dumbledore. — Três voltas? Do que é que ele está falando? Que é que ele espera que a gente faça?
Mas Hermione estava mexendo no decote das vestes, puxando de dentro dele uma corrente de ouro muito longa e fina.
— Harry, vem aqui — disse ela com urgência. — Depressa!
Harry foi até a garota, completamente confuso. Ela estendia a corrente. E o garoto viu que havia pendurada nela uma minúscula ampulheta.
— Tome... — Hermione atirara a corrente em torno do pescoço dele também. — Pronto? — disse Hermione ofegante.
— Que é que estamos fazendo? — perguntou Harry completamente perdido.
Hermione girou a ampulheta três vezes.
A enfermaria escura desapareceu. Harry teve a sensação de que estava voando muito rápido, para trás. Um borrão de cores e formas passou veloz por ele, seus ouvidos latejaram, ele tentou gritar, mas não conseguiu ouvir a própria voz...
E então sentiu que havia um chão firme sob seus pés, e todas as coisas tornaram a entrar em foco...
Ele se achava parado ao lado de Hermione no saguão deserto do castelo e um feixe de raios dourados de sol que entrava pelas portas de carvalho abertas incidia sobre o piso de pedra. Harry olhou agitado para os lados à procura de Hermione, a corrente da ampulheta machucando seu pescoço.
— Hermione, que...?
— Aqui! — a garota agarrou o braço de Harry e arrastou-o pelo saguão até a porta do armário de vassouras; abriu o armário, empurrou o garoto para o meio dos baldes e esfregões, e fechou a porta depois de entrar.
— Quê... Como... Hermione, que foi que aconteceu?
— Voltamos no tempo — sussurrou ela, tirando a corrente do pescoço de Harry no escuro. — Três horas...
Harry procurou a própria perna e se deu um beliscão com muita força. Doeu para valer, o que pelo visto eliminava a possibilidade de estar tendo um sonho muito esquisito.
— Mas...
— Psiu! Ouça! Tem alguém vindo! Acho... Acho que deve ser a gente!
Hermione tinha o ouvido encostado na porta do armário.
— Passos pelo saguão... É, acho que somos nós indo para a casa de Hagrid!
— Você está me dizendo — cochichou Harry — que estamos aqui dentro do armário e estamos lá fora também?
— É — confirmou Hermione, o ouvido ainda colado à porta. — Tenho certeza de que somos nós. Pelo eco não devem ser mais de três pessoas... E estamos andando devagar por causa da Capa da Invisibilidade...
Ela parou de falar, mas continuou a prestar atenção.
— Descemos os degraus da entrada...
Hermione se sentou em um balde virado de boca para baixo, parecendo aflitíssima, mas Harry queria respostas para algumas perguntas.
— Onde foi que você arranjou essa coisa feito uma ampulheta?
— Chama-se Vira-Tempo — sussurrou Hermione —, ganhei da Profª. McConagall no primeiro dia depois das férias. Estou usando desde o início do ano para assistir a todas as minhas aulas. A professora me fez jurar que não contaria a ninguém. Ela teve que escrever um monte de cartas ao Ministério da Magia para eu poder usar isso. Teve que dizer que eu era uma aluna modelo, e que nunca, nunca mesmo usaria o Vira-Tempo para nada a não ser para estudar... Eu o tenho usado para voltar no tempo e poder reviver as horas e é assim que assisto a mais de uma aula ao mesmo tempo, entende? Mas... Harry eu não estou entendendo o que é que Dumbledore quer que a gente faça. Por que ele mandou a gente voltar três horas no tempo? Como é que isso vai ajudar o Sirius?
Harry encarou de frente o rosto escuro da garota.
— Deve ter alguma coisa que aconteceu por volta de agora que ele quer que a gente mude — disse Harry lentamente. — Que foi que aconteceu? Estávamos indo à casa de Hagrid três horas atrás...
— Agora estamos atrasados três horas e estamos indo à casa de Hagrid — disse Hermione. — Acabamos de ouvir a gente sair...
Harry franziu a testa; tinha a sensação de que estava franzindo o cérebro todo para se concentrar.
— Dumbledore acabou de dizer.. Acabou de dizer que a gente poderia salvar mais de uma vida inocente... — Então fez-se a luz no cérebro de Harry. — Hermione, nós vamos salvar Bicuço!
— Mas... Como é que isso vai ajudar Sirius?
— Dumbledore disse... Acabou de nos dizer onde fica a janela... A janela da sala de Flitwick! Onde prenderam Sirius! Temos que voar no Bicuço até a janela e salvar Sirius! Ele pode fugir no hipogrifo... Eles podem fugir juntos!
Pelo que Harry pôde enxergar no rosto de Hermione, ela estava aterrorizada.
— Se conseguirmos fazer isso sem ninguém nos ver, vai ser um milagre!
— Bom, vamos ter que tentar, não é? — disse Harry. Ele se levantou e encostou o ouvido à porta.
— Parece que não tem ninguém aí fora... Vamos, anda...
Harry abriu a porta do armário. O saguão estava deserto. O mais silenciosa e rapidamente possível eles saíram correndo do armário e desceram os degraus de pedra. As sombras já estavam se alongando, os topos das árvores na Floresta Proibida mais uma vez iam se tingindo de ouro.
— Se alguém estiver olhando pela janela... — falou Hermione com a voz esganiçada, virando-se para espiar o castelo.
— Vamos correr o mais depressa possível — disse Harry decidido. — Direto para a floresta, está bem? Teremos que nos esconder atrás de uma árvore ou de outra coisa para poder vigiar...
— Está bem, mas vamos dar a volta pelas estufas! — sugeriu Hermione sem fôlego. — Temos que evitar que nos vejam da porta de entrada de Hagrid! Já devemos estar quase na casa dele agora!
Ainda tentando entender o que a amiga queria dizer, Harry saiu disparado com Hermione logo atrás. Os dois transpuseram as hortas em direção às estufas, pararam por um instante ocultos por elas, depois recomeçaram a correr, a toda velocidade, contornando o Salgueiro Lutador, e, ainda desabalados, em direção à floresta para se esconderem.
Seguro sob a sombra das árvores, Harry se virou; segundos depois, Hermione, o alcançou, ofegante.
— Certo — disse ela sem ar. — Precisamos chegar sem ser vistos à casa de Hagrid. Procure ficar escondido, Harry...
Os dois caminharam em silêncio entre as árvores, acompanhando a orla da floresta. Então, quando avistaram a frente da cabana, ouviram uma batida na porta.
Eles se ocultaram depressa atrás de um grosso carvalho e espiaram pelos lados. Hagrid, trêmulo e pálido, aparecera à porta procurando ver quem batera. E Harry ouviu a própria voz.
— Somos nós. Estamos usando a Capa da Invisibilidade. Deixe a gente entrar para poder tirar a capa.
— Vocês não deviam ter vindo! — sussurrou Hagrid, mas se afastou para os garotos poderem entrar.
— Esta foi à coisa mais estranha que já fizemos — disse Harry com veemência.
— Vamos continuar — cochichou Hermione. — Precisamos chegar mais perto de Bicuço!
Eles avançaram cautelosamente entre as árvores até verem o hipogrifo nervoso, amarrado à cerca em volta do canteiro de abóboras de Hagrid.
— Agora? — sussurrou Harry.
— Não! — exclamou Hermione. — Se o roubarmos agora, o pessoal da Comissão vai pensar que Hagrid soltou o bicho! Temos que esperar até verem que Bicuço está amarrado do lado de fora!
— Isso vai nos dar uns sessenta segundos — disse Harry. A coisa estava começando a parecer impossível.
Naquele instante, os garotos ouviram louça se partindo na cabana de Hagrid.
— É o Hagrid quebrando a leiteira — cochichou a garota. — Vou encontrar Perebas agora mesmo...
Não deu outra, alguns minutos depois, eles ouviram Hermione dar um grito agudo de surpresa.
— Mione — disse Harry de repente —, e se nós... Nós entrarmos lá e agarrarmos Pettigrew...
— Não! — exclamou Hermione num sussurro aterrorizado. — Você não compreende? Estamos violando uma das leis mais importantes da magia! Ninguém pode mudar o tempo! Você ouviu o que Dumbledore falou, se formos vistos...
— Mas só seríamos vistos por nós mesmos e por Hagrid!
— Harry, que é que você faria se visse você mesmo entrando pela casa de Hagrid? — perguntou Hermione.
— Eu acharia... Acharia que tinha ficado maluco — respondeu Harry — ou acharia que estava usando magia negra...
— Exatamente! Você não entenderia, você poderia até se atacar! Você não entende? A Profª. McGonagall me contou as coisas horríveis que aconteceram quando bruxos mexeram com o tempo...
Montes deles acabaram matando os “eus” passados ou futuros por engano!
— Ok! — concordou Harry. — Foi só uma idéia. Pensei...
Mas Hermione cutucou-o e apontou para o castelo. Harry espiou pelo lado para ter uma visão mais clara das portas de entrada.
Dumbledore, Fudge, o velhote da Comissão e Macnair, o carrasco, vinham descendo os degraus.
— Já estamos de saída! — sussurrou Hermione. E assim foi, momentos depois a porta dos fundos da cabana se abriu e Harry viu a si mesmo, Rony e Hermione saírem com Hagrid. Foi, sem dúvida, a sensação mais esquisita de sua vida, parado ali atrás da árvore, observando a si mesmo no canteiro de abóboras.
— Tudo bem, Bicucinho, tudo bem... — disse Hagrid ao bicho. Então se virou para os três garotos. — Vão. Andem logo.
— Hagrid, não podemos...
— Vamos contar a eles o que realmente aconteceu...
— Não podem matar Bicuço...
— Vão! Já está bastante ruim sem vocês se meterem em confusão!
Harry observou Hermione jogar a Capa da Invisibilidade sobre ele e Rony no canteiro de abóboras.
— Vão depressa. Não fiquem ouvindo...
Ouviu-se uma batida na porta de entrada da cabana. A comissão de execução chegara. Hagrid se virou para entrar em casa, deixando a porta dos fundos entreaberta. Harry observou a grama se achatar em certos pontos a toda volta da cabana de Hagrid e ouviu três pares de pés recuarem.
Ele, Rony e Hermione tinham ido embora... Mas o Harry e a Hermione escondidos no meio das árvores escutavam, pela porta dos fundos, o que estava acontecendo no interior da cabana.
— Onde está o animal? — disse a voz fria de Macnair.
— Lá... Lá fora — respondeu Hagrid, rouco.
Harry escondeu a cabeça quando o rosto de Macnair apareceu à janela da cabana, para espiar Bicuço. Então os garotos ouviram a voz de Fudge.
— Nós... Hum... Temos que ler para você a notificação oficial da execução, Hagrid. Vou ser rápido. Depois, você e Macnair precisão assiná-la. Macnair, você precisa escutar também, é a praxe...
O rosto do carrasco desapareceu da janela. Era agora ou nunca.
— Espera aqui — cochichou Harry para Hermione. — Eu faço.
Quando a voz de Fudge recomeçou, Harry saiu correndo do seu esconderijo atrás da árvore, saltou a cerca para o canteiro de abóboras e se aproximou de Bicuço.
— Por decisão da Comissão para Eliminação de Criaturas Perigosas o hipogrifo Bicuço, doravante chamado condenado, será executado no dia seis de junho ao pôr-do-sol...
Com cuidado para não piscar, Harry encarou os ferozes olhos cor de laranja de Bicuço mais uma vez e fez uma reverência, O hipogrifo dobrou os joelhos escamosos e em seguida tornou a se levantar. Harry começou a desamarrar a corda que prendia o hipogrifo à cerca.
— ... Por decapitação, a ser executada pelo carrasco nomeado pela Comissão, Walden Macnair...
— Vamos Bicuço — murmurou Harry —, vamos, nós vamos te ajudar. Quietinho... Quietinho...
— ... Conforme testemunham abaixo. Hagrid, você assina aqui...
Harry jogou todo o seu peso contra a corda, mas Bicuço cravara as patas dianteiras na terra.
— Bem, vamos acabar com isso — disse a voz aguda do velhote da Comissão dentro da cabana. — Hagrid, talvez seja melhor você ficar aqui dentro...
— Não, eu... Eu quero ficar com ele... Não quero que ele fique sozinho...
Soaram passos dentro da cabana.
— Bicuço, anda!— sibilou Harry.
Harry puxou com mais força a corda presa ao pescoço dele. O hipogrifo começou a andar, farfalhando as asas com irritação. Ele e Harry ainda estavam a três metros da floresta, bem à vista da porta dos fundos da cabana.
— Um momento, por favor, Macnair — ouviram a voz de Dumbledore. — Você precisa assinar também. — Os passos pararam. Harry puxou a corda com força.
Bicuço deu um estalo com o bico e andou um pouco mais rápido.
O rosto pálido de Hermione aparecia pelo lado do tronco da árvore.
— Harry, depressa! — murmurou ela.
O garoto ainda ouvia a voz de Dumbledore dentro da cabana. Deu outro puxão na corda. Bicuço começou a trotar de má vontade. Alcançaram as árvores...
— Depressa! Depressa! — gemia Hermione, que saiu de trás da arvore, agarrou também a corda e acrescentou seu peso para fazer Bicuço andar mais depressa. Harry espiou por cima do ombro; agora tinham desaparecido de vista; mas também não podiam ver a horta de Hagrid.
— Pare! — disse ele a Hermione. — Poderiam nos ouvir..
A porta dos fundos da cabana se abriu com violência. Harry, Hermione e Bicuço ficaram muito quietos; até o hipogrifo parecia estar prestando atenção.
— Silêncio... então...
— Onde está ele? — perguntou a voz fraquinha do velhote da Comissão. — Onde está o bicho?
— Estava amarrado aqui! — disse o carrasco, furioso. — Eu o vi! Bem aqui!
— Que extraordinário! — exclamou Alvo Dumbledore. Havia um tom de riso em sua voz.
— Bicuço! — exclamou Hagrid, rouco.
Ouviu-se o ruído de uma lâmina cortando o ar e a pancada de um machado. O carrasco, enraivecido, aparentemente brandira o machado contra a cerca. Então, ouviu-se um berreiro e desta vez eles distinguiram as palavras de Hagrid entre os soluços.
— Foi-se! Foi-se! Abençoado seja ele, foi embora! Deve ter se soltado! Bicucinho, que garoto inteligente!
Bicuço começou a puxar a corda com força, tentando voltar para Hagrid. Harry e Hermione seguraram a corda com firmeza e enterraram os saltos no chão da floresta para reter o bicho.
— Alguém o desamarrou! — rosnou o carrasco. —Devíamos revistar a propriedade, a floresta...
— Macnair, se Bicuço foi realmente roubado, você acha que o ladrão o levou a pé? — perguntou Dumbledore, ainda em tom divertido. — Procurem nos céus, se quiserem... Hagrid, uma xícara de chá me cairia bem. Ou um bom cálice de conhaque.
— C... Claro, professor — disse Hagrid, que parecia fraco de tanta felicidade. — Entre, entre...
Harry e Hermione apuraram os ouvidos. Ouviram passos, o carrasco xingando baixinho, o clique da porta e, então, mais uma vez o silêncio.
— E agora? — sussurrou Harry, olhando para os lados.
— Vamos ter que nos esconder aqui — disse Hermione, que parecia muito abalada. — Precisamos esperar até eles voltarem para o castelo. Depois esperamos até poder voar com Bicuço em segurança até a janela de Sirius. Ele vai demorar lá mais duas horas... Ah, isso vai ser difícil..
A garota espiou, nervosa, por cima do ombro as profundezas da floresta. O sol ia se pondo.
— Vamos ter que mudar de lugar — disse Harry se concentrando. — Temos que poder ver o Salgueiro Lutador ou não vamos saber o que está acontecendo.
— Ok — concordou Hermione, segurando a corda de Bicuço com mais firmeza. — Mas temos que ficar onde ninguém possa nos ver Harry, lembre-se...
Os dois saíram pela orla da floresta, à noite escurecendo tudo à volta, até poderem se esconder atrás de um grupo de árvores, entre as quais eles podiam avistar o salgueiro.
— Olha lá o Rony! — exclamou Harry de repente.
Um vulto escuro ia correndo pelos jardins e seu grito ecoava pelo ar parado da noite.
— Fique longe dele... Fique longe... Perebas, volta aqui...
Então os garotos viram mais dois vultos se materializarem do nada. Harry observou ele próprio e Hermione correrem atrás de Rony. Depois viram Rony mergulhar.
— Te peguei! Dá o fora, seu gato fedorento...
— Olha lá o Sirius! — exclamou Harry. A forma enorme de um cão saltou das raízes do salgueiro. Eles o viram derrubar Harry, depois agarrar Rony... — Parece ainda pior visto daqui, não é? — comentou Harry, observando o cão puxar Rony para baixo das raízes. — Ai... Olha, acabei de levar uma baita lambada da árvore...
E você também... Que coisa esquisita...
O Salgueiro Lutador rangia e dava golpes com os ramos mais baixos; os garotos se viam correndo para cá e para lá, tentando chegar até o tronco. E então a árvore se imobilizou.
— Isso foi o Bichento apertando o nó — disse Hermione.
— E lá vamos nós... — murmurou Harry — Entramos.
No momento em que eles desapareceram, a árvore recomeçou a se agitar. Segundos depois, os garotos ouviram passos muito próximos. Dumbledore, Macnair, Fudge e o velhote da Comissão estavam regressando ao castelo.
— Logo depois de termos descido pela passagem! — exclamou Hermione. — Se ao menos Dumbledore tivesse ido conosco...
— Macnair e Fudge teriam ido também — disse Harry amargurado. — Aposto o que você quiser como Fudge teria mandado Macnair matar Sirius na hora...
Os garotos observaram os quatro homens subirem os degraus do castelo e desaparecer de vista. Durante alguns minutos os jardins ficaram desertos. Então...
— Aí vem Lupin! — disse Harry ao ver outro vulto descer correndo os degraus de pedra e se dirigir ao salgueiro. Harry olhou para o céu. As nuvens estavam obscurecendo completamente a luz.
Os dois acompanharam Lupin apanhar um galho seco do chão e empurrar com ele o nó do tronco. A árvore parou de lutar, e o professor, também, desapareceu no buraco entre as raízes.
— Se ao menos ele tivesse apanhado a capa — lamentou Harry.
— Está caída bem ali...
E, virando-se para Hermione.
— Se eu desse uma corrida agora e apanhasse a capa, Snape nunca poderia se apoderar dela e...
— Harry não podemos ser vistos!
— Como é que você agüenta isso? — perguntou ele a Hermione impetuosamente. — Ficar parada aqui olhando a coisa acontecer? — Ele hesitou. — Vou apanhar a capa!
— Harry não!
Hermione agarrou Harry pelas costas das vestes bem na hora.
Naquele instante, ouviu-se uma cantoria. Era Hagrid, ligeiramente trôpego, a caminho do castelo, cantando a plenos pulmões. Um garrafão balançava em suas mãos.
— Viu? — sussurrou Hermione. — Viu o que teria acontecido? Temos que ficar escondidos! Não, Bicuço!
O hipogrifo fazia tentativas frenéticas para chegar até Hagrid;
Harry agarrou a corda também, fazendo força para manter o animal parado.
Os garotos observaram Hagrid caminhar, bêbado, até o castelo. Bicuço parou de brigar para ir embora. Deixou a cabeça pender tristemente.
Não havia se passado nem dois minutos e as portas do castelo tornaram a se escancarar, era Snape que saía decidido, e rumava para o salgueiro.
Os punhos de Harry se fecharam quando eles viram Snape parar derrapando próximo à árvore, olhando para os lados. Depois, apanhou a capa e levantou-a.
— Tira suas mãos imundas daí — rosnou Harry para si mesmo.
— Psiu!
Snape apanhou o galho seco que Lupin usara para imobilizar a árvore, cutucou o nó e desapareceu de vista ao se cobrir com a capa.
— Então é isso — disse Hermione baixinho. — Estamos todos lá embaixo... E agora temos que esperar até voltarmos da passagem...
A garota pegou a ponta da corda de Bicuço e amarrou-a bem segura na árvore mais próxima, então, sentou-se no chão seco, os braços em torno dos joelhos.
— Harry, tem uma coisa que eu não entendo... Por que os dementadores não pegaram Sirius? Eu me lembro deles chegando, aí acho que desmaiei... Havia tantos...
Harry se sentou também. E explicou o que vira; que na hora em que o dementador mais próximo chegou a boca junto à de Harry, uma coisa grande e prateada viera galopando do lago e forçara os dementadores a se retirarem.
A boca de Hermione estava ligeiramente aberta quando Harry terminou.
— Mas o que era a coisa?
— Só tem uma coisa que podia ter sido, para fazer os dementadores irem embora — disse Harry. — Um Patrono de verdade. Bem poderoso.
— Mas quem o conjurou?
Harry não respondeu nada. Estava relembrando a pessoa que vira na outra margem do lago. Sabia quem ele pensara que era... Mas como seria possível?
— Você não viu com quem se parecia? — perguntou Hermione ansiosa. — Foi um dos professores?
— Não — disse Harry. — Não era um professor.
— Mas deve ter sido um bruxo realmente poderoso, para fazer todos aqueles dementadores irem embora... Se o Patrono era tão brilhante, a luz não iluminava ele? Você não pôde ver...?
— Claro que vi — disse Harry lentamente. — Mas talvez... Eu tenha imaginado que vi... Eu não estava pensando direito... Desmaiei logo em seguida...
— Quem foi que você pensou que viu?
— Acho... — Harry engoliu em seco, sabendo como era estranho o que ia dizer. — Acho que foi o meu pai.
Harry olhou para Hermione e viu que a boca da menina se abrira de vez. Ela o olhava com uma mistura de susto e piedade.
— Harry, seu pai está... Bem... Morto — disse ela baixinho.
— Eu sei — respondeu Harry depressa.
— Você acha que viu o fantasma dele?
— Não sei... Não... Parecia sólido...
— Mas então...
— Vai ver eu andei vendo coisas — disse Harry. — Mas... Pelo que pude ver... Parecia ele... Tenho fotos dele...
Hermione continuava a mirá-lo como se estivesse preocupada com a sanidade do amigo.
— Sei que parece doideira — falou Harry, sem animação. E se virou para olhar Bicuço, que enterrava o bico no chão, aparentemente à procura de vermes.
Mas na realidade o garoto não estava olhando para Bicuço.
Estava pensando no pai e nos três amigos mais antigos do pai... Aluado, Rabicho, Almofadinhas e Pontas... Será que os quatro tinham estado em Hogwarts esta noite? Rabicho reaparecera quando todos pensavam que estivesse morto...
Seria tão impossível que o mesmo acontecesse com o seu pai? Será que andara vendo coisas no lago? O vulto estava demasiado longe para vê-lo com clareza... Contudo, Harry tivera uma certeza momentânea antes de perder a consciência...
A folhagem no alto rumorejava baixinho à brisa. A lua aparecia e desaparecia por trás das nuvens que deslizavam pelo céu. Hermione, sentada com o rosto virado para o salgueiro, aguardava.
Então, finalmente, passada uma hora...
— Aí vêm eles! — sussurrou Hermione.
Ela e Harry se levantaram. Bicuço ergueu a cabeça. Então os garotos viram Lupin, Rony e Pettigrew saindo desajeitados do buraco nas raízes. Depois veio Hermione... O inconsciente Snape, flutuando estranhamente. Em seguida subiram Harry e Black.
Todos saíram caminhando em direção ao castelo.
O coração de Harry começou a bater muito depressa. Ele olhou para o céu. A qualquer momento agora, aquela nuvem ia se afastar e mostrar a lua...
— Harry — murmurou Hermione como se soubesse exatamente o que ele estava pensando —, temos que ficar parados. Não podemos ser vistos. Não tem nada que a gente possa fazer...
— Então vamos deixar Pettigrew escapar outra vez... — protestou Harry baixinho.
— Como é que você espera encontrar um rato no escuro? — retrucou Hermione irritada. — Não tem nada que a gente possa fazer! Voltamos para ajudar Sirius; não é para fazer mais nada!
— Está bem!
A lua deslizou para fora da cobertura de nuvens. Os dois viram os pequenos vultos que atravessavam os jardins pararem. Então perceberam um movimento...
— Lá vai Lupin — cochichou Hermione. — Ele está se transformando...
— Hermione! — disse Harry de repente. — Temos que mudar de lugar!
— Já disse que não podemos...
— Não podemos interferir! Mas Lupin vai correr para dentro da floresta, bem por onde estamos!
Hermione prendeu a respiração.
— Depressa! — gemeu ela, correndo para soltar Bicuço. — Depressa! Aonde é que nós vamos? Onde é que vamos nos esconder? Os dementadores vão chegar a qualquer momento...
— Vamos voltar para a cabana de Hagrid! — disse Harry. — Está vazia agora... Vamos!
Os garotos correram a toda velocidade, Bicuço atrás deles.
Ouviam o Lobisomen uivando em sua cola...
Avistaram a cabana; Harry derrapou diante da porta, escancarou-a, e Hermione e Bicuço passaram como relâmpagos por ele; o garoto se atirou para dentro e trancou a porta. Canino, o cão de casar javalis, latiu com força.
— Psiu, Canino, somos nós! — disse Hermione, correndo a coçar atrás das orelhas do cão para sossegá-lo. — Essa foi por pouco! — disse ela a Harry.
— Acho melhor sair, sabe — disse Harry lentamente. — Não consigo ver o que está acontecendo... Não vamos saber quando for a hora...
Hermione ergueu a cabeça. Tinha uma expressão desconfiada.
— Não vou tentar interferir — disse Harry depressa. — Mas se não virmos o que está acontecendo, como é que vamos saber quando temos que salvar Sirius?
— Bem... Ok, então... Fico esperando aqui com o Bicuço... Mas Harry, tenha cuidado, tem um Lobisomen solto lá fora... E os dementadores...
Harry saiu e contornou a cabana. Ouvia latidos ao longe. Isto significava que os dementadores estavam fechando o cerco sobre Sirius...
Ele e Hermione iriam correr para Sirius a qualquer instante...
Harry espiou para as bandas do lago, seu coração produzindo uma espécie de batuque no seu peito... Quem quer que tivesse mandado o Patrono iria aparecer a qualquer momento...
Por uma fração de segundo ele parou, indeciso, diante da porta da cabana. “Você não pode ser visto”. Mas ele não queria ser visto.
Queria ver... Tinha que saber...
E lá estavam os dementadores. Emergiam da noite, vindos de todas as direções, deslizando pela orla do lago... Estavam se distanciando do ponto em que Harry se encontrava, em direção à margem oposta... Ele não teria que se aproximar deles...
Harry começou a correr. Não tinha outro pensamento na cabeça senão o pai... Se fosse ele... Se fosse realmente ele... Harry precisava saber, precisava descobrir...
O lago estava cada vez mais próximo, mas não havia sinal de ninguém. Na margem oposta, Harry vislumbrou minúsculos pontos prateados, suas próprias tentativas de produzir um Patrono...
Havia uma moita bem na beirinha da água. Harry se atirou atrás dela, e espiou desesperado entre as folhas. Na margem oposta, os reflexos prateados de repente se extinguiram. Uma mescla de terror e excitação percorreu seu corpo, a qualquer momento agora...
— Vamos! — murmurou, olhando com atenção para os lados. — Onde é que você está! Papai, anda...
Mas não veio ninguém. Harry ergueu a cabeça para olhar o círculo de dementadores do outro lado do lago. Um deles estava despindo o capuz. Estava na hora do salvador aparecer, mas ninguém ia aparecer para ajudar desta vez...
E então a explicação lhe ocorreu, ele compreendeu. Não vira o pai vira a si mesmo...
Harry se precipitou para fora da moita e puxou a varinha.
— EXPECTO PATRONUM! — berrou.
E da ponta de sua varinha irrompeu, não uma nuvem disforme, mas um animal prateado, deslumbrante, ofuscante. Ele apertou os olhos tentando ver o que era.
Parecia um cavalo. Galopava silenciosamente se afastando dele, atravessando a superfície escura do lago. Ele viu o animal abaixar a cabeça e investir contra o enxame de dementadores... Agora, a galope, ele cercava os vultos escuros no chão, e os dementadores recuavam, se dispersavam, batiam em retirada na noite... Desapareciam.
O Patrono deu meia-volta. Veio em direção a Harry atravessando a superfície parada das águas. Não era um cavalo. Não era um unicórnio, tampouco. Era um cervo. Reluzia intensamente ao luar... Estava retornando a ele...
Parou na margem. Seus cascos não deixaram pegadas no chão macio quando ele encarou Harry com os grandes olhos prateados.
Lentamente, ele curvou a cabeça cheia de galhos. E Harry percebeu...
— Pontas — sussurrou.
Mas quando os dedos trêmulos de Harry se estenderam para o bicho, ele desapareceu.
Harry continuou parado ali, a mão estendida. Então com um grande salto no coração, ele ouviu o ruído de cascos às suas costas — virou-se e viu Hermione correndo para ele, arrastando Bicuço.
— Que foi que você fez? — perguntou ela com raiva. — Você disse que ia ficar vigiando!
— Acabei de salvar as nossas vidas... — disse Harry. — Vem aqui para trás, atrás dessa moita, eu explico.
Hermione ouviu o relato do que acabava de acontecer, outra vez boquiaberta.
— Alguém viu você?
— Está vendo, você não ouviu nada! Eu me vi e achei que era o meu pai! Tudo bem!
— Harry, nem posso acreditar... Você conjurou um Patrono que espantou todos aqueles dementadores! Isto é magia muito adiantada, mas muito mesmo...
— Eu sabia que podia fazer isso desta vez — disse Harry —, porque já tinha feito antes... Faz sentido?
— Não sei... Harry, olha o Snape!
Juntos eles olharam para a outra margem. Snape recuperara os sentidos. Estava conjurando macas e erguendo as formas inertes de Harry, Hermione e Black para cima delas. Uma quarta maca, sem dúvida carregando Rony, já estava flutuando ao seu lado. Então, com a varinha segura à frente, ele os transportou para o castelo.
— Certo, está quase na hora — disse Hermione olhando, tensa, para o relógio. — Temos uns quarenta e cinco minutos até Dumbledore fechar a porta da ala hospitalar. Temos que salvar Sirius e voltar à enfermaria antes que alguém perceba que estamos ausentes...
Os dois esperaram, observando o reflexo das nuvens que se moviam sobre o lago, enquanto a moita ao lado sussurrava à brisa. Bicuço, entediado, estava novamente bicando a terra à procura de vermes.
— Você acha que ele já está lá em cima? — perguntou Harry, consultando o relógio. Em seguida olhou para o castelo e começou a contar as janelas à direita da Torre Oeste.
— Olha! — sussurrou Hermione. — Quem é aquele? Alguém está saindo do castelo!
Harry olhou para o escuro. O homem estava correndo pelos jardins, em direção a uma das entradas. Uma coisa reluzente faiscava em seu cinto.
— Macnair! — exclamou Harry. — O carrasco! Ele foi chamar os dementadores! É agora, Mione...
Hermione pôs as mãos nas costas de Bicuço e Harry a ajudou a montar. Então ele apoiou o pé em um dos galhos mais baixos da moita e montou à frente da garota.
Depois puxou a corda de Bicuço por cima do pescoço e amarrou-a como se fossem rédeas.
— Pronta? — cochichou para Hermione. — É melhor você se segurar em mim...
E bateu os calcanhares nos lados de Bicuço.
O bicho saiu voando pela noite. Harry comprimiu os flancos de Bicuço com os joelhos, sentindo as grandes asas erguerem-se com força por baixo deles. Hermione segurava Harry muito apertado, pela cintura; ele a ouvia reclamar baixinho.
— Ah, não... Não estou gostando disso... Ah, não estou gostando nem um pouco disso...
Harry incitou Bicuço para fazê-lo avançar. Eles começaram a voar silenciosamente em direção aos andares superiores do castelo. Harry puxou com força o lado esquerdo da corda e Bicuço virou para aquele lado. O garoto tentava contar as janelas que passavam velozes...
— Ôôo! — comandou puxando a corda para si com toda a força que pôde.
O hipogrifo reduziu a velocidade e eles pararam, salvo se considerarmos o fato de que continuavam a subir e descer quase um metro de cada vez, quando o bicho batia as asas para se manter no ar.
— Ele está ali! — disse Harry apontando para Sirius quando emparelharam com uma janela. O garoto estendeu a mão e, quando as asas de Bicuço baixaram, conseguiu dar umas pancadinhas na vidraça.
Black olhou. Harry viu o queixo dele cair de espanto. O homem saltou da cadeira, correu à janela e tentou abri-la, mas estava trancada.
— Se afaste! — pediu Hermione tirando a varinha, ainda agarrando as vestes de Harry com a mão esquerda.
— Alorromora!
A janela se escancarou.
— Como... Como...? — exclamou Black com a voz fraca, olhando para o hipogrifo.
— Sobe, não temos muito tempo — disse Harry, segurando Bicuço com firmeza pelos lados do pescoço escorregadio para mantê-lo parado. — Você tem que sair daqui, os dementadores estão chegando, Macnair foi buscar eles.
Black colocou as mãos dos lados da janela e ergueu a cabeça e os ombros para fora. Foi uma sorte estar tão magro. Em segundos, ele conseguiu passar uma perna por cima do lombo de Bicuço e montar o bicho atrás de Hermione.
— Ok, Bicuço, para cima! — disse Harry sacudindo a corda.
— Para a torre, anda!
O hipogrifo bateu uma vez as asas possantes e eles recomeçarão a voar para o alto, até o topo da Torre Oeste. Bicuço pousou com um ruído de cascos nas ameias do castelo e os garotos escorregaram para o chão.
— Sirius, é melhor você ir depressa — ofegou Harry. — Eles vão chegar na sala de Flitwick a qualquer momento, e vão descobrir que você fugiu.
Bicuço pateou o chão, sacudindo a cabeça pontuda.
— Que aconteceu com o outro garoto? Rony! — perguntou Sirius rouco.
— Ele vai ficar bom. Ainda está desacordado, mas Madame Pomfrey diz que vai dar um jeito nele. Depressa, vai...
Mas Black continuava a olhar para Harry.
— Como é que vou poder lhe agradecer...
— VAI! — gritaram ao mesmo tempo Harry e Hermione.
Black fez Bicuço virar para o céu aberto.
— Nós vamos nos ver outra vez — disse ele. — Você é bem filho do seu pai, Harry...
E, então, apertou os flancos de Bicuço com os calcanhares. Harry e Hermione deram um salto para trás quando as enormes asas se ergueram mais uma vez... O hipogrifo saiu voando pelos ares... Ele e seu cavaleiro foram ficando cada vez menores enquanto Harry os observava... Então uma nuvem encobriu a lua... E eles desapareceram.
CAPÍTULO VINTE E DOIS
Novo Correio-Coruja
— Harry! — Hermione estava puxando a manga do garoto, com os olhos no seu próprio relógio. — Temos exatamente dez minutos para voltar à ala hospitalar sem que ninguém nos veja, antes que Dumbledore tranque a porta...
— Ok — disse Harry, parando de contemplar o céu —, vamos... — Os dois saíram pela porta às costas deles e desceram uma escada de pedra circular muito estreita. Quando chegaram embaixo ouviram vozes. Colaram o corpo contra a parede e escutaram. Pareciam as vozes de Fudge e Snape. Os dois caminhavam depressa pelo corredor no qual terminava a escada.
— ... Só espero que Dumbledore não crie dificuldades — dizia Snape. — O beijo será executado imediatamente?
— Assim que Macnair voltar com os dementadores. Todo esse caso Black tem sido muitíssimo constrangedor. Nem posso lhe dizer como estou ansioso para informar ao Profeta Diário que finalmente o capturamos... Acho provável que queiram entrevistá-lo, Snape... E quando Harry tiver voltado ao normal, espero que se disponha a contar ao Profeta exatamente como foi que você o salvou...
Harry cerrou os dentes. Viu de relance o sorriso presunçoso de Snape, quando o professor e Fudge passaram pelo lugar em que ele e Hermione estavam escondidos. O eco dos passos dos homens foi se distanciando. Os dois garotos esperaram alguns minutos para ter certeza de que tinham realmente ido embora, então começaram a correr na direção oposta. Desceram uma escada, depois outra, correram por um corredor, então ouviram uma risada escandalosa à frente.
— Pirraça! — murmurou Harry, agarrando o pulso de Hermione. — Aqui!
Eles se precipitaram para dentro de uma sala de aula à esquerda, na hora “H”. Ao que parecia, Pirraça vinha saltitando pelo corredor apregoando bom humor, rindo de se acabar.
— Ah, ele é horrível! — sussurrou Hermione, o ouvido encostado à porta. — Aposto como está nessa excitação toda porque os dementadores vão liquidar Sirius... — Ela tornou a consultar o relógio. — Três minutos, Harry!
Os garotos aguardaram a voz satisfeita de Pirraça sumir ao longe, então abandonaram a sala e desataram a correr.
— Hermione, que é que vai acontecer, se não conseguirmos voltar antes de Dumbledore trancar a porta? — ofegou Harry.
— Nem quero pensar! — gemeu Hermione, verificando novamente o relógio. — Um minuto!
Os dois tinham chegado ao fim do corredor em que ficava a entrada para a ala hospitalar.
— Ok... Estou ouvindo Dumbledore — disse Hermione tensa. — Vamos Harry!
Saíram sorrateiramente pelo corredor A porta da enfermaria se abriu. Apareceram as costas de Dumbledore.
— Vou trancá-los — os garotos o ouviram dizer. — Faltam cinco minutos para a meia-noite. Srta. Granger, três voltas devem bastar. Boa sorte.
Dumbledore recuou para fora da enfermaria, fechou a porta e puxou a varinha para trancá-la magicamente. Em pânico, Harry e Hermione correram ao seu encontro.
Dumbledore ergueu os olhos e apareceu um largo sorriso sob seus compridos bigodes prateados.
— Então? — perguntou ele baixinho.
— Conseguimos! — disse Harry ofegante. — Sirius já foi, montado em Bicuço...
Dumbledore sorriu radiante para os garotos.
— Muito bem! Acho que... — Ele escutou atentamente para verificar se havia algum ruído no interior da ala hospitalar. — É, acho que vocês também já foram: entrem, vou trancá-los...
Harry e Hermione entraram na enfermaria. Estava vazia exceto por Rony, que continuava deitado imóvel na cama ao fundo. Ao ouvirem o clique da fechadura, Harry e Hermione voltaram às suas camas, e a garota guardou o Vira-Tempo, dentro das vestes. Um instante depois, Madame Pomfrey saiu de sua sala.
— Foi o diretor que eu ouvi saindo? Será que já posso cuidar dos meus pacientes?
A enfermeira estava muito mal-humorada. Harry e Hermione acharam melhor aceitar o chocolate que ela trazia sem resistência.
Madame Pomfrey ficou vigiando para ter certeza de que eles o comessem. Mas Harry mal conseguia engolir. Ele e Hermione estavam esperando, escutavam, os nervos vibrando desafinados...
Então, quando aceitaram o quarto pedaço de chocolate de Madame Pomfrey, eles ouviram ao longe o ronco de fúria que ecoava em algum ponto do andar acima...
— Que foi isso? — perguntou Madame Pomfrey assustada.
Agora ouviam vozes raivosas, que iam se avolumando sem parar. A enfermeira tinha os olhos na porta.
— Francamente, vão acordar todo mundo! Que é que eles acham que estão fazendo?
Harry tentava ouvir o que as vozes diziam. Elas foram se aproximando...
— Ele deve ter desaparatado, Severo. Devíamos ter deixado alguém na sala vigiando. Quando isto vazar...
— ELE NÃO DESAPARATOU! — vociferou Snape, agora muito próximo. — NÃO SE PODE APARATAR NEM DESAPARATAR DENTRO DESTE CASTELO! ISTO... TEM... DEDO... DO... POTTER!
— Severo... Seja razoável... Harry está trancado...
PAM.
A porta da ala hospitalar se escancarou.
Fudge, Snape e Dumbledore entraram na enfermaria. Somente o diretor parecia calmo. De fato, parecia que estava se divertindo. Fudge tinha uma expressão zangada. Mas Snape estava fora de si.
— DESEMBUCHE, POTTER! — berrou ele. — QUE FOI QUE VOCÊ FEZ?
— Professor Snape! — protestou esganiçada Madame Pomfrey. — Controle-se!
— Olhe aqui, Snape, seja razoável — ponderou Fudge. — A porta esteve trancada, acabamos de constatar..
— ELES AJUDARAM BLACK A ESCAPAR EU SEI! — berrou Snape, apontando para Harry e Hermione. Seu rosto estava contorcido; voava cuspe de sua boca.
— Acalme-se, homem! — ordenou Fudge. — Você está falando disparates!
— O SENHOR NÃO CONHECE POTTER! — berrou Snape em falsete. — FOI ELE, EU SEI QUE FOI ELE QUE FEZ ISSO...
— Chega, Severo — disse Dumbledore em voz baixa. — Pense no que está dizendo. A porta esteve trancada desde que deixei a enfermaria dez minutos atrás. Madame Pomfrey, esses garotos saíram da cama?
— Claro que não! — respondeu Madame Pomfrey com eficiência. — Eu os teria ouvido!
— Aí está, Severo — disse Dumbledore calmamente. — A não ser que você esteja sugerindo que Harry e Hermione sejam capazes de estar em dois lugares ao mesmo tempo, receio que não haja sentido em continuar a perturbá-los.
Snape ficou parado ali, procurando, olhando de Fudge, que parecia extremamente chocado com o procedimento do professor, para Dumbledore cujos olhos cintilavam por trás dos óculos. Snape deu meia-volta, as vestes rodopiando para trás, e saiu enfurecido da enfermaria.
— O homem parece que é bem desequilibrado — disse Fudge, acompanhando-o com o olhar. — Eu me precaveria se fosse você, Dumbledore.
— Ah, ele não é desequilibrado — disse Dumbledore em voz baixa. — Apenas sofreu um grave desapontamento.
— Ele não é o único! — bufou Fudge. — O Profeta Diário vai ter um grande dia! Tivemos Black encurralado e ele nos escapa entre os dedos outra vez! Só falta agora a história da fuga do hipogrifo vazar, para eu virar motivo de pilhérias! Bom... É melhor eu ir notificar o Ministério...
— E os dementadores? — disse Dumbledore. — Serão retirados da escola, eu espero.
— Ah, claro, eles terão que se retirar — disse Fudge, passando os dedos, distraidamente, pelos cabelos. — Nunca sonhei que tentariam executar o beijo em um garoto inocente... Completamente descontrolado... Não, mandarei despachá-los de volta a Azkaban ainda hoje à noite... Talvez devêssemos estudar a colocação de dragões à entrada da escola...
— Hagrid iria gostar — disse Dumbledore, sorrindo para Harry e Hermione.
Quando o diretor e Fudge iam saindo do quarto, Madame Pomfrey correu até a porta e tornou a trancá-la. E resmungando, aborrecida, voltou à sua salinha.
Ouviu-se um gemido baixo na outra ponta da enfermaria. Rony acordara. Eles o viram sentar-se, esfregar a cabeça e olhar para todos os lados.
— Que... Que aconteceu? — gemeu ele. — Harry? Por que estamos aqui? Onde é que foi o Sirius? Onde é que foi o Lupin? Que está acontecendo?
Harry e Hermione se entreolharam.
— Você explica — pediu Harry, servindo-se de mais um pedaço de chocolate.
Quando Harry, Rony e Hermione deixaram a ala hospitalar ao meio-dia do dia seguinte, foi para encontrar um castelo quase deserto. O calor sufocante e o fim dos exames sinalizavam que todos estavam aproveitando ao máximo mais uma visita a Hogsmeade. Nem Rony nem Hermione, porém, tiveram vontade de ir, assim, os dois e Harry perambularam pelos jardins, ainda discutindo os acontecimentos extraordinários da noite anterior e se perguntando onde estariam Sirius e Bicuço naquela hora. Sentados perto do lago, observando a lula gigante agitar preguiçosamente seus tentáculos à superfície das águas, Harry perdeu o fio da conversa contemplando a margem oposta do lago. O cervo galopara em sua direção ali, ainda na noite anterior...
Uma sombra caiu sobre eles e, ao olharem, depararam com um Hagrid de olhos muito vermelhos, enxugando o rosto úmido de suor com um lenço do tamanho de uma toalha de mesa, e sorrindo para os três.
— Sei que não devia me sentir feliz depois do que aconteceu ontem à noite — disse ele. — Quero dizer, a nova fuga de Black e tudo o mais, mas sabem de uma coisa?
— O quê? — perguntaram os garotos em coro, fingindo curiosidade.
— Bicuço! Ele fugiu! Está livre! Passei a noite toda festejando!
— Que fantástico! — exclamou Hermione lançando a Rony um olhar de censura porque ele parecia prestes a cair na risada.
— É... Não devo ter amarrado ele direito — concluiu Hagrid, apreciando os jardins. — Estive preocupado hoje de manhã, vejam bem... Achei que ele podia ter topado com o Profº. Lupin por aí, mas o professor disse que não comeu nada ontem à noite...
— Quê? — perguntou Harry depressa.
— Caramba, vocês não souberam? — disse Hagrid, o sorriso se desfazendo. Em seguida, baixou a voz, ainda que não houvesse ninguém à vista. — Hum... Snape anunciou para os alunos da Sonserina hoje de manhã... Achei que, a essa altura, todo mundo já soubesse... O Profº. Lupin é Lobisomen, entendem. E esteve solto na propriedade ontem à noite. Ele está fazendo as malas agora, é claro.
— Ele está fazendo as malas? — repetiu Harry alarmado. — Por quê?
— Vai embora, não é? — disse Hagrid, parecendo surpreso que Harry tivesse feito uma pergunta daquela. — Pediu demissão logo de manhã. Diz que não pode arriscar que isto aconteça de novo.
Harry levantou-se depressa.
— Vou ver o professor — avisou a Rony e Hermione.
— Mas se ele se demitiu...
— ... Parece que não há nada que a gente possa fazer...
— Não faz diferença. Continuo querendo ver o professor. Encontro vocês aqui depois.
A porta da sala de Lupin estava aberta. O professor já guardara a maior parte dos seus pertences. O tanque vazio dogrindylow estava ao lado de sua mala surrada, aberta e quase cheia. Lupin curvava-se sobre alguma coisa em sua escrivaninha e ergueu a cabeça quando Harry bateu na porta.
— Vi-o chegando — disse Lupin com um sorriso. E apontou para o pergaminho que estivera examinando. Era o Mapa do Maroto.
— Acabei de encontrar Hagrid — disse Harry. — E soube dele que o senhor pediu demissão. Não é verdade, é?
— Receio que seja. — Lupin começou a abrir as gavetas da escrivaninha e a esvaziá-las.
— Por quê? — perguntou Harry. — O Ministério da Magia não está achando que o senhor ajudou Sirius, está?
Lupin foi até a porta e fechou-a.
— Não. O Profº. Dumbledore conseguiu convencer Fudge que eu estava tentando salvar as vidas de vocês. — Ele suspirou. — Isso foi a gota d"água para Severo. Acho que a perda da Ordem de Merlim o deixou muito abalado. Então ele... Hum... Acidentalmente deixou escapar hoje, no café da manhã, que eu era Lobisomen.
— O senhor não está indo embora só por causa disso! — espantou-se Harry.
Lupin sorriu enviesado.
— Amanhã a essa hora, vão começar a chegar as corujas dos pais... Eles não vão querer um Lobisomen ensinando a seus filhos, Harry. E depois de ontem à noite, eu entendo. Eu poderia ter mordido um de vocês... Isto não pode voltar a acontecer nunca mais.
— O senhor é o melhor professor de Defesa contra as Artes das Trevas que já tivemos! — disse Harry. — Não vá embora!
Lupin sacudiu a cabeça e ficou calado. Continuou a esvaziar as gavetas. Então, enquanto Harry tentava pensar em um bom argumento para convencê-lo a ficar, Lupin falou:
— Pelo que o diretor me contou hoje de manhã, vocês salvaram muitas vidas ontem à noite, Harry. Se eu tenho orgulho de alguma coisa que fiz este ano, foi o muito que você aprendeu comigo... Me conte sobre o seu Patrono.
— Como é que o senhor soube? — perguntou Harry espantado.
— Que mais poderia ter afugentado os dementadores?
Harry contou a Lupin o que acontecera. Quando terminou, o professor voltara a sorrir.
— É, seu pai se transformava sempre em cervo. Você acertou... É por isso que o chamávamos de Pontas.
Lupin jogou seus últimos livros em uma caixa, fechou as gavetas da escrivaninha e virou-se para fitar Harry.
— Tome, trouxe isto da Casa dos Gritos ontem à noite — disse, devolvendo a Harry a Capa da Invisibilidade. — E... — ele hesitou e em seguida devolveu o Mapa do Maroto também. — Não sou mais seu professor, por isso não me sinto culpado por lhe devolver isso também. Não serve para mim, e me arrisco a dizer que você, Rony e Hermione vão encontrar utilidade para o mapa.
Harry recebeu o mapa e sorriu.
— O senhor me disse que Aluado, Rabicho, Almofadinhas e Pontas tinham querido me atrair para fora da escola... O senhor disse que eles teriam achado graça.
— E teríamos — respondeu Lupin, abaixando-se para fechar a mala. — Não tenho dúvida em afirmar que Tiago teria ficado muitíssimo desapontado se o filho dele jamais descobrisse as passagens secretas para fora do castelo.
Ouviu-se uma batida na porta. Harry guardou apressadamente o Mapa do Maroto e a Capa da Invisibilidade no bolso.
Era o Profº. Dumbledore. Ele não pareceu surpreso de encontrar Harry ali.
— O seu coche já está no portão, Remo — anunciou ele.
— Obrigado, diretor.
Lupin apanhou sua velha mala e o tanque vazio do grindylow.
— Bom... Adeus, Harry — disse sorrindo. — Foi realmente um prazer ser seu professor. Tenho certeza de que voltaremos a nos encontrar. Diretor, não precisa me acompanhar até o portão, posso me arranjar...
Harry teve a impressão de que Lupin queria sair o mais rápido possível.
— Adeus, então, Remo — disse Dumbledore sério. Lupin empurrou ligeiramente o tanque do grindylow para poder apertar a mão de Dumbledore. Então, com um último aceno para Harry e um breve sorriso, Lupin saiu da sala.
Harry se sentou na cadeira desocupada, olhando tristemente para o chão. Ouviu a porta se fechar e ergueu a cabeça. Dumbledore continuava na sala.
— Por que tão infeliz, Harry? — perguntou em voz baixa. — Você deveria estar se sentindo muito orgulhoso depois do que fez à noite passada.
— Não fez nenhuma diferença — disse Harry com amargura. — Pettigrew conseguiu fugir.
— Não fez nenhuma diferença? — repetiu Dumbledore baixinho. — Fez toda a diferença do mundo, Harry você ajudou a desvendar a verdade. Salvou um homem inocente de um destino terrível.
Terrível. A palavra despertou uma lembrança na cabeça de Harry. Maior e mais terrível que nunca... A predição da Profª. Trelawney!
— Profº. Dumbledore, ontem, quando eu estava fazendo o exame de Adivinhação, a Profª. Trelawney ficou muito... Muito estranha.
— Verdade? — disse o diretor. — Hum... Mais estranha do que de costume, você quer dizer?
— É... A voz dela engrossou e os olhos giraram e ela falou... que o servo de Voldemort ia se juntar a ele antes da meia-noite... Disse que o servo ia ajudá-lo a voltar ao poder. — Harry ergueu os olhos para Dumbledore. — E então ela meio que voltou ao normal, mas não conseguiu se lembrar de nada que tinha falado. Era... Ela estava fazendo uma predição de verdade?
Dumbledore pareceu levemente impressionado.
— Sabe, Harry, acho que talvez estivesse — disse pensativo. — Quem teria imaginado? Isso eleva para duas o total de predições verdadeiras que ela já fez. Eu devia dar à professora um aumento de salário...
— Mas... — Harry olhou, perplexo, para o diretor. Como é que Dumbledore podia ouvir uma notícia dessas com tanta calma? — Mas... Eu impedi Sirius e o Profº. Lupin de matarem Pettigrew! Assim vai ser minha culpa se Voldemort voltar!
— Não vai, não — disse Dumbledore em voz baixa. — A sua experiência com o Vira-Tempo não lhe ensinou nada, Harry? As conseqüências de nossos atos são sempre tão complexas, tão diversas, que predizer o futuro é uma tarefa realmente difícil... A Profª. Trelawney, abençoada seja, é a prova viva disso... Você teve um gesto muito nobre salvando a vida de Pettigrew...
— Mas se ele ajudar Voldemort a voltar ao poder...
— Pettigrew lhe deve a vida. Você mandou a Voldemort um emissário que está em dívida com você... Quando um bruxo salva a vida de outro, forma-se um certo vínculo entre os dois... E estarei muito enganado se Voldemort aceitar um servo em dívida com Harry Potter.
— Eu não quero ter nenhum vínculo com Pettigrew! — exclamou Harry. — Ele traiu os meus pais!
— Assim é a magia no que ela tem de mais profundo e impenetrável, Harry. Mas confie em mim... Quem sabe um dia você se alegrará por ter salvado a vida de Pettigrew.
Harry não conseguiu imaginar quando seria isso. Dumbledore parecia ter adivinhado o que o garoto estava pensando.
— Conheci seu pai muito bem, tanto em Hogwarts quanto depois, Harry — disse o diretor com carinho. — Tiago teria salvado Pettigrew também, tenho certeza.
Harry olhou para o diretor. Dumbledore não riria, podia lhe contar...
— Ontem à noite, eu pensei que tinha sido o meu pai que tinha conjurado o meu Patrono. Quero dizer, pensei que estava vendo ele quando me vi atravessando o lago...
— Um engano normal — disse Dumbledore gentilmente. — Imagino que já esteja cansado de ouvir dizer, mas você é extraordinariamente parecido com Tiago. Exceto nos olhos... Você tem os olhos de sua mãe.
Harry sacudiu a cabeça.
— Foi burrice minha pensar que era ele — murmurou o garoto. — Quero dizer, eu sei que ele está morto.
— Você acha que os mortos que amamos realmente nos deixam? Você acha que não nos lembramos deles ainda mais claramente em momentos de grandes dificuldades? O seu pai vive em você, Harry, e se revela mais claramente quando você precisa dele. De que outra forma você poderia produzir aquele Patrono? Pontas reapareceu ontem à noite.
Levou um momento para Harry compreender o que Dumbledore acabara de dizer.
— Ontem à noite Sirius me contou como eles se tornaram Animagos — disse o diretor sorrindo. — Uma realização fantástica, e não é menos fantástico que tenham ocultado isso de mim. Então me lembrei da forma muito incomum que o seu Patrono assumiu, quando investiu contra o Sr. Malfoy na partida de Quadribol contra Corvinal. Sabe, Harry, de certa forma você realmente viu o seu pai ontem à noite... Você o encontrou dentro de si mesmo.
E Dumbledore saiu da sala deixando Harry com seus pensamentos muito confusos.
Ninguém em Hogwarts sabia a verdade do que acontecera na noite em que Sirius, Bicuço e Pettigrew desapareceram, exceto Harry, Rony, Hermione e o Profº. Dumbledore.
À medida que o trimestre foi chegando ao fim, Harry ouviu muitas teorias diferentes sobre o que realmente acontecera, mas nenhuma delas sequer se aproximava da verdadeira.
Malfoy estava enfurecido com a fuga de Bicuço. Acreditava que Hagrid encontrara um jeito de contrabandear o hipogrifo para um lugar seguro, e parecia indignado que ele e o pai tivessem sido enganados por um guarda-caça. Entrementes, Percy Weasley tinha muito a dizer sobre a fuga de Sirius.
— Se eu conseguir entrar para o ministério, apresentarei várias propostas sobre a execução das leis da magia! — disse ele à única pessoa que queria escutá-lo, sua namoradinha Penelope.
Embora o tempo estivesse perfeito, embora a atmosfera estivesse tão animada, embora ele soubesse que tinham realizado quase o impossível ao ajudar Sirius a continuar livre, Harry jamais chegara tão desanimado a um final de ano letivo.
Com certeza não era o único aluno que lamentava a partida do Profº. Lupin. A turma inteira de Defesa contra as Artes das Trevas amargara a demissão do professor.
— Quem será que vão nos dar o ano que vem? — perguntou Simas Finnigan deprimido.
— Quem sabe um vampiro — sugeriu Dino Thomas esperançoso.
Não era apenas a partida do Profº. Lupin que estava pesando na cabeça de Harry. Ele não podia deixar de pensar, e muito, na predição da Profª. Sibila Trelawney.
Ficava imaginando onde estaria Pettigrew, se já teria procurado guarida com Voldemort. Mas o que mais deprimia o ânimo de Harry era a perspectiva de regressar à casa dos Dursley. Durante talvez meia hora, uma gloriosa meia hora, acreditara que iria passar a morar com Sirius... O melhor amigo dos seus pais... Seria a segunda melhor coisa do mundo depois de ter o seu pai de volta. E ainda que não ter notícias de Sirius Black fosse decididamente uma boa notícia, pois significava que ele conseguira se esconder com sucesso, Harry não podia deixar de se entristecer quando pensava no lar que poderia ter tido e na circunstância de isso ter se tornado impossível.
Os resultados dos exames foram divulgados no último dia do ano letivo. Harry, Rony e Hermione tinham passado em todas as matérias. Harry se admirou de ter se dado bem em Poções. Suspeitava , muito perspicazmente, que Dumbledore talvez tivesse interferido para impedir Snape de reprová-lo de propósito.
O comportamento de Snape com relação a Harry na última semana tinha sido alarmante. O garoto não teria achado possível que a aversão do professor por ele pudesse aumentar, mas sem dúvida isto acontecera. Um músculo tremia incomodamente no canto da boca fina de Snape toda vez que ele olhava para Harry, e o bruxo flexionava os dedos todo o tempo, como se eles comichassem para apertar o pescoço de Harry.
Percy conseguira excelentes notas nos exames de N.I.E.M.’s (níveis incrivelmente exaustivos em magia); Fred e Jorge passaram raspando nos exames para obter seus N.O.M.s (níveis ordinários em magia). Entrementes, a casa de Grifinória, em grande parte graças ao seu espetacular desempenho na conquista da Taça de Quadribol, ganhara o Campeonato das Casas, pelo terceiro ano consecutivo.
Isto significou que a festa de encerramento do ano letivo se realizou em meio a decorações vermelhas e douradas, e que, na comemoração geral, a mesa da Grifinória foi a mais barulhenta do Salão. Até Harry enquanto comia, bebia, conversava e ria com todos, conseguira esquecer a viagem de regresso à casa dos Dursley no dia seguinte.
Quando o Expresso de Hogwarts deixou a estação na manhã seguinte, Hermione comunicou a Harry e a Rony uma notícia surpreendente.
— Fui ver a Profª. McGonagall hoje de manhã, pouco antes do café. Resolvi abandonar Estudos dos Trouxas.
— Mas você passou na prova com trezentos e vinte por cento! — exclamou Rony.
— Eu sei — suspirou Hermione —, mas não vou poder viver outro ano igual a este. Aquele Vira-Tempo estava me levando à loucura. Eu o devolvi. Sem Estudos dos Trouxas e Adivinhação, vou poder ter um horário normal outra vez.
— Ainda não consigo acreditar que você não tenha nos contado. Pensávamos que éramos seus amigos.
— Prometi que não contaria a ninguém — disse Hermione com severidade.
Ela se virou para olhar para Harry, que observava Hogwarts desaparecer de vista por trás de um morro. Dois meses inteiros até poder revê-la...
— Ah, se anima, Harry! — disse Hermione triste.
— Eu estou bem — se apressou o garoto a dizer. — Estou só pensando nas férias.
— É, eu também tenho pensado nelas — disse Rony. — Harry você tem que vir ficar conosco. Vou combinar com mamãe e papai, depois te ligo. Agora já sei usar um feletone...
— Um telefone, Rony — corrigiu-o Hermione. — Sinceramente, você é quem devia fazer Estudos dos Trouxas no ano que vem...
Rony fingiu que não tinha ouvido o comentário.
— Vai haver a Copa Mundial de Quadribol agora no verão! Que é que você acha, Harry? Vem ficar com a gente e aí podemos assistir aos jogos! Papai geralmente arranja entradas no ministério.
Esta proposta teve o efeito de animar Harry bastante.
— É.. Aposto que os Dursley iriam gostar que eu fosse, principalmente depois do que fiz com a tia Guida...
Sentindo-se bem mais alegre, Harry jogou várias partidas de Snap Explosivo com Rony e Hermione e, quando a bruxa com a carrocinha de lanches chegou, ele comprou uma enorme refeição, mas nada que tivesse chocolate.
Mas a tarde já ia avançada quando aconteceu a coisa que o deixou realmente feliz...
— Harry — chamou-o Hermione de repente, espiando por cima do seu ombro. — Que é essa coisa do lado de fora da sua janela?
Harry se virou para olhar. Havia uma coisa muito pequena e cinzenta que aparecia e desaparecia de vista do lado de fora da janela.
Ele se levantou para ver melhor e concluiu que era uma coruja minúscula, carregando uma carta demasiado grande para o seu tamanho. A coruja era tão pequena, na realidade, que não parava de dar cambalhotas no ar, impelida para cá e para lá pelo deslocamento de ar do trem. Harry baixou depressa a janela, esticou o braço e recolheu-a.
Ao tato, ela lembrava um pomo de ouro muito fofo. O garoto recolheu a coruja cuidadosamente pra dentro. A ave deixou cair a carta no banco e começou a voar pela cabine dos garotos, aparentemente muito satisfeita consigo mesma por ter se desincumbido de sua tarefa. Edwiges deu um estalo com o bico numa espécie de digna censura. Bichento se aprumou no assento, acompanhando a coruja com os seus enormes olhos amarelos.
Rony, reparando nisso, segurou a coruja para protegê-la do perigo iminente.
Harry apanhou a carta. Vinha endereçada a ele. O garoto abriu a carta e gritou:
— É do Sirius!
— Quê? — exclamaram Rony e Hermione excitados. — Leia em voz alta!
Caro Harry,
Espero que esta o encontre antes de você chegar à casa dos seus tios. Não sei se eles estão acostumados com correios-coruja.
Bicuço e eu estamos escondidos. Não vou lhe dizer onde, caso esta coruja caia em mãos indesejáveis. Tenho minhas dúvidas se ela é confiável, mas foi a melhor que consegui encontrar e me pareceu ansiosa para se encarregar da entrega.
Acredito que os dementadores ainda estejam me procurando, mas eles não têm a menor esperança de me encontrar aqui. Estou planejando deixar os trouxas me verem em breve, muito longe de Hogwarts, de modo que a segurança sobre o castelo seja relaxada.
Há uma coisa que não cheguei a lhe dizer durante o nosso breve encontro. Fui eu que lhe mandei a Firebolt...
— Ah! — exclamou Hermione triunfante. — Estão vendo! Eu disse a vocês que tinha sido ele!
É, mas ele não tinha enfeitiçado a vassoura, tinha? — retrucou Rony. — Ai! — A corujinha, agora piando feliz em sua mão, bicava-lhe um dedo, no que parecia ser uma demonstração de carinho.
...Bichento levou a ordem de compra à Agência-Coruja para mim.
Usei o seu nome, mas mandei sacarem o ouro do meu cofre em Gringotes. Por favor, considere a vassoura o equivalente a treze anos de presentes do seu padrinho.
Gostaria também de me desculpar pelo susto que lhe dei àquela noite, no ano passado, quando você abandonou a casa do seu tio. Minha esperança era apenas dar uma olhada em você antes de iniciar viagem para o norte, mas acho que a minha aparição o assustou.
Estou anexando outro presente para você, e acho que ele tornará o seu próximo ano em Hogwarts mais prazeroso.
Se algum dia precisar de mim, mande me dizer. Sua coruja me encontrará.
Escreverei novamente em breve.
Sirius.
Harry espiou ansioso dentro do envelope. Havia outro pedaço de pergaminho. Examinou-o depressa e se sentiu inesperadamente aquecido e satisfeito como se tivesse bebido uma garrafa de cerveja amanteigada quente, de um gole só.
“Pela presente, eu, Sirius Black, padrinho de Harry Potter, dou-lhe permissão para visitar Hogsmeade nos fins de semana”.
— Dumbledore vai aceitar esta autorização! — exclamou Harry alegremente. O garoto tornou a olhar para a carta de Sirius.
Espera aí, tem um P.S.
“Achei que o seu amigo Rony talvez quisesse ficar com a coruja, pois é minha culpa que ele não tenha mais um rato”.
Os olhos de Rony se arregalaram. A corujinha continuava a piar agitada.
— Ficar com a coruja? — perguntou o garoto hesitante. Ele mirou a ave um momento; depois, para grande surpresa de Harry e Hermione, ofereceu-a para Bichento cheirar.
— Qual é a sua avaliação? — perguntou Rony ao gato. — Isto é decididamente uma coruja?
Bichento ronronou.
— Para mim é o suficiente — disse Rony feliz. — É minha.
Harry leu e releu a carta de Sirius até a estação de King's Cross. E continuava a apertá-la na mão quando ele, Rony e Hermione passaram a barreira da plataforma 9 e ½. Harry localizou o tio Válter imediatamente. Estava parado a uma boa distância do Sr. e da Sra. Weasley, espiando-os desconfiado, e, quando a Sra. Weasley abraçou Harry, as piores suspeitas do tio a respeito do casal pareceram se confirmar.
— Eu ligo para falar da Copa Mundial! — gritou Rony para Harry quando o amigo acenou um adeus para ele e Hermione, e saiu empurrando o carrinho com sua mala e a gaiola de Edwiges em direção ao tio, que o cumprimentou da maneira habitual.
— Que é isso? — rosnou, olhando para o envelope que Harry ainda segurava na mão. — Se é outro formulário para eu assinar, pode tirar o cavalinho...
— Não é, não — respondeu Harry alegremente. — É uma carta do meu padrinho.
— Padrinho? — engasgou o tio Válter. — Você não tem padrinho!
— Tenho, sim — respondeu Harry animado. — Era o melhor amigo da minha mãe e do meu pai. E é um assassino condenado, mas fugiu da prisão dos bruxos e está foragido. Mas ele gosta de manter contato comigo... Saber das minhas notícias... Verificar se estou feliz...
E, abrindo um largo sorriso ao ver a cara de horror do tio Válter, Harry rumou para a saída da estação, Edwiges chocalhando à frente, para o que prometia ser um verão muito melhor do que o anterior.
FIM.
Nenhum comentário:
Postar um comentário